O Principezinho. A. de Saint Exupéry. Personagens Narrador Principezinho-N Principezinho Rosa Rei Homem de Negócios Vaidoso Geógrafo Raposa
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- Jonathan Pacheco
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1 O Principezinho A. de Saint Exupéry Personagens Narrador Principezinho-N Principezinho Rosa Rei Homem de Negócios Vaidoso Geógrafo Raposa Nota Técnica Toda a peça vai funcionar com dois tipos de acção diferente, dai existirem dois principezinhos. O principezinho-n (PN) é o principezinho que está sempre a acompanhar o narrador e que vai contando a sua história que uma vez introduzida é representada por outro principezinho. Por exemplo: Principezinho (N) diz que vai contar uma história ao Narrador, sentam-se a um canto a sua luz apaga-se e entra o outro principezinho e uma das outras personagens e fazem a sua cena. Quando acabam, saem e a luz do principezinho-n e do narrador volta a acender-se e eles falam. Cena I N (olhando para o público incrédulo): Não acredito no que vejo! Pessoas.. aqui? Deve ser por causa do calor tão forte. Vocês devem ser uma miragem. Estou neste deserto desde que o meu avião teve uma avaria, sozinho e cheio de calor, resta-me a esperança de que a água não acabe até eu conseguir reparar o motor e sair deste sitio tão.. pouco amigável. Desde que aterrei ainda não vi nada se não areia, como é que agora estou a ver pessoas? Só podem ser uma miragem! (continua a reparar o motor, de repente vê o principezinho a aproximar-se)
2 N: E o que é isto? Olhem-me para este rapazinho engraçado. Parece um princípe! Será outra miragem? Mas esta mexe-se! Olhem para ele! Está cada vez mais perto! (o principezinho aproxima-se e conversa com o Narrador) PN: Se faz favor, desenha-me uma ovelha! N: O quê? PN: Desenha-me uma ovelha! N: Mas eu não sei desenhar! PN: Não faz mal. Desenha-me uma ovelha! (o Narrador desenha uma ovelha) PN: Não gosto desta. É muito velha. Quero uma que vá viver muito tempo. (o Narrador, pensa e depois desenha uma caixa) N: Isto é só uma caixa. A ovelha que tu pediste está lá dentro. PN (satisfeito): Está exactamente como eu queria! Achas que esta ovelha vai precisar de muita erva? N: Porquê? PN: Porque o meu sítio é muito pequenino... N: De certeza que vai haver erva que chegue... Esta ovelha também é muito pequena... PN: Bem, também não é assim tão pequena.. Olha! Adormeceu... N: Então, o que é que tu estás aqui a fazer? PN: E tu? Tu vives neste deserto? E o que é isto? (apontando para o avião) N: É um avião. Uma máquina que voa. PN: Oh, isso é giro! Então também vieste do céu? De que planeta? N: E tu, tu vieste de outro planeta? PN: Isso não interessa. Depois do planeta de onde eu venho ninguém consegue ir muito longe.. (pausam, olham para o céu) PN: Eu gosto muito de pôres-do-sol. Anda. Vamos ver o pôr-dosol! N: Mas temos que esperar PN: Esperar? Esperar por quê? N: Esperar que o sol se ponha. Temos que esperar até que sejam horas..
3 PN: Estou sempre a esquecer-me que não estou em casa! No meu planeta, quando queres ver um pôr-do-sol, só tens que mover a tua cadeira um bocadinho.um dia vi o sol pôr-se 43 vezes! Sabes... quando se está muito, muito triste, é bom ver o pôr do sol... N: E nesse dia das 43 vezes estavas assim tão triste? (O principezinho, olhando para o desenho da ovelha, não responde) PN: Uma ovelha também come flores? N: Uma ovelha come tudo que estiver ao seu alcance. PN: Até flores com espinhos? N: Claro, mesmo as flores com espinhos. PN: Então para que servem os espinhos? (O narrador está ocupado a reparar o motor. O principezinho repete a pergunta) PN: Os espinhos, servem para quê? N: Os espinhos não servem para nada. As flores só têm espinhos por maldade. PN: Oh! Não acredito nisso! As flores são fracas. São ingénuas. Defendem-se como podem. Elas julgam-se terríveis com os seus espinhos. N: Meu pequeno amigo. Lamento mas estou ocupado com coisas sérias. Tenho que reparar o motor. PN (irritado): Coisas sérias! Tu falas como as pessoas grandes! Tu confundes tudo.. misturas tudo! Não percebes que estou preocupado com a minha flor! (começa a chorar) N: A flor de que tu gostas não está em perigo. Eu vou desenhar um açaime para a tua ovelha. Vou desenhar também um abrigo para a tua flor. (principezinho limpa as lágrimas) N(para o público): É um país tão misterioso, o país das lágrimas. Cena 4 (o narrador e o principezinho estão a ver o pôr-do-sol)
4 N: Contas-me uma história principezinho? PN: Se quiseres eu conto.. Aqui está a minha história. Venho de um planeta distante onde vivia com vulcões, uns quantos baobás e a minha flor. Era excepcional, a minha flor, muito diferente das outras plantas do meu planeta. Primeiro pensei que fosse uma nova espécie de baobá. Até ao dia em que ela acordou, bocejou e disse: A História do Principezinho Entra principezinho e rosa Rosa: Ah.. Acabo de acordar. Peço desculpas. Estou toda despenteada. P: Oh! Que flor tão bonita! Rosa: Lá isso é verdade... E nasci ao mesmo tempo que o Sol. (pausa) Creio que está na hora do pequeno-almoço. (pausa) É capaz de ter a bondade de pensar na minha pessoa? (o principezinho atrapalhado e apressado traz um regador com água) Rosa: Oh obrigada. E mais uma coisa... Tenho horror a correntes de ar. Não tens por aí um biombo? P: Um biombo? Rosa: Percebes, é que as correntes de ar são o meu único problema (tossindo). Fora as correntes de ar, não tenho medo de nada, nem mesmo de tigres! Se os tigres com aquelas garras pensam que me metem medo!.. P: Mas no meu planeta não há tigres! E aliás.. os tigres não comem erva. Rosa: (indignada) Eu não sou uma erva! P: Desculpe.. Rosa: À noite, queria que me cubrisses com uma redoma. É que faz tanto frio aqui... Há tão poucas comodidades.. Lá de onde eu venho... (mudando de assunto rapidamente) Então esse biombo!? P: Eu ia buscá-lo, mas na a quis interromper... (o pequeno principe mostra como trata da Rosa, rega-a, põe-lhe uma redoma, olha para ela com admiração e afecto e depois diz) P: Vou deixar este planeta, e não sei se volto, é possível, mas estou aqui para dizer adeus..
5 (a rosa não responde) P: Adeus! Rosa: Fui muito parva. Desculpa. Vê se consegues ser feliz. (o principezinho fica surpreendido) Rosa: Porque é que estás tão admirado? É evidente que eu gosto de ti. Nunca o soubeste, por minha culpa. Mas isso, agora já não tem importância nenhuma. Olha, tu também foste tão parvo como eu. Agora, vê lá se consegues ser feliz.. E deixa essa redoma em paz, já não a quero. P: E as correntes de ar? Rosa: Não estou tão constipada como isso... O fresco da noite há-de fazer-me bem. Sou uma flor! P: E os bichos? Rosa: Duas ou três lagartas terei mesmo de suportar se quiser saber como são as borboletas. Dizem que são bonitas! E, se não forem elas, quem é que se lembra de me vir cá visitar? Tu, tu hás-de estar bem longe. E dos bichos maiores, não tenho nada a recear. Afinal, para que quero eu os meus espinhos? (mostra os espinhos) Não fiques aqui a empatar que me irritas! Não resolveste ir embora? Pois então vai!... Não quero que me vejas chorar.. sai Principezinho e Rosa PN (para o Narrador): Não devia ter fugido da minha Rosa. Ela só tem alguns espinhos para se proteger. As flores são tão contraditórias! Mas eu era novo de mais para a saber amar.. (pausa) Então fui-me embora e fui visitar o Planeta do Rei. Entra principezinho e Rei (principezinho chega ao planeta do Rei, cansado. O rei encontrava-se sentado num trono e mal vê o principezinho diz) Rei: Ah! Cá temos um súbdito! Aproxima-te para eu te ver melhor! (principezinho surpreendido, aproxima-se cansado e boceja) Rei: É contra a etiqueta bocejar à frente de um rei! Proíbo-te que bocejes! P: Não consigo. (atrapalhado) Fiz uma grande viagem sem dormir...
6 Rei: Então ordeno-te que bocejes! Há anos que não vejo ninguém bocejar. Para mim os bocejos são autênticas raridades. Anda! Boceja outra vez! É uma ordem! P: Assim fico intimidado.. Já não consigo.. (corando) Rei: Então ordeno-te que bocejes às vezes. P: Posso-me sentar? Rei: Ordeno-te que te sentes! (principezinho senta-se) P: Perdoe-me, Majestade, mas gostava de vos perguntar... Rei: Ordeno-te que perguntes! P: Majestade, sobre quem reinais vós? Rei: Sobre tudo! P: Sobre tudo? Rei: Sobre tudo isto... Sobre todos os planetas e estrelas! P: E as estrelas obedecem a Vossa Majestade? Rei: Claro! Obedecem imeadiatamente! Eu não tolero indisciplinas. (principezinho pensativo, tem uma ideia) P: Gostava tanto de ver um pôr do Sol... Fazei-me esse gosto.. Ordenai ao Sol que se ponha.. Rei: Se eu ordenasse a um dos meus generais que se pusesse a voar de flor em flor como as borboletas, ou que escrevesse uma tragédia, ou que se transformasse em gaivota e se o meu general não executasse a ordem recebida, de quem era a culpa: minha ou dele? P: Era vossa.. Rei: Pois era. Só se pode exigir a uma pessoa o que essa pessoa pode dar. A autoridade baseia-se, antes de mais, no bom senso. Se um rei ordenar ao seu povo que se deite ao mar, ele revoltase. Eu, eu tenho o direito de exigir obediência porque as minhas ordens são sensatas. P: Então e o meu pôr-do-sol? Rei: Calma que o hás-de ter. Eu assim o exijo. Mas a minha ciência de governação recomenda-me que espere pelas condições mais favoráveis, P: E quando é isso?
7 Rei: Ora bem... Ora bem.. (consulta um calendário) Deve ser lá para... lá para as sete e quarenta! E vais ver que sou cegamente obedecido. (princepezinho um bocado entediado) P: Não tenho mais nada a fazer aqui. Vou-me embora.. Rei: Não te vás embora! Não te vás embora, que eu faço-te um ministro. P: Ministro de quê? Rei: De... da Justiça! P: Mas não ninguém para julgar! Rei: Então julgas-te a ti próprio. É o mais dificil de tudo. É bem mais dificil julgarmo-nos a nós próprios do que aos outros. Se te conseguires julgar-te bem a ti próprio, és um sábio dos autênticos. P: Mas eu posso julgar-me a mim próprio em qualquer sitio... não preciso de viver aqui. Rei: Bem.. Bem.. Tenho a impressão que há algures por aí uma velha ratazana, Podes julgar essa ratazana. De tempos a tempos, condena-la à morte. Assim, a vida dela fica a depender da tua justiça. Mas depois vem uma amnistia e tu perdoa-la. Para a poupar.. como só há uma.. P: Mas eu não gosto de condenar ninguém à morte. Nem mesmo uma ratazana... Acho que me vou embora. Rei: Não vás. P: Vossa Majestade: se desejais ser pontualmente obedecido, tendes agora uma boa oportunidade de dar uma ordem sensata. Ordenai, que daqui a um minuto eu já aqui não esteja. Parece-me que as condições são as mais favoráveis... (o rei não responde, amuado; o principezinho vai-se embora; quando já está a sair o rei grita) Rei: Faço-te meu embaixador!... sai principezinho, sai Rei PN: As pessoas grandes, são mesmo esquisitas.. (pausa) dali fui para outro planeta, um planeta onde só vivia um homem, com um espelho.
8 Planeta do Homem Vaidoso Entra principezinho, e Vaidoso V: Ah! Ah! Cá temos um admirador! P: Olá, bom dia. Mas que rico chapéu que o senhor tem! V: É para agradecer quando sou aclamado. Infelizmente nunca passa ninguém por aqui. P: Ah não? (sem perceber) V: Bate com as mãos uma na outra. (principezinho bate palmas e vaidoso agradece tirando o chapéu, repetem, principezinho divertido) P: E para o chapéu cair? Como se faz? (Vaidoso não ouve) V: Admiras-me mesmo muito? P: O que é que significa admirar? V: Admirar quer dizer que reconheces que eu sou o homem mais bonito, mais bem vestido, mais rico e mais inteligente de todo o planeta. P: Mas tu estás sozinho no teu planeta! V: Não faz mal. Faz-me a vontade: admira-me! P: Admiro-te pois. (encolhendo os ombros) Mas para que é que isso te interessa? (vaidoso não ouviu e fica a ver-se ao espelho, nem se apercebe que o principezinho se vai embora) P: As pessoas crescidas são mesmo muito esquisitas. sai principezinho, sai vaidoso Planeta do Homem de Negócios Entra principezinho, entra homem de negócios atarefado quase não repara no principezinho P: Olá bom dia! Tem o cigarro apagado!... HN: 3 e 2, 5. 5 e 7, e 3, 15. Bom dia! 15 e 7, e 6, 28. Não tenho tempo de o voltar a acender. 26 e 5, 31. Uf! Portanto, tudo isto soma 501 milhões, 622 mil, 731! P: 500 milhões de quê? HN: Ah. Ainda ai estás? 500 milhões de... Olha que já nem sei... Tenho tanto que fazer! Eu, eu sou um homem sério, não perco o meu tempo com ninharias! 2 e 5, 7...
9 P (interrompendo): 500 milhões de quê? HN (levantando a cabeça): Vivo neste planeta há 54 anos e ainda só fui incomodado três vezes. A primeira vez foi há 22 anos: era um besouro caído sabe Deus de onde. Fazia tanto barulho que me enganei quatro vezes numa soma. A segunda vez foi há 11 anos: era um ataque de reumatismo. Tenho falta de exercício. Não me sobra tempo para andar por aí a vadiar. É que eu, eu sou um homem sério. A terceira vez... é esta! Mas, ia eu dizendo milhões.. P (interrompendo): Milhões de quê? HN: Milhões daquelas coisitas que às vezes se vêem a brilhar no céu. P: Moscas? HN: Não, nada disso. Coisitas douradas que dão a volta à cabeça dos párias e dos vagabundos. P: Ah! Estrelas! HN: Isso mesmo! Estrelas! P: E o que é que fazes com 500 milhões de estrelas? HN: 501 milhões, 622 mil, 731. Eu, eu sou um homem sério e gosto que as coisas sejam ditas com rigor! P: E o que é que fazes com essas estrelas todas? HN: O que é que eu faço com elas? P: Sim HN: Nada. Tenho-as. P: Tu tens as estrelas? HN: Tenho. P: Mas eu conheço um rei que... HN: Os Reis não têm nada, reinam sobre as coisas. É muito diferente. P: E para que é que te serve teres estrelas? HN: Serve-me para ser rico. P: E para que é que te serve seres rico? HN: Para comprar outras estrelas, se alguém as descobrir. P: E como é que se pode ter as estrelas? HN: De quem são elas? P: Não sei. De ninguém. HN: Então são minhas. Eu fui o primeiro a pensar nisso..
10 P: E isso basta? HN: Claro que basta! Se tu achares um diamante e ele não for de ninguém passa a ser teu. Se tu achares uma ilha e ela não for de ninguém, passa a ser tua. Se tu fores o primeiro a ter uma ideia, tiras-lhe a patente: é tua. Pois eu tenho as estrelas porque, antes de mim, nunca ninguém se tinha lembrado de as ter. P: Lá isso é verdade. E o que é que fazes com elas? HN: Administro-as. Conto-as e trono a contá-las. É difícil, mas eu sou um homem sério. P: Mas tu não consegues apanhar as tuas estrelas e levá-las contigo.. HN: Pois não, mas posso pô-las no banco. P: O que é que isso quer dizer? HN: Quer dizer que pego num papelinho e escreve o número das minhas estrelas. E depois guardo o papelinho numa gaveta e fecho-a à chave. P: E mais nada? HN: Mais nada. P: Eu cá por mim, tenho uma flor. Rego-a todos os dias. Tenho três vulcões. Limpo-os todas as semanas. É útil para a minha flor e para os meus vulcões que eu os tenha. Mas tu não és útil para as estrelas! (o homem ia responder, abre a boca mas fica sem resposta) P (afastando-se): As pessoas crescidas são de facto extraordinárias. principezinho sai, Homem de Negócios sai PN: Sabes o que é um geógrafo? N: O quê? PN: Um ge-ó-gra-fo. N: Sei pois. Os geógrafos são os que fazem os mapas. E ainda bem porque ser aviador era difícil sem mapas. Mas porque perguntas? PN: Porque encontrei um, uma vez. N: Onde? Também na tua viagem? PN: Sim. Eu conto! Entram principezinho e geógrafo
11 G: Ora vejam! Aqui temos um explorador! (princepezinho tem dificuldade em ver o geógrafo por detrás de um grande livro) P: Que livro tão grande. O que é está a fazer? G: Eu sou um géografo. P: O que é um geógrafo? G: Um géografo é um cientista que sabe onde ficam os mares, os rios, as cidades, as montanhas e os desertos. P: Mas que interessante! (entusiasmado) Isto sim, é uma profissão! O seu planeta é muito bonito! Tem mares? G: Não faço ideia. P: E cidades e rios e desertos? G: Também não faço ideia. P: Mas o senhor é geógrafo! G: Pois sou, mas não sou explorador. Não é o geógrafo que vai contar as cidades, os rios, as montanhas, os mares, os oceanos e os desertos. O geógrafo é demasiado importante para andar por ai a vadiar. Nunca sai da sua secretária, e é aqui que recebe os exploradores. Faz-lhes perguntas e toma nota do que eles dizem. Se houver informação interessante o geógrafo manda fazer um inquérito à moralidade do explorador. P: Porquê? G: Porque um explorador mentirosos podia provocar autênticas catástrofes nos livros de geografia. E um explorador bêbado também. P: Porquê? G: Porque os bêbedos vêem a dobrar e assim, por exemplo, o geógrafo assinalava a existência de duas montanhas quando na realidade só haveria uma. P: Estou a perceber. G:Mas tu vieste de muito longe! És um explorador! Anda, descreve-me o teu planeta! P: No meu planeta tenho uma flor. G: Nós não assinalamos flores, são efémeras. P: E o que é que efémero quer dizer? G: Quer dizer que se encontra ameaçado de desaparição a curto prazo.
12 P: Então a minha flor está ameaçada de desaparição a curto prazo. G: Evidentemente! (princepezinho mostra-se preocupado) P(à parte): A minha flor é efémera, e só tem quatro espinhos para se defender do mundo inteiro. E eu deixei-a lá sozinha! P: E agora o que me aconselha a visitar? G: O planeta Terra tem boa reputação. sai geógrafo, sai principezinho PN: Depois deste planeta visitei um planeta chamado Terra. E sabes o que encontrei lá? N: O quê? PN: Um jardim cheio de flores iguais à minha flor. A minha flor disse-me que era única. Que não havia mais nenhuma como ela no universo. E lá estavam 5 mil flores todas como a minha flor num só jardim! Parece que a minha flor era só uma rosa comum.. e isso não faz de mim lá grande princípe... (narrador mostra-se compreensivo mas não diz nada) O Planeta Terra Entra raposa, entra principezinho (principezinho encontra uma raposa escondida) Raposa: Olá bom dia! P: Olá.. quem és tu? És bem bonita.. (raposa envergonhada) Raposa: Sou uma raposa. P: Anda brincar comigo.. Estou tão triste.. Raposa: Não posso ir brincar contigo.. Não me cativaste.. P: Ah! Então, desculpa! (pausa) O que é que quer dizer cativar? Raposa: Vê-se logo que não és de cá.. De que andas à procura? P: Ando à procura dos homens. O que quer dizer cativar? Raposa: Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar. É uma grande maçada! E também fazem criação de galinhas. Aliás, na minha opinião, isso é única coisa que interessa neles. Andas à procura de galinhas? P: Não. Ando à procura de amigos. O que quer dizer cativar?
13 Raposa: É uma coisa que toda a gente se esqueceu. Quer dizer criar laços... P: Criar laços? Raposa: Sim, laços. Ora vê: por enquanto, para mim tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a 100 mil outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto eu não sou, para ti, senão uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativares, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E eu também passo a ser única no mundo para ti... P: Acho que estou a perceber.. Sabes, há uma certa flor, tenho a impressão que ela me cativou... Raposa: É bem possível. Vê-se cada coisa cá na Terra. P: Oh! Mas não é da Terra! Raposa: Então é noutro planeta? P: Sim. Raposa: E nesse planeta há caçadores? P: Não. Raposa: Hum... Que interessante... E galinhas? P: Não. Raposa: Não bela sem senão.. (pausa) Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu caço galinhas e os homens caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas às outras e os homens são todos iguais uns aos outros. Por isso, às vezes, aborreço-me muito. Mas, se tu me cativares, a minha vida fica cheia de sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu não como pão, e o por isso o trigo não me serve para nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando tu me tiveres cativado, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo... (pausa a olhar para o principezinho) Por favor, cativa-me.
14 P: Eu bem gostava, mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e uma data de coisas para conhecer.. Raposa: Só conhecemos o que cativamos. Os homens deixaram de ter tempo para conhecer o que quer que seja. Compram as coisas já feitas aos vendedore. Mas como não há vendedores de amigos, os homens deixaram de ter amigos. Se queres um amigo, cativa-me! P: E tenho de fazer o quê? Raposa: Tens de ter muita paciência. Primeiro sentas-te um bocadinho afastado de mim, aí na relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto... PN: E foi assim que ficámos amigos. Visitei a raposa muitos dias, e cativei-a. Até que um dia tive que partir... Raposa: Ai.. Ai que me vou pôr a chorar! P: A culpa é tua! Eu não queria que te acontecesse mal nenhum, mas tu pediste-me para eu te cativar... Raposa: Pois pedi. P: Mas agora vais-te pôr a chorar! Raposa: Pois vou. P: Então não ganhaste nada com isso.. Raposa: Ai isso é que ganhei! Por causa da cor do trigo... P: Adeus.. Raposa: Adeus. Vou-te contar um segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.. P: O essencial é invisível para os olhos... Raposa: Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que a tornou importante, e fez dela única no universo, para ti. Os homens já se esqueceram desta verdade, mas tu não te esqueças! Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que cativaste. Tu és responsável pela tua rosa. P: Eu sou responsável pela minha rosa... sai principezinho, sai raposa
15 N: A tua história é uma história bonita. E agora já não estás triste por teres encontrado o jardim cheio de flores como a tua? PN: Não, aquelas flores não eram como a minha, ninguém as cativou, são como a raposa antes de eu a ter conhecido. São bonitas mas são vazias. A minha flor é diferente. A minha rosa foi regada por mim, fui que a pus numa redoma. Foi a ela que ouvi refilar, protestar, amuar... É a minha rosa. O essencial é invisível aos olhos. Fim
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