SIGNIFICADOS DE GÊNERO NOS JOGOS E BRINCADEIRAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL MÁRIO MORENO RABELO SILVA Núcleo de Estudos e Pesquisas: Formação de Professores Mestrando Orientadora: Prof.(a). Dr.(a). MARIA NAZARÉ DA CRUZ JUSTIFICATIVA O objetivo da pesquisa que passamos a apresentar é identificar e analisar os significados de gênero que têm sido construídos, por crianças e professoras, a partir das vivências escolares dos jogos e brincadeiras na Educação Infantil. A questão de gênero na pesquisa educacional ainda é um tema pouco explorado, conforme Faria (2002). De acordo com a autora, as inúmeras pesquisas que tratam das relações de gênero não costumam abordar as especificidades das diferentes idades e fases da vida - principalmente aquelas que dizem respeito às crianças. Também as investigações que privilegiam as diferenças etárias, e a infância em particular, raras vezes fazem análises de gênero. As normas sociais prescrevem posturas, comportamentos, atitudes diferenciadas para homens e mulheres, assim afirma Finco (2004). Desde a infância, tais atitudes são enraizadas através dos relacionamentos na família, na escola; são construídos valores, nem sempre explícitos, mas que sutilmente determinam nossos comportamentos. Tornar-se homem ou mulher, pontuam Barreto e Silvestri (2005), depende de um longo processo de socialização, durante o qual os indivíduos vão adquirindo referenciais de conduta que os identificarão socialmente como pertencentes a tal ou qual sexo. A criança vai sendo introduzida neste processo de introjeção/significação da cultura de gênero, de forma sutil, em vários momentos. O conceito de gênero, para Louro (2002), pode ser um conceito relevante, útil e apropriado para as questões educacionais. Pondo em xeque o caráter natural do feminino e do masculino, o conceito indica um processo, uma ação, um investimento para fazer um sujeito de gênero. Finco (2004) ressalta que apesar destas questões estarem implícitas no dia-a-dia da escola, permeadas nas práticas pedagógicas, ainda estão longe das discussões nos cursos de formação do professor, sendo que pouco se discute as questões de gênero no âmbito de reuniões pedagógicas. Devemos nos perguntar o porquê desta ausência, o que significa não discutir as questões de gênero e o que implica a não discussão. Os currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagem, materiais didáticos e processos de avaliação contribuem para as diferenças de gênero nas séries iniciais, ainda destaca Louro (1997). São muitas as pesquisas que apontam que a escola possui mecanismos sutis que constroem e mantém as diferenças entre os sexos. Porém não se sabe como essa construção aparece na escola de Educação Infantil. Nesta etapa da educação a escola já ensina a ser menino e a ser menina? Como as crianças se manifestam frente às relações de gênero? A educação infantil é parte integrante e importante do processo de construções de concepções educacionais, posturas, condutas e formas de comportamentos diferenciadas pelo sexo. É nesse cenário que as crianças encontram e constroem suas experiências de vida (SANTOS, 2009). Portanto, é na interação com outras pessoas que elas aprendem a compartilhar e a viver em um contexto educativo e coletivo, relacionando-se e comunicando-se
com o mundo a sua volta. Desse modo, é na potencialidade desse convívio e de diversas formas de relações que se pode propiciar novas relações e interações a partir do ambiente escolarizado. A experiência de meninos e meninas na Educação Infantil pode ser considerada por muitos (as) como um rito de passagem contemporâneo que antecipa a escolarização, (SAYÃO, 2003), através do qual se produzem marcas em seus corpos. As classificações calmo/agitado, obediente/irreverente, dócil/perigoso, coordenado/descoordenado são bastante evidenciadas, partindo da participação de meninos e meninas em atividades na Educação Infantil. Ao pensar meninos e meninas em todas as suas dimensões, encontramos nos jogos e brincadeiras uma de suas formas de expressão e, deste modo, os jogos e brincadeiras oferecem múltiplas possibilidades de investigação a partir da própria produção cultural infantil e das condições em que isso ocorre. As escolhas e utilização dos brinquedos pelas crianças foram pontos importantes de análise para refletir sobre as relações entre meninos e meninas, segundo Finco (2004). É importante ressaltar que os brinquedos são compreendidos como elementos culturais, portadores de significados e de um enredo social e as crianças estão a todos os momentos resignificando e recriando estes significados. O ato de brincar envolve um refazer constante, durante o qual a criança reinventa sentidos e cria novas situações. A essência do brincar não é um fazer como se, mas um fazer sempre de novo, transformação da experiência mais comovente em hábito. (BENJAMIN, 2002, p.102). Em outras palavras, Barreto e Silvestri (2005) nos relatam, por exemplo, que a menina vai se habituando, enquanto brinca, a se tornar socialmente mulher. O exercício crítico de recriar os valores sociais de gênero, de realocar o lugar do homem e da mulher, nem sempre é efetivado conscientemente, mas certamente, o ato de brincar parece ser um veículo possível, neste processo de reconstrução durante o movimento de ressignificação do instituído (BARRETO e SIVESTRE, ibidem). Os brinquedos e as situações de brincadeiras tecidas no sistema social interferem e influenciam na formação do imaginário sociocultural infantil. Isso acontece enquanto as crianças estão vivenciando as práticas e usos dos brinquedos. Estudar as representações simbólicas destes brinquedos, de acordo com Barreto e Sivestre (ibidem), é relevante para que no fazer educativo, em quaisquer instâncias, se percebam os fios que podem se ocupar da desestabilização do instituído na constituição do lugar de gênero. Ou seja, ao analisarmos as brincadeiras das crianças, é fundamental nos darmos conta dos momentos e das formas pelas quais os significados dominantes são apropriados pela criança, enquanto brinca, e a maneira pela qual esta criança ressignifica a cultura de gênero hegemônica. Assim, podemos entender o brinquedo como um sistema de significados e práticas, produzidos não só por aqueles que o difundem, como por aqueles que o utilizam (BROUGÈRE, 1998). Se os brinquedos são um sistema de significados produzido, então, importa conhecer que significados, notadamente os de gênero, têm sido construídos nas representações e no imaginário de nossas crianças. O brinquedo, segundo Brougère (1998), é um elemento cultural carregado de simbologias, pois sintetiza a representação que uma dada sociedade tem de meninos e meninas e, desse modo, apresenta-se como um instrumento complexo que permite a compreensão do funcionamento da cultura. PROBLEMÁTICA
Isto posto, com base nas discussões elencadas acima, surgiram algumas problematizações e indagações que nos nortearam no desenvolvimento deste projeto de pesquisa: Que significações acerca das relações de gênero têm sido construídas pelas crianças em suas brincadeiras? De que forma e em que momento as crianças se apropriam dos significados socialmente dominantes, e de que maneiras ressignificam a cultura hegemônica de gênero? Como as professoras atuam em relação a essas significações que se produzem nas brincadeiras? Que elaborações as professoras realizam sobre as significações de gênero que se produzem no brincar e sobre suas próprias práticas relativas a elas, quando são levadas a tomar situações de brincadeira como objeto de atenção e análise? Nesse sentido, a partir destes pontos destacados e das considerações ressaltadas pelo aporte teórico, este projeto de pesquisa foi construído partindo da seguinte questão-problema: quais significados de gênero têm sido construídos, por crianças e professoras, a partir das vivências escolares dos jogos e brincadeiras na Educação Infantil? OBJETIVOS Assim, como objetivo geral desta pesquisa, propomos: identificar e analisar os significados de gênero que têm sido construídos por crianças e professoras, a partir das vivências escolares dos jogos e brincadeiras na Educação Infantil. De modo específico pretendemos: aprofundar estudos sobre as categorias: jogos e brincadeiras, educação infantil e gênero; analisar, em momentos de brincadeiras na Educação Infantil, a produção de significações de gênero pelas crianças; investigar a compreensão e a atuação das professoras em relação a essas significações; problematizar as possibilidades e limitações dos jogos e brincadeiras na Educação Infantil como instâncias de re-significação da cultura hegemônica de gênero. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS/ RESULTADOS PARCIAIS Tendo em vista a natureza do problema deste estudo, os referenciais teóricometodológicos adotados estão ligados à perspectiva histórico-cultural, mais especificamente às formulações de Vigotski e Leontiev sobre a brincadeira infantil. Para esses autores, a brincadeira de faz-de-conta é essencial para o desenvolvimento da criança em idade préescolar. cria zonas de desenvolvimento proximal: [...] no brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade. Assim, reforça o autor supracitado, a brincadeira é a atividade em conexão com o qual acorrem as mais importantes mudanças no desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se desenvolvem processos psíquicos que preparam o caminho da transição da criança para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento (LEONTIEV apud FONTANA e CRUZ, 1997, p.129). Segundo a abordagem histórico-cultural de Vigotski, como bem nos relata Martins (2009), a característica definidora do brincar não é o prazer, pois este pode ser acompanhado por contradições, oposição, ou seja, aspectos que nem sempre são prazerosos de serem vivenciados. Para ele o que define a brincadeira é a situação imaginária. Na idade pré-escolar, algumas modificações ocorrem no desenvolvimento da criança. O mundo objetivo que a criança conhece está continuamente se expandindo e, nesse período, já não inclui apenas os objetos que constituem o ambiente que a envolve, mas também os objetos com os quais os adultos operam e sobre os quais ela ainda não pode agir. Ou seja:
A criança passa a se interessar por uma esfera mais ampla da realidade e sente necessidade de agir sobre ela. Agir sobre as coisas é a principal forma de que a criança dispõe para conhecê-las, compreendê-las. Nesse período, ela tenta atuar não apenas sobre as coisas às quais tem acesso, mas esforça-se para agir como um adulto: quer, por exemplo, dirigir um carro ou fazer comida. (FONTANA e CRUZ, 1997, p.122). Assim, a situação imaginária da brincadeira decorre da ação da criança, de sua tentativa de reproduzir as ações dos adultos em condições diferentes daquelas em que elas ocorrem na realidade e, portanto, traz sempre as marcas das experiências sociais das crianças. No entanto, as crianças não reproduzem simplesmente aquilo que observam em suas experiências sociais, mas as reelaboram criativamente, produzindo novas significações. Com base nessa visão sobre a brincadeira, realizamos a pesquisa de campo, focando especialmente a brincadeira de faz-de-conta. Os sujeitos da pesquisa foram crianças, em torno de quatro anos de idade, de duas turmas de maternal II de uma Escola da Rede Municipal de Ensino do interior do Estado de São Paulo, sendo que uma das turmas frequenta a escola em período integral e outra em período parcial, e suas três professoras, sendo que todas elas trabalham em período parcial. Faz-se importante ressaltar que as turmas de maternal II foram escolhidas porque nelas as brincadeiras de faz-de-conta estão em grande desenvolvimento. Conforme pudemos constatar nas observações realizadas na escola, amparados na perspectiva vigotskiana sobre o desenvolvimento da brincadeira (FONTANA e CRUZ, 1997), nessas turmas as brincadeiras já não se limitam à reprodução de ações humanas em torno de objetos, como é comum entre as crianças mais novas, e ainda não dividem espaço, de modo significativo, com brincadeiras e jogos dirigidos e com regras, como é comum às crianças mais velhas. Como procedimentos de coleta de informações, nos pautamos no registro em diário de campo, bem como, em vídeo-gravações de situações de brincadeira. Acompanhamos por sete semanas, de segunda a sexta-feira, em período integral (das 08h até às 16h: 30min) as aulas ministradas nas duas turmas de Maternal II, tendo registrado várias situações de brincadeiras no cotidiano destas turmas. Estão previstas ainda entrevistas com as professoras, de modo a rever e problematizar com elas, alguns recortes das filmagens registradas no que diz respeito às suas compreensões sobre as significações de gênero que se produzem no brincar e como percebem sua atuação em relação a essas significações. Posteriormente, tais entrevistas também serão submetidas à análise. Os procedimentos para construção dos dados estão ainda em fase inicial. Estamos, no momento, assistindo todas as filmagens e realizando uma primeira seleção de situações relevantes para o estudo da problemática em questão e descrevendo-as. A partir dessa primeira seleção e com base em nossos referenciais teóricos, construiremos eixos de análise que orientarão a escolha e o recorte de episódios que serão minuciosamente transcritos e, posteriormente, submetidos à análise.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora os dados ainda estejam sendo construídos e apenas preliminarmente analisados, já é possível perceber a complexidade das brincadeiras no que tange às significações de gênero, já que nelas os significados socialmente produzidos e culturalmente hegemônicos parecem ser reproduzidos, ao mesmo tempo em que novos sentidos são elaborados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETO, Flávia de Oliveira; SILVESTRE, Mônica Ledo. Relações Dialógicas Interculturais - Brinquedos E Gênero. Anais do 28ª Encontro Anual da Anped (2005), acesso em 23/01/2012. http://www.anped.org.br/reunioes/28/inicio.htm BENJAMIN, Walter. Reflexões Sobre a Criança, o Brinquedo e a Educação. São Paulo: Editora 34, 2002. BROUGÉRE, G. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez Editora, 1998. FARIA, Ana Lúcia Goulart de, DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri e PRADO, Patrícia Dias (orgs.) Por uma cultura da Infância: metodologias de pesquisa com crianças. Campinas: Editores Associados, 2002. FINCO, Daniela. Faca sem ponta, galinha sem pé, homem com homem, mulher com mulher : relações de gênero nas brincadeiras de meninos e meninas na pré-escola. Dissertação de Mestrado Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP: (s.n.), 2004. FONTANA, Roseli; CRUZ, Maria Nazaré da. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Ed. Atual, 1997. LOURO, Guacira Lopes. A construção escolar das diferenças. In:. Gênero, sexualidade e educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.. Gênero: questões para a Educação. In: Bruschini, Cristina, Unberhaum, Sandra G. (orgs.). Gênero, democracia e sociedade brasileira. São Paulo, SP: FCC: Ed.34, 2002. MARTINS, Ida Carneiro. As relações do professor de educação infantil com a brincadeira: do brincar na rua ao brincar na escola Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós- Graduação em Educação / Faculdade de Ciências Humanas - Universidade Metodista de Piracicaba. Piracicaba, 2009. SANTOS, Vanusa Valéria dos (2009). Relações e Representações de Gênero na Educação Infantil. Disponível em: http://itaporanga.net/genero/gt7/3.pdf. SAYÃO, Debora Thomé (2003). Pequenos homens, pequenas mulheres? Meninos e meninas? Algumas questões para pensar as relações entre gênero e infância. Pro-posições, Dossiê: Educação Infantil e gênero, v. 14, n. 3, (42), pp. 67-88,2003. VYGOTSKY, L. S. (1991). A formação social da mente: O Desenvolvimento dos processos psicológicos superiores (4. ed., J. Cipolla Neto, L. S. M. Barreto, & S. C. Afeche, Trads.). São Paulo, SP: Martins Fontes.