SERRANO, Carlos, WALDMAN, Maurício. Memória d África: a temática africana em sala de aula. São Paulo: Cortez, p.
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- Daniel Tomé Beppler
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1 SERRANO, Carlos, WALDMAN, Maurício. Memória d África: a temática africana em sala de aula. São Paulo: Cortez, p. Ana Cláudia da SILVA A publicação da Lei Nº , de 9 de janeiro de 2003, determina que seja incluído no currículo oficial do ensino fundamental e médio, em todo o território nacional, o estudo de História e Cultura Afro- Brasileira. Trata-se de um acréscimo ao texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) Lei Nº /96, que prevê que os currículos tenham uma parte diversificada, de acordo com características regionais e culturais, bem como o apoio aos sistemas de ensino para que promovam uma educação intercultural. Os artigos acrescidos à LDBEN determinam que essa temática seja abordada em todo o currículo escolar, nomeando especialmente as áreas de Educação Artística, Literatura e História Brasileiras. É fato, porém, que muitos professores do ensino básico não têm, em seus cursos de licenciatura, uma formação específica para tratar da história e das culturas afro-brasileiras, encontrando-se despreparados para o trato dessa temática. Com o objetivo de fundamentar o estudo nessa área, o antropólogo Carlos Serrano, docente da Universidade de São Paulo, e o sociólogo Maurício Waldman, colaborador do Centro de Estudos Africanos da mesma universidade, reuniram seus conhecimentos que transitam pelas áreas de Antropologia, Sociologia e Geografia para oferecer aos docentes brasileiros um material que subsidia as abordagens referentes à temática africana e afro-brasileira. Desse esforço conjunto resultou o * Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara São Paulo Brasil, sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Gonzaga Marchezan; bolsista CNPq. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1,
2 livro Memória d África: a temática africana em sala de aula. O livro traz uma abordagem multidisciplinar, enfocando as relações de afinidade entre a África e o Brasil. Além disso, depreende-se de suas páginas uma proposição muito clara, qual seja a de resgatar a imagem da África, libertando-a dos estereótipos a que foi histórica e ideologicamente condicionada, e apresentando ao leitor um continente diversificado e rico. O resgate da imagem da África parte da área da Geografia. Comparando diferentes registros cartográficos, por exemplo, os autores afirmam que, [...] a despeito de ter sido confinada a uma espécie de periferia inconsistente do mundo a África abriga o centro espacial imaginário da Terra (p.40), tese facilmente comprovada pelas bem selecionadas ilustrações da obra. Em seguida, os autores comentam as particularidades geofísicas do continente africano, dando destaque para a existência de ilhas, lagos e rios, que despontam em meio às savanas e florestas equatoriais que recobrem o território. Um destaque especial foi dado ao deserto do Saara que, além de constituir um ecossistema variado, também funcionou, por muitos anos, como filtro para a penetração de outras culturas no continente: [...] o Saara permitiu que dois ritmos históricos se estabelecessem nos dois espaços diante dos quais se intercalava, permitindo uma evolução cultural que guardava traços específicos para cada conjunto. (p.99) Assim, aquilo que se conhece como África Negra, explicitam os autores, corresponde às culturas que se desenvolveram ao sul do deserto. Nessa parte que é a maior do continente convivem diferentes etnias, cada uma com suas particularidades; estas, contudo, guardam entre si muitos traços comuns, de natureza filosófica, religiosa, cultural, política. Provenientes de uma tradição comum ao continente, essas concepções perduram através dos séculos e são encontradas, com algumas variações, na maior parte das etnias ao sul do deserto. Os autores procuram apontar como a visão de mundo tradicional interfere em questões do tempo presente. Um exemplo disso, segundo os autores, é o afastamento do homem africano das religiões tradicionais, que está diretamente ligado DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1,
3 ao problema do desmatamento. Ocorre que o mundo, para os africanos subsaarianos, é entendido como sendo governado por forças vitais que interligam todos os seres inanimados, animados, espirituais, dos quais o homem é o vértice, isto é, o ponto de união de todas as outras formas de vida. Desfeitos estes laços, o mundo passa a ser governado pelos interesses comerciais, os quais determinam outras formas de relacionamento com o espaço natural. O tráfico de escravos, como não poderia deixar de ser, é outro tema abordado na obra. Os autores discutem questões referentes à escravidão nas sociedades tradicionais africanas, apontando as diferenças entre a condição de escravo nos países ocidentais e, anteriormente, na África, onde a escravidão era um produto social que envolvia relações sociais, militares, econômicas, jurídicas e políticas, colocando frações da sociedade muito mais numa situação de servidão do que como simples mercadoria. (p.170) O conhecimento sobre a escravidão no continente africano, ilustrado por alguns estudos de casos, é um bom instrumento para que se entenda melhor a situação dos escravos trazidos para o Brasil, os quais, embora já fossem escravizados em seu próprio continente, foram aqui submetidos a condições muito mais adversas. Outro tema problematizado na obra é a presença européia na África e o colonialismo dos países africanos. Os autores conferem relevo às formas de resistência dos africanos e à dificuldade que significou a ocupação do interior do continente. Essa dominação teve, sobre o continente, os efeitos devastadores que advieram da presença dos europeus que, ávidos de civilização, introduziram profundas mudanças no continente africano. Estas consistiram em interferências nos sistemas de transporte e comunicações, no estabelecimento de novas unidades administrativas, na imposição das línguas européias que, como lembram os autores, acabaram por promover o analfabetismo entre povos que tinham uma forma de comunicação própria e significativa, medidas que serviam apenas ao escoamento das riquezas africanas para a Europa. Com isso, foram desarticuladas formas de organização pré-existentes, instituindo- DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1,
4 se ali os meios necessários para a manutenção do sistema colonial (entre os quais está a criação de escolas, com a função de fazer a cultura européia sobrepor-se às culturas locais). Também as religiões oficiais foram banidas, sob o estigma de bruxaria e superstição, que persiste até hoje em muitas manifestações culturais do Ocidente, reforçando negativamente a imagem da África como continente incivilizado. No caso dos países africanos de língua portuguesa, a dominação fez com que herdassem o que havia de pior no colonialismo europeu, visto que Portugal já era um país periférico da Europa. A pobreza e o subdesenvolvimento da metrópole a colocavam na dependência dos outros países europeus, o que faz pensar que Angola, Moçambique, Guiné- Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, assim como ocorreu também no Brasil, foram objetos de um colonialismo de segunda mão. A obra aborda também o lento processo de descolonização da África, que em muitos países foi fruto das lutas nacionais de independência. Serrano e Waldman comentam especificamente o fim dos impérios coloniais na África e os diferentes processos de desocupação territorial africana pelos italianos, europeus, belgas, ingleses, franceses e, finalmente, pelos portugueses. Na seqüência, é traçado um panorama da África contemporânea, mapeando os desafios e oportunidades das novas nações frente ao contexto mundial da globalização, mencionando especialmente as contribuições das culturas africanas para a cultura brasileira e a sua participação ainda muito aquém de ser realmente valorizada na economia mundial da atualidade, alertando para os perigos que rondam o continente: O peso da África na economia globalizada torna compreensível a reapresentação de vozes que pleiteiam a retomada do controle do continente pelas potências ocidentais. (p.282) Finalmente, vale ressaltar que esta obra discute assuntos complexos em uma linguagem clara e didática, valorizada pelas riquezas documentais e de ilustração, que ampliam o leque de conhecimentos nela apresentados e discutidos. Pela sua abrangência, constitui-se em leitura fundamental para professores e alunos que se debruçam sobre o estudo da temática africana e das relações entre o Brasil e África nas DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1,
5 mais diversas áreas de conhecimento. Além disso, a fluência com que os autores abordam questões que repercutem na vida de todo homem contemporâneo faz da leitura da obra um exercício agradável de atualização e revisão de valores humanitários para todos os leitores. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1,
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