Clínicas de tratamento de dependentes químicos RELATOR: Cons. Salomão Rodrigues Filho
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1 PROCESSO-CONSULTA nº 45/2015 PARECER CFM nº 7/2018 INTERESSADO: Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP) ASSUNTO: Clínicas de tratamento de dependentes químicos RELATOR: Cons. Salomão Rodrigues Filho EMENTA: Não é competência de Conselho Regional de Medicina (CRM) fiscalizar e/ou avaliar as condições de funcionamento de instituições não médicas. Declaração de internação emitida por profissional não médico não é documento válido para ser analisado pelo médico no ato pericial de concessão de auxílio-doença a beneficiário do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). DA CONSULTA A Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP), única e legítima representante da Perícia Médica Previdenciária, vem expor e solicitar providências em relação ao que se segue: Considerando que a perícia médica do INSS possui, como atribuição principal, a avaliação da incapacidade laborativa para fins de concessão de benefícios por incapacidade, atuando como ordenador de despesas públicas; Considerando que há vários anos temos observado o surgimento das denominadas clínicas de tratamento de dependência química, que funcionam em regime de internação, com o objetivo de afastar o usuário de drogas do ambiente habitual que os leva à sua utilização; Considerando que esses pacientes são encaminhados rotineiramente para avaliação da capacidade laborativa pela perícia médica do INSS, portando o atestado de internação emitido por instituição que não declara a presença de profissional médico responsável pelo acompanhamento desse processo; Considerando que, como profissionais da área da saúde, entendemos que o afastamento do indivíduo do local de acesso às drogas utilizadas é condição fundamental para o processo de
2 desintoxicação, porém não encontramos nessas declarações de internamento apresentadas nenhuma comprovação da presença de corpo clínico capacitado para conduzir esse processo, e nos deparamos com o apelo da sociedade, exigindo a concessão do benefício em função da segregação; e Considerando ainda que essa comprovação deixa a perícia médica em condição de fragilidade no exercício da sua competência no INSS, uma vez que se desconhece a posição do Conselho Federal de Medicina sobre essa prática e as condições das entidades que se propõem a realizar esse trabalho de reinserção social, muitas delas provavelmente prestando um bom serviço à sociedade, Vimos solicitar que se proceda a uma avaliação das condições de funcionamento dessas clínicas, que prosperam em todo o território nacional, para que a perícia médica possa concluir com maior grau de segurança sobre os requerimentos de concessão de auxílio-doença no INSS aos portadores de declaração de internação nessas instituições. DO PARECER Os enunciados que alicerçam esta matéria estão definidos no Parecer Consulta CFM nº 9/2015, da lavra do Conselheiro Emmanuel Fortes, cuja ementa diz: Os médicos, notadamente os psiquiatras, devem obedecer às Leis nº /2001, /2013 e ao disposto nas Resoluções CFM nº 2.056/2013 e 2.057/2013, que estabelecem as regras para o atendimento em ambientes médicos seguros para a assistência aos doentes mentais, dentre eles os dependentes químicos. As Comunidades Terapêuticas, conforme definição da RDC Anvisa nº 29/2011, não são consideradas ambiente médico, portanto não podem se inscrever nos Conselhos Regionais de Medicina, nem ser consideradas seguras para as internações involuntárias e compulsórias, vetando aos médicos a prescrição de sua indicação para o tratamento dos doentes mentais. No Brasil, a partir do início dos anos 1990, as políticas públicas de assistência aos dependentes químicos passaram a encaminhar suas estratégias excluindo progressivamente os médicos e os equipamentos médicos da assistência. Tais encaminhamentos geraram controvérsias 2
3 acirradas entre os que são favoráveis e os que são contrários a essas estratégias, cujo eixo é a denominada redução de danos. As fronteiras do conhecimento médico tocam ou mesmo abrangem outras áreas do conhecimento humano, como a antropologia, a sociologia e a psicologia. Isso gera desavenças e polêmicas porque cada pessoa enxerga a questão a partir de seu próprio universo epistemológico, com seus próprios olhos. A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, em 30 de junho de 2011, a resolução relativa às Comunidades Terapêuticas, a RDC Anvisa nº 29/2011. A própria Anvisa destaca alguns itens significativos, não exigindo explicitamente a presença de profissional médico e equipe correspondente para o funcionamento das Comunidades Terapêuticas. As instituições abarcadas pela RDC Anvisa nº 29/2011 deverão: (1) manter responsável técnico de nível superior legalmente habilitado, bem como um substituto com a mesma qualificação; (2) assegurar que cada um de seus residentes possua ficha individual em que se registre periodicamente o atendimento dispensado; (3) vedar a admissão de pessoas cuja situação requeira a prestação de serviços de saúde não disponibilizados pela instituição; (4) explicitar em suas normas e rotinas o tempo máximo de permanência do residente na instituição; (5) garantir respeito à pessoa e à família, independentemente da etnia, credo religioso, ideologia, nacionalidade, orientação sexual, antecedentes criminais ou situação financeira; e (6) garantir a permanência voluntária. Essas estratégias e normas dão um enfoque cada vez maior aos aspectos religiosos, culturais e filosóficos das dependências químicas, ao mesmo tempo que reduzem o enfoque aos aspectos médicos. As Comunidades Terapêuticas Não Médicas são instituições sociais e devem pautar seu funcionamento na RDC Anvisa nº 29/2011. São estabelecimentos que não contam com um médico em sua equipe, não são registradas no CRM e, portanto, não podem ser por ele fiscalizadas. 3
4 Dependência química é uma doença crônica grave e não somente um problema social ou psicológico. Comunidade Terapêutica Médica é um termo utilizado para nomear uma abordagem clínica participativa, baseada em grupos, utilizada para condições clínicas de longa duração ou longitudinais, como as dependências químicas. A abordagem é usualmente em regime residencial, e terapeutas e pacientes convivem cotidianamente no mesmo ambiente. É baseada nos princípios da ambientoterapia e grupoterapia, além da praxiterapia. A definição cristaliza o entendimento de para o quê e para quem se destina a aplicação dessa estratégia terapêutica. São úteis para internações de longa duração, e seu sistema de funcionamento é o residencial, uma vez que, por sua longa estadia, os internos são tratados como moradores. A Comunidade Terapêutica não é uma instituição, mas uma estratégia que pode ser aplicada em ambientes com perfil para tutela, guarda e proteção do indivíduo que dela necessita e que possa estar compulsoriamente, involuntariamente ou voluntariamente em suas dependências. As Comunidades Terapêuticas Médicas são instituições médicas e devem pautar seu funcionamento na Lei nº /2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. O artigo 6º dessa lei estabelece que a internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. As Comunidades Terapêuticas Médicas, que obrigatoriamente devem estar inscritas no CRM, estão sob a égide da Resolução CFM nº 2.057/2013, e na internação de pacientes deve ser observado o que está estabelecido nos artigos 29 a 33 dessa Resolução. Por outro lado, o inciso XIII do Art. 4º da Lei nº /2013 estabelece que são atividades privativas do médico a atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas. A Lei nº 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, trata do auxílio-doença, nos Art. 59 a 63. O Art. 59 explicita: O auxílio-doença será devido ao segurado que ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos. 4
5 DA CONCLUSÃO A ANMP solicita ao Conselho Federal de Medicina que proceda a uma avaliação das condições de funcionamento das Comunidades Terapêuticas Não Médicas, em todo o território nacional, para que a perícia médica possa concluir com maior grau de segurança sobre os requerimentos de concessão de auxílio-doença no INSS aos portadores de declaração de internação nessas instituições. As Comunidades Terapêuticas Não Médicas não são instituições médicas, mas instituições sociais que atuam sob a égide da Anvisa, e não do Sistema Conselhal Médico. Não é competência do Conselho Federal de Medicina normatizar o funcionamento dessas comunidades e não é de competência de CRM fiscalizar ou avaliar as condições de funcionamento dessas instituições. O inciso XIII do Art. 4º da Lei nº /2013 estabelece que a atestação de doença é atividade privativa de médico. Uma declaração de internação emitida por profissional não médico não se constitui em um atestado de doença, portanto não é um documento válido para ser analisado pelo médico no ato pericial para possível concessão de auxílio-doença ao beneficiário do Plano de Benefícios da Previdência Social. Este é o parecer, S.M.J. Brasília-DF, 23 de março de SALOMÃO RODRIGUES FILHO Conselheiro relator 5
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