ENSAIOS DE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL DO TRABALHO
A responsabilidade trabalhista do grupo econômico de empresas. Abordagem derivada da reforma trabalhista. A Lei nº 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, corporificou alteração de diversas normas do direito do trabalho pátrio, notadamente da Consolidação das Leis do Trabalho. Tal reforma foi fruto de discussões de diversos atores sociais, que no exercício de seus direitos manifestaram-se ao longo do processo legislativo. A consideração destas manifestações na forma de materialização de seus anseios no texto aprovado é ponto de desavenças, que não foram simplesmente pacificadas com a sanção do executivo federal do texto legal. É certo que o processo legislativo e as consequentes críticas e discussões a este formuladas são naturais e relevantes, notadamente em matéria cuja importância é anunciada pela própria Constituição Federal, consoante art. 1º, IV, na medida em que tal norma anuncia que são fundamento deste Estado Democrático de Direito, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Entretanto, apesar de serem legítimas as discussões, o presente projeto propõe-se a dar maior relevo ao real alcance das novas normas sob o ponto de vista jurídico, em compasso com o ordenamento jurídico vigente e também de acordo com o posicionamento do guardião das leis trabalhistas, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho. Do grupo econômico previsto originariamente no 2º do art. 2º da CLT Neste sentido, a análise inaugural recairá sobre tema que também é o primeiro a ser tratado na reforma trabalhista, qual seja a caracterização e abrangência do instituto do grupo econômico para o direito do trabalho. Neste sentido verifica-se que houve alteração do 2º, do art. 2º da CLT, bem como introdução do 3º, consoante texto a seguir colacionado, verbis: Norma Revogada Art. 2º... 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas. Norma Nova Art. 2º... 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes. (NR)
Antes de passar-se à análise das alterações havidas na norma, conforme quadro acima, é necessário tecer-se, ainda que brevemente, os contornos do instituto, de forma que a análise possa ser realizada e entendida com segurança. Neste sentido expõem-se a seguir os objetivos, requisitos e entendimentos até então aplicáveis à norma objeto de alteração. Objetivo do instituto O objetivo do instituto veiculado na norma alcance da responsabilidade das empresas do grupo econômico - sempre foi o de ampliar as possibilidades de garantia do crédito trabalhista, impondo responsabilidade plena por tais créditos às distintas empresas componentes do mesmo grupo econômico. Neste aspecto, houve por bem em estabelecer-se responsabilidade das sociedades empresárias componentes de um mesmo grupo econômico acerca dos débitos trabalhistas oriundos de qualquer das sociedades empresárias do grupo. Sobre o tema, Maurício Godinho Delgado oferta conceito de grupo econômico: A figura resultante da vinculação jus trabalhista que se forma entre dois ou mais entes favorecidos direta ou indiretamente pelo mesmo contrato de trabalho, em decorrência de existir entre esses entes laços de direção ou coordenação em face de atividades industriais, comerciais, financeiras, agroindustriais ou de qualquer outra natureza econômica. Há, assim, requisitos de ordem objetiva, de ordem subjetiva e, ainda, requisitos complementares para a completa configuração do instituto em análise. Requisitos objetivos O aspecto objetivo está relacionado ao próprio propósito de normatização do instituto, neste sentido verifica-se que o conceito visa dar atendimento à ampliação das garantias de pagamento do débito trabalhista. E, por isto mesmo pelo menos até antes da aprovação da reforma trabalhista entendia-se que o instituto deveria ser analisado exclusiva e propositadamente sobre as premissas estabelecidas na norma trabalhista, não importando, por conseguinte, conceitos de grupo econômico advindos de outras searas do direito. Requisitos subjetivos Os requisitos subjetivos dizem respeito à delimitação daqueles que serão atingidos e que se aproveitarão do instituto. Neste passo é possível constatar-se facilmente que a norma tem o propósito de garantir que o passivo oriundo de relações do trabalho havidas em um grupo econômico gerará a responsabilidade dos componentes do grupo econômico para com o respectivo empregado. Neste sentido, não será qualquer pessoa que poderá ser declarada como pertencente a um grupo econômico, na medida em que a norma gera obrigações, o que implica na necessidade de que a sua interpretação seja feita de forma restritiva. A primeira consequência de tal premissa silogística é a de que será qualquer pessoa a caracterizar-se como componente do
grupo econômico, mas somente aquelas que detenham os requisitos veiculados na norma, o primeiro deles: o componente do grupo econômico deverá ser empresa. É possível extrair-se, ainda, que o conceito de empresa, para fins da norma em comento, está vinculado ao exercício de atividades com finalidade econômica. A ausência da finalidade econômica dos entes, ainda que estejam relacionados entre si, importará, por conseguinte, na impossibilidade de configuração do grupo econômico. Importante notar, ainda, que apesar de a norma estabelecer critério distintivo com a finalidade de apurar-se esta dita responsabilidade passiva do grupo econômico, verificou-se que a jurisprudência trabalhista evoluiu para entender que a configuração do grupo econômico também geraria responsabilidade ativa do empregado para com as empresas participantes do grupo econômico, ou seja, diversas empresas componentes do grupo econômico poderiam demandar a contraprestação laboral do empregado sem a necessidade de estabelecimento de vários contratos de trabalho. Tal evolução restou pacificada, inclusive com a edição da Súmula nº 129 do Tribunal Superior do Trabalho 2. Nexo Relacional Interempresas Além do requisito subjetivo, há um segundo requisito necessário à configuração do instituto, ligado à forma como as empresas se relacionam. A análise da norma revogada encaminhou à construção de duas correntes de entendimento, a primeira delas no sentido de restringir-se a configuração do grupo à ocorrência de nexo de efetiva direção hierárquica entre suas empresas componentes; a segunda, que a configuração dependeria de uma relação de simples coordenação entre as empresas componentes do grupo como apta a configurá-lo. Análise das alterações veiculadas pelas novas normas que tratam do instituto do grupo econômico para fins trabalhistas A nova redação do 2º do artigo 2º da CLT prestigiou relativamente ao requisito de nexo relacional interpresas a corrente mais abrangente de responsabilização, exatamente aquela cuja configuração demandaria a existência de simples coordenação entre as empresas componentes do grupo econômico. É o que se depreende do trecho ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, acrescido ao novo texto. Neste ponto, é importante que se diga que a primeira norma alterada está em consonância com corrente doutrinária e jurisprudencial mais favorável ao empregado. Constata-se, ainda, que o acréscimo do 3º ao artigo 2º teve por propósito explicitar e restringir a configuração do grupo econômico aos limites subjetivos que, na verdade já estavam estabelecidos originariamente pelo antigo 2º do artigo 2º, na medida em que aquela norma nunca cogitou da responsabilidade decorrente de identidade de sócios de sociedades empresárias distintas. A inclusão, entretanto, é deveras útil ao sistema. 2 Súmula nº 129 do TST. Contrato de Trabalho. Grupo Econômico. A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário.
A utilidade do 3º decorre do estabelecimento indubitável de que a mera coincidência de sócios não basta para configurarse a responsabilidade decorrente da caracterização do grupo econômico, a norma exige que as empresas do pretenso grupo econômico realmente desenvolvam suas atividades de forma integrada. Nesse sentido, em que pese a jurisprudência existente atualmente (RR-191700-17.2007.5.15.0054), notadamente a do Tribunal Superior do Trabalho já prestigiar, verifica-se a existência de decisões judiciais atuais em sentido oposto ao do apontado pelo novo 3º. Ainda quanto ao tema é importante ressaltar que a caracterização do grupo econômico implica em consequências processuais, na medida em que o crédito trabalhista objeto de discussão normalmente é avaliado por meio e em decorrência de ação judicial. Neste aspecto e atualmente vislumbram-se dois tópicos processuais de interesse, o primeiro deles relacionado à necessidade de existência de litisconsórcio passivo já na fase de cognição processual, ou seja, a necessidade de que a propositura da ação seja feita em face das empresas que se pretenda responsabilizar em razão do grupo econômico. Sobre o tema houve o estabelecimento em 1985 da Súmula 205 3 do Tribunal Superior do Trabalho que exigia a formação de litisconsórcio passivo necessário desde a fase de cognição processual, ou seja, para responsabilizar-se o grupo econômico era necessário que a ação trabalhista já fosse proposta em face das empresas do grupo, não sendo possível responsabilizarse a sociedade apenas na fase de execução da ação trabalhista. Ocorre que tal súmula fora cancelada em novembro de 2003, o que levou à interpretação da possibilidade de inclusão e responsabilização das sociedades empresárias pertencentes ao grupo econômico apenas na fase de execução. É de se constatar que a interpretação dada após o cancelamento privilegiava as garantias de recebimento dos valores discutidos na ação judicial pelo empregado, eliminando a necessidade de integração do polo passivo pelas empresas integrantes do grupo econômico (com as repercussões daí advindas, tais como a multiplicação de atos decorrentes da multiplicidade de integrantes do polo passivo da ação), ao mesmo tempo em que estabelecia certa insegurança jurídica, notadamente decorrente da limitação da possibilidade de discussão pelos supostos integrantes do grupo econômico. Em outras palavras, a interpretação decorrente do cancelamento da mencionada Súmula nº 205 do TST, até então privilegiou o elastecimento das garantias para recebimento do crédito, em detrimento da segurança jurídica. A inclusão do novel 3º ao art. 2º da CLT faz ressurgir a necessidade de prévia discussão da existência ou não de grupo econômico na fase de cognição processual. Neste ponto há que se dizer que andou bem a alteração realizada, na medida em que conforme sabe-se os valores protegidos pela ordem jurídica, consoante art. 1º, IV, da Constituição Federal são os do trabalho e da livre iniciativa. Tais valores são complementares e não excludentes. 3 Súmula nº 205 do TST (Cancelada). Grupo econômico. Execução trabalhista. Solidariedade. CLT, arts. 10 e 448. O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução.
A possibilidade e necessidade de prévia discussão do grupo econômico traz segurança jurídica aqueles empreendedores que queiram sofisticar suas operações, sabedores que a coordenação de atividades entre as diversas sociedades empresárias importará na configuração do grupo econômico, ao passo que o mero investimento de sócio em sociedades empresárias diversas não acarretará a configuração daquele instituto. Por outro norte, constata-se que a exigência de contraditório prévio acerca da configuração da existência do grupo econômico não traz prejuízo material ao empregado, mas apenas necessidade de que este aponte desde o início da propositura da ação o seu intento em responsabilizar mais de uma sociedade empresária, além daquela pela qual fora entabulado o contrato de trabalho. O ordenamento jurídico tem como um dos seus primordiais princípios a busca da pacificação social, esta, por sua vez, depende, dentre outros, da existência de segurança jurídica, que nada mais é do que o estabelecimento de jogo com regras claras, que possam ser colocadas à prova pelas partes desde o início da ação judicial. As alterações promovidas, conforme visto, revelam maior transparência no trato da questão para empregados e empregadores. Dr. Kleber Borges Moura Sócio Diretor Jurídico Trabalhista e Previdenciário Dr. Thiago Lopes Gerente Jurídico do Trabalho e Previdenciário
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