Custo do crédito no Brasil: uma avaliação recente*



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Transcrição:

Custo do crédito no Brasil: uma avaliação recente 91 Custo do crédito no Brasil: uma avaliação recente* Luiz Fernando de Paula** Rodrigo Mendes Leal*** Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE-UERJ) e Pesquisador do CNPq Mestre pela FCE-UERJ e Especialista em Regulação da Agência Nacional de Saúde (ANS) Resumo Este artigo objetiva analisar o custo do crédito no Brasil, com ênfase no comportamento recente das taxas de empréstimos bancários, além de buscar propor algumas medidas e políticas que possam contribuir para a redução das mesmas. Palavras-chave: custo do crédito; spread bancário; setor bancário brasileiro. Abstract This paper aims at analyzing the costs of credit in Brazil, focusing on the recent behavior of banking loans rates. It also aims at proposing some policies that can contribute to reduce banking loans rates in Brazil. Introdução Um dos grandes entraves ao crescimento econômico no Brasil são as dificuldades para a obtenção de crédito por parte dos agentes econômicos (firmas e consumidores), representadas por seu reduzido volume em relação ao PIB. Há significativos indícios na literatura da existência de uma relação positiva entre desenvolvimento do sistema financeiro e crescimento econômico, apesar da dificuldade da determinação da direção de causalidade (Levine, 1997) 1. Do ponto de vista teórico, há predominância do argumento de que o desenvolvimento financeiro estimula o crescimento da economia, mas há também posições contrárias e de determinação conjunta (Matos, 23). Na literatura empírica nacional, há resultados que sustentam a hipótese de impactos unidirecionais do desenvolvimento financeiro do mercado bancário sobre o crescimento *O apoio do PRONEX-CNPq-FAPERJ é reconhecido. Artigo recebido em 7 jun. 26. **E-mail: luizfpaula@terra.com.br ***E-mail: Rmendesleal@gmail.com 1 Em uma abrangente revisão teórico-empírica da literatura internacional, o autor sugere que: [...] as pesquisas apontam na mesma direção: o funcionamento dos sistemas financeiros é fortemente relacionado com o crescimento econômico (Levine, p. 689-69).

92 Luiz Fernando de Paula; Rodrigo Mendes Leal econômico do País (Matos, 22; 2 Marques; Porto, 24 3 ), mas também de determinação conjunta (Matos, 23 4 ). O Brasil apresenta, em relação aos padrões mundiais, um conjunto desfavorável de baixa relação crédito/pib e altas taxas de juros das operações de crédito, além de elevados spreads bancários. Em realidade, o alto custo do crédito, combinado com o baixo crescimento, é, em grande medida, responsável pela baixa oferta de crédito no País. Dados de um estudo do FMI (Singh et al., 25, cap. 5) indicam que a relação crédito dos bancos comerciais/pib, no Brasil, era de 21,5% em 23, significativamente inferior à do Chile (68,5%), do Uruguai (64,3%), dos Estados Unidos (6,8%), da área do euro (14,6%), do Japão (64,3%) e da Coréia (98,9%), dentre outros. O mesmo estudo indica que o spread bancário médio na América Latina esteve entre 1% e 15%, ao ano, em todo o período de 1993 a 22 e destaca que o Brasil atingiu spreads médios maiores que 5% ao longo da década de 9. O spread bancário é internacionalmente utilizado para avaliar o custo da intermediação financeira, mensurado pela diferença entre as taxas de empréstimos e as taxas de remuneração dos depósitos. 2 Os resultados foram encontrados através do teste de causalidade de Granger para os períodos 1947-, 1963- e 197-, utilizando como indicadores do desenvolvimento financeiro as razões: crédito bancário ao setor privado/pib, crédito do sistema financeiro ao setor privado/pib e recursos do público confiados ao sistema financeiro/m2. 3 O estudo foi realizado para o período 195-, utilizando indicadores do desenvolvimento do sistema bancário e do mercado de capitais. Foram utilizados como indicadores do mercado bancário: (a) para tamanho, o passivo exigível (soma dos depósitos à vista e a prazo) sobre o PIB; (b) para nível de atividade, o crédito do sistema financeiro ao setor privado sobre o PIB; (c) para eficiência, o crédito ao setor privado sobre depósitos à vista e a prazo, tudo dividido pelo PIB. Concluiu-se, através da aplicação do teste de causalidade de Granger nas séries estacionárias e do modelo de Demetriades e Hussein nas séries não estacionárias, que o desenvolvimento do sistema bancário causou crescimento econômico no Brasil e que há ambigüidade na relação entre desenvolvimento do mercado de capitais e crescimento econômico. 4 Foi realizado o teste de causalidade de Granger com a utilização de dados trimestrais para o período 198-2, resultando em efeitos bidirecionais significativos entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico. No entanto, a hipótese nula de não-causalidade não pode ser rejeitada no caso da relação entre desenvolvimento do sistema financeiro e exportações. Como mostra o Gráfico 1, os níveis das taxas nominais de empréstimos, no Brasil, são bastante elevados em relação aos de outros países, assim como, em menor grau, o das taxas de mercado monetário, que são próximos ao custo de captação. Associados às altas taxas de empréstimos, os spreads bancários são igualmente significativos no Brasil. A partir dessa constatação, analisa-se, no período 2-5, o comportamento dos mais significativos determinantes do custo do crédito no Brasil: as taxas das operações de crédito cobradas pelos bancos, além da evolução da composição do crédito, e o spread bancário. A análise tem início no período após a adoção do regime de câmbio flexível e do regime de metas de inflação, em 1999, que teve como conseqüências um patamar mais baixo e a menor oscilação da taxa básica de juros (Selic) em relação ao período anterior, 5 quando se usava uma âncora cambial para propósitos de estabilização de preços, e que trouxe a expectativa da diminuição das taxas de juros e spreads das operações de crédito, que possibilitariam a alavancagem do volume do crédito no País. Este artigo objetiva analisar o custo do crédito no Brasil, com ênfase no comportamento recente das taxas de empréstimos bancários, além de propor algumas medidas e políticas que possam contribuir para redução das mesmas. Além da presente Introdução, o artigo está dividido em duas seções: a seção 1 analisa a evolução do custo do crédito no Brasil, enquanto a seção 2 apresenta algumas sugestões para redução das taxas de empréstimos e spread bancário no Brasil. 5 A partir de dados da Selic, disponibilizados pelo Banco Central do Brasil (Bacen), foi calculado o seu desvio padrão, que resultou em 3% no período 2-5, significativamente menor que o valor de 14% encontrado para o período 1995-99. Já o cálculo da média da Selic resultou em cerca de 19% para o período mais recente e de 33% para o período anterior.

Custo do crédito no Brasil: uma avaliação recente 93 Gráfico 1 Taxas de empréstimos e do overnight no Brasil e em alguns países selecionados 1997-5 (%) 9 8 7 6 5 4 3 2 1 a) taxas de empréstimos b) taxas do mercado monetário overnight (%) 9 8 7 6 5 4 3 2 1 1997 1998 1999 2 21 22 23 24 25 1997 1998 1999 2 21 22 23 24 25 FONTE: International Financial Statistics. Fundo Monetário Internacional. 1 Evolução do crédito no Brasil Após o crescimento da relação crédito/pib que expressa a razão total de crédito em relação ao PIB do País no período de implementação do Plano Real, atingindo 36,9% em janeiro de 1995, houve clara trajetória de queda, com redução para 27,2% em janeiro de 2. No Gráfico 2, percebe-se a continuação dessa trajetória de queda até o início de 23, quando ocorreu uma retomada do crescimento do crédito, associada diretamente ao crescimento das operações com recursos livres 6. Ademais, ao considerar-se a distinção de 6 O crédito de operações livres, que, no início de 23, representava cerca de 15% do PIB, passou a representar mais de 2% no segundo semestre de 25. Já o crédito referente a recursos direcionados se mantém em cerca de 1% do PIB desde o segundo semestre de 21. propriedade de capital dos bancos no período posterior a 2, constata-se a predominância do crescimento do crédito das instituições privadas nacionais, que ultrapassaram o volume de crédito das instituições públicas. 7 A Tabela 1 mostra que o principal componente do crescimento das operações com recursos livres é o crédito para pessoa física, que ampliou significativamente sua participação no total do crédito, enquanto o crédito para pessoa jurídica se manteve mais ou menos 7 O crédito total de instituições privadas nacionais em relação ao PIB, que apresentou trajetória de queda de 1995 a 1999, representava 8,1% do PIB em jan./ e retomou o crescimento, atingindo o percentual de 12,8% em dez./5. Os bancos públicos também apresentaram trajetória de queda de 1995 até 1999, atingindo 13,6% em jan./, e continuaram a cair até jun./1 (8,6%), quando foi retomada a trajetória de crescimento, alcançando 11,5% em dez./5. Já os bancos privados estrangeiros apresentaram crescimento do volume de crédito em relação ao PIB de 1995 a 1999, atingindo 5,5% em jan./, e mantiveram uma trajetória de crescimento, mas em menor grau que os privados nacionais, atingindo 7,% em dez./5.

94 Luiz Fernando de Paula; Rodrigo Mendes Leal nos mesmos patamares de participação do ano 2. Para o crédito direcionado, o destaque foi a redução significativa da participação do crédito habitacional, expressando uma paralisia nesse segmento de crédito, enquanto a parcela do BNDES e do crédito rural tiveram ascensão até 23, seguida de redução até 25, mas ainda mantendo participações maiores que em 2. Do total de créditos livres 8, serão examinadas as operações definidas pelo Bacen como créditos referenciais para taxa de juros pré-fixadas 9 para pessoas física e jurídica. Essas operações representam parcela superior a 5% do total de recursos livres 1 e têm informação detalhada repassada ao Bacen para monitoramento. Analisando a evolução das operações de crédito livre referencial para taxas de juros pré-fixadas (valores nominais), como pode ser visto no Gráfico 3, observa-se que o crescimento do crédito para pessoa física ocorre com maior intensidade, justificando o aumento de sua participação no total do crédito, como destacado anteriormente. Para pessoa física, vê-se que o patamar do volume das diversas operações de crédito no início de 2 era mais ou menos similar; a partir de então, tiveram destaque no crescimento as operações de crédito pessoal, em parte, puxadas pelo crédito consignado, e as operações de aquisição de bens (na modalidade veículos principalmente). Essas duas operações se deslocaram para patamares significativamente superiores aos das outras, fenômeno possivelmente associado à procura pelos bancos de operações com maior garantia de recuperação e à retomada parcial do crescimento econômico em 24. Não é por acaso que os grandes 8 As operações de recursos livres referenciais foram regulamentadas pela Circular nº 2.957 do Bacen, de 3.12.99, e têm suas taxas de juros acompanhadas pelo mesmo. Entre estas, há as operações pré-fixadas, pós-fixadas e flutuantes. 9 Os créditos livres referenciais representaram, de set./ a dez./ /5, parcelas sempre superiores a 8% do crédito livre. Em dez./5, os recursos livres referenciais para taxas de juros representaram 84,4% do crédito livre. A parcela do crédito referencial em relação ao crédito livre foi, em dez./5, de 81,5% para pessoa física e de 87,1% para pessoa jurídica. 1 As operações de créditos livres referenciais pré-fixadas representaram, de set./ a dez./5, parcelas sempre superiores a 54% do crédito livre referencial. Em dez./5, os recursos livres referenciais para taxas de juros pré-fixadas representaram 58,3% do crédito livre e 69,8% do crédito livre referencial. A parcela do crédito referencial pré-fixada em relação ao crédito referencial foi, em dez./5, de 98,4% para pessoa física e de 44,6% para pessoa jurídica. bancos varejistas (Bradesco, Itaú, Unibanco, HSBC, etc.) procuraram, no período recente, fazer aquisições de instituições financeiras especializadas no crédito ao consumidor e no financiamento de automóveis, além de parcerias com grandes redes varejistas de comércio. Para pessoa jurídica, as modalidades de crédito que se destacaram no período analisado foram particularmente o capital de giro e a conta garantida. Em relação ao prazo médio das operações de créditos livres referenciais pré-fixados, não houve mudanças significativas de 21 a 25, permanecendo relativamente curtos os prazos. O único aumento significativo de prazo ocorreu no crédito pessoal para pessoa física, de cerca de 2 dias no início de 21 para mais de 3 dias no último trimestre de 25, possivelmente associado ao crédito consignado, que apresenta maior garantia. No que se refere às taxas do crédito referencial pré-fixado, observa-se que o comportamento das taxas de empréstimos, em maior grau, e do spread, em menor grau, seguiram de perto a trajetória das taxas de captação. Após o movimento de crescimento de 2 a 22, essas três taxas apresentaram tendência de queda a partir de 23, fato que, possivelmente, contribuiu para a retomada do crescimento do crédito referencial pré-fixado, como indicam as taxas de crescimento de seu volume. Todavia, ao final de 25, os patamares das taxas de empréstimos e dos spreads eram ainda relativamente altos e próximos aos valores do final de 2, respectivamente, superiores a 5% ao ano e 35% ao ano (Gráfico 4). No período analisado, as taxas de empréstimos médias para pessoa física apresentaram maior oscilação e queda, 11 atingindo, no último trimestre de 25, patamares de 6% a.a.; apesar de ainda se situarem em níveis significativamente mais altos que os de pessoa jurídica (4% a.a.), a queda mais acentuada das taxas para pessoa física é provavelmente um dos fatores explicativos da maior expansão do crédito para esse segmento. Dentre as modalidades para pessoa jurídica, a conta garantida foi a que apresentou as maiores taxas, 11 Para pessoa jurídica, a taxa de juros média pré-fixada estava em torno de 4% a.a., no último trimestre de 2, e, após ascensão e queda, alcançou esse patamar novamente em dez./ /5. A mesma taxa para pessoa física, que, no último trimestre de 2, estava no patamar de 7% a.a., também sofreu ascensão e queda no período, estabilizando-se em níveis próximos a 6% a.a., em todo o ano de 25.

Custo do crédito no Brasil: uma avaliação recente 95 atingindo o patamar de cerca de 7% ao ano em 25, em comparação a taxas inferiores a 6% a.a. em 2, e um spread que superou 5% a.a. em 25, enquanto era próximo a 4% a.a. no segundo semestre de 2. Esse aumento não acarretou uma estagnação do volume do crédito dessa operação, que continuou a crescer e alcançou a modalidade com maior volume para pessoa jurídica capital de giro, que sofreu aumento menor na taxa e no spread. Já as operações de descontos de duplicatas, associadas a garantias recebíveis, tiveram forte aumento no volume de crédito e apresentaram, conforme esperado, diminuição dos níveis de taxas de juros e spreads em relação a 2, todavia de magnitude reduzida. Para pessoa física, as maiores taxas, as das operações de cheque especial, mantiveram-se em níveis superiores a 14% a.a. em todo o período, com a manutenção de spreads em níveis superiores a 12% a.a. A estagnação do volume de crédito dessa modalidade provavelmente é explicada, em parte, por esse fato, mas, principalmente, pelos limites ao endividamento por parte das pessoas físicas. Apesar da queda na taxa média das operações para pessoa física não houve alteração significativa das taxas por modalidade. Sua explicação está associada à alteração da composição do crédito para esse segmento, pois, além da diminuição do peso do cheque especial, houve forte crescimento das operações de aquisição de veículos, que têm as menores taxas para pessoa física, e do crédito pessoal, que apresenta taxas intermediárias. Esta última modalidade, que contém o crédito consignado, com maior garantia, surpreendentemente não apresentou redução das taxas e dos spreads em relação ao segundo semestre de 2. Note-se que as altas taxas de empréstimos nas modalidades de cheque especial e conta garantida são explicadas pela existência de assimetria de informações no setor bancário: um banco tem mais informação sobre as características de seus clientes do que seus concorrentes, e, devido aos problemas de seleção adversa, torna-se muito difícil atrair clientes de boa qualidade (bons pagadores) sem que os benefícios e as ofertas concedidos também atraiam clientes de baixa qualidade (Afanasieff; Lhacer; Nakane, 22). A existência de custos de informação e de transferência tanto pelos bancos, que precisam conhecer melhor seus clientes, como pelos clientes, que devem demonstrar suas qualidades para obter benefícios em outros bancos possibilitaria aos bancos a prática do poder de mercado. Como resultado de elevados custos de transferência, as taxas de juros, nessas modalidades, são sensivelmente mais elevadas que em modalidades representando substitutos próximos, como crédito pessoal e financiamento de capital de giro. Da análise efetuada, algumas questões críticas despontam. Um problema é a maturidade do crédito, que permanece com perfil de curto prazo, havendo aumento apenas para as operações de crédito pessoal para pessoa física. O comportamento das taxas, do volume e do prazo do crédito, por sua vez, está fortemente associado ao cenário macroeconômico, isto é, se mais ou menos estável. Os patamares das taxas das operações de crédito e spreads acompanham, ao menos em alguma medida, a trajetória das taxas de juros do Bacen (Selic). Estudos mostram que outras variáveis macroeconômicas também determinam o comportamento do spread bancário no Brasil, dentre as quais, a volatilidade da taxa de câmbio e o crescimento do produto industrial (Afanasieff; Lhacer; Nakane, 22; Oreiro et al., 26). Já o volume e o prazo do crédito são fortemente influenciados pela estabilidade macroeconômica, pelo nível de emprego e pelo próprio crescimento econômico. Para pessoa jurídica, não houve aumento significativo do volume do crédito, possivelmente devido à manutenção de altas taxas, ocorrendo, inclusive, o aumento das taxas de uma das modalidades de crédito com maior volume, a conta garantida. Na conjuntura recente de aumento relativo no volume de crédito, no País, associado às ainda elevadísssimas taxas de empréstimos, não é de surpreender que os bancos apresentem uma alta rentabilidade, realizando ganhos com o crescimento no volume de crédito para pessoas físicas, enquanto nas modalidades para pessoa jurídica, apesar de uma certa estagnação no volume de crédito, a manutenção das taxas em patamares elevados garante também elevadas receitas na intermediação financeira.

96 Luiz Fernando de Paula; Rodrigo Mendes Leal Gráfico 2 Relação crédito/pib no Brasil 1996/5 a) relação crédito/pib b) relação crédito/pib por tipo de instituição financeira (%) (%) 4 25 36 32 2 15 Públicas Privadas Estrangeiras 28 1 24 5 2 Jan./95 Nov./95 Set./96 Jul./97 Maio/98 Mar./99 Jan./ Nov./ Set./1 Jul./2 Maio/3 Mar./4 Jan./5 Nov./5 Jan./95 Out./95 Jul./96 Abr./97 Jan./98 Out./98 Jul./99 Abr./ Jan./1 Out./1 Jul./2 Abr./3 Jan./4 Out./4 Jul./5 FONTE: Bacen. NOTA: 1. As instituições públicas referem-se àquelas em que os Governos Federal, Estadual e Municipal detêm participação superior a 5% no capital votante, de acordo com a Carta Circular nº 2.345, de 25.1.93. 2. As instituições privadas referem-se àquelas em que as pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas e residentes no País detêm participação superior a 5% no capital votante, de acordo com a Carta Circular nº 2.345, de 25.1.93. 3. As instituições estrangeiras referem-se àquelas que têm sob controle estrangeiro, direta ou indiretamente, a maioria do capital votante; incluem também as constituídas e sediadas no exterior com dependência ou filial no País, de acordo com a Carta Circular nº 2.345, de 25.1.93. Tabela 1 Participação percentual dos recursos livres e do crédito direcionado no total do crédito, no Brasil dez./-dez./5 PERÍODOS RECURSOS LIVRES CRÉDITO DIRECIONADO (1) Livres-pf Livres-pj BNDES Rural (2) Habitação (3) Outros (4) Dez./ 2,2 37,2 18,9 6,6 16,2 1, Dez./1 24,4 41,1 21, 5,9 6,6,9 Dez./2 22,7 39, 24,4 7,1 5,9,9 Dez./3 24,2 37, 24, 8,3 5,6 1, Dez./4 27,7 36,1 22, 8,1 4,9 1,1 Dez./5 (5) 31,4 35,1 2,5 7,4 4,6 1, FONTE: Bacen. NOTA: Operações de crédito definidas e regulamentadas segundo o Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro (Cosif), conforme a Circular nº 1.273, de 29.12.87, compreendendo as modalidades de empréstimos, títulos descontados e financiamentos. (1) O crédito direcionado refere-se a créditos com taxas de juros administradas. (2) O crédito direcionado rural exclui operações de leasing e os financiamentos concedidos pelo BNDES ou mediante repasse dessa instituição. (3) O crédito direcionado para habitação refere-se somente às operações realizadas com pessoas físicas ou cooperativas habitacionais. (4) O item outros créditos direcionados inclui, dentre outros, financiamentos do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO) e créditos dos bancos de desenvolvimento e agências de fomento. (5) Dados preliminares.

Custo do crédito no Brasil: uma avaliação recente 97 Gráfico 3 Volume do crédito livre referencial a taxas de juros pré-fixadas no Brasil jan./-dez./5 (R$ milhões) 25 a) geral 2 15 1 5 (R$ milhões) 21 b) modalidades para pessoa jurídica 18 15 12 9 6 3 Jan./ Abr./ Jul./ Out./ Jan./1 Abr./1 Jul./1 Out./1 Jan./2 Abr./2 Jul./2 Out./2 Jan./3 Abr./3 Jul./3 Out./3 Jan./4 Abr./4 Jul./4 Out./4 Jan./5 Abr./5 Jul./5 Out./5 Jan./ Abr./ Jul./ Out./ Jan./1 Abr./1 Jul./1 Out./1 Jan./2 Abr./2 Jul./2 Out./2 Jan./3 Abr./3 Jul./3 Out./3 Jan./4 Abr./4 Jul./4 Out./4 Jan./5 Abr./5 Jul./5 Out./5 Total geral-pj - e pf Total-pj- Total-pf- pf Capital de giro Desconto de duplicatas Vendor Conta garantida Aquisição de bens Outros

98 Luiz Fernando de Paula; Rodrigo Mendes Leal Gráfico 3 Volume do crédito livre referencial a taxas de juros pré-fixadas no Brasil jan./-dez./5 (R$ milhões) 7 c) modalidades para pessoa física 6 5 4 3 2 1 Jan./ Abr./ Jul./ Out./ Jan./1 Abr./1 Jul./1 Out./1 Jan./2 Abr./2 Jul./2 Out./2 Jan./3 Abr./3 Jul./3 Out./3 Jan./4 Abr./4 Jul./4 Out./4 Jan./5 Abr./5 Jul./5 Out./5 Crédito pessoal Cheque especial Aquisição bens - outros Aquisição bens - veículos Cartão de crédito FONTE: Bacen.

Custo do crédito no Brasil: uma avaliação recente 99 Gráfico 4 Taxas de juros do crédito livre referencial pré-fixado no Brasil jan./-dez./5 a) taxas gerais (%) 1 9 8 7 6 5 4 3 2 1 12 11 99 88 66 55 33 22-2 -3-3 Jan./ Abr./ Jul./ Out./ Jan./1 Abr./1 Jul./1 Out./1 Jan./2 Abr./2 Jul./2 Out./2 Jan./3 Abr./3 Jul./3 Out./3 Jan./4 Abr./4 Jul./4 Out./4 Jan./5 Abr./5 Jul./5 Out./5 Taxa de captação (eixo esquerdo) Spread (eixo esquerdo) Taxa de empréstimos (eixo esquerdo) Taxa de crescimento do crédito (eixo direito) (%) 1 9 8 7 6 5 4 3 2 1 Jan./ Jul./ b) taxas para pessoa jurídica c) taxas para pessoa física (%) 1 9 8 7 6 5 4 3 2 1 Jan./1 Jul./1 Jan./2 Jul./2 Jan./3 Jul./3 Jan./4 Jul./4 Jan./5 Taxa de captação Taxa de empréstimo Spread Jul./5 Jan./ Jul./ Jan./1 Jul./1 Jan./2 Jul./2 Jan./3 Jul./3 Jan./4 Jul./4 Jan./5 Jul./5 Taxa de captação Taxa de empréstimo Spread

1 Luiz Fernando de Paula; Rodrigo Mendes Leal Gráfico 4 Taxas de juros do crédito livre referencial pré-fixado no Brasil jan./-dez./5 Spread d) taxas por modalidade-pj e) taxas por modalidade-pf 9 8 7 6 5 4 3 2 1 (%) (%) 2 18 16 14 12 1 8 6 4 2 Jan./ Jun./ Nov./ Abr./1 Set./1 Fev./2 Jul./2 Dez./2 Maio/3 Out./3 Mar./4 Ago./4 Jan./5 Jun./5 Nov./5 Jan./ Jun./ Nov./ Abr./1 Set./1 Fev./2 Jul./2 Dez./2 Maio/3 Out./3 Mar./4 Ago./4 Jan./5 Jun./5 Nov./5 Capital de giro Conta garantida Desconto de duplicatas Vendor Aquisição de bens Crédito pessoal Aquisição de veículos Cheque especial Aq. Aquisição de outros de outros bens bens FONTE: Bacen. 2 Recomendações de políticas: à guisa de conclusão Em boa medida, a ainda baixa relação crédito/pib no Brasil está associada às elevadíssimas taxas de empréstimos, significativamente superiores às taxas de captação dos bancos. Como já destacado anteriormente, os fatores macroeconômicos são importantes na explicação da determinação do spread bancário. Em particular, salienta-se a elevada volatilidade da taxa de juros, que eleva o risco enfrentado pelo banco e aumenta o seu grau de aversão ao risco, além da produção industrial, cujo baixo crescimento amplia o nível de inadimplência dos empréstimos, bem como reduz a demanda por crédito, diminuindo as economias de escala que poderiam ser obtidas nas operações de empréstimos. Portanto, a incerteza no ambiente macroeconômico que envolve os bancos é uma respeitável causa dos elevados spreads e das altas taxas de empréstimos no Brasil. Se isso é verdade, então, a adoção de políticas macroeconômicas consistentes que criem condições para um crescimento econômico sustentável e financeiramente estável poderá ter um efeito positivo em reduzir os spreads bancários no Brasil. Sem isso, medidas de natureza microeconômica visando à diminuição do spread poder-se-ão, mais uma vez, revelar inócuas. Nas palavras de dois estudiosos dos determinantes do spread bancário (Saunders; Schumacher, 2): [...] se uma significativa proporção das margens dos bancos em um certo país é determinada pela volatilidade da taxa de juros em vez do comportamento monopolístico dos bancos, a atenção da política pública deve ser melhor focada nas políticas macroeconômicas como um instrumento para reduzir o custo de serviços de intermediação. Em nossa avaliação, não há razões para supor que a economia brasileira está numa rota de crescimento sustentado. O comportamento da economia brasileira tem-se caracterizado, nos últimos anos, por uma tendência à semi-estagnação econômica e por movimento de stop-and-go. Adiciona-se, ainda, a existência de uma estrutura de dívida pública com predominância de títulos indexados à taxa Selic. Como esses títulos compõem o portfólio de aplicações dos

Custo do crédito no Brasil: uma avaliação recente 11 bancos, que passam a dispor de uma aplicação que combina alta liquidez com rentabilidade, os mesmos passam a embutir um elevado prêmio de risco nas taxas de suas operações bancárias, sendo particularmente elevadas nas modalidades de crédito onde os bancos podem exercer seu poder de monopólio, como cheque especiais e conta garantida. Portanto, além da implementação de uma política econômica efetivamente estabilizadora, que se acredita estar ainda longe de ser implementada, é necessário equacionar o problema da dívida pública no Brasil, para que se criem condições para que o crédito possa deslanchar no País. Adicionalmente, os bancos públicos federais podem ser usados para a implementação de uma política financeira que vise a uma ampliação do crédito no País para pessoa física e jurídica, através de uma política de oferta de crédito previamente anunciada e gradualista, com taxas mais baixas, acompanhada de medidas de facilitação da concessão de crédito. O anúncio prévio e a aplicação gradual de uma política dessa natureza seriam necessários para evitar que apenas os demandantes mais bem informados, potencialmente os maus clientes, e aqueles que já aproveitam a diferença de taxas se beneficiem de uma redução das taxas de empréstimos liderada pelos bancos federais. O gradualismo prepararia, assim, melhor os demandantes de crédito e os bancos privados para o novo contexto, evitando instabilidade no setor bancário ou grandes vantagens informacionais por parte de alguns tomadores de crédito. Essa estratégia possivelmente levaria à diminuição dos patamares das taxas de empréstimos bancários, pelo efeito da maior concorrência no setor bancário. Esses bancos têm, tradicionalmente, uma participação importante no crédito agrícola, no crédito e no imobiliário e no crédito para aquisição de bens de capitais. No caso do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal (CEF), em particular, ambos têm importância no financiamento do capital de giro de pequenas e médias empresas. Como se viu anteriormente, a oferta de crédito para pessoas jurídicas, de forma geral, esteve relativamente estagnada no período recente, ao mesmo tempo em que se observa a manutenção das taxas de empréstimos em patamares elevados. Não há razão para que os grandes bancos federais Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sejam administrados de acordo com uma lógica puramente privada, que tenha como única prioridade proporcionar lucros elevados, capazes de gerar recursos para o Tesouro Nacional. Na década de 7, os bancos federais cumpriram um papel contra-cíclico importante, e esse papel deve ser, em alguma medida, resgatado. A importância relativa dos grandes bancos federais é ainda bastante destacada no sistema financeiro brasileiro, em que pese a redução da participação dos bancos públicos no total do crédito observada de 1995 a 21. Dados dos balanços dos bancos obtidos no site do Banco Central do Brasil mostram que o Banco do Brasil e a CEF juntos que são bancos no sentido estrito do termo tinham 33,4%, 4,7% e 29,1%, respectivamente, do total de ativos, depósitos e empréstimos do setor bancário em março de 24. Adicionando o BNDES, os três grandes bancos federais alcançam um market share de 4,1%, 42,% e 38,2%, respectivamente, do total de ativos, depósitos e empréstimos do setor bancário em março de 24. Por último, o Governo brasileiro deve, adicionalmente, adotar medidas que venham a reforçar a concorrência no setor bancário brasileiro, de modo a evitar possíveis práticas monopolistas. Uma medida que deveria ser implementada já em discussão é instituir a livre escolha por parte dos trabalhadores do banco em que irá receber seu salário. Isso diminuiria o custo de transferência de conta por parte do cliente, aumentando a competição entre os bancos. Outra medida possível seria a divulgação das taxas de empréstimos por modalidade de crédito dos bancos, seja pelo Bacen, seja através de pesquisas regionais de Procons. Num cenário com ampla divulgação das taxas por modalidade dos bancos públicos, que se tornariam parâmetros de comparação no Brasil todo, também seria importante divulgar as taxas dos bancos privados (que já acontece hoje, mas sem maior promoção), para ser um incentivo à redução de taxas pelos bancos privados. Com relação à defesa da concorrência, a Lei nº 4.595/64 que dispõe sobre a política e as instituições monetárias e creditícias confere ao Banco Central do Brasil a competência para fiscalizar e aplicar as regras de defesa da concorrência no setor bancário. A Lei nº 8.894/94, que dá ao Conselho de Administração de Defesa Econômica (CADE) a competência de julgar quaisquer matérias que digam respeito a danos à concorrência, esbarra, no caso do setor bancário, na referida lei acima, recepcionada ainda pela Constituição Federal de 1988. Para que a Lei nº 8.884/94 possa ser colocada em vigência no ordenamento financeiro, uma lei complementar deve ser promulgada, revogando o disposto na Lei nº 4.595/64.

12 Luiz Fernando de Paula; Rodrigo Mendes Leal No caso da recente onda de fusões e aquisições (F&A) bancárias que ocorreu no Brasil, no período 1996- -3, as motivações do Bacen para aprovação de F&A estiveram relacionadas, sobretudo no período 1996-98, ao objetivo de fortalecimento financeiro do setor bancário brasileiro, em vários casos, em detrimento de considerações relacionadas a um (possível) poder de mercado excessivo que possa levar a práticas monopolistas. Uma vez passada a fase de consolidação bancária do setor bancário brasileiro, torna-se necessário, cada vez mais, levar em conta questões relacionadas à defesa da concorrência nesse setor. Ainda que não haja evidências da existência de um cartel do setor do Brasil, ele tem uma estrutura de mercado de competição imperfeita (Belaisch, 23). A experiência internacional mostra a existência de diferentes modelos institucionais de arranjo antitruste no sistema financeiro. Países como Austrália, Finlândia, Suécia e Grã-Bretanha adotam o modelo de competências complementares, que parece ser o mais adequado para o caso brasileiro, considerando o arranjo e a experiência institucional já existente. Neste caso, o Bacen instruiria os processos administrativos visando à apuração de conduta infratora da ordem econômica, bem como emissão de pareceres técnicos sobre os efeitos de mudanças na estrutura de mercado; e o CADE, por sua vez, apreciaria, como instância decisória administrativa, os processos instaurados pelo Banco Central. MATOS, O. C. de. Inter-relações entre desenvolvimento financeiro, exportações e crescimento econômico: análise da experiência brasileira. Brasília: Banco Central do Brasil, 23. (Notas técnicas; n. 4). OREIRO, J. L. et al. Determinantes macroeconômicos do spread bancário no Brasil: teoria e evidência recente. Disponível em: http://paginas.terra.com.br/educacao/luizfpaula/ Acesso em: 28 abr. 26. SAUNDERS, A.; SCHUMACHER, L. The determinants of bank interest rate margins: an international study. Journal of International Money and Finance, v. 19, p. 813-832, 2. SINGH, A. et al. Stabilization and reform in Latin America: a macroeconomic perspective on the experience since the early 199s. Washington: IMF, 25. (Occasional paper; n. 238). Referências AFANASIEFF, T. S.; LHACER, P. M.; NAKANE, M. I. The determinants of bank interest spread in Brazil. Money Affairs, v. 15, n. 2, p. 183-27, 22. BELAISCH, A. Do brazilian banks compete? Washington: IMF, 23. (IMF Working Paper; 3/113). LEVINE, R. Financial development and economic growth: views and agenda. Journal of Economic Literature, v. 35, p. 688-726, 1997. MARQUES Jr., T. E.; PORTO Jr., S. Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico no Brasil uma avaliação econométrica. Porto Alegre: UFRGS, 24. (Texto para discussão PPGE; n. 11). MATOS, O. C. de. Desenvolvimento do sistema financeiro e crescimento econômico no Brasil: evidências de causalidade. Brasília: Banco Central do Brasil, 22. (Trabalhos para discussão; n. 49).