Tratamento de mordida aberta anterior com ancoragem em miniplacas de titânio



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Artigo Inédito Tratamento de mordida aberta anterior com ancoragem em miniplacas de titânio Jorge Faber*, Patrícia Medeiros Berto**, Marcos Anchieta***, Frederico Salles**** Resumo O tratamento de uma paciente com mordida aberta anterior esquelética foi realizado através da intrusão dos dentes posteriores superiores e inferiores com auxílio de miniplacas de titânio como ancoragem. Resultados estéticos favoráveis foram alcançados, em parte, pela rotação anti-horária da mandíbula e conseqüente diminuição da altura facial inferior. Foram atingidas adequadas sobremordida e sobressaliência. Não foram observadas reabsorções radiculares importantes. Nossos resultados sugerem que essa é uma alternativa de tratamento exeqüível e que as miniplacas proporcionam uma ancoragem estável para intrusão de dentes posteriores. Palavras-chave: Mordida aberta. Ancoragem esquelética. Miniplaca de titânio. Movimento dentário. * Doutor em Biologia Animal - Morfologia pela Universidade de Brasília; Mestre em Ortodontia pela UFRJ; Clínica Privada voltada para atendimento de pacientes adultos em Brasília. ** Cirurgiã Dentista especializanda em Ortodontia pela Universidade Federal de Goiás. *** Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. **** Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial; Ex-Professor Visitante da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília; Ex-Cirurgião Responsável pelo Serviço de Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital Sarah / Brasília. R Dental Press Estét - v.1, n.1, p. 87-100, out./nov./dez. 2004 87

Tratamento de mordida aberta anterior com ancoragem em miniplacas de titânio Introdução A utilização de implantes osseointegrados como ancoragem para a movimentação dentária em Ortodontia é hoje bastante difundida. Nessas situações, usualmente, uma simulação do tratamento em modelos de gesso (set-up) é realizada pelo ortodontista, previamente à construção de um guia cirúrgico para orientação do cirurgião ou implantodontista quanto à exata posição dos implantes 4. Assim, os implantes osseointegrados são posicionados em relações ideais com os dentes ao final do tratamento ortodôntico, o que, normalmente, implica em uma oclusão desarmônica ao início do tratamento 5. O desenvolvimento dessa técnica familiarizou os ortodontistas com a utilização de implantes e tornou possível movimentações dentárias que, dificilmente, seriam atingidas com métodos ortodônticos convencionais. Paralelamente à popularização do uso de implantes osseointegrados em Ortodontia, a partir da década de oitenta, um outro tipo de dispositivo implantado no tecido ósseo passou a ser largamente utilizado na região dentofacial: as miniplacas e parafusos de titânio para a fixação interna rígida. Com essas os resultados das cirurgias ortognáticas tiveram sua estabilidade aumentada 10, 16, tendo ocorrido também um aumento no conforto para os pacientes, por não haver necessidade de bloqueio maxilomandibular na grande maioria dos casos 14. As duas técnicas, implantes osseointegrados e fixação interna rígida, convergiram para implementar as miniplacas e parafusos de titânio como ancoragem ortodôntica 7. Curado Freitas 2 não apenas concebeu o uso de miniplacas com esse fim, mas também criou uma multiplicidade de aplicações clínicas. Todavia, uma maior divulgação do método ocorreu posteriormente 3,7,9,11,12,15. Este artigo relata a utilização de miniplacas cirúrgicas como método de ancoragem para movimentação dentária, que tem sido rotineiramente empregado na clínica privada dos autores. O tratamento aqui exemplificado é o de uma paciente com mordida aberta anterior, cujas miniplacas cirúrgicas foram empregadas como ancoragem para a intrusão dos dentes posteriores superiores e inferiores. CASO CLÍNICO A paciente do gênero feminino, com 17 anos e 2 meses de idade, compareceu para consulta, acompanhada de sua mãe, apresentando como queixa principal uma aparência desagradável de seus dentes anteriores e dores na articulação temporomandibular direita. A análise facial (Fig. 1) mostrou que sua face era simétrica e longa, seu perfil bastante convexo e o ângulo naso-labial agudo. Sua exposição dos incisivos ao repouso era boa (2mm). O exame clínico intrabucal (Fig. 2) e a análise de modelos revelaram uma má oclusão de Classe I de Angle associada a uma mordida aberta anterior de 4,5 mm. O dente 45 possuía uma anomalia de forma, sendo seu diâmetro mesiodistal (9,2 mm) maior que o do dente 35 (7,6mm), levando a uma discrepância de Bolton. O dente 43 estava girovertido. Apresentava uma deglutição atípica e um repouso anterior da língua. Sua higiene bucal era satisfatória e, clinicamente, não havia outros dados relevantes. A análise das radiografias panorâmica (Fig. 3), cefalométrica lateral (Fig. 4) e periapicais da boca inteira demonstrou que era portadora de uma Classe II esquelética com mordida aberta anterior, sem periapicopatias ou outras patologias. A anomalia de forma do dente 45 se manifestava principalmente na coroa, que possuía um perfil de emergência bastante divergente. Os incisivos superiores e inferiores estavam 88 R Dental Press Estét - v.1, n.1, p. 87-100, out./nov./dez. 2004

Jorge Faber; Patrícia Medeiros Berto; Marcos Anchieta; Frederico Salles Figura 1 - Fotografias iniciais da face da paciente. protruídos e afetavam a estética facial de forma importante, como pode ser observado nas medidas cefalométricas (Tab. 1) e na sobreposição total do traçado da paciente com o padrão Bolton (Fig. 4). A altura facial inferior (AFI) estava aumentada e o ângulo cérvico-mandibular pouco definido. OBJETIVOS DO TRATAMENTO Os objetivos do tratamento eram corrigir a mordida aberta anterior, diminuir a convexidade do perfil facial, eliminar a discrepância de Bolton, diminuir a AFI e prover adequadas sobremordida e sobressaliência. ALTERNATIVAS DE TRATAMENTO Todas as alternativas de tratamento que foram discutidas com a paciente e sua família incluíam a exodontia dos 1 os pré-molares superiores e inferiores para redução da protrusão dentoalveolar e a conjugação de um tratamento fonoaudiológico, a partir do momento em que a mordida aberta anterior estivesse fechada. As alternativas apresentadas foram: 1) Tratamento ortodôntico associado ao tratamento com cirurgia ortognática combinada na maxila e na mandíbula. Esse seria o tratamento clássico para uma deformidade dentofacial como a da paciente, porém ela não desejava submeter-se a uma cirurgia ortognática. 2) Tratamento ortodôntico com a implantação de quatro miniplacas de titânio para servir como ancoragem para a intrusão dos dentes posteriores. Essa alternativa foi extensamente discutida com a paciente e sua família, em especial porque ela foi proposta apenas um mês após a publicação dos primeiros casos tratados com essa metodologia 15. A principal vantagem dessa abordagem era a menor morbidade desse procedimento quando comparado com a cirurgia ortognática. Adicionalmente, esse tratamento teria um menor custo. R Dental Press Estét - v.1, n.1, p. 87-100, out./nov./dez. 2004 89

Tratamento de mordida aberta anterior com ancoragem em miniplacas de titânio Tabela 1 Medidas cefalométricas antes do tratamento, no momento da instalação das miniplacas, ao final da intrusão dos molares e ao final do tratamento. Valores normais Inicial Pré - intrusão Pós-intrusão Final SNA 82 0 88 0 88 0 88 0 88 0 SNB 80 0 80 0 80 0 81 0 81 0 ANB 2 0 8 0 8 0 7 0 7 0 1/. NA 22 0 21 0 18 0 23 0 20 0 1/. NA 4mm 8,5mm 4,5mm 4mm 3,5mm /1. NB 25 0 43,5 0 28 0 37 0 34,5 0 /1. NB 4mm 13mm 9mm 10,5mm 10mm /1. 1/ 131 0 108 0 126 0 114 0 118 0 NB. Pog - -2mm 0 0-1mm SN - POi - 18 0 19 0 15 0 18 0 SN - POs - 11 0 18 0 19 0 22 0 SN - GoGn 32 0 34 0 35 0 30 0 30 0 Figura 2 - Fotografias intrabucais antes do tratamento. 90 R Dental Press Estét - v.1, n.1, p. 87-100, out./nov./dez. 2004

Jorge Faber; Patrícia Medeiros Berto; Marcos Anchieta; Frederico Salles Figura 3 - Radiografia panorâmica antes do tratamento. Figura 4 - Radiografia cefalométrica lateral e traçado inicial (vermelho) da paciente sobreposto ao padrão Bolton (azul). R Dental Press Estét - v.1, n.1, p. 87-100, out./nov./dez. 2004 91

Tratamento de mordida aberta anterior com ancoragem em miniplacas de titânio PROGRESSO DO TRATAMENTO As dores articulares que relatava se deviam a espasmos musculares decorrentes da intensa mastigação de chicletes em um curto período. Assim, não foi instituído nenhum tratamento específico além da orientação para não mastigar chicletes por algumas semanas e, passado esse período, fazê-lo de forma moderada. Nos arcos superior e inferior foi montado um aparelho ortodôntico fixo com braquetes pré-ajustados 0,022 x 0,028. Este incluiu todos os dentes com exceção dos 1 os pré-molares superiores e inferiores, que seriam extraídos. Apenas os 1 os molares superiores e inferiores foram bandados, sendo que as bandas superiores receberam acessórios para uma barra palatina. Os arcos dentários foram alinhados e nivelados e os pré-molares foram extraídos antes de serem instalados arcos retangulares 0,017 x 0,025, que foram empregados para fechar os espaços de extração através de uma mecânica com atrito. Nesse momento foi iniciado o uso da barra palatina. A paciente somente pôde submeter-se à cirurgia para a instalação das miniplacas quando os espaços de extração estavam quase completamente fechados. Guias cirúrgicos foram confeccionados para que as miniplacas fossem posicionadas em uma situação que facilitasse a mecânica de intrusão (Fig. 5). O procedimento cirúrgico consistiu no levantamento de retalhos mucoperiósteos através de incisões horizontais feitas sobre a junção mucogengival na região dos 1 os molares superiores e inferiores, sob anestesia local. Duas miniplacas em Y (Synthes, Suíça) foram fixadas à maxila e duas à mandíbula (Fig. 6), através de 3 parafusos monocorticais em cada. As miniplacas foram posicionadas de forma que o elo mais oclusal ficasse projetado na cavidade oral através das incisões realizadas e também a cerca de 8 mm dos arcos ortodônticos, permitindo o movimento de intrusão destes. Os tecidos foram suturados com fio vicryl 3-0 (Ethicon, Johnson & Johnson). Duas semanas após a implantação das miniplacas foi iniciada a intrusão dos dentes posteriores através de elásticos em corrente (Morelli) que eram trocados mensalmente. Para tanto, os elos mais oclusais das miniplacas foram seccionados para prover ganchos de ancoragem para os elásticos. Estes se prendiam aos ganchos, circundavam o arco ortodôntico entre os 1 os e 2 os molares e retornavam aos ganchos. Um torque lingual de coroa foi aplicado aos molares inferiores para prevenir a vestibularização desses dentes. O controle desse movimento no arco superior foi proporcionado pela barra palatina, que precisou ser ajustada duas vezes à medida que começava a tocar o palato em função do movimento intrusivo dos molares. Durante todo o período de intrusão, não se observou qualquer mobilidade das miniplacas e a sua higienização pela paciente foi muito boa. Os dentes posteriores sofreram intrusões (Fig. 7), mas o torque aplicado nos molares inferiores não foi capaz de impedir a vestibularização desses dentes. Assim, um arco acessório contraído, com 1mm de espessura, foi sobreposto ao arco retangular inferior para retornar a forma do arco às dimensões originais. Em seguida, um arco lingual encaixado às bandas dos 1 os molares inferiores foi empregado para conter os dentes. A aplicação de forças intrusivas foi interrompida após 7,5 meses, quando uma sobremordida adequada foi clinicamente detectada. A estabilização do movimento foi realizada colocando-se, no lugar do elástico em corrente, uma amarração com amarrilho metálico de aço 6. Essa medida 11, 12, 15 também foi utilizada por outros autores 92 R Dental Press Estét - v.1, n.1, p. 87-100, out./nov./dez. 2004

Jorge Faber; Patrícia Medeiros Berto; Marcos Anchieta; Frederico Salles Figura 5 - Guias cirúrgicos confeccionados para assegurar um correto posicionamento das miniplacas. R Dental Press Estét - v.1, n.1, p. 87-100, out./nov./dez. 2004 93

Tratamento de mordida aberta anterior com ancoragem em miniplacas de titânio Figura 6 - Radiografia panorâmica demonstrando as miniplacas instaladas. Inicial Pre-intrusao ~ Pos-intrusao ~ Final ` ` Figura 7 - Sobreposições totais e parciais dos traçados ao início do tratamento, imediatamente após a colocação das miniplacas, ao final da intrusão e ao final do tratamento. 94 R Dental Press Estét - v.1, n.1, p. 87-100, out./nov./dez. 2004

Jorge Faber; Patrícia Medeiros Berto; Marcos Anchieta; Frederico Salles para prevenir a recidiva dos movimentos executados. Nesse momento, a paciente iniciou a terapia fonoaudiológica. Na seqüência do tratamento, o elemento dentário 45, que apresentava um diâmetro mesiodistal maior que o normal, foi desgastado em suas proximais até se alcançar um diâmetro correspondente ao dente homólogo do lado oposto (Fig. 8). A remoção das miniplacas ocorreu imediatamente após o fim da intrusão e, durante sua permanência, não foi observado o desenvolvimento de uma peri-implantite relevante. Apenas durante a finalização, e por um curto período, é que elásticos intermaxilares de Classe II e elásticos verticais anteriores para mordida aberta foram utilizados pela paciente. Após a remoção do aparelho foi iniciado o a b c Figura 8 - Desgastes realizados para solucionar a discrepância de Bolton existente. A) dente 45 antes dos desgastes proximais; B) mesmo dente após os desgastes; C) dente 35 com anatomia normal. R Dental Press Estét - v.1, n.1, p. 87-100, out./nov./dez. 2004 95

Tratamento de mordida aberta anterior com ancoragem em miniplacas de titânio Figura 9 - Fotografias finais da face da paciente. uso de contenções. Para o arco maxilar foi confeccionado um aparelho removível circunferencial e no arco inferior foi colada uma barra 3/3. RESULTADOS A mordida aberta anterior fechou às expensas da intrusão dos dentes posteriores de 1,8 mm nos superiores e 2,9mm nos inferiores (Fig. 7). Ocorreu, inclusive, uma pequena intrusão dos dentes anteriores de 1,1mm nos superiores e inferiores, a despeito do uso de elásticos verticais anteriores durante a finalização do tratamento. A convexidade facial diminuiu, bem como a AFI (Fig. 9). A primeira em decorrência das exodontias e a segunda pela rotação anti-horária da mandíbula (Fig 7; Tab. 1). A oclusão foi finalizada com uma relação de Classe I de molares e caninos (Fig. 10). As linhas médias dentárias estavam coincidentes com a linha média facial. Os arcos dentários estavam coordenados e simétricos. No arco superior o diâmetro inter-molar diminuiu 0,4mm e o inter-canino aumentou 0,9mm, e no arco inferior o diâmetro inter-molar diminuiu 1,8mm e o inter-canino, 2,8mm. As radiografias periapicais dos molares mostram que não ocorreram reabsorções dentárias clinicamente importantes (Fig. 11). A paciente não apresentou qualquer alteração de sensibilidade do lábio inferior. DISCUSSÃO O tratamento realizado não consistiu na abordagem mais clássica para a condição que a paciente apresentava. Esta seria uma cirurgia ortognática com a impacção da região posterior da maxila e a manutenção da adequada exposição dos incisivos superiores. Ainda que, se implementada, a cirurgia ortognática tivesse a capacidade de prover bons resultados, ela seria mais complexa, mais cara e proveria um período pós-operatório mais desconfortável que a instalação de miniplacas como ancoragem para a movimentação dentária. Adicionalmente, os 96 R Dental Press Estét - v.1, n.1, p. 87-100, out./nov./dez. 2004

Jorge Faber; Patrícia Medeiros Berto; Marcos Anchieta; Frederico Salles Figura 10 - Fotografias intrabucais ao final do tratamento. R Dental Press Estét - v.1, n.1, p. 87-100, out./nov./dez. 2004 97

Tratamento de mordida aberta anterior com ancoragem em miniplacas de titânio Figura 11 - Radiografias periapicais dos molares ao final do tratamento, mostrando que não ocorreram reabsorções radiculares importantes clinicamente. resultados obtidos com a intrusão dos molares trouxeram alterações na estética facial que se assemelham aos resultados de uma cirurgia ortognática, em decorrência do giro no sentido anti-horário que a mandíbula realizou. Esta alteração espacial aumentou a proeminência do mento e diminuiu a AFI. Entretanto, a intrusão dos dentes posteriores com o uso de miniplacas como ancoragem é uma alternativa relativamente recente de tratamento 15 e essa movimentação excede a amplitude de movimentos possíveis de serem atingidos com as técnicas ortodônticas convencionais 9. Assim, ainda não se conhecem os efeitos em longo prazo, nem toda a extensão das possíveis complicações, sendo que uma delas é a reabsorção radicular. A intrusão ortodôntica ancorada em mini-implantes em cães produziu reabsorções radiculares leves nas regiões da furca e do ápice 9. Nas limitadas séries de casos tratados com essa abordagem 11,12,15 não foram relatadas reabsorções radiculares 98 R Dental Press Estét - v.1, n.1, p. 87-100, out./nov./dez. 2004

Jorge Faber; Patrícia Medeiros Berto; Marcos Anchieta; Frederico Salles importantes, assim como não observamos nessa paciente (Fig. 11). Outro efeito adverso que poderia ser considerado é uma alteração da sensibilidade do nervo alveolar inferior em decorrência da movimentação das raízes dentárias em direção ao plexo neurovascular. Alterações transitórias dessa natureza foram relatadas após a movimentação dentária em pacientes sob tratamento ortodôntico 8,13. Contudo, quando molares foram intruídos com o uso de miniplacas como ancoragem em direção ao canal mandibular em cães, nenhum dano neurológico foi produzido 3. A quantidade de intrusão necessária para a correção da mordida aberta da paciente relatada no presente artigo não foi suficiente para que o canal mandibular fosse atingido pelas raízes dos molares. Daimaruya et al. 3 relataram que, nos pacientes por eles tratados, algumas raízes se aproximaram do canal mandibular levando a um reposicionamento deste, sem que isso tivesse implicado em alterações sensoriais. As miniplacas empregadas no tratamento dessa paciente eram importadas e proveram um bom comportamento clínico. Todavia, nós já possuímos experiência com várias miniplacas produzidas no Brasil e elas possuem um comportamento clínico semelhante ao das marcas importadas. Após a implantação da miniplaca, é necessário um tempo de espera de uma a duas semanas antes da aplicação da força sobre a mesma. O objetivo principal desse período é o reparo dos tecidos moles adjacentes e não uma eventual osseointegração. Clinicamente, a integração da miniplaca ao tecido ósseo é um evento indesejável, já que ela terá que ser removida em um prazo relativamente curto e quanto mais fácil for sua remoção, mais conforto o paciente terá. Uma das maiores dificuldades ao longo do tratamento adveio do fato de as miniplacas estarem posicionadas por vestibular, gerando um momento sobre os dentes. Esse problema foi facilmente contornado no arco superior com a barra transpalatina. Porém, no arco inferior ocorreu uma importante expansão dentária que não pôde ser controlada apenas com a contração do arco ortodôntico e a aplicação de um torque lingual sobre os molares. O fio de 1mm sobreposto ao arco retangular 0,017 x 0,025 com torque lingual dos molares foi capaz de reverter a expansão causada. Um exame complementar que não foi realizado na paciente, mas que otimizaria o tempo cirúrgico de instalação das miniplacas seria a confecção de um modelo de prototipagem rápida 1, ainda não disponível no Brasil à época do tratamento. Com esse modelo em mãos, teria sido possível iniciar a cirurgia com todas as miniplacas dobradas e adaptadas e com uma clara visualização da posição do seio maxilar e do canal mandibular. Como o modelo permite a autoclavagem, ele poderia estar na mesa cirúrgica, auxiliando os cirurgiões. CONCLUSÃO O uso de miniplacas auxiliares ao tratamento ortodôntico oferece uma estável e efetiva ancoragem para movimentação dentária. Como a ancoragem é a questão mais crítica do ponto de vista biomecânico para a realização do tratamento ortodôntico, as miniplacas, provavelmente, alterarão muitos métodos de tratamento de pacientes adultos e adolescentes. R Dental Press Estét - v.1, n.1, p. 87-100, out./nov./dez. 2004 99

Tratamento de mordida aberta anterior com ancoragem em miniplacas de titânio Anterior open-bite treated with titanium miniplate anchorage A patient with skeletal anterior open-bite was treated through the intrusion of posterior teeth with titanium miniplate anchorage. The mandible rotated counterclockwise and the anterior facial height decreased improving facial esthetics. Adequate overjet and overbite were achieved. We did not find relevant root resorption on the intruded teeth. Our results suggest this is a feasible treatment alternative, and that miniplates provide a stable anchorage for intruding posterior teeth. KEY WORDS: Open-bite. Skeletal anchorage. Titanium miniplate. Tooth movement. Referências 1. ARTIS. Prototipagem biomédica. 2003. Disponível em: <http:// www.artis.com.br/prototipagem/>. Acesso em: 14 nov. 2003. 2. CURADO FREITAS, J. Implante de fixação rígida subperióstica. Int. A61C 13/225. B.R. n. PI9302280. 04 jun. 1993, 23 nov. 1993. 3. DAIMARUYA, T. et al. The influences of molar intrusion on the inferior alveolar neurovascular bundle and root using the skeletal anchorage system in dogs. Angle Orthod, Appleton, v. 71, no. 1, p. 60-70, Feb. 2001. 4. EDGE, M. J. Surgical placement guide for use with osseointegrated implants. J Prosthet Dent, St. Louis, v. 57, no. 6, p. 719-722, June 1987. 5. ENGELMAN, M. J.; SORENSON, J. A.; MOY, P. Optimum placement of osseointegrated implants. J Prosthet Dent, St. Louis, v. 59, no. 4, p. 467-473, Apr. 1988. 6. FABER, J. Tying twin brackets. Am J Orthod Dentofacial Orthop, St. Louis, v. 118, no. 1, p. 101-106, July 2000. 7. JENNER, J. D.; FITZPATRICK, B. N. Skeletal anchorage utilizing bone plates. Aust Orthod J, Sydney, v. 9, no 2, p. 231-233, Oct. 1985. 8. KROGSTAD, O.; OMLAND, G. Temporary paresthesia of lower lip: a complication of orthodontic treatment. A case report. Br J Orthod, London, v. 24, no. 1, p. 13-15, Feb. 1997. 9. OHMAE, M. et al. A clinical and histological evaluation of titanium miniimplants as anchors for orthodontic intrusion in the beagle dog. Am J Orthod Dentofacial Orthop, St. Louis, v. 119, no. 5, p. 489-497, May 2001. 10. ROTTER, B. E.; ZEITLER, D. L. Stability of the Le Fort I maxillary osteotomy after rigid internal fixation. J Oral Maxillofac Surg, Philadelphia, v. 57, no. 9, p. 1080-1088, Sept. 1999. 11. SHERWOOD, K. H.; BURCH, J. G.; THOMPSON, W. J. Closing anterior open bites by intruding molars with titanium miniplate anchorage. Am J Orthod Dentofacial Orthop, St. Louis, v. 122, no. 6, p. 593-600, Dec. 2002. 12. SHERWOOD, K. H.; BURCH, J. G.; THOMPSON, W. J. Intrusion of supererupted molars with titanium miniplate anchorage. Angle Orthod, Appleton, v. 73, no. 5, p. 597601, Oct. 2003. 13. STIRRUPS, D. R. Temporary mental paresthesia: an unusual complication of orthodontic treatment. Br J Orthod, London, v. 12, no. 2, p. 87-89, Apr. 1985. 14. THERIOT, B. A. et al. Intraosseous wire fixation versus rigid osseous fixation of mandibular fractures: a preliminary report. J Oral Maxillofac Surg, Philadelphia, v. 45, no. 7, p. 577-582, July 1987. 15. UMEMORI, M. et al. Skeletal anchorage system for openbite correction. Am J Orthod Dentofacial Orthop, St. Louis, v. 115, no. 2, p. 166-174, Feb. 1999. 16. VAN SICKELS, J. E.; RICHARDSON, D. A. Stability of orthognatic surgery: a review of rigid fixation. J Oral Maxillofac Surg, Philadelphia, v. 34, no. 4, p. 279-285, Aug. 1996. Endereço para correspondência Jorge Faber SCN Qd. 05 Centro Empresarial Brasília Shopping, Bloco A, Torre Sul, sala 408. CEP: 70715-900 Brasília - DF. Brasil. E-mail: jorgefaber@terra.com.br 100 R Dental Press Estét - v.1, n.1, p. 87-100, out./nov./dez. 2004