sobre a volatilidade dos preços, o funcionamento dos mercados mundiais de produtos agrícolas e o seu impacto na segurança alimentar dos países ACP

Transcrição

1 (ACP-UE/ /def.) RESOLUÇÃO 1 sobre a volatilidade dos preços, o funcionamento dos mercados mundiais de produtos agrícolas e o seu impacto na segurança alimentar dos países ACP A Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE, - Reunida em Horsens (Dinamarca), de 28 a 30 de maio de 2012, - Tendo em conta o artigo 18.º, n.º 1, do seu Regimento, - Tendo em conta o Acordo de Parceria ACP-UE, assinado em Cotonou, em 23 de junho de 2000 e revisto em 2005 e 2010, - Tendo em conta a Declaração do Milénio das Nações Unidas, de 8 de setembro de 2000, que traça os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) como objetivos estabelecidos conjuntamente pela comunidade internacional para erradicar a pobreza e a fome, e em particular o ODM1, relativo à erradicação da pobreza extrema e da fome, - Tendo em conta a Convenção relativa à Ajuda Alimentar, assinada em Londres, em 13 de abril de 1999, que tem por objetivo contribuir para a segurança alimentar mundial e melhorar a capacidade da comunidade internacional em dar resposta às situações de emergência em matéria alimentar e a outras necessidades alimentares dos países em desenvolvimento, - Tendo em conta as «Orientações voluntárias para apoiar a aplicação progressiva do direito a uma alimentação adequada no contexto da segurança alimentar nacional» da FAO, - Tendo em conta a Declaração de Maputo sobre Agricultura e Segurança Alimentar, assinada em 2003, através da qual os governos africanos se comprometeram a afetar pelo menos 10 % dos seus orçamentos nacionais anuais à agricultura, - Tendo em conta as «Orientações da UE em matéria de políticas fundiárias» de novembro de 2004, - Tendo em conta a 7.ª Sessão Extraordinária do Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas, realizada em Genebra, em 22 de maio de 2008, sobre «O impacto negativo do agravamento da crise alimentar mundial na concretização do 1 Aprovada pela Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE em 30 de maio de 2012 em Horsens (Dinamarca).

2 direito à alimentação, causado, nomeadamente, pela explosão dos preços dos géneros alimentícios», - Tendo em conta a Declaração Conjunta de L Aquila sobre segurança alimentar mundial, adotada em 10 de julho de 2009, - Tendo em conta a iniciativa das Nações Unidas para um nível mínimo de proteção social («Social Protection Floor Initiative»), - Tendo em conta a Resolução do Parlamento Europeu, de 13 de janeiro de 2009, sobre a Política Agrícola Comum e a segurança alimentar mundial, - Tendo em conta a resolução do Parlamento Europeu, de 26 de novembro de 2009, sobre a cimeira da FAO e a segurança alimentar, - Tendo em conta a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu intitulada «Quadro estratégico da UE para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentarem os desafios no domínio da segurança alimentar» (COM(2010)0127), aprovada em 31 de março de 2010, e as Conclusões do Conselho adotadas em 10 de maio de 2010, - Tendo em conta a sua Resolução sobre segurança alimentar, adotada em Kinshasa, em 4 de dezembro de 2010, - Tendo em conta as oito recomendações dirigidas ao G20, publicadas, em 29 de janeiro de 2011, pelo Relator Especial das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, - Tendo em conta o relatório Interagências, coordenado pela FAO e pela OCDE, dirigido ao G20 sobre a «Volatilidade dos preços nos mercados alimentar e agrícola: respostas políticas», de 2 de junho de 2011, - Tendo em conta o relatório do Grupo de Peritos de Alto Nível em Segurança Alimentar e Nutrição sobre a «Volatilidade dos preços e a segurança alimentar», de julho de 2011, - Tendo em conta a Resolução do Parlamento Europeu, de 27 de setembro de 2011, sobre a ajuda aos países em desenvolvimento para enfrentarem os desafios no domínio da segurança alimentar, - Tendo em conta o relatório da Comissão do Desenvolvimento Económico, das Finanças e do Comércio (ACP-UE/ /def.), A. Considerando que, de acordo com a FAO, o número de pessoas que sofrem de fome atingiu os 925 milhões em 2010; B. Considerando que apenas 62 dos 118 países em desenvolvimento estão em vias de atingir o objetivo ODM1, e que 29 países no mundo enfrentam atualmente dificuldades no abastecimento de alimentos, necessitando de ajuda alimentar externa;

3 C. Considerando que se prevê um aumento de 70 a 100 % da procura mundial de produtos agrícolas até 2050, altura em que a população mundial deverá atingir os nove mil milhões de pessoas; D. Considerando que a insegurança alimentar, que é a razão para os motins da fome, que pode resultar em problemas de segurança coletiva à escala global, é ainda mais agravada por questões de propriedade das terras, pela ausência de políticas agrícolas adequadas, pela degradação das terras, pelas alterações climáticas, pelo regime fundiário, pela procura de agrocombustíveis e pelas políticas relacionadas com a energia, pela especulação sobre matérias-primas, bem como pela subida artificial dos preços dos alimentos em geral e como resultado de especulação; E. Considerando o aumento mensal dos preços dos alimentos, desde agosto de 2010, cujos valores são agora mais elevados comparativamente ao ano de 2008, altura em que os preços dos alimentos atingiram um ponto culminante; F. Considerando que o Relatório do Banco Mundial sobre os preços dos alimentos, de agosto de 2011, refere que o nível elevado e a volatilidade dos preços globais dos alimentos estão a pôr em risco os mais pobres no mundo em desenvolvimento e estão a contribuir para a situação de emergência no Corno de África; G. Considerando que a volatilidade dos preços das matérias-primas não afeta apenas os consumidores, mas também os produtores, tornando extremamente difícil para os agricultores dos países ACP planear a produção e a comercialização dos seus produtos; que a percentagem de rendimentos dos agricultores procedente da cadeia de abastecimento alimentar diminuiu consideravelmente, enquanto que os lucros dos transformadores e retalhistas registaram um aumento constante; H. Considerando que a fertilidade dos solos tem baixado para níveis alarmantes em muitas regiões, traduzindo-se na redução das colheitas e na exploração excessiva de solos exaustos; considerando, ainda, que existem dados científicos que provam que é possível restaurar a fertilidade dos solos, aumentar os rendimentos, atenuar o impacto das condições climáticas extremas nas explorações aumentar a biodiversidade, bem como diversificar e aumentar os rendimentos das pequenas explorações produtores através da utilização de sistemas agroecológicos que combinem as culturas com a silvicultura e com a pecuária; I. Considerando a redução acentuada do nível de ajuda ao desenvolvimento destinada à agricultura desde os anos 80, a qual registou uma diminuição até 3,8 % da ajuda pública ao desenvolvimento (APD); considerando que a parte das despesas públicas consagrada à agricultura também decaiu para uma média de 7 % nos países em desenvolvimento; J. Considerando a preocupação manifestada pela maior parte dos governos africanos quanto ao facto de os benefícios da liberalização do comércio mundial tenderem a ser mínimos na África Subsariana em virtude da exposição prematura das indústrias agrícolas emergentes a uma concorrência real dos produtores dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, tendo indicado que a abertura do mercado deve ser progressiva e não repentina;

4 K. Considerando que o aumento da aquisição de terras, principalmente por parte de investidores estrangeiros, contribuiu para uma crescente vulnerabilidade dos precários sistemas alimentares e agrícolas dos países ACP; L. Considerando que a produção agrícola tem sido cada vez mais utilizada para biocombustíveis, associando, assim, a volatilidade dos mercados petrolíferos à volatilidade dos mercados das matérias-primas e contribuindo para o aumento dos preços dos alimentos e para a insegurança alimentar; M. Considerando que a especulação financeira e o aumento da liberalização dos mercados financeiros e do comércio de produtos agrícolas contribuem amplamente para a volatilidade dos preços; considerando que os instrumentos derivados baseados nos mercados de matérias-primas agrícolas e alimentares se tornaram extremamente populares e facilmente acessíveis por investidores de todo o mundo, já não sendo instrumentos de nicho para investidores profissionais; 1. Recorda que o acesso a uma alimentação adequada é um direito humano universal; insta todos os países a aplicarem as orientações voluntárias da FAO em matéria de direito à alimentação; 2. Realça que a estabilidade política é igualmente uma condição necessária para o desenvolvimento e, por conseguinte, a melhoria da segurança alimentar, e exorta todas as partes a demonstrarem a vontade política necessária para garantir essa estabilidade; Agricultura e «usurpação de terras» 3. Requer que uma maior percentagem de APD da UE seja destinada à agricultura e ao desenvolvimento rural nos países ACP, a fim de fomentar a segurança alimentar; insta a comunidade internacional a ir ao encontro dos compromissos da cimeira de L'Aquilla relativos à entrega de 22 mil milhões de dólares para apoiar os agricultores dos países em desenvolvimento e combater a fome, sendo que, até ao momento, apenas um quinto desse montante foi entregue; 4. Considera que também são necessárias contribuições significativas dos governos dos países ACP para responder à significativa lacuna de investimento no desenvolvimento rural desses países, para que se possa desenvolver um sistema agrícola integrado que permita a autossuficiência; 5. Entende que as pequenas explorações agrícolas podem oferecer uma resposta ao desafio da segurança alimentar e exorta a UE a pôr termo às exportações subsidiadas que destabilizam a agricultura camponesa nos países em desenvolvimento e a aumentar o seu apoio e ajuda a favor de pequenos e médios produtores de agricultura sustentável, que constituem o principal sustentáculo da segurança alimentar; 6. Sublinha o papel fundamental das mulheres e dos jovens na segurança alimentar e nutricional, assim como na produção agrícola; insta a Comissão Europeia e os governos dos países ACP a investirem em programas destinados a apoiar

5 especificamente as mulheres e os jovens que se dedicam às pequenas explorações agrícolas (por exemplo, programas de educação e de formação sobre agricultura sustentável e ambientalmente aceitável, bem como acesso facilitado aos empréstimos e ao microcrédito sem fins lucrativos); 7. Salienta que é essencial o envolvimento das pequenas explorações e das organizações agrícolas locais na execução de uma política agrícola nos países ACP, devendo a UE empenhar-se na colaboração com as pequenas explorações agrícolas e com outras estruturas associativas locais e reforçá-las, de modo a garantir a defesa dos interesses das comunidades locais; 8. Assinala a necessidade de aumento do investimento público na investigação relativa aos sistemas de produção agroecológica sustentável que envolvem culturas, silvicultura e criação e requer à UE e aos países ACP que desenvolvam atividades de investigação conjunta e capacidades de formação e de intensificação em métodos agrícolas sustentáveis e em novas tecnologias, particularmente através de parcerias público-privadas e de empresas comuns; 9. Manifesta profunda preocupação com as atuais aquisições de terras em larga escala por parte de investidores estrangeiros nos países em desenvolvimento, em detrimento dos pequenos e médios agricultores locais; solicita à UE que incentive os governos dos países ACP a empenharem-se na reforma agrária, a fim de garantir os títulos de propriedade dos agricultores autóctones e dos pequenos e médios agricultores, sobretudo das mulheres, bem como para evitar práticas de usurpação de terras por parte de empresas; 10. Insta os países ACP a reverem as suas políticas territoriais visando a identificação e designação de certas zonas como zonas agrícolas, tendo em devida consideração as questões ligadas à utilização e gestão das terras; 11. Exorta a Comissão Europeia a facilitar uma avaliação independente do impacto das políticas de liberalização do comércio sobre as terras agrícolas que são cada vez mais utilizadas para satisfazer os interesses das empresas agrícolas de exportação em vez das necessidades nacionais em matéria alimentar dos países em desenvolvimento, e a apresentar propostas concretas para combater este fenómeno e os problemas a ele associados como, por exemplo, a usurpação de terras em larga escala e a rápida deterioração da segurança alimentar; 12. Exorta a Comissão Europeia a atualizar as suas orientações em matéria de política de solos no que diz respeito à usurpação de terras, e a avançar com medidas visando a melhoria da prestação de informações e da monitorização de aquisições de terras de larga escala que envolvam investidores europeus; Especulação dos mercados financeiros e dos mercados de matérias-primas 13. Considera que a transparência nos mercados agrícolas mundiais deve ser substancialmente melhorada; congratula-se, neste sentido, com a criação do SIMA (Sistema de Informação de Mercados Agrícolas) requerido pelos Ministros da Agricultura do G20, com o objetivo de abordar a volatilidade dos preços dos

6 alimentos através de informação mais atempada, precisa e transparente acerca dos mercados globais dos alimentos; 14. Convida a ONU e o G20 a intensificarem os seus esforços no sentido de chegar a acordo quanto a uma regulamentação global destinada a acabar com a especulação em matérias-primas agrícolas e a coordenarem a criação de mecanismos preventivos contra a flutuação excessiva dos preços globais dos alimentos; 15. Solicita uma identificação clara dos intervenientes no comércio relativo aos mercados de matérias-primas agrícolas e alimentares, e uma análise minuciosa dos mecanismos de transmissão da especulação sobre produtos alimentares nos mercados locais e mundiais; exorta todos os intervenientes relevantes a estabelecerem em conjunto um mecanismo internacional com o objetivo de controlar as atividades comerciais de matérias-primas e dos derivados de produtos agrícolas; 16. Destaca que o acesso aos mercados constitui a principal dificuldade que os pequenos e médios agricultores têm que superar nos países ACP e que é urgente suprimir os regimes comerciais desfavoráveis e as barreiras ao comércio, principalmente as que prejudicam as exportações dos países ACP para os mercados dos países desenvolvidos; 17. Entende que as políticas de comércio atuais, especialmente as subvenções agrícolas nos países ricos e as restrições à exportação durante as crises, têm de ser revistas para limitar os efeitos da volatilidade dos preços dos alimentos; sublinha que a UE se comprometeu a suprimir progressivamente as subvenções à exportação, em paralelo com a adoção de medidas análogas pelos parceiros da OMC; insta a UE a continuar a melhorar a coordenação das suas políticas de desenvolvimento e comércio; 18. Sublinha que a intensificação do comércio regional pode garantir a segurança alimentar e proporcionar aos produtores um ambiente de mercado mais estável; 19. Solicita a eliminação dos incentivos fiscais com efeitos de distorção, bem como das subvenções de apoio aos biocombustíveis, o que se traduziria pela restrição da produção de biocombustíveis aos casos economicamente viáveis, limitando, deste modo, o impacto da produção de biocombustíveis sobre a segurança alimentar; 20. Entende que se deve procurar o equilíbrio ideal entre os objetivos em matéria de segurança alimentar e de energia; exorta a UE a estudar o impacto na segurança alimentar dos seus objetivos estratégicos no domínio dos biocombustíveis e a revê-los em função dos resultados desse estudo de impacto; 21. Incentiva os governos dos países ACP a explorarem ou a reforçarem medidas para mitigar as consequências da volatilidade dos preços, por exemplo, prestando assistência aos pobres através do fornecimento de alimentos subsidiados ou dinheiro através de redes de segurança flexíveis;

7 22. Solicita o aumento e uma melhor gestão e armazenagem das reservas de cereais em bruto e produtos alimentares de emergência a nível nacional e regional, bem como o reforço da coordenação e do acompanhamento internacionais dos preços e das reservas (existências), a fim de contrariar a volatilidade dos preços dos produtos alimentares e de assegurar uma resposta melhor e mais rápida a crises alimentares; 23. Solicita à UE e aos países ACP que contribuam para a conservação, a melhoria e a promoção das variedades de sementes locais que são frequentemente mais adaptadas às necessidades das populações locais e às condições climatéricas dos países em desenvolvimento, para garantir aos camponeses o direito de reproduzirem as suas próprias sementes, e impedir que as regras de propriedade intelectual permitam a usurpação dessas sementes por quem quer que seja; 24. Encarrega os seus copresidentes de transmitirem a presente resolução ao Conselho de Ministros ACP-UE, ao Parlamento Europeu, à Comissão Europeia, à Presidência do Conselho da UE, à FAO e ao G20.

8