Narrativas infanto-juvenis sobre o trabalho doméstico em Belo Horizonte: histórias... Relato de Pesquisa



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Transcrição:

Relato de Pesquisa 123

Stengel, M.; Gomes de Castro, M. da C.; Marques, M. E.; Moreira, M. I. C.; Fazzi, R. de C.; Leal, R. de S. 124

Narrativas infanto-juvenis sobre o trabalho doméstico em Belo Horizonte: histórias de vida das meninas * Márcia Stengel; Maria da Consolação Gomes de Castro; Maria Elizabeth Marques;Maria Ignez Costa Moreira; Rita de Cássia Fazzi; Rita de Souza Leal RESUMO Apresentamos o relatório final da pesquisa Narrativas infanto-juvenis sobre o trabalho doméstico em Belo Horizonte: histórias de vida das meninas realizada no período de fevereiro de 2001 a março de 2002, que objetivou compreender de forma mais acurada as condições e os significados produzidos a respeito da experiência do trabalho doméstico entre adolescentes de onze a dezoito anos. Os dados obtidos através das histórias de vida das adolescentes com trajetória de emprego doméstico foram incorporados à primeira fase do Projeto erradicação do trabalho doméstico e adequação do trabalho adolescente no serviço doméstico OIT. Palavras-chave: Trabalho doméstico; Adolescente; Produção de sentido. Esta pesquisa foi demandada pela ONG (Organização Não Governamental) Save the Children, como parte de um amplo programa a ser desenvolvido em prol da erradicação e da adequação do trabalho adolescente no espaço doméstico pela OIT em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte e o Centro de Recreação, ONG voltada ao trabalho com adolescentes em situação de risco social. Examinar as condições de trabalho das adolescentes e o significado construído por elas para esta atividade laboral é de fundamental importância para a construção de programas sociais e públicos que venham a melhorar as condições de vida e propiciar o exercício pleno da cidadania dessas jovens. * Relatório final de pesquisa. Narrativas infanto-juvenis sobre o trabalho doméstico em Belo Horizonte: histórias de vida das meninas. Belo Horizonte: ICA/Proex-PUC Minas, Lumen-PUC Minas, Save the Children e OIT, 2002. 125

Stengel, M.; Gomes de Castro, M. da C.; Marques, M. E.; Moreira, M. I. C.; Fazzi, R. de C.; Leal, R. de S. O trabalho infanto-juvenil, objeto desta pesquisa, é o trabalho doméstico desenvolvido por sujeitos adolescentes e do sexo feminino. O local de trabalho das meninas é o espaço doméstico, protegido pelas paredes da casa. Elas exercem uma atividade considerada invisível e própria das mulheres, ou seja, naturalizada. O trabalho doméstico pode ser compreendido como uma estratégia da socialização de gênero. As empregadas domésticas são usualmente mulheres que substituirão, no cuidado com a casa e com as crianças pequenas, outras mulheres, aquelas que exercem um trabalho no espaço público ou, como atestam os dados desta pesquisa, na casa de outras mulheres que também são empregadas domésticas. Para a realização desta pesquisa foi feita uma distinção entre serviço doméstico e trabalho doméstico. O serviço doméstico é considerado como o conjunto de atividades domésticas que as crianças e os adolescentes realizam para a sua própria família e no seu próprio domicílio, como ajuda à mãe e/ou outros adultos de referência. As atividades são descritas como cuidar de irmãos menores, arrumar a casa, lavar vasilhas, cozinhar, lavar e passar roupas, entre outras. Tais atividades não são remuneradas. Já o trabalho doméstico realizado na própria casa das adolescentes ou na casa dos patrões é remunerado e configura uma relação laboral. As atividades são o cuidado de crianças, pessoas idosas ou doentes, arrumar a casa, lavar as vasilhas, cozinhar, passar e lavar roupas. Os patrões são, usualmente, pessoas da vizinhança das crianças e dos adolescentes ou seus parentes. No período de fevereiro a julho de 2001 foi desenvolvida nos arquivos dos nove Conselhos Tutelares de Belo Horizonte a pesquisa documental. Buscou-se, nesta fase da pesquisa, mapear os casos de trabalhadoras domésticas para a realização, posterior, das entrevistas de história de vida. Foram consultadas, aproximadamente, treze mil e quinhentas fichas correspondentes aos anos de 1999, 2000 e 2001. Desse total, foram encontrados cinqüenta casos de trabalho doméstico de adolescentes na faixa etária entre onze e dezoito anos que respondiam aos objetivos desta pesquisa. Este número relativamente baixo de casos de trabalho doméstico (cinqüenta e quatro casos) parece ter algumas causas prováveis. A distinção entre o serviço doméstico e trabalho doméstico para fins desta pesquisa deixa de considerar um número expressivo de crianças e adolescentes responsáveis pelo serviço doméstico, o qual pode ser fonte constante de violação de direitos. Por outro lado, tanto serviço doméstico quanto o trabalho doméstico têm como característica comum uma certa invisibilidade e são atividades desvalorizadas socialmente, realizadas habitualmente por crianças, adolescentes e mulheres. Podemos supor que estas representações do trabalho doméstico favorecem a sua realização por crianças e adolescentes, dificultando a consideração do seu exercício como atividade prejudicial ao desenvolvimento psicossocial ou como desrespeito aos direitos das crianças e dos adolescentes. Não foi possível obter o total de dez adolescentes trabalhadoras domésticas para a realização das entrevistas entre os cinqüenta e quatro casos escolhidos. Várias foram as ordens de dificuldade: endereços incompletos, mudanças de endereço, verificação de que 126

a situação não configurava exercício do trabalho doméstico e sim de serviço doméstico. Recorremos a outras duas fontes: a primeira, um grupo comunitário e indicação por outros pesquisadores de áreas afins. As entrevistadas são todas adolescentes com idades entre dezesseis e dezoito anos. Portanto, do ponto de vista legal elas já podem trabalhar. Oito entrevistadas são de raça/ cor preta ou parda, o que reafirma que a condição de raça/etnia é um fator histórico na sociedade brasileira de exclusão social e de pobreza. Ainda deve-se considerar o fato de que este grupo social tem ocupado ao longo do tempo funções que exigem menor qualificação profissional e, portanto, menos valorizadas. A maioria vive em famílias cujos modelos de organização não é o conjugal nuclear; suas famílias são preponderantemente famílias reconstituídas ou monoparentais femininas. É comum o fato de não terem suas carteiras profissionais assinadas, terem uma carga horária de trabalho semanal de cinqüenta ou sessenta horas. Seus patrões são, na maioria, outras mulheres e os locais de trabalho na própria vizinhança, o que denota que patroas e empregadas pertencem à mesma classe social. O lazer está associado ao encontro com os amigos e os namorados, à possibilidade de ouvir música, de dançar, de praticar esporte e de ver televisão. Na segunda fase da pesquisa estas adolescentes foram entrevistadas. O primeiro contato com elas foi feito através de telefone, carta ou contato pessoal. Elas foram convidadas para uma reunião de grupo. Este encontro foi promovido no Campus da PUC Minas. Cada participante, além de apresentar-se, narrou suas experiências como trabalhadoras domésticas. Outro recurso utilizado neste encontro foi o oferecimento de uma máquina fotográfica para que as adolescentes pudessem registrar a visita delas à PUC. Em seguida foram agendadas as entrevistas individuais. As entrevistas foram gravadas sempre com o consentimento das adolescentes. Sugerimos que elas inventassem um nome fictício; desta forma, suas identidades estariam preservadas. O roteiro prévio significou um eixo que permitiu aos entrevistadores a condução das entrevistas em torno de temas básicos, tais como a infância, as relações familiares, a trajetória escolar, o grupo de amigos, as relações afetivo-sexuais, a saúde e a doença, as experiências do serviço e do trabalho doméstico, o lazer e as práticas religiosas. O recurso metodológico escolhido foi o da história de vida, uma vez que possibilita o aprofundamento do conhecimento sobre a realidade do trabalho doméstico vivida pelas adolescentes. As categorias de análise foram construídas a partir do roteiro de entrevista, portanto algumas são prévias à coleta dos dados e outras posteriores, uma vez que produzidas a partir da leitura das entrevistas. Por exemplo, uma categoria produzida previamente diz respeito ao serviço doméstico e uma categoria produzida posteriormente é a de humilhação, referência constante nas entrevistas. Finalizamos a pesquisa com a realização de um Grupo Focal. Considerada uma técnica de investigação o Grupo Focal tem sido um recurso largamente utilizado em pesquisas qualitativas. É usual que os grupos focais sejam formados após realização de entrevistas individuais com cada um dos seus membros, como no caso desta pesquisa, no qual com- 127

Stengel, M.; Gomes de Castro, M. da C.; Marques, M. E.; Moreira, M. I. C.; Fazzi, R. de C.; Leal, R. de S. binamos a utilização das entrevistas em profundidade com o recurso do grupo focal. As adolescentes foram convidadas para assistir ao filme Domésticas (Direção de Fernando Meirelles e Nando Olival, 2001) e logo em seguida discuti-lo em grupo. A estratégia do filme pareceu interessante não só para alimentar o debate, mas porque a história contada sobre a vida de outras mulheres trabalhadoras domésticas pode suportar processos de identificação, de projeção, de negação relacionados à própria identidade e à realidade da situação vivida pelas adolescentes enquanto empregadas domésticas. O grupo focal foi registrado em vídeo, com a autorização das participantes, no estúdio da Escola de Comunicação da PUC Minas. Entendemos que esta forma de registro complementar do material da pesquisa amplia as possibilidades de análise não só das expressões verbais, mas das expressões gestuais e corporais. Por outro lado, o grupo possibilitou às adolescentes trocar e discutir suas experiências de trabalho doméstico bem como suas aspirações de futuro. A pesquisa contribuiu para a desconstrução de algumas hipóteses relativas ao trabalho doméstico. A idéia de que as meninas são inseridas neste mercado de trabalho contra a sua própria vontade não se confirmou no relato de nossas entrevistadas. Todas elas buscaram o trabalho doméstico por vontade própria, ainda que premidas pelas necessidades econômicas de suas famílias de origem. Outra motivação importante é a busca através do trabalho da aquisição de um status e de uma identidade de adultos. A falta de qualificação profissional não lhes deixa muitas opções além do trabalho doméstico. O salário recebido é dividido na maioria das vezes quase integralmente com a família, mas possibilita também a aquisição de objetos de uso pessoal, signos de sua geração. A faixa etária predominante está acima de doze anos, o que contraria a expectativa de encontrarmos um número elevado de trabalhadoras infantis no espaço doméstico na cidade de Belo Horizonte. A idéia de que as trabalhadoras domésticas estivessem afastadas de suas famílias de origem também não se confirmou neste grupo pesquisado. Verificamos que os laços familiares estão preservados e que os patrões das adolescentes são, freqüentemente, pessoas do convívio da família de origem: membros da família extensa ou vizinhos e conhecidos. Este fato mostra que os patrões são da mesma classe social e habitam o mesmo bairro ou região. Os baixos salários e o não cumprimento de direitos trabalhistas parecem estar relacionados ao nível socioeconômico dos empregadores. A alta rotatividade nos empregos também está relacionada às dificuldades financeiras dos empregadores. A relação entre patrões e empregados é considerada conflitiva, às vezes geradora do sentimento de humilhação por parte das meninas. Outras vezes são percebidas positivamente como relações de ajuda, oportunidade de ganhos materiais e afetivos. O exercício do trabalho doméstico não é apontado de modo geral como impedimento da freqüência escolar, na maioria dos casos, as adolescentes freqüentam além da escola regular cursos livres em busca de ascensão social. Apesar das condições precárias de vida destas meninas, no que se refere às condições de acesso a bens materiais e simbólicos, a sua maneira de inserção no mundo, quanto às 128

formas de pensar, agir e sentir, é própria da adolescência, o que explica muitas vezes a instabilidade delas nas relações estabelecidas e na aparente incoerência entre suas atitudes, pensamento, projetos de vida e o próprio discurso. Marcado por significações ambivalentes, o trabalho doméstico é bom e mau, pode ser um bom meio, mas um mau fim. Ele não é um mal em si. Ele pode ter funções positivas ligadas à melhoria de vida e à organização interna dos sujeitos. Para que se possa alcançar a prevenção e a erradicação do trabalho doméstico de adolescentes e uma melhor capacitação e adequação deste trabalho às exigências legais é preciso considerar a pluralidade de significações construídas para o trabalho doméstico. Desta forma os programas sociais e públicos poderão não só erradicar a exploração e a violação de direitos, mas também desconstruir os preconceitos em relação a esta atividade laboral. ABSTRACT This is the final report of the research Infant-juvenile narratives of domestic work in Belo Horizonte: the girls life story, carried out from February 2001 to March 2002. The research aimed at a more accurate understanding of the conditions and meanings produced concerning the experience of domestic work shared by adolescents from eleven to eighteen years of age. The data collected from the life story of adolescents engaged in domestic work were incorporated in the first stage of the Project for the eradication of domestic work and the adequacy of adolescent labour to domestic work OIT. Keywords: Domestic work; Adolescent; Production of meaning. 129