Ulisses retornado: a pátria e o desterro 46. Abordagens da perspectiva africana 54. Colonialismo: uma instância traumática 72
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1 Sumário Prefácio (Marcelo Bittencourt) 13 Introdução 17 Capítulo I O retorno de Ulisses 27 Gênese da perspectiva africana 28 A perspectiva africana na História Geral da África 37 Ulisses retornado: a pátria e o desterro 46 Abordagens da perspectiva africana 54 O vocábulo resistência na História Geral da África 57 Capítulo II A danação do guerreiro ibo 71 Colonialismo: uma instância traumática 72 Gênese dos estudos acerca da resistência 77 A abordagem tradicionalista 81 A abordagem marxista 93 Resistência e temporalidade 106 Capítulo III A redenção do guerrilheiro 129 Do protesto à resistência 130 Protesto, resistência e tradições 147 A resistência nos estudos de caso 159 Interlúdio: resistência e lógica histórica 166 Nacionalismo e libertação 170 Coda 183 Referências 189
2 Prefácio O projeto de pesquisa com o qual Felipe Paiva se apresentou e foi aprovado na seleção de mestrado no Programa de Pós- Graduação da UFF versava sobre as relações entre a literatura e a prolongada luta de libertação ocorrida em Angola. Tema muito visitado pela crítica literária, que se dedica às literaturas africanas de língua portuguesa, mas ainda pouco refletido pela história, que em muitos casos mais se apropria das obras literárias do que estabelece diálogo com estas. Sua ideia era trabalhar a literatura como forma e local de resistência. Curiosamente, mas não por acaso, como veremos a seguir, do projeto inicial à dissertação final, que com pequenas variações compõe o livro que o leitor tem em mãos, muita coisa mudou. Apesar da transformação, ficou a questão original, o seu motor, o que ele estava interessado em estudar. Afinal, o que ele fez foi deixar de estudar uma resistência específica, no caso a angolana, para passar a refletir sobre a ideia de resistência e suas múltiplas faces no continente africano. Indiscutivelmente um horizonte difícil de ser alcançado e delimitado. A escolha da monumental coleção da História Geral da África (HGA), publicada pela Unesco, como rota a ser seguida foi sem dúvida arriscada, mas a ousadia deu um belo fruto. A opção de analisar a ideia de resistência na HGA foi complementada, ainda, pela procura por novos termos de comparação, janelas de contato, aproximações com outras áreas, que, como podemos perceber na leitura do livro, se insinuam a todo momento em seu texto, a tal ponto que se tornam indissociáveis da narrativa, como será o caso da literatura e da música, passando a fazer parte, ambas, da arquitetura do trabalho. A literatura, nesse caso, retornava. Todavia, não mais como na versão do projeto inicial, como fonte principal, mas sim como caminho alternativo de problematização das questões que seriam propostas. A pesquisa e a redação foram sendo construídas a partir desses vários entrelaçamentos, e o resultado final confirma a impossibilidade de qualquer separação entre elas. 13
3 O trabalho também carrega uma forte dose de coragem por parte do autor. Ele enfrenta um tema caro à historiografia, como é o da resistência, e que em relação à História da África é ainda mais controverso. Felipe tem a vantagem do tempo, é verdade. Passadas algumas décadas das independências africanas, do desmoronamento dos sonhos imediatos da libertação e dos conflitos civis de grande intensidade e forte presença de fatores externos, o tema parece poder ser visitado com razoável distanciamento, obrigando todos nós a termos uma maior precisão quanto às necessárias contextualizações e, como diz o autor, a encararmos uma mais aguda visão de processo. A questão central do trabalho é apresentar o que ele chama de dissenso epistêmico ou polifonia conceitual existente entre os diversos autores que participam da HGA e usam o termo resistência. Sua viagem pelos oito volumes da coleção, no entanto, precisa de um leme, de algo que o guie e o direcione pelo extenso labirinto de temporalidades e temas que o conjunto da obra comporta. A saída é frisar a identificação do uso vocabular e do uso conceitual do termo resistência. O que irá lhe permitir olhar para a presença da ideia de resistência em toda a HGA, mas problematizá-la de forma diferenciada, guardando essa distinção entre o uso corrente da palavra e o uso enquanto conceito. Por outro lado, a análise complexifica as múltiplas leituras acerca da ideia de resistência presentes na HGA. Destaca, por exemplo, que tal perspectiva perde impacto quando esta se relaciona às diversas imposições e violências exercidas pelos próprios africanos, uns sobre os outros. Tal diferença de tratamento estaria mais vinculada ao formato assumido pelo nacionalismo africano dos anos 1960 e 1970 e a um certo sentimento difuso pan-africanista de muitos dos autores da coleção do que ao contexto sobre o qual tais textos se debruçavam. De forma bastante provocativa, mas bem alicerçada, seu texto retoma a crítica da homogeneização historiográfica existente sobre a África, explicitando a visão eurocêntrica na sua face niveladora e a-histórica sobre o continente. Mas faz esse exercício para, em seguida, problematizar o quanto alguns dos autores presentes na HGA constroem uma imagem de agência (ação) 14
4 africana coerente, continental e por isso mesmo homogeneizante, distante da história. No aprofundamento da análise dos volumes VII e VIII da coleção da HGA, o livro traz à tona um novo ator: o colonialismo. Sobre esse tema o autor propõe uma interessante leitura, perspectivando-o enquanto um evento traumático. É nesse instante que a análise recupera os vários alertas realizados anteriormente acerca da importância de se ter em conta os diferentes momentos de planejamento, elaboração e publicação da coleção. Isso porque sua argumentação passa a exigir um maior esforço de contextualização. Algumas perguntas passam a rondar o texto: será que o termo resistência tinha o mesmo significado nos anos 1960, 1970, 1980 e 1990? E esse entendimento quanto ao termo em questão era compartilhado por todos os autores envolvidos na HGA? E quanto aos seus leitores? As respostas a essas perguntas implícitas serão articuladas pela costura dos argumentos, em especial pela ressalva de que a própria problematização teórica do conceito reforça a postura ideológica dos autores. As ideias de resistência presentes na coleção respondem a pressupostos epistemológicos, evidentemente, mas também políticos. O livro de Felipe representa um grande alerta contra o congelamento do conceito de resistência, que o afasta, frequentemente, da percepção de processo e das complexas relações entre a história vivida e a história contada, entre o passado, o presente e os projetos para o futuro. O que, em certa medida, providencia um sentido único de resistência. Nada mais tranquilizador para aqueles que concebem uma visão binária do colonialismo, opondo automaticamente oprimidos e opressores. O problema é que, dessa forma, o conceito se afasta da história. As ideias aqui apresentadas não buscam resumir ou dialogar com o livro que segue. Minha pretensão é tão somente a de instigar o leitor a percorrer as páginas que tem pela frente. Felipe Paiva o irá conduzir de forma agradável e inteligente, como tem sido comum em seus textos. Mas não espere o leitor por recuos e tangenciamentos. A redação de Felipe é incisiva, e seus argumentos são preciosamente articulados. Por tudo isso, a leitura deste 15
5 livro é um exercício importante para todos aqueles que se aventuram pela História da África. Marcelo Bittencourt Professor de História da África da Universidade Federal Fluminense 16
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