Código de Bom-Tom: Os manuais de etiqueta e a formação de uma boa sociedade nos trópicos ( Rio de Janeiro, ).

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Transcrição:

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA DEPARTAMENTO DE HISTORIA Código de Bom-Tom: Os manuais de etiqueta e a formação de uma boa sociedade nos trópicos ( Rio de Janeiro, 1840-1850).

FRANCINI MEDEIROS DA SILVA ( Cnpq UEL) ORIENTADORA:SILVIA CRISTINA MARTINS DE SOUZA APRESENTAÇÃO Se recuarmos até 1808, quando da vinda da família real ao Brasil, vamos perceber o caráter improvisado da corte portuguesa. Assim que ela chega à colônia, encontra um ambiente totalmente hostil, muito diferente do modelo de civilização européia habitual. Desta maneira, a corte portuguesa vai buscar os meios que transformassem essa realidade, trazendo ao país ares mais civilizados. Os limites que definiam a hierarquia social na colônia não eram muito fixos, devido ao seu sistema ainda escravocrata. O fim do período colonial em 1822 marca o início dos esforços no sentido de construção de identidade e manutenção da ordem por parte das elites que se viam constantemente ameaçadas pelas classes mais baixas. No entanto, é no momento de consolidação do Império, como estado independente, que a centralização deve dar-se, não somente em termos político-administrativos, mas também de valores, normas e comportamentos. Tornava-se necessário criar padrões de conduta próprios a uma boa sociedade 1, que deveria ser vista como educada e civilizada, constituindo valores próprios à boa sociedade, e uma forma eficiente de identidade entre os seus membros. Tendo em vista tais objetivos, que os manuais de etiqueta serão amplamente divulgados e sua utilização, pela nobreza, incentivada. Os padrões de comportamento e conduta contidos nestes manuais servirão de guia tanto no espaço publico como no espaço privado. É no 1 boa sociedade é uma expressão do século XIX usada para definir os homens e as mulheres livres e brancos que tanto se reconheciam como se faziam reconhecer como membros do mundo civilizado. O que caracteriza a boa sociedade é o fato de ela excluir os escravos e os homens livres pobres, constituindo-se na sociedade política, no mundo do governo, que possuía o dever de ordenar a sociedade.

espaço publico que estes serão mais usados, pois é neste espaço que o que mais importa é o que se vê. 2 No Brasil os manuais começam a circular em meados do século XIX, importados do modelo francês. Estes manuais já eram muito utilizados nas cortes européias desde o século XIV, sob a forma de tratados de cortesia, regras de moral e nas artes de agradar ou de amar. 3 Divididos em dois gêneros - pedagógico (destinado às crianças) e cortesão (cujos leitores eram adultos)-, esses manuais concordavam em acenar para os ganhos da civilização. 4 Acreditava-se também, no Brasil, que seria através da incorporação das mudanças de conduta e comportamento, veiculados por estes manuais, que se criaria um sentimento de identidade que diferenciasse alguns da massa da população. Desta maneira que os manuais desempenharam importante papel na constituição de valores que deveriam pertencer apenas aos membros da nobreza. E estes valores deveriam servir de instrumento de manutenção de hierarquias e distanciamento do resto da população. A boa sociedade imperial buscava através da leitura destes manuais, difundir o modelo europeu de civilização 5. A arte de civilizar-se, para utilizarmos uma expressão da historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, podia ser encontrada nos diversos comportamentos e condutas prescritos nestes manuais. Desta forma, eles preparavam as pessoas para a vida em sociedade por meio de uma série de regras em que eram expostos maneiras e comportamentos tidos como aceitáveis e corretos. Ensinavam, entre outras coisas, as formas de comer e os hábitos à mesa, a higiene corporal - incluindo os modos de assoar o nariz, cuspir, etc - os comportamentos em casa, na igreja, na rua e os cuidados com as vestimentas. 6 Essas normas, seguidas à regra, garantiriam ao indivíduo o seu pertencimento à elite imperial. Essas normas não foram apenas utilizadas para transformar os modos de higiene da população, mesmo porque a população não tinha acesso à estes manuais. Eles ficavam restritos ao meio da nobreza. A transformação dos modos de higiene é uma conseqüência da 2 REVEL, Jacques. Os usos da civilidade. In: História da Vida Privada Vol. 3.São Paulo, Companhia das Letras, 1991,p.186. 3 RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A Cidade e a Moda: novas pretensões, novas distinções Rio de Janeiro, século XIX. Brasília: Editora UNB, 2002, p. 96. 4 SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: Dom Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.p.203. 5 Além do Código do Bom - Tom, fonte deste projeto de pesquisa, muitos outros manuais de etiqueta foram lidos por esta boa sociedade imperial. É o caso, por exemplo, do O novo manual do bom-tom, de Luís Verardi; Entretenimentos sobre os deveres da civilidade colecionados para o uso da puerícia brasileira de ambos os sexos, de Guilhermina de Azambuja Neves; Escola de Política ; Manual de civilidade brasileira ; Novo código do bom-tom e Elementos de civilidade. Ver mais sobre tais obras em: RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A Cidade e a Moda: novas pretensões, novas distinções Rio de Janeiro, século XIX. Brasília: ditora UNB, 2002, p. 96. 6 SCHWARCZ, op. Cit, p.97.

procura por parte da elite de criar modos mais civilizados. No entanto, no Brasil estes manuais acabaram contribuindo mesmo para esta nobreza que, por meio de suas atitudes e comportamentos se diferenciavam do restante da população. Dentro desta perspectiva que, por exemplo, o vestuário era considerado a melhor forma de representação social. Através da roupa podemos caracterizar o indivíduo enquanto seu pertencimento a um determinado nível social. De acordo com Umberto Eco, a linguagem do vestuário, tal como a linguagem verbal não serve apenas para transmitir certos significados, mediante certas formas significativas. Serve também para identificar posições ideológicas segundo os significados transmitidos e as formas significativas que foram escolhidos para os transmitir. 7 As roupas traduziam-se na melhor representação deste poder da elite em relação ao povo, já que são elas que estão mais visíveis aos olhos dos outros. A autora Gilda de Mello de Souza nos define claramente o poder simbólico que existia na vestimenta: a moda[...] serve à estrutura social, acentuando a divisão em classe; reconcilia o conflito entre o impulso individualizador de cada um de nos(necessidade de afirmação como pessoa) e o sociabilizador(necessidade de afirmação como membro do grupo); exprime idéias e sentimentos, pois é uma linguagem que se traduz em termos artísticos. 8 Além do modo de vestir, os manuais também tratavam das maneiras de se comportar nos diversos locais públicos. Destinados à sociedade de corte, os manuais prescreviam comportamentos diferentes para homens e mulheres e crianças e adultos. Por exemplo, aos homens cabia a polidez e a urbanidade e às mulheres um falar suave e um ar reservado, entre outros milhares de comportamentos. 9 O historiador e sociólogo alemão Nobert Elias elaborou um importante estudo sobre estes manuais e sobre sua utilização na sociedade de corte de Luís XIV. Naquele momento os manuais foram utilizados como uma forma de ganhar prestígio e ostentação por parte das camadas mais altas. Trata-se de um instrumento indispensável à auto-afirmação social, 7 ECO, Umberto. O hábito fala pelo monge. In: Pscicologia do vestir. Lisboa: Assírio e Alvim Cooperativa e Editora e Livraria, 1975,p.17. 8 SOUZA, Gilda de Mello e. O Espírito das Roupas: a moda no século XIX. São Paulo, Companhia das Letras, 1996, p.29. 9 ROQUETTE, J.I. Código do Bom - Tom ou regras de civilidade e de bem viver do século XIX. Org.: Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, p.26

especialmente quando como é o caso na sociedade de corte- todos os participantes estão envolvidos numa batalha ou competição por status e prestígio. 10 Naquele momento a etiqueta foi utilizada como uma forma de ascensão dentro da camada da nobreza e de sua auto-afirmação em relação aos demais da sociedade. Já no contexto brasileiro, a etiqueta serviu para criar um diferencial entre a elite e o restante da população. A etiqueta não relacionava-se mais a ascensão social como na França. Aqui, frente a uma nobreza recém - criada e que não possuía laços de sangue como na França, a etiqueta foi utilizada como instrumento de domínio e manutenção das hierarquias. Se entre os sexos havia diferenças de comportamento, também existia entre adultos e crianças. Já desde aquele momento acreditava-se que a fase da meninice era a mais importante para que tais comportamentos e condutas se interiorizassem, fazendo parecer ao indivíduo como algo natural e não adquirido. Segundo Mariana Muaze, é esta fase em que os indivíduos se sintonizam mais facilmente com um padrão de comportamento incorporando-o como uma segunda natureza. 11 Se educados nos modelos europeus de bom comportamento desde a infância, estas crianças já estariam moldadas de acordo com o projeto político. Seriam verdadeiros cidadãos pertencentes à nação deste Estado Imperial. A necessidade de se formar cidadãos habituados aos modelos de civilização, fez com que a atenção do Estado Imperial se voltasse também para as crianças. Por isso que, já desde o seio familiar, a criança é educada através destes manuais de etiqueta. Os manuais infantis deveriam ser lidos e seus ensinamentos colocados em prática, para que, após bem formar e criar a infância, em uma fase posterior, os meninos e meninas aprendessem a arte da etiqueta para se portarem dignamente nos diferentes espaços de sociabilidade. 12 O Estado Imperial buscava dessa maneira criar cidadãos que estivessem de acordo com a nova realidade sócio - política. Na construção de uma nação, encontramos uma sociedade de corte que buscava através dos modelos europeus de civilização acabar com o fantasma legado pela herança colonial. Era na diferenciação que se garantia a hierarquia social. Era civilizando-se conforme os manuais que se definia o modelo de cidadão e de pertencimento a classe dirigente. Era desta forma, através dos hábitos e costumes, que se poderia deixar claro as fronteiras que definiam os dominantes e os subordinados. 10 ELIAS, Nobert. A Sociedade de corte. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001.p.83 11 MUAZE, Mariana de Aguiar Ferreira. Garantindo Hierarquias: educação e instrução infantil na boa sociedade imperial (1840-1889). In: Dimensões Revista de História da UFES, Vitória, nº15, 2003, p.65 12 Idem, 2003, p.66.

Assim, os manuais foram amplamente utilizados como uma forma de se criar uma civilização que estivesse de acordo com os modelos europeus. O Estado Imperial, preocupado com a formação desses novos cidadãos, queria definir essa nova sociedade, garantindo a hierarquia social, e criando uma identidade entre estes membros que mantivesse a distancia existente em relação à gente miúda. Portanto este projeto de pesquisa tem como objeto de estudo a boa sociedade imperial brasileira. Trata-se de uma análise da formação de uma sociedade de corte que, inserida no contexto sócio - político de consolidação do Estado Imperial, buscava garantir para si uma determinada identidade que a distinguisse do restante da população através da incorporação de uma série de valores, normas, comportamentos e condutas considerados civilizados, para os quais a utilização dos à época bastante divulgados manuais de etiqueta importados das cortes européias foi essencial. Objetivamos compreender como esta boa sociedade utilizou-se dos manuais de etiqueta como um dos meios que lhe estava à disposição para construir para si uma representação simbólica que lhe ajudasse a garantir a hierarquia e o distanciamento social em relação à época pejorativamente denominada gente miúda, isto é, os homens livres pobres e os escravos. A fonte primária que será priorizada por nós é o Código de bom tom ou regras da civilidade e de bem viver no século XIX, editado pela primeira vez no ano 1845 em Portugal e escrito pelo cônego J.I. Roquette. Pretende-se pesquisar o período compreendido de 1840 a 1850. A escolha do ano de 1840 refere-se ao fato de ter sido nesta década que se efetivou a maioridade de Pedro II como tentativa de por termo às revoltas regenciais que vinham colocando a unidade do estado imperial em questionamento. A partir da subida de Pedro II ao trono tornou-se necessidade primordial a consolidação do Estado Imperial, e para tanto a participação das elites neste processo foi essencial, devendo estas serem educadas para assumir a missão de conduzir as massas. O ano de 1850 foi determinado como marco final da pesquisa, pois este é um momento considerado, de maneira consensual pela historiografia, de início da conciliação de partidos, ou seja, de vivência de um momento em que os embates políticos estariam sobre controle e as questões voltaram-se preferencialmente para a formação de uma nação, com todas implicações que isto trazia, ou seja, delimitar os cidadãos desta nação, o que se pretendia deles em termos de participação política, etc O objetivo deste projeto, portanto, é estudar a importância da utilização dos manuais de etiqueta para a constituição de um determinado segmento social, e perceber nesta

classe até que ponto eles foram eficazes na construção de um determinado poder simbólico para garantir e difundir uma suposta superioridade deste camada com relação ao restante da população e dele como parte de um projeto de constituição de uma nação civilizada nos trópico