MELANOMAS MALIGNOS DAS MUCOSAS DA CABEÇA E PESCOÇO: EXPERIÊNCIA DO IPO-FG DE COIMBRA

Documentos relacionados
Carolina Durão João Pimentel Ana Hebe Ricardo Pacheco Pedro Montalvão Miguel Magalhães

Gaudencio Barbosa R3 CCP HUWC Serviço de Cirurgia de Cebeça e Pescoço

ADENOCARCINOMA NASOSSINUSAL EXPERIÊNCIA DO SERVIÇO ORL DO HOSPITAL DE BRAGA

Universidade Federal do Ceará Faculdade de Medicina Liga de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Jônatas Catunda de Freitas

Sarcomas de partes moles do adulto Estudo Populacional/Institucional Regiões do Alentejo e Algarve

Melanomas Cutâneos em Cabeça e Pescoço. Dr. Bruno Pinto Ribeiro R4 em Cirurgia de Cabeça e Pescoço Hospital Universitário Walter Cantídio - UFC

CARCINOMA DA ADRENAL, FEOCROMOCITOMA E PARAGANGLIOMA. ANA CAROLINA GUIMARÃES DE CASTRO Faculdade de Medicina da UFMG

RADIOTERAPIA EXTERNA CONFORMACIONAL 3D NO TRATAMENTO DE CARCINOMAS DA NASOFARINGE: EXPERIÊNCIA DE UM SERVIÇO

irurgia Revista Portuguesa de Órgão Oficial da Sociedade Portuguesa de Cirurgia II Série N. 16 Março 2011

Melanomas da mucosa nasal no IPOLFG ( )

QuímioRadioterapia nos tumores de cabeça e pescoço. Guy Pedro Vieira

EFICÁCIA DA TERAPÊUTICA NEOADJUVANTE EM DOENTES COM ADENOCARCINOMA DO PANCREAS: ANÁLISE MULTICÊNTRICA DOS ÚLTIMOS 5 ANOS.

Radioquimioterapia a título curativo no carcinoma anal - os nossos resultados

Clínica Universitária de Radiologia. Reunião Bibliográfica. Mafalda Magalhães Director: Prof. Dr. Filipe Caseiro Alves

Potencialidades da Plataforma ROR-Sul

Ardalan Ebrahimi; Jonathan R. Clark; Balazs B. Lorincz; Christopher G. Milross; Michael J. Veness

Tipo histológico influencia no manejo local das metástases. Fabio Kater oncologista da BP oncologia

Esvaziamento Cervical Seletivo em Pescoço Clinicamente Positivo

XXIII Jornadas ROR-SUL. 15, 16 e 17 Fevereiro 2016 Lisboa

TABELA DE PROCEDIMENTOS SUS

Artigo Original TUMORES DO PALATO DURO: ANÁLISE DE 130 CASOS HARD PALATE TUMORS: ANALISYS OF 130 CASES ANTONIO AZOUBEL ANTUNES 2

Dr. Bruno Pinto Ribeiro Residente em Cirurgia de Cabeça e Pescoço Hospital Universitário Walter Cantídio

AULA 1: Introdução à Quimioterapia Antineoplásica

Artigo Original TRATAMENTO DO CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO NO IDOSO ACIMA DE 80 ANOS

Radioterapia baseada em evidência no tratamento adjuvante do Câncer de Endométrio: RT externa e/ou braquiterapia de fundo vaginal

Caso Clínico - Tumores Joana Bento Rodrigues

ADENOMA PLEOMÓRFICO: DESAFIOS DO TRATAMENTO A Propósito de Um Caso Clínico

Reirradiação após recidiva de tumor em cabeça e pescoço : Indicações e Resultados. Priscila Guimarães Cardoso R3 - Radioterapia

Tratamento adjuvante sistêmico (como decidir)

Braquiterapia Ginecológica

MELANOMA DA COROIDEIA: DIFERENTES APRESENTAÇOES

CÂNCER LARINGE. UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ Hospital Walter Cantídio Residência em Cirurgia de Cabeça e Pescoço CÂNCER DE LARINGE

Estudo retrospectivo de melanomas cutâneos e mucosos na população do estado do Rio Grande do Norte, Brasil

Gaudencio Barbosa R4 CCP HUWC UFC

Oncologia. Caderno de Questões Prova Discursiva

RETALHOS ÂNTERO-LATERAL DA COXA E RETO ABDOMINAL EM GRANDES RECONSTRUÇÕES TRIDIMENSIONAIS EM CABEÇA E PESCOÇO

Cancro do pulmão e metástases cutâneas

Rodrigo de Morais Hanriot Radioterapeuta Sênior Hospital Israelita Albert Einstein e Hospital Alemão Oswaldo Cruz

Protocolo de Preservação de Orgão em Câncer de Cabeça e Pescoço

CRESCIMENTO TUMORAL VERSUS ESTADIAMENTO NO CARCINOMA EPIDERMÓIDE DE LÍNGUA E SOALHO DA BOCA

Manejo de Lesão Cerebral Metastática Única. Eduardo Weltman Hospital Israelita Albert Einstein Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Merkel Cell Carcinoma Tratamento imunológico

Cancro de Pâncreas Tumores localmente avançados /Borderline ressecáveis

Radioterapia de SNC no Câncer de Pulmão: Update Robson Ferrigno

Câncer Medular de Tireóide Diagnóstico e Tratamento

Gaudencio Barbosa R4 CCP Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço HUWC - UFC

Tumores renais. 17/08/ Dra. Marcela Noronha.

Dr. Bruno Pinto Ribeiro Residente em Cirurgia de Cabeça e Pescoço Hospital Universitário Walter Cantídio

Qual a melhor combinação de quimioterapia quando associada à radioterapia para tumores localmente avançados (pulmão)?

O QUE É? O RABDOMIOSARCOMA

CANCER DE BEXIGA Quimioterapia neo-adjuvante racional, indicações e complicações. Luiz Flávio Coutinho. Tiradentes 13/08/2016

Enquadramento e Racional

Head and Neck Julho / Humberto Brito R3 CCP

ADENOCARCINOMA DE PÂNCREAS

Gustavo Nader Marta, Rachel Riera, Cristiane Rufino Macedo, Gilberto de Castro Junior, André Lopes Carvalho, Luiz Paulo Kowalski

Lídia Roque Ramos, Pedro Pinto-Marques, João de Freitas SERVIÇO DE GASTROENTEROLOGIA

Estesioneuroblastoma: um tumor heteróclito da oncologia clínica. Esthesioneuroblastoma: A Heteroclite Tumor of Clinical Oncology

TUMORES NEUROENDÓCRINOS PULMONARES. RENATA D ALPINO PEIXOTO Hospital Alemão Oswaldo Cruz

PANORAMA DO CÂNCER DE MAMA NO BRASIL

Gaudencio Barbosa R3 CCP HUWC 10/2011

Margens menores que 1 centímetro na hepatectomia são insuficientes?

João Barosa Francisco Branquinho Arnaldo Guimarães

Tratamento de Resgate após. Eu prefiro HIFU ou Crioterapia GUSTAVO CARDOSO CHEFE DO SERVIÇO DE UROLOGIA

Conferências 8:25-8:40 Biologia molecular em esôfago e estômago : qual impacto na prática? qual o futuro?

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO

MESA-REDONDA: MÓDULO DE CÂNCER DE PRÓSTATA. Radioterapia na doença oligometastática de próstata. SBRT e outras estratégias

O EFEITO DO TABACO E DO ÁLCOOL E DAS SUAS REDUÇÕES/PARADAS NA MORTALIDADE EM PACIENTES COM CÂNCER ORAL

Estamos Tratando Adequadamente as Urgências em Radioterapia?

Emergências Oncológicas - Síndrome de. Compressão Medular na Emergência

Departamento de Radioncologia Instituto CUF Porto Hospital de Braga

Padrões de tratamento e outcomes clínicos de cancro da mama

RADIOTERAPIA EM TUMORES DE CABEÇA E PESCOÇO LOCALMENTE AVANÇADOS E IRRESSECÁVEIS (IVB): QUANDO EVITAR TRATAMENTOS RADICAIS?

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE PACIENTES COM NEOPLASIA DE MAMA EM TRATAMENTO COM TRANSTUZUMABE EM HOSPITAL NO INTERIOR DE ALAGOAS

Encontro Pós ASTRO 2011

Importância do Estadiamento. Cirurgia Cabeça e Pescoço - HMCP Cirurgia Torácica - HMCP. J. L. Aquino

Ivo Miguel Moura César Anjo José Colaço Tatiana Carvalho Ricardo Pacheco Pedro Montalvão Miguel Magalhães

Neoplasias. Margarida Ascensão. Teresa Matias

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DE PACIENTES PARA REIRRADIAÇÃO DE TUMORES DE CABEÇA E PESCOÇO

MELANOMA MALIGNO ASSOCIADO A NEVO MELANOCÍTICO

Gaudencio Barbosa R3 CCP HUWC - 01/2012

DIRETRIZES DE UTILIZAÇÃO DO PET CT ONCOLÓGICO NO PLANSERV.

S. C. SILVA; ANTÔNIO A. G. JUNIOR; LUANE A. MARTINS; 01 DE MAIO DE 2014.

Comparação terapêutica entre radioterapia e cirurgia para câncer de laringe localmente avançado: experiência do Hospital Erasto Gaertner

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DO ATENDIMENTO FONOAUDIOLÓGICO DE PACIENTES TRATADOS DO CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO

Benefício da radioterapia neoadjuvante na sobrevida de pacientes com câncer de mama localmente avançado

I. RESUMO TROMBOEMBOLISMO VENOSO APÓS O TRANSPLANTE PULMONAR EM ADULTOS: UM EVENTO FREQUENTE E ASSOCIADO A UMA SOBREVIDA REDUZIDA.

- Papel da Quimioterapia Neo e

câncer de esôfago e estômago Quais os melhores esquemas?

Características endoscópicas dos tumores neuroendócrinos retais podem prever metástases linfonodais? - julho 2016

Tumores Ginecológicos. Enfª Sabrina Rosa de Lima Departamento de Radioterapia Hospital Israelita Albert Einstein

12/10/2015 NT 45/2015

Tumores múltiplos em doentes com carcinoma da cabeça e pescoço Serviço de Oncologia Médica do CHLN Hospital de Santa Maria

TOMOTERAPIA E CANCRO DA OROFARINGE CASO CLÍNICO

XXIII Jornadas ROR-SUL. 15, 16 e 17 Fevereiro 2016 Lisboa

TESTE DE AVALIAÇÃO. 02 novembro 2013 Duração: 30 minutos. Organização NOME: Escolha, por favor, a resposta que considera correta.

Indicações e passo-a-passo para realização de SBRT

Metástase hepática

Microcarcinoma: como seguir? Fábio Russomano IFF/Fiocruz Paranacolpo 25 a 27 de julho de 2013

em doença localmente controlada. Palavras-chave: glândulas salivares, adenoma pleomórfico, neoplasias epiteliais, adenóide cístico, carcinoma

Carcinoma adenoide cístico de nasofaringe localmente avançado: Relato de caso

Transcrição:

Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 1 17 Janeiro de 2014 ONCOLOGIA MELANOMAS MALIGNOS DAS MUCOSAS DA CABEÇA E PESCOÇO: EXPERIÊNCIA DO IPO-FG DE COIMBRA Silvestre N 1, Nobre AR 2, Portugal E 2, Branquinho F 2, Guimarães A 2 1 Interna do Internato Complementar de ORL HUC-CHUC 2 IPO FG Coimbra Autor correspondente: Natércia Silvestre Serviço de Otorrinolaringologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra EPE Morada: Praceta Mota Pinto, 3000-075 Coimbra Tel: 239400450 Fax: 239482876 E-mail: naterciasv@hotmail.com RESUMO Objetivo: Avaliar as características clínicas, terapêuticas efetuadas e comportamento clínico dos melanomas malignos (MM) primários das mucosas da cabeça e pescoço tratados no IPO-FG de Coimbra. Material e métodos: Estudo retrospetivo dos casos de MM das mucosas da cabeça e do pescoço orientados no IPO-FG de Coimbra durante o período de 1993 a 2012. Resultados: Foram revistos os processos de 29 casos de MM, 4 com localização inicial na cavidade oral e os restantes sinonasais. 27 doentes foram diagnosticados no estádio I e 2 no estádio II. A terapêutica inicial foi cirúrgica em 22 doentes, associada a RT pós-operatória em 3 doentes. 12 doentes apresentaram recidivas locais, em média 26 meses após a terapêutica inicial. 5 doentes desenvolveram posteriormente metastização cervical e 5 metastização à distância. A sobrevida média foi de 34,2 meses e a sobrevida aos 5 anos de 17,2%. Conclusão: Os MM das mucosas da cabeça e pescoço são tumores raros, com comportamento agressivo e mau prognóstico. ABSTRACT Objectives: To review the experience of the IPO-FG of Coimbra in the management of mucosal melanoma (MM) of the head and neck. Methods: Retrospective study of the cases of MM of the head and neck oriented in the IPO-FG of Coimbra from 1993 to 2012. Results: We identified 29 cases of MM, 4 with initial location in the oral cavity and the remaining were sinonasal. 27 patients were diagnosed in stage I and 2 in stage II. The initial treatment was surgical in 22 patients, associated with postoperative RT in 3 patients. 12 patients had local recurrence on average 26 months after the initial therapy. 5 patients developed regional metastasis, and 5 distant metastasis. The median survival was 34.2 months and the 5 years survival rate was 17.2%. Conclusion: MM of the head and neck are rare tumors, with aggressive biological behavior and poor prognosis. Key-words: Mucosal melanoma, Mucosal melanoma of the head and neck. Palavras-chave: Melanomas das mucosas, Melanomas das mucosas da cabeça e do pesçoco.

2 Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO INTRODUÇÃO Os melanomas malignos (MM) das mucosas são lesões raras e com comportamento agressivo. São muito menos frequentes, mais agressivos e com pior prognóstico que os MM cutâneos 1. Representam apenas 1,3% 1,2 dos melanomas, sendo a cabeça e o pescoço a localização mais frequente dessas lesões (55,4%) 1,2. Os locais mais frequentemente afetados na cabeça e pescoço são a região sinonasal e a cavidade oral. Surgem mais frequentemente entre a 4ª e a 7ª décadas de vida 2, sendo raros antes dos 30 anos. Alguns estudos mostram igual incidência entre ambos os sexos, outros referem ser mais frequentes no sexo masculino 1,2,3. Devido à raridade dos MM das mucosas e consequentemente ao pequeno número de casos nas séries publicadas, há poucas certezas relativamente à etiopatogénese e aos fatores prognósticos 1,4. As manifestações clínicas são inespecíficas e a maioria dos casos são diagnosticados tardiamente, o que contribui para o mau prognóstico 1. Cerca de 1/3 dos doentes tem envolvimento ganglionar à apresentação 1. Não há ainda consenso sobre o tratamento ótimo dos MM. A excisão cirúrgica completa da lesão, quando possível, permanece como terapêutica de primeira linha nestes tumores. Os vários tratamentos adjuvantes, incluindo radioterapia (RT) e vários esquemas de quimioterapia (QT), não têm sido eficazes na melhoria do controlo da doença. O pequeno número de casos de MM das mucosas impõe grande dificuldade à realização de estudos prospetivos que permitam avaliar a eficácia de novas terapêuticas 3. Independentemente de terapêuticas agressivas, o curso clínico dos MM caracteriza-se por múltiplas recorrências locais antes do desenvolvimento de metastização regional e à distância 1. O prognóstico permanece mau, com uma sobrevida aos 5 anos entre os 20 e os 35% 4. Neste estudo apresentamos a experiência do IPO-FG de Coimbra nos MM das mucosas da cabeça e do pescoço, avaliando os casos orientados neste Instituto, durante um período de cerca de 20 anos. MATERIAL E MÉTODOS Foi efetuado um estudo retrospetivo dos casos de MM primário das vias aéreas e digestivas superiores orientados no IPO-FG de Coimbra, durante o período compreendido entre 1993 e 2012. Foram revistos os processos de 29 doentes, 25 casos de melanoma sinonasal e 4 com localização inicial na mucosa da cavidade oral. Para cada caso foram recolhidas informações demográficas (sexo e idade), informação sobre a clínica inicial e o tempo médio desde o início dos sintomas até ao diagnóstico (tempo em meses), o estádio da doença à apresentação - recorrendo ao sistema de estadiamento de Ballantyne, o(s) tratamento(s) efetuado(s), a existência ou não de recidivas e/ou metastização, terapêutica subsequente e sobrevida (em meses). Foi efetuada uma revisão bibliográfica e uma discussão crítica sobre os MM primários das mucosas da cabeça e do pescoço. Análise Estatística A análise estatística foi realizada usando Microsoft Office Exel 2007. Os resultados foram expressos como média mais ou menos desvio padrão para variáveis contínuas e como percentagem para variáveis categóricas. RESULTADOS Forem revistos os processos de 29 doentes, 25 casos de melanoma sinonasal e 4 com localização inicial na cavidade oral. RESULTADOS Género n=29 Masculino 34,5% (19) Feminino 65,5% (10) Idade média (anos) 73,5±10,8 Tempo médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico (meses) Localização 6,4±8,1 Sinonasal 86,2% (25) Cavidade oral 13,8% (4) Estádio ao diagnóstico I 93,1% (27) II 6,9% (2) III - Terapêutica inicial Cirurgia 55,2% (16) Cirurgia + RT 10,3% (3) Cirurgia + QT adjuvante 10,3% (3) RT 3,4% (1) RT + QT 3,4 % (1) RT paliativa 17,2% (5) Comportamento clínico Recidivas locais 41,4% (12) Metastização ganglionar 17,2% (5) Metastização à distância 17,2% (5) Sobrevida média (meses) 34,2±37,1 Sobrevida aos 5 anos 17,2% TAB. 1

Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 3 Variáveis Demográficas Dos 29 doentes com MM, 19 eram do sexo feminino (2 com MM da cavidade oral e 17 sinonasais) e 10 do sexo masculino (2 com localização inicial na cavidade oral e os restantes sinonasais). A idade média ao diagnóstico foi de 73,5 anos (69,5 anos para os da mucosa da cavidade oral), variando entre os 43 e os 91 anos. Manifestações Clínicas Iniciais / Estadiamento da Doença à Apresentação Dos doentes com MM sinonasal, a manifestação clínica mais frequente foi obstrução nasal (n=11) seguida de epistaxis (n=10). 4 doentes referiam ambas as queixas ao diagnóstico. As lesões dos doentes com lesão a nível da cavidade oral foram descobertas incidentalmente. O tempo médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico foi de 6,4 meses e a idade média ao diagnóstico de 73,5 anos. 27 doentes foram diagnosticados no estádio I e 2 no estádio II (um doente com MM sinonasal e outro com lesão inicial na cavidade oral). Terapêuticas Efetuadas A excisão cirúrgica da lesão foi proposta a todos os doentes que reuniam condições, associada a esvaziamento ganglionar cervical naqueles que se apresentaram no estádio II (2 doentes). A terapêutica inicial foi cirúrgica em 22 doentes, associada a RT pós-operatória em 3 e a QT em 3 doentes. Dada a extensão tumoral, 4 doentes foram operados em colaboração com a Neurocirurgia (via combinada, abordagem craniana e nasal). Dois doentes no estádio I e com lesão aparentemente limitada que recusaram cirurgia foram orientados para RT / RT + QT com intenção curativa. Os doentes que recusaram ou não reuniam condições para cirurgia realizaram RT paliativa. Recidivas / Metastização Doze doentes apresentaram recidivas locais, em média 26 meses após a terapêutica inicial (uma doente surgiu com uma recidiva local 11 anos após o diagnóstico inicial). Cinco doentes desenvolveram posteriormente metastização ganglionar cervical e 5 metastização à distância (3 com metastização pulmonar, um mediastínica e um cerebral). Abordagem das Recidivas As recidivas locais foram submetidas a cirurgia com excisão completa da lesão sempre que exequível, acompanhada de esvaziamento ganglionar cervical nos doentes que surgiram com mestastização cervical. Aqueles com recidiva mais extensa e metastização foram orientados para terapêutica paliativa RT e/ou QT. Sobrevida A sobrevida média foi de 34,2 meses e a sobrevida aos 5 anos de 17,2%. SOBREVIDA (MESES) % (n=29) 120 100 80 60 40 20 0 DISCUSSÃO Sobrevida 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130 140 meses Os melanomas malignos (MM) das mucosas são lesões raras e ainda pouco compreendidas 3. Representam apenas 1,3% 1,2 dos melanomas, sendo a cabeça e o pescoço a localização mais frequente dessas lesões (55,4%) 1,2. Devido à sua raridade, quando surgem, é necessário excluir se é metastático ou primário da mucosa, e todos os doentes que surgem com um MM das mucosas necessitam de uma avaliação dermatológica completa. Os MM das mucosas surgem mais frequentemente entre a 4ª e a 7ª décadas de vida 2, sendo raros antes dos 30 anos. Geralmente os MM da cavidade oral surgem mais cedo, muitas vezes antes dos 40 anos, enquanto a idade média de diagnóstico dos sinonasais ronda os 70 anos 1. Muitos estudos não mostram predileção entre sexo. Outros referem ser mais frequentes no sexo masculino 1,2,3, principalmente no que respeita aos da cavidade oral 3. As localizações mais frequentes dos MM das mucosas na cabeça e pescoço são a região sinonasal (55%) e a cavidade oral (40%) 1. Na cavidade oral surgem mais frequentemente no palato duro e nos alvéolos maxilares. Os doentes podem ter lesões pigmentadas friáveis, ulceradas ou referir hemorragia oral; a maioria dessas lesões são descobertas incidentalmente durante um exame oral ou dentário de rotina. Os MM sinonasais surgem em 80% dos casos nas fossas nasais (geralmente na parede lateral) e em 20% dos casos nos seios perinasais (mais frequentemente nos seios maxilares, seguidos dos etmoidais, e mais raramente nos seios frontais e esfenoidais). As manifestações clínicas são inespecíficas. A maioria dos doentes refere epistaxis e obstrução nasal, e nos estádios avançados podem ter queixas álgicas faciais e dismorfias faciais. Devido à sintomatologia inespecífica, o diagnóstico é geralmente tardio, sendo o tempo médio desde o início dos sintomas ao diagnóstico de cerca de 9 meses 1. Para o estadiamento dos MM das mucosas, habitualmente recorre-se ao sistema de Ballantyne, aplicado também aos tumores cutâneos. Este sistema de estadiamento consiste em 3 estádios: estádio I, que se refere à doença localizada; estádio II, quando há metástases ganglionares e estádio III, associado à presença de metástases à distância 2. GRAF. 1

4 Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO Na casuística do IPO-FG de Coimbra, e à semelhança do referido na literatura, a localização mais frequente dos MM das mucosas na cabeça e pescoço é a região sinonasal. Encontrámos uma maior incidência destes tumores no sexo feminino no que respeita aos MM sinonasais (17:8) e igual incidência de MM da cavidade oral entre homens e mulheres (2:2) no pequeno número registado. Apesar da maioria dos estudos referir uma maior incidência destes tumores no sexo masculino, alguns estudos, como o de Jethanamest et al. 4 e o de Kanetaka et al. 6, registaram também uma maior incidência de MM das mucosas no sexo feminino. O tempo médio desde o início dos sintomas e o diagnóstico da doença foi de 6,4 meses neste grupo de doentes. A maioria (93,1%) apresentou-se no estádio I e 6,9% apresentavam metástases ganglionares cervicais aquando do diagnóstico inicial (estádio II). Estes valores são compatíveis com os encontrados na literatura. A maioria dos estudos mostra uma maior incidência de metástases ganglionares nos MM da cavidade oral, o que não podemos determinar no nosso grupo de doentes, dado termos apenas 4 doentes com lesão inicial na cavidade oral. Devido à raridade dos MM das mucosas e ao pequeno número de casos nas séries publicadas, há poucas certezas relativamente à sua etiopatogénese e aos fatores prognósticos 1,4. A etiopatogénese dos MM é ainda pouco clara. Sabe-se que os melanócitos podem migrar para a mucosa derivada da ectoderme e mais raramente para a mucosa derivada da endoderme, e existem melanócitos nas mucosas oral e sinonasal 1,2. A função desses melanócitos é desconhecida. Pode existir melanose em áreas anatómicas de elevada incidência de MM, nomeadamente na cavidade oral 2. A sua presença na região sinonasal é mais rara, sugerindo que os MM nessa área surjam de novo e não de lesão pré-existente 2. Histologicamente há vários tipos de melanomas das mucosas 2, nomeadamente no que respeita ao conteúdo de melanina. Estas lesões podem variar desde lesões muito pigmentadas a lesões amelanocíticas 1. Na região sinonasal, os melanomas amelanocíticos podem ser confundidos com outros tumores, nomeadamente com o carcinoma sinonasal indiferenciado e o neuroblastoma olfativo. Em termos imunohistoquímicos caracterizam-se por ser S-100, HMB-45, Melan-A e Mart-1 positivos. São lesões que se caracterizam ainda por apresentar angioinvasão e multicentricidade 1. A raridade destas lesões e o seu comportamento agressivo, associados à dificuldade em realizar estudos prospetivos que permitam avaliar a eficácia de novas terapêuticas, contribui para que não exista consenso quanto ao tratamento ótimo dos MM das mucosas 3. As opções terapêuticas mais frequentes nos MM das mucosas da cabeça e pescoço são cirurgia, RT e QT adjuvante e/ou imunoterapia 2,5,6, no entanto, as modalidades terapêuticas para os MM da cabeça e pescoço têm tido em geral resultados desapontadores 1. A maioria dos autores concorda que a excisão cirúrgica completa da lesão, quando possível, permanece como terapêutica de primeira linha nestes tumores 1,2,5. Infelizmente a ressecção completa é frequentemente comprometida pelo estádio avançado destas lesões e a sua proximidade com estruturas anatómicas vitais. A RT pós-operatória pode ser considerada para a doença microscópica ou macroscópica residual (margens cirúrgicas positivas) e no estádio II 1,2. A probabilidade de recorrência local após ressecção é de cerca de 50% 5 e a RT parece reduzir essa probabilidade de recorrência, mas provavelmente não melhora a sobrevida 5. A elevada capacidade dos melanomas repararem lesões subletais torna-os frequentemente não responsivos à RT convencional 1 ; novos métodos de RT, como o hipofracionamento e terapia de neutrões podem ter um papel importante no futuro 1. O uso de outras terapêuticas adjuvantes nos MM das mucosas foi extrapolado dos resultados dos melanomas cutâneos 2,5. Uma vez que os MM das mucosas são lesões agressivas e a maioria dos doentes morre de doença disseminada, parece fazer sentido utilizar terapêutica sistémica nas situações de doença avançada. A QT (utilizando dacarbazina isolada ou em combinação com outros fármacos) e a imunoterapia têm sido utilizadas como terapêutica adjuvante ou paliativa. Não são recomendadas como modalidade terapêutica isolada e não parecem melhorar a sobrevida 2,5. Apenas num artigo publicado em 2011 por Kanetaka et al. 6, a imunoterapia adjuvante com células citotóxicas ativadas por linfocinas (LAK - lymphokine- -activated killer) parece melhorar a sobrevida, mas devido ao pequeno número de estudos e ao pequeno número de casos em cada um, o efeito das várias modalidades terapêuticas e estratégias no controlo da doença é difícil de avaliar. O esvaziamento ganglionar profilático também não parece melhorar a sobrevida, e na maioria dos centros o esvaziamento ganglionar está reservado aos doentes com envolvimento ganglionar evidente 1. Outros centros defendem a realização de esvaziamento ganglionar profilático principalmente nos MM da cavidade oral, pelo elevado risco de metastização ganglionar regional 2,5. No nosso estudo, a abordagem terapêutica efetuada foi compatível com a descrita na literatura. 75,9% dos doentes foram submetidos a excisão cirúrgica da lesão, associada a esvaziamento ganglionar naqueles com adenopatias cervicais; naqueles com lesão avançada foi efetuada abordagem cirúrgica por via combinada, em colaboração com a Neurocirurgia. Os doentes com margens cirúrgicas positivas (n=3) realizaram posteriormente RT pós-operatória e 3 doentes realizaram QT pós-operatória na abordagem inicial. Aos doentes que recusaram cirurgia foi realizada RT e/ou QT, e naqueles com lesão considerada irressecável foi realizada RT paliativa. As recidivas locais e a metastização ganglionar e à distância ocorrem independentemente da implementação de terapêutica agressiva seja cirurgia, RT ou QT adjuvante. Apesar das terapêuticas agressivas, as taxas de falência locoregional e aparecimento de metástases permanecem elevadas e o prognóstico permanece mau 5. Embora a maioria dos doentes com MM das mucosas se apresente com doença localizada (apenas 1/3 é diagnosticado no estádio II 1 ) e apesar de em muitos casos haver um aparente controlo local da doença com a cirurgia, a sobrevida aos 5 anos é baixa 1. O curso clínico da doença caracteriza-se por múltiplas recorrências locais (que geralmente ocorrem um ano

Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 5 ou menos após a terapêutica inicial 5 ) e posterior desenvolvimento de doença metastática. Um estudo desenvolvido no M. D. Anderson Cancer Center 7 revelou que 90% da doença metastática está associada a recidiva local e que em geral a mestastização ocorre em 3 meses após a recidiva local. Apesar da abordagem terapêutica efetuada no IPO-FG de Coimbra (excisão completa da lesão e terapêuticas adjuvantes naqueles em que tal se considerou pertinente), as recidivas locais ocorreram em 50% (n=11) dos doentes operados, em média 27,1 meses após a cirurgia. Desses doentes, 4 desenvolveram ainda metastização cervical e 1 metastização à distância (pulmonar). As restantes recidivas ocorreram com aparente controlo local da doença. Dada a raridade dos MM das mucosas, não há muitas certezas sobre os fatores prognósticos. A deteção precoce, dificultada pela localização anatómica e a clínica frustre e inespecífica destes tumores (o que faz com que muitos sejam diagnosticados em estádios avançados), permanece como a melhor hipótese de cura 1. Um estudo multicêntrico realizado nos EUA por Jethanamest et al. 4 e que incluiu 815 doentes com MM das mucosas da cabeça e pescoço, identificou a idade do doente (>70 anos), o status ganglionar e a metastização à distância como possíveis fatores prognósticos. BIBLIOGRAFIA 1. Patrick R, Fenske N, Messina J. Primary mucosal melanoma. J Am Acad Dermatol 2007;828-34. 2. McLean N, Tighiouart M, Muller S. Primary mucosal melanoma of the head and neck. Comparison of clinical presentation and histopathologic features of oral and sinonasal melanoma. Oral Oncology 2008;44:1039-46. 3. Chan R, Chan J, Wei W. Mucosal Melanoma of the Head and Neck: 32-years Experience in a Tertiary Referral Hospital. Laryngoscope 2012;122:2749-53. 4. Jethanamest D, Vila P, Sikora A, Morris L. Predictors of Survival in Mucosal Melanoma of the Head and Neck. Ann Surg Oncol 2011;18:2748-56. 5. Mendenhall W, Amdur R, Hinerman R, et al. Head and neck mucosal melanoma. Am J Clin Oncol 2005 Dec;28(6):626-30. 6. Kanetaka S, Tsukuda M, Takahashi M, et al. Mucosal melanoma of the head and neck. Experimental and Therapeutic Medicine 2011;2:907-10. 7. Stem SJ, Guillamondegui OM. Mucosal melanoma of the head and neck. Head Neck 1991;13:22-7. Apesar de algumas diferenças, por vezes referidas entre os MM da cavidade oral e os sinonasais, o comportamento clínico é semelhante. A maioria dos estudos refere que os MM sinonasais têm ligeiramente melhor prognóstico que os orais 3 ; no entanto, há alguns artigos, como o de McLean et al. 2, que mostram uma sobrevida média maior nos MM da cavidade oral (35 vs. 16,3 meses), no entanto, sem diferença significativamente estatística. A sobrevida aos 5 anos, em geral, dos MM das mucosas da cabeça e do pescoço varia entre os 20 e os 35% 4, estando relatada na literatura sobrevida aos 5 anos de 0 a 48% 1. No nosso estudo, a sobrevida aos 5 anos foi 17,2%, o que, atendendo às semelhanças na abordagem terapêutica global e nos restantes resultados poderá ser explicado pela idade média avançada dos doentes ao diagnóstico (a idade média neste grupo foi de 73,5 anos). Conforme referido antes, para além do status ganglionar e da metastização à distância, a idade do doente (>70 anos) foi também identificada como um possível fator prognóstico no maior estudo realizado com doentes com MM das mucosas da cabeça e pescoço 4. CONCLUSÃO Os MM das mucosas da cabeça e pescoço são tumores raros mas muito agressivos. O diagnóstico precoce é difícil, especialmente nos MM sinonasais, devido à clínica inespecífica. Muitos pacientes têm múltiplas recorrências locais e desenvolvem metastização ganglionar e/ou à distância, independentemente da terapêutica utilizada e o prognóstico é grave. Os maus resultados, apesar das terapêuticas agressivas adotadas realçam a necessidade de se desenvolver uma terapêutica sistémica adequada. Os resultados do IPO-FG de Coimbra apresentam-se em geral sobreponíveis aos descritos na literatura.