Parecer nº 33/2017 Processo Consulta nº 27/2017 Consulente: C. F. A. B. A. Consulta: Relação a procedimento legal e ético com paciente com diagnóstico de HIV. Questionamentos respondidos com base em parecer da Câmara Técnica e Temática de Bioética do CREMEPE, com o qual concordamos integralmente: Perguntas norteadoras: Até que ponto o médico tem a obrigatoriedade de comunicar ao parceiro do paciente o resultado de teste HIV? Pode o médico ser penalizado por não informar ao parceiro do paciente o diagnóstico HIV? O Caso A Médica Infectologista C. F. A. B. A., solicita parecer ético diante do caso em que paciente com diagnóstico recente de HIV, tem relacionamento homessexual com parceiro casado com uma terceira pessoa. De acordo com o relato do paciente, faz uso rotineiro de preservativo nas relações. Nas primeiras consultas foi informado ao paciente à necessidade da revelação do diagnóstico ao parceiro de seu diagnóstico e com isso possibilitar aos envolvidos nessa relação teste HIV. Foi esclarecido ao paciente as possíveis implicações médicas e legais pela a não revelação ao parceiro, sendo conhecido fatos recentes publicados na mídia das consequências de omissão de fatos. Foi disponibilizado ao paciente a oportunidade do atendimento do casal em consulta agendada para auxiliar nas orientações acerca da investigação/diagnóstico pelo o HIV. O paciente se nega veementemente a revelar sua condição para seu companheiro. Diante dessa negativa, faz pensar a consulente sobre gravidade da situação devido à impossibilidade de oferecer oportunidade para a testagem dos terceiros envolvidos. Da Análise Bioética A quebra da confidencialidade somente será admitida, a partir do exame de quatro aspectos: quando um sério dano físico a uma pessoa identificável e específica tiver a probabilidade de ocorrer (não-maleficência); quando um benefício real resultar desta quebra de confidencialidade (beneficência); quando esta corresponder a último recurso, após ter sido utilizada a persuasão ou outras abordagens para que o paciente possa compreender a situação e tomar suas decisões
(autonomia); e, ainda, quando este princípio for generalizável, ou seja, será novamente utilizado em outra situação com características idênticas, independentemente da posição social do paciente envolvido (justiça) ( Franciscone, Goldin e Clotet 2000). Em alguns casos, o profissional irá se deparar com o conflito entre o direito à privacidade de seu paciente e o dever de informar a terceiros sobre os riscos que a conduta do paciente pode causar a si mesmo, a outros ou à sociedade. De qualquer forma, a decisão diante de um conflito moral no exercício da profissão não deve estar baseada única e exclusivamente no referencial dos códigos de ética. Em situações especiais, as determinações deverão ser dialogadas, compartilhadas e decididas em conjunto por pessoas com valores morais diferentes (Clotet 2003). No que se refere às doenças sexualmente transmissíveis, pode-se criar um impasse dessa ordem, quanto ao dever do profissional de revelar o diagnóstico de seu paciente a terceiros, em se tratando de terceiros diretamente envolvidos, com sua saúde potencialmente sob risco. Carvalho (2003) aponta quatro pontos de possíveis dificuldades bioéticas, na interface com as DST: o sigilo com relação ao portador de uma DST; a informação ao paciente de como contraiu a doença; a informação e convocação de parceiros(as); e a informação de possíveis complicações associadas às DST. Levi e Barros (1998), em suas considerações a respeito da ética clínica no contexto da aids, afirmam que alguns pacientes se recusam a revelar a seus parceiros sexuais sua condição sorológica e não fazem uso de preservativo. Nessas situações, os autores afirmam que o profissional que acompanha o caso poderá revelar o diagnóstico de seu paciente a parceiros, desde que esgotados os meios de persuasão para que o próprio paciente aja corretamente. O conflito, para os autores, está na escolha entre proteger a saúde de uma pessoa ou proteger a privacidade de outra e, nesse caso, consideram que a proteção da vida e da saúde, inegavelmente, deve preponderar. Ao mesmo tempo, é importante considerar que o profissional não tem o direito de revelar a outrem aquilo que lhe é confiado por seu paciente, sob pena de comprometer irremediavelmente a relação profissional. Vai caber ao profissional à ponderação do equilíbrio entre prejuízos e benefícios a que os pacientes possam estar expostos.
Da análise ética/deontológica Informações prestadas por um paciente ao profissional de saúde devem permanecer sob sigilo profissional, cabendo ao paciente à decisão autônoma de transmiti-las a alguém. A quebra desse compromisso corresponde a uma infração por parte do profissional, que deverá assumir as consequências pertinentes. Por outro lado, o médico é ética e moralmente obrigado a comunicar a (o) parceiro (a) sexual de um indivíduo infectado pelo HIV este fato, desde que o (a) paciente haja sido alertado pelo médico quanto ao risco a que expõe o (a) companheiro (a) e os meios para minimiza-lo, e mesmo assim, dispor o médico de evidências de que tal exposição ocorre, e ainda advertir prévia e legalmente o (a) paciente de sua intenção. Do ponto de vista jurídico, o sigilo deve ser rompido sempre que houver justa causa, já que esse rompimento não terá um fim em si mesmo, mas será um meio para um bem maior. Um exemplo disso é a notificação compulsória de algumas doenças, que quebra o sigilo para um benefício considerado maior ( Franciscone, Goldin e Clotet 2000). A garantia de preservação das informações, além de ser uma obrigação legal contida no Código Penal e na maioria dos Códigos de Ética Profissional, é um dever primordial de todos os profissionais e também de todas as instituições. Conforme o Manual de Direito Penal (Mirabete 2000), a violação do segredo profissional não é caracterizada como delito, caso haja justa causa, uma vez que a proteção ao sigilo profissional dada pela lei é relativa. A RESOLUÇÃO CFM Nº 1.665/2003, que dispõe sobre a responsabilidade ética das instituições e profissionais médicos na prevenção, controle e tratamento dos pacientes portadores do vírus da SIDA (AIDS) e soropositivos, diz: Art. 10º - O sigilo profissional deve ser rigorosamente respeitado em relação aos pacientes portadores do vírus da SIDA (AIDS), salvo nos casos determinados por lei, por justa causa ou por autorização expressa do paciente. A Resolução CFM 1.665/2003, entendida como mais condizente com a Declaração de Madrid, aprovada pela WMA em 1987. Nesse sentido, a resolução prevê a informação imediata e direta somente aos agentes de saúde para os quais esse dado tem inequívoca relevância no cuidado e tratamento do paciente, mantendo-se, portanto, também nessa circunstância, o respeito ao sigilo dos dados. Considerações finais Respondendo as perguntas norteadoras solicita-se a consulente considerar:
a) O sigilo é um dever legal e ético do médico, ou seja: prima fácie, cabendo um sopesamento e identificar em que hipótese pode ser quebrado; b) A relação médico/paciente deve ser pautada na confiança e no respeito à autonomia da pessoa paciente que de se consciente e devidamente informado tem plena condição de tomar decisões, portanto, a responsabilidade do médico se limita a proceder todo o processo informativo com suas possíveis consequências e descrever condutas e orientações nos registros legais de sua competência. O dever de sigilo profissional é, também, um direito do paciente no que concerne à própria defesa do efetivo exercício da autonomia, mediante a proteção da intimidade existencial e de sua influência na tomada de decisões. O dever de sigilo como proteção da autonomia compreende o direito do paciente de decidir livremente, tão somente conforme a legalidade e seu próprio modo de pensar. Assim sendo, esse compromisso insere-se no marco do respeito e reconhecimento ao protagonismo do paciente nas decisões de saúde que lhe competem. A harmonia e o respeito entre a autonomia do paciente e do médico, deverá prevalecer; no caso em tela, deverá ser esgotado o diálogo, disponibilizando todas as informações ao paciente, para que o mesmo possa tomar sua decisão em benefício da saúde de todos os envolvidos. Recife, 11 de dezembro de 2017 Consª Helena Maria Carneiro Leão Parecerista
Referências Levi GC, Barros AOL. Ética clínica: a AIDS como paradigma. In: Costa SIF, Oselka G, Garrafa V. Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina; 1998. p. 37-51. Franciscone CF, Goldim JR, Clotet J. Consentimento informado e sua prática na assistência e pesquisa no Brasil. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2000. Carvalho NS. Bioética e Doenças Sexualmente Transmissíveis - Carta ao Editor. J bras Doenças Sex Transm. 2003; 15(2): 57-61. Clotet J Bioética uma aproximação. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2003. Mirabete JF. Manual de Direito Penal. 16 Ed. São Paulo: Atlas; 2000. Josimário Silva