UM ESTUDO DE CURRÍCULO E PRÁTICAS EM CIÊNCIAS NO ÂMBITO DO OBSERVATÓRIO DA EDUCAÇÃO Christian Masseron Nunes Ana Rutz Devantier Gileine Garcia de Mattos Maira Ferreira Observatório da Educação/OBEDUC Universidade Federal de Pelotas/UFPEL RESUMO O presente trabalho, organizado no âmbito do projeto OBEDUC Observatório da Educação na Universidade Federal de Pelotas, se refere a uma análise de realidade educacional, a partir do levantamento de indicadores de escolas da rede pública estadual da cidade de Pelotas, e, na sequência, a partir da análise de currículo de Ciências de uma escola parceira do projeto OBEDUC. A análise de currículo de Ciências está vinculada à pesquisa realizada no subprojeto do Observatório, em um estudo intitulado Organizações curriculares e metodológicas para o ensino de Ciências na Educação Básica: análise e proposições, que visou analisar o currículo de Ciências dos anos finais do Ensino Fundamental em uma escola parceira. Organizamos os dados em tabelas e mapas conceituais e analisamos os índices fornecidos pelo IDEB (Índice de desenvolvimento da Educação) e os dados fornecidos pelo censo escolar, de taxa de rendimento escolar. Com relação à análise de currículo, pesquisamos em documentos da escola planos de estudos e diários de classe os conhecimentos e práticas legitimadas nesses documentos como constituidoras do currículo escolar em Ciências para, a partir disso, fazermos uma proposição de práticas curriculares. Ao analisar os resultados, nos deparamos com proposições curriculares pouco inovadoras, com currículos engessados, com sobreposição de conceitos e sem vinculação com temas mais gerais e explicativos dos fenômenos com os quais os estudantes se deparam no seu dia-a-dia, o que não estimula o interesse, a curiosidade e o espírito de investigação, de modo a incentivar o gosto pelo aprender de uma maneira dinâmica e reflexiva. Assim, podemos ver que há muitos fatores envolvidos na questão da qualidade da educação, sendo fundamental compreender por que se ensina o que se ensina. INTRODUÇÃO A escola tem sido fonte de debates e objeto de estudo da universidade visando à melhoria do ensino e da sociedade. Um dos projetos desenvolvidos na universidade, em parceria com a escola, é o Observatório da Educação (OBEDUC), um programa da Capes que possibilita o desenvolvimento de investigação, estudos e análises do contexto escolar, com o objetivo de diagnosticar a realidade educacional das escolas em relação às políticas públicas de avaliação e de intervenção. O projeto OBEDUC desenvolvido na UFPel, intitulado Interface Universidade e Educação Básica: Possibilidades Inovadoras e Qualidade do Ensino, está organizado em três subprojetos: a) Análise das políticas públicas e os impactos na qualidade 04618
2 do ensino na Educação Básica de Pelotas/RS, no qual foi feito levantamento de indicadores a partir de dados do IDEB e do Censo Escolar; b) Organizações curriculares e metodológicas para o ensino de Ciências na Educação Básica: análise e proposições, visa analisar o currículo de Ciências dos anos finais do Ensino Fundamental em uma escola parceira e, a partir disso, estudar alternativas curriculares em uma dimensão curricular contextualizada e menos fragmentada; c) Inovações pedagógicas, formação continuada e acompanhamento de professores novatos na Rede Pública Estadual de Pelotas/RS, em um trabalho de pesquisa que ainda está em fase inicial. O trabalho que apresentamos se refere aos resultados obtidos na realização do segundo subprojeto do Observatório, em um estudo sobre o currículo de Ciências nos anos finais do Ensino Fundamental, considerando também os indicadores educacionais que tivemos como resultado no subprojeto 1. Esses indicadores são apresentados como resultados da qualidade do ensino da educação brasileira, mas tal como Cóssio e Kuss (2012), entendemos que essas avaliações não consideram as condições das escolas, a formação dos professores ou os currículos, entre muitos outros fatores que têm efeitos na aprendizagem dos alunos e, consequentemente, na qualidade do ensino. Quando se trata de indicadores, uns dos primeiros reflexos de seus resultados são nas políticas de currículo. Uma das definições de currículo é de um caminho e um curso a ser percorrido (BARRETO, 2005), no entanto, o currículo escolar deve ir além dessa percepção, pois implica escolhas, objetivos e regras para a organização dos conhecimentos e das metodologias que serão utilizadas na escola. Com relação aos currículos de Ciências, apesar de muitas reformas curriculares os currículos de Ciências mantêm a lógica que valoriza uma Ciência fragmentada, que não colabora para a compreensão de mundo que a educação escolar deveria possibilitar. Para Sacristán (2000), deveríamos pensar um currículo a partir das discussões sobre: por quê ensinar o que selecionamos como conteúdo de ensino, qual o objetivo para, a partir disso, definir o quê ensinar. Para esse autor essa é uma forma de conhecer a melhor estratégia para o acesso ao conhecimento, reconhecendo os processos que incidem e modificam as decisões da prática pedagógica. PROPOSTA METODOLÓGICA Para a realização da pesquisa, utilizamos metodologia de caráter qualitativo, na qual o pesquisador não está preocupado em fazer inferências estatísticas, mas através do uso de sumários, classificações e tabelas, fazer interpretações e descrições 04619
3 dos dados coletados (MOREIRA, 2011, p. 7-32). No trabalho, procuramos descrever e interpretar os dados coletados, conduzir interpretações sistemáticas dos mesmos para uma compreensão dos dados e documentos analisados. (MORAES, 1999). Como etapa da análise documental, estudamos o Projeto Pedagógico (PP), os planos de estudos e os diários de classe de uma escola parceira. A partir disso, construímos tabelas e mapas conceituais, procurando mostrar os conhecimentos/ assuntos legitimados nesses documentos como conteúdos de Ciências. CURRÍCULO DE CIÊNCIAS: UMA PRÁTICA EM AÇÃO Com relação aos indicadores, tivemos os seguintes dados da escola pesquisada: Tabela 1: Dados do Censo Escolar, IDEB e de políticas públicas da Escola A tabela 1 indica que, apesar de haver um índice de evasão nulo, de uma taxa de reprovação de 22,2% e do auxilio do programa PDE Escola (Plano de Desenvolvimento da Educação), o resultado do IDEB é muito inferior à meta estabelecida, justificado, provavelmente, pelo conhecimento dos alunos medido nas avaliações em larga escala. Mas o que isso tem a ver com o currículo? Pensamos que um dos aspectos relacionados à qualidade do ensino é sobre aquilo que se ensina. Assim, analisamos os planejamentos e os diários de classe das turmas de 6º, 7º, 8º e 9º ano, e pudemos observar que muitos conceitos são segmentados e bastante distantes daquilo que os alunos conhecem em seu cotidiano, havendo uma dimensão predominantemente classificatória como mostramos a seguir, por exemplo, no 7º ano, quando ao tratar sobre os seres vivos, aparece o assunto vírus, mas no ano seguinte, ao tratar sobre reprodução e sexualidade o assunto não mais aparece, além disso, os conhecimentos sobre fecundação estão distantes do conhecimentos sobre o sistema glandular, mesmo que os conceitos/conhecimentos tratados aqui sejam fundamentais para a compreensão da fecundação Mas, onde encontramos a maior segmentação (e sobreposição de conceitos) foi no 9º ano, pois além do excesso de conteúdos (tomados, muitas vezes, como uma 04620
4 síntese dos conteúdos que serão tratados no Ensino Médio), são tratados em disciplinas distintas, dentro da própria disciplina de Ciências, o que, em princípio, iria contra a ideia da interdisciplinaridade, que tem sido estudada e defendida para a educação escolar. Com relação aos currículos de Ciências, Lima e Grillo (2008) afirmam que os conteúdos selecionados precisam ser suficientemente significativos (p. 13), no sentido de possibilitar aos alunos melhor compreensão da sua realidade para que possam pensar em transformá-la. Com relação ao 7º ano, construímos um mapa a partir dos dados do plano de estudos e do diário de classe de uma turma, que nos dá a ideia de organização dos conceitos (figura 1): Figura 1: Mapa com os conteúdos previstos No mapa que construímos percebe-se uma distribuição sistemática de temas, com distribuição hierárquica de conhecimentos, em uma representação linear que não prevê a contextualização dos conceitos ou a inter-relação desses com outros conceitos com um enfoque interdisciplinar. Nesse sentido, Lima e Grillo (2008) afirmam: os projetos educativos da área de Ciências precisam ser revistos, tendo em vista que a seleção de conteúdos escolares ainda recai em informações, nomenclaturas e definições a serem transmitidas e em descrições de fenômenos a serem memorizados (p.113). Como estratégia para propor uma reflexão sobre as questões que discutimos no estudo, fizemos um exercício de pensar o currículo de Ciências em uma dimensão mais contextualizada (e interdisciplinar), procurando relacionar conteúdos de Ciências com temas mais gerais e com o desenvolvimento de procedimentos e atitudes (COOL, 1997), como, por exemplo, na proposição de estudar as plantas, suas partes e funções a partir do tema alimentação, ao invés de estudar a caracterização de vegetais a partir de sua morfologia. 04621
5 Vemos em reflexões como esta, uma aproximação com as orientações para o trabalho com os temas transversais (BRASIL, 1997) como modo de dar significado ao que é ensinado e tratando os conteúdos escolares associados a questões que envolvem aspectos da vida social. CONSIDERAÇÕES FINAIS No estudo que realizamos, nos deparamos com proposições curriculares pouco inovadoras, com currículos engessados, com sobreposição de conceitos e sem vinculação com temas mais gerais e explicativos dos fenômenos com os quais os estudantes se deparam no seu dia-a-dia, o que não estimula o interesse, a curiosidade e o espírito de investigação, de modo a incentivar o gosto pelo aprender de uma maneira dinâmica e reflexiva. Assim, podemos ver que há muitos fatores envolvidos na questão da qualidade da educação, sendo fundamental compreender por que se ensina o que se ensina, já que o que ensinar é ponto de partida para a organização do currículo, pois o currículo como construção social e cultural está impregnado pelos valores inerentes ao contexto que o referenciam. (LIMA e GRILLO, p.14) REFERENCIAL BIBLIOGRAFICO BARRETO, E.S.S. Tendências Recentes do Currículo na Escola Básica. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2005. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1997. 126p. COLL, César. et al. Os Conteúdos na Reforma: ensino e aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.) CÓSSIO, M. de F. Avaliação: Concepção e práticas no contexto das políticas educacionais. KUSS, A. V.; LÜDTKE, R. O ensino de Biologia no contexto do Programa Novos Talentos/CAPES. Pelotas: Cópias Santa Cruz Ltda, 2012. GIMENO SACRISTÁN J. O currículo: os conteúdos do ensino ou uma análise prática.; PÉREZ GÓMEZ, A. I. Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2000. Cap. 6, p. 119-148. LIMA, Valderez R., GRILLO, Marlene. Como organizar os conteúdos científicos de modo a constituir um currículo para o século 21? In: GALIAZZI et al (org.). Aprender em rede na Educação em Ciências. Ijuí, Ed. Unijuí, 2008. MOREIRA, MA. (2011). Pesquisa em ensino: Aspectos Metodológicos. São Paulo: Editora Livraria da Física Ltda. MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999. AGRADECIMENTOS: CAPES PROJETO OBSERVATÓRIO DA EDUCAÇÃO 04622