FRATURAS ORBITÁRIAS BLOWOUT: TRATAMENTO COM TELAS DE TITÂNIO. Blowout Orbital Fractures: Treatment With Titanium Mesh



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FRATURAS ORBITÁRIAS BLOWOUT: TRATAMENTO COM TELAS DE TITÂNIO Blowout Orbital Fractures: Treatment With Titanium Mesh Recebido em 02/2005 Aprovado em 06/2005 Aguimar de Matos Bourguignon Filho* Aline Tempel Costa* Danilo Ibrahim* Diego Segatto Blaya* Vinícius Nery Viegas* Marília Gerhardt de Oliveira* * RESUMO As fraturas orbitárias blowout são aquelas que acometem exclusivamente o assoalho e/ou a parede medial da órbita. O diagnóstico destas fraturas baseia-se em exame físico e em exames imaginológicos. No exame físico, sinais e sintomas, como equimose periorbitária, limitação de movimentos oculares, diplopia e enoftalmia, podem estar presentes. A tomografia computadorizada é o exame mais eficiente para o diagnóstico dessas fraturas. O tratamento deve ser realizado através da reconstrução das paredes orbitárias fraturadas com biomateriais autógenos, homógenos, heterógenos ou materiais aloplásticos. Neste trabalho, serão apresentados dois casos clínicos de fraturas blowout, tratadas com telas de titânio. Esses materiais mostraram-se eficientes, apresentando bons resultados em relação à capacidade de reconstrução do assoalho orbitário e de suporte ao conteúdo do globo ocular. Descritores: Fraturas orbitárias/terapia. Órbita/lesões. Titânio/uso terapêutico. Relatos de casos. ABSTRACT Blowout orbital fractures are those that damage exclusively the floor and/or medial wall of the orbit. Their diagnosis is based on a clinical examination and imaging investigations. On clinical examination, symptoms and signs, such as periorbital ecchymosis, limitation of eye movements, diploplia and enophthalmos may be present. Computed tomography is the most effective examination for diagnosing these fractures. Treatment should consist of the reconstruction of the fractured orbital walls with autogenous, homogenous or heterogeneous biomaterial or alloplastic material. In the present study two clinical cases of blowout fractures are presented, which were treated with titanium mesh. This material proved to be efficient, presenting good results regarding its ability to reconstruct the orbital floor and support the content of the eyeball. Descriptors: Orbital fractures/therapy. Orbit/lesions. Titanium/therapeutic use. Case reports.. INTRODUÇÃO A órbita é uma cavidade óssea onde se aloja o globo ocular e seus anexos. É formada por quatro paredes ósseas: medial, lateral, inferior ou assoalho e superior ou teto, compostas por diferentes ossos do neurocrânio e esplancnocrânio. Essas paredes ósseas possuem características anatômicas diferentes, o que pode permitir a ocorrência de diversos tipos de fraturas, quando uma força incide sobre elas (COSTA, 2002). * Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial-PUCRS. E-mail: bourguignon.filho@bol.com.br Endereço: Rua Felizardo, 486/812A, Jardim Botânico CEP 90690-200 - Porto Alegre RS. ** Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial-PUCRS. ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online)

BOURGUIGNON FILHO et al. As fraturas chamadas de blowout são aquelas que acometem exclusivamente o assoalho e/ou a parede medial orbitária. Essas fraturas ocorrem normalmente nos pontos mais fracos dessas paredes (BURM; CHUNG; OH, 1999), que são a porção situada medialmente ao canal infra-orbitário no assoalho (DUTTON, 1994) e a lâmina papirácea do etmóide na parede medial (BURM; CHUNG; OH, 1999, GENTRY, 1998). A fisiopatologia dessas fraturas é explicada por duas teorias. A primeira chamada de teoria hidráulica relata que a força é transmitida através do impacto no globo ocular, o qual sofre retropropulsão e eleva a pressão intra-orbital. Esta pressão é transmitida à parede medial ou inferior, enquanto a borda orbitária permanece intacta. A segunda teoria é explicada pelo impacto direto da força na borda orbitária, onde a força é transmitida para a parede de menor espessura, causando a fratura (WARWAR et al., 2000, WATERHOUSE et al., 1999). O diagnóstico das fraturas blowout baseia-se no exame físico e em exames imaginológicos. No exame físico, pode-se observar os seguintes sinais e sintomas: equimose periorbitária e subconjuntival, assimetria facial, limitação de movimentos oculares, enoftalmia, enfisema, sangramento nasal, diplopia, parestesia do nervo infra-orbitário e diminuição da acuidade visual (SWINSON et al., 2004). Os exames com uso de imagens baseiam-se em radiografias, como na incidência de Waters e em tomografia computadorizada (TC) (ELLIS; TAN, 2003, SWINSON et al., 2004). As radiografias são pouco eficientes no diagnóstico das fraturas blowout. A tomografia computadorizada, no entanto, nos permite identificar com maior precisão deslocamentos ósseos, velamento do seio maxilar e das células etmoidais e herniamento de tecidos para o interior do seio maxilar. Além disso, com a realização da TC após as cirurgias, podemos ter uma melhor avaliação do posicionamento de fragmentos ósseos reduzidos e de biomateriais utilizados para contenção das fraturas (ELLIS; TAN, 36 2003). A ultrasonografia, um método recente de exame por imagem, tem sido eficiente no diagnóstico de fraturas orbitárias, apresentando como principais vantagens a ausência de radiação, sua fácil execução e seu baixo custo (JANK et al., 2004). O tratamento das fraturas blowout é um grande desafio para o cirurgião bucomaxilofacial. Nas últimas décadas, muitos avanços vêm sendo realizados com o objetivo de restabelecer o contorno do assoalho orbitário no tratamento dessas lesões. (BITE et al., 1985, MANSON et al. 1986). Devido à grande diversidade de problemas relacionados à reconstruções orbitárias, diversos biomateriais, sejam autógenos (KONTIO, 2004, LIN et al., 1990), homógenos, heterógenos (ELLIS; SINN, 2003, ELLIS; TAN, 2003) ou aloplásticos (BROWN; BANKS, 1993, ELLIS, MESSO, 2004, ENISLIDIS, 2004, RUBIN; YAREMCHUCK, 1997, SARGENT; FULKS, 1991), podem ser utilizados para o tratamento das fraturas blowout. Assim, a seleção do biomaterial está relacionada a vários fatores, como: o tamanho do defeito ósseo, número de paredes envolvidas, adaptação dos contornos internos, restauração do volume apropriado, tempo decorrido do trauma e experiência do cirurgião. Os implantes metálicos revolucionaram o tratamento das fraturas faciais e, recentemente, as telas de titânio têm sido utilizadas com sucesso, em reconstruções de paredes orbitárias. Estes materiais são radiopacos, esterilizáveis, finos e de fácil adaptação, apresentam boa estabilidade, mantêm sua forma e possuem capacidade de compensar o volume orbitário, sem sofrer reabsorção (POTTER; ELLIS, 2004). Neste trabalho, serão apresentados dois casos clínicos de fraturas blowout, em que telas de titânio foram utilizadas para reconstruir o assoalho orbitário e para dar suporte ao globo ocular e seus anexos.

BOURGUIGNON FILHO et al. CASO 1 Paciente, 54 anos, gênero masculino, vítima de agressão física, compareceu ao Hospital Cristo Redentor (Porto Alegre/RS) apresentando trauma de face com lacerações cutâneas e contusões. Clinicamente, pôde-se observar equimose conjuntival, edema e hematoma periorbitários. O paciente não Figura 3 - Adaptação e fixação da tela de titânio no assoalho orbitário. periorbitários (Figura 3). Em seguida, foi realizada sutura por planos até sua finalização com sutura intradérmica. Não foram observadas complicações, como diplopia, limitação de movimentos oculares e enoftalmia no período pós-operatório. Figura 1 - TC corte coronal. Fratura de assoalho orbitário no lado esquerdo. apresentava sinais de diplopia e enoftalmia. Não havia sinais clínicos de fratura nos bordos infra-orbitários. A análise dos cortes tomográficos coronais indicou aumento do volume da órbita esquerda com fratura de assoalho (Figura 1). Para acesso cirúrgico da margem e assoalho infra-orbitário esquerdo, foi utilizada a incisão subpalpebral, seguida de divulsão tecidual (Figura 2). Pôdese visualizar a margem infra-orbitária intacta e a fratura tipo blowout no assoalho infra-orbitário. Após remoção dos tecidos herniados do interior do seio maxilar, uma tela de titânio foi devidamente moldada, adaptada e fixada com parafusos no assoalho orbitário, para restabelecer seu contorno e sustentar os tecidos CASO 2 Paciente do gênero feminino, 34 anos de idade, apresentou-se com trauma no terço fixo da face, decorrente de acidente automobilístico. Clinicamente, observou-se sangramento nasal, edema, hematoma, equimose periorbitária e subconjuntival e limitação de movimentos oculares do lado direito. Na palpação, não foram identificados sinais de fraturas nos ossos da face. A paciente queixava-se de dor, visão dupla, quando realizava determinados movimentos com os olhos (diplopia) e alteração de sensibilidade na região da pálpebra inferior (parestesia do nervo infraorbitário). Radiograficamente observou-se velamento do seio maxilar direito sem evidência de fraturas. A fratura do assoalho de órbita do lado direito somente Figura 2 - Divulsão tecidual. Bordo infra-orbitário sem fratura. Figura 4 - Corte tomográfico coronal indicando fratura de assoalho orbitário no lado direito. 37

BOURGUIGNON FILHO et al. Figura 5 - Corte tomográfico axial indicando velamento do seio maxilar direito e fragmento ósseo em seu interior. foi diagnosticada após realização da tomografia computadorizada, quando se pôde observar descontinuidade e deslocamento de fragmentos ósseos do assoalho orbitário para o interior do seio maxilar (Figuras 4 e 5). A paciente foi submetida a procedimento cirúrgico com acesso subpalpebral e, após divulsão tecidual, a fratura foi identificada. A fratura localizavase na porção medial do assoalho orbitário e apresentava-se com tecido muscular aprisionado nos fragmentos ósseos e com herniamento de tecidos periorbitários no seio maxilar. Após liberação dos tecidos aprisionados e herniados, uma tela de titânio foi adaptada no assoalho orbitário. Assim, a parede inferior da órbita foi reconstruída, permitindo a sustentação dos tecidos periorbitários. Posteriormente, foi realizada sutura tecidual por planos. No pós-operatório, nova tomografia computadorizada foi realizada para observar o posicionamento da tela de titânio. Pôde-se observar que o material estava bem adaptado e que alguns fragmentos ósseos não se apresentavam totalmente Figura 6 - TC pós-operatória corte coronal. Avaliação do posicionamento da tela de titânio. 38 Figura 7 - TC pós-operatória corte axial. Avaliação do posicionamento da tela de titânio. reposicionados (Figuras 6 e 7). O resultado alcançado foi suficiente para restabelecer o volume orbitário e sustentar o conteúdo do globo ocular, sem complicações, como enoftalmia e limitação de visão e movimentação ocular no pós-operatório. DISCUSSÃO Os sinais e os sintomas apresentados pelos pacientes nestes tipos de fratura explicam-se pelo aumento da cavidade orbitária devido às fraturas de suas paredes, gerando, assim, deslocamento do globo ocular e desnível pupilar, que provoca diplopia e, com o tempo, pode ocasionar enoftalmia (ELLIS; TAN, 2003). Em algumas situações, o edema decorrente do trauma pode compensar, inicialmente, este aumento de volume orbitário, impedindo que ocorra um desnível pupilar e que a diplopia torne-se evidente nos primeiros dias após o trauma. As teorias dos mecanismos fisiopatológicos de ocorrência destas fraturas puderam ser comprovadas por Warwar et al. (2000), em um estudo em cadáveres, para determinar a força necessária a fim de produzir uma fratura blowout em assoalho orbitário. Observaram que a energia requerida para que ocorra a fratura é de 71 mj na teoria hidráulica e de 68 mj na teoria da força direta, sobre a borda orbitária. Os autores conseguiram não só determinar a quantidade de energia mas também dar suporte às teorias dos mecanismos das fraturas blowout. O material ideal para reconstruções orbitárias deve ser biocompatível, resistente e de fácil adaptação e ancoragem para ser capaz de restaurar sua forma

e volume, bem como de suportar o conteúdo do globo ocular (KONTIO, 2004). O osso autógeno é bastante utilizado para reconstruções orbitárias. Possui como principal vantagem seu potencial de integração ao sítio receptor com mecanismos de formação óssea de osteogênese, osteoindução e osteocondução (KONTIO, 2004). Como desvantagem, há necessidade de uma área doadora, potencial de reabsorção e dificuldade de adaptação na área receptora. As principais áreas doadoras destes enxertos são os ossos ilíacos e a calvária. As regiões de corpo, mento, ramo e coronóide mandibular também podem ser utilizadas, embora sejam pobres em quantidade óssea (LIN et al., 1990). Os ossos homógenos e heterógenos não contêm células vivas, mas podem apresentar características ostecondutoras ou osteoindutoras na sua integração aos sítios receptores. Não precisa de um segundo sítio cirúrgico (doador) e, assim, necessitam de menor tempo cirúrgico para realização de reconstruções orbitárias. Atua como arcabouço para o osso novo que está se formando e possui características físicas semelhantes ao osso autógeno, embora seja mais lento para a revascularização e osseointegração. Esses enxertos não são usados com tanta freqüência, pois possuem taxas de reabsorção semelhantes aos enxertos autógenos, porém com grandes taxas de infecção. Devido à facilidade de obtenção em grande quantidade e à sua boa integração com o leito receptor, são considerados como materiais aceitáveis para reconstruções orbitárias (ELLIS; SINN, 1993). Os materiais aloplásticos vêm ganhando grande popularidade entre os cirurgiões, devido à facilidade de seu uso, sem necessidade de um sítio doador. Possuem grande facilidade de adaptação do material na anatomia interna da órbita. Apresentam como desvantagens a possibilidade de serem reconhecidos como corpo estranho pelo organismo e, em alguns casos, pode ser necessária uma segunda intervenção cirúrgica para sua remoção (BROWN; BANKS, 1993). A hidroxiapatita [Ca 10 (PO 4 ) 6 (OH) 2 ] é um sal à BOURGUIGNON FILHO et al. base de cálcio e fosfato. Este material é biocompatível, causa mínimos danos inflamatórios, adere-se firmemente ao leito ósseo receptor e, forma um arcabouço para o reparo ósseo. Porém, tem como desvantagem a impossibilidade de sua fixação ao leito receptor, o que torna muito difícil sua utilização em fraturas do tipo blowout, pois o bloco de hidroxiapatita cede e fratura, quando se tenta utilizar parafusos para sua fixação (RUBIN; YAREMCHUCK, 1997). O silicone também tem sido indicado para reconstruções orbitárias, por apresentar pouca reação inflamatória, se bem que este material tem resultado várias complicações, como extrusão, migração, infecção, edema em pálpebra inferior, dor e sinusite maxilar (KONTIO, 2004). O Polietileno poroso é um material que pode ser usado como substituto de enxertos ósseos, sendo uma alternativa aos demais materiais aloplásticos, como silicone (ELLIS; MESSO, 2004). É um tipo de material biocompatível, insolúvel e não-reabsorvível, sendo apresentado de várias formas e tamanhos. Para o assoalho orbitário, esse material apresenta em forma de lâmina com espessura variando entre 0.85 a 3.0 mm. Sua adaptação deve ser realizada com auxílio de tesoura, para que possa ser moldado na forma desejada e fixado com parafusos. Sua principal desvantagem é não ser radiopaca e desta forma não pode ser visualizado em exames imaginológicos (RUBIN; YAREMCHUCK, 1997). As telas de titânio estão entre os materiais aloplásticos mais utilizados e apresentam como maior vantagem sua facilidade de adaptação às paredes orbitárias. Enxertos ósseos não possuem a versatilidade de adaptação apresentada por estes materiais (ELLIS; TAN, 2003). As desvantagens das telas de titânio são os riscos de infecção e dificuldade de remoção devido à formação de tecidos fibrosos e pontes ósseas, quando há queixa de desconforto pelos pacientes (SARGENT; FULKS, 1991). Segundo Ellis e Messo (2004), o tipo de material utilizado em reconstruções orbitárias 39

BOURGUIGNON FILHO et al. primárias e secundárias não deve ser o mesmo. Nas reconstruções primárias, o material deve ter a função de dar suporte ao globo ocular e de restabelecer o contorno das paredes orbitárias. O material mais indicado nesta situação é a tela de titânio, uma vez que é de fácil adaptação, é fina e pode ser usada como uma ponte ao reconstruir grandes defeitos ósseos. Nas reconstruções orbitárias secundárias, quando os tecidos orbitários estão numa configuração anormal, e a enoftalmia já está instalada, há necessidade de, além de restaurar as paredes orbitárias, reconstituir sua morfologia e seu volume perdido. Nestas situações, o polietileno poroso de alta densidade tem apresentado excelentes resultados, pois é um material que não reabsorve e é estável volumetricamente. Nos casos clínicos relatados, foram realizadas reconstruções orbitárias primárias. As telas de titânio utilizadas tiveram a função de restabelecer o contorno do assoalho orbitário, para dar suporte ao conteúdo do globo ocular. A fácil manipulação e a excelente adaptação deste material no assoalho da órbita, nestes casos, são corroboradas por Ellis e Tan (2003) e, Ellis e Messo (2004) que relatam a versatilidade deste material no tratamento destas fraturas. Não foi observada nenhuma complicação com o uso das telas de titânio durante o período pós-operatório. CONSIDERAÇÕES FINAIS As telas de titânio são eficientes para o tratamento primário de fraturas blowout. Estes materiais mostraram bons resultados em relação à capacidade de reconstrução do assoalho orbitário e de dar suporte ao conteúdo do globo ocular. BROWN, A. E.; BANKS, P. Late extrusion of alloplastic orbital floor implant. Br. j. oral maxillofac. surg., Edinburgh, vol. 31, no. 3, p. 154-157, 1993. BURM, J. S.; CHUNG, C. H.; OH, S. J. Pure orbital blowout fracture: new concepts and importance of medial orbital blowout fracture. Plast. reconstr. surg., Baltimore, vol. 103, no. 7, p. 1839-49, June 1999. COSTA, A. T. Anatomia e acessos cirúrgicos em região periorbitária para tratamento de traumatismos faciais. 2002. Monografia (especialização) - Faculdade de Odontologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002. DUTTON, J. J. Atlas of clinical and surgical orbital anatomy. Philadelphia: Saunders, W.B. 1994. ELLIS III, E.; MESSO, E. Use of nonresorbable alloplastic implants for internal orbital reconstruction. J. oral maxillofac. surg., Philadelphia, vol. 62, no. 7, p. 873-881, 2004. ELLIS III, E.; SINN, D. P. Use of homologous bone in maxillofacial surgery. J. oral maxillofac. surg., Philadelphia, vol. 51, no. 11, p. 1181-1193, 1993. ELLIS III, E.; TAN, Y. Assessment of internal orbital reconstructions for pure blowout fractures: cranial bone grafts versus titanium mesh. J. oral maxillofac. surg., Philadelphia, vol. 61, no. 4, p. 442-53, 2003. REFERÊNCIAS BITE, U. et al. Orbital volume measurements in enophthalmos using three-ref CT imaging. Plast. reconstr. surg., Baltimore, vol. 75, no. 4, p. 502-507, Apr. 1985. 40 ENISLIDIS, G. Treatment of orbital fractures: the case for treatment with resorbable materials. J. oral maxillofac. surg., Philadelphia, vol. 62, no. 7, p. 869-872, 2004. GENTRY, L. R. Anatomy of the orbit. Neuroimaging

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