Risco, Ciência e Sociedade: Zonas de interrogação, Interfaces disciplinares



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Transcrição:

Cristiana Bastos Risco, Ciência e Sociedade: Corpos de saber, Zonas de interrogação, Interfaces disciplinares Ciência 2008 - Encontro com a Ciência em Portugal Promovido pelos Laboratórios Associados Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 4 Julho 2008

Caso 1: Sida, Ciência e Sociedade

Corpos de saber

Scientific American Oct. 1988 What Science knows about AIDS, p.42

Zona de interrogação

duas epidemias ou uma epidemia?

duas epidemias ou uma epidemia?

Interfaces disciplinares

Investigação biomédica Clínica um retrovírus, com variantes uma síndrome, com algumas variantes Epidemiologia Padrão I, EUA - definido em torno de comportamentos individuais; recorte de grupos de risco em função de comportamentos individuais Padrão II, Africa - definido residualmente e a partir de fora; sublinha a transmissão heterossexual e a distribuição igualitária homens/mulheres (uma deriva cognitiva tornou africanos categoria de risco)

Ciências sociais (a) estudos por encomenda sobre percepções e comportamentos individuais relativos ao risco prédefinido pelas outras disciplinas (b) novo desafio: estudar a articulação ciência/sociedade/poder na definição de risco

QUESTÕES DE PESQUISA: Que lugar há para uma epidemiologia social (categorias de vulnerabilidade colectiva)? - Como são geridas as categorias de risco em contextos periféricos no sistema mundial de produção de ciência? Que canais de comunicação permitem, impedem ou condicionam o desenvolvimento e circulação de novas estratégias de conhecimento na definição de risco e vulnerabilidade e subsequentes políticas sanitárias?

Investigação (1) nos Estados Unidos, junto de grupos de activistas com intervenção em políticas sanitárias, protocolos clínicos e desenho de pesquisa clínica, laboratorial e social (2) no Brasil, com trabalho de campo junto de epidemiologistas, activistas, grupos de pacientes, profissionais de saúde, cientistas e políticos (3) nos países africanos, através de acompanhamento atento da literatura (4) nas situações de comunicação global, através da participação em conferencias internacionais e do acompanhamento de protocolos de assistência

resultados de pesquisa Algumas transformações na representação e nas práticas decorrentes do trabalho conjugado (nem sempre pacífico) entre actores sociais de sectores diferentes; com (a) efeitos positivos, incluindo o reenquadramento da vulnerabilidade e exposição ao risco; definição de políticas sanitárias mais eficazes; (b) efeitos negativos, incluindo a negação da vulnerabilidade e denúncia de complot ocidental contra o continente africano

O que esperava encontrar no Brasil e não encontrei: Corrente de Epidemiologia social com capacidade negocial na definição de risco e vulnerabilidade

O que não previa e encontrei: Importância da especialidade de Doenças Infecciosas e Parasitárias e a sua lógica na abordagem terapêutica e sanitária -- que hoje interpreto como central para o sucesso do programa brasileiro de AIDS Importância histórica da Medicina Tropical no Brasil e seu entrosamento na constituição da nação.. o que me levou ao projecto seguinte

Caso 2: Medicina Tropical e Poder Colonial

O desenvolvimento da medicina tropical no contexto da colonização europeia * vulnerabilidade europeia nos trópicos * biopolítica como parte da politica de colonização - da protecção dos europeus ao controle das pestilências, das incertezas, das epidemias, dos agentes infecciosos, das populações, da cidade indígena, etc. Hipótese: trânsito entre o regime militarizado de exercício da medicina colonial e os modelos militarizados da medicina tropical e da infecciologia e imunologia

Literatura predominantemente anglófona e sobre a Índia de colonização britânica; quase inexistência de literatura analítica sobre medicina colonial portuguesa Pesquisa: formação de equipa, levantamento de fontes primárias; estudo sistemático das fontes de Goa (Escola Médica); Estudo das respostas às epidemias e endemias nas colónias da Ásia e África

Desenvolvimento de interlocução com dois eixos internacionais: (a) pesquisadores de história da medicina tropical no Brasil (FIOCRUZ) (b) pesquisadores de história da medicina e império (U.K. e India)

Difusão de resultados em peer-reviewed journals Bastos, Cristiana 1998 Germ Theories in a Colonial Setting: Medical theories and Military Practices in Late Nineteenth Century Goa, India EASST Review 17 (4):9-12 2001 Doctors for the Empire: The Medical School of Goa and its Narratives. Identities Vol 8(4): 517-548; 2002 The inverted mirror: dreams of imperial glory and tales of subalternity from the Medical School of Goa. Special Issue Mirrors of Empire, Etnográfica VI (2):59-76; 2004 O ensino da medicina na Índia colonial portuguesa: fundação e primeiras décadas da Escola Médico-Cirúrgica de Nova Goa. História, Ciência Saúde -- Manguinhos 11 (1): 11-39; 2005 Race, medicine and the late Portuguese empire: the role of Goan colonial physicians. Journal of Romance Studies 5(1):23-35 ; 2007a Medicina, império e processos locais em Goa, século XIX. Análise Social XLII (182): 99-122; 2007b Medical hybridisms and social boundaries: aspects of Portuguese colonialism in 19th century Asia and Africa, Journal of Southern African Studies 33(4):767-782. Roque, Ricardo 2003 The Razor s Edge: Portuguese Imperial Vulnerability in Colonial Moxico, Angola. The International Journal of African Historical Studies 36 (1): 105-124 2004 Sementes contra a varíola: Joaquim Vás e a tradução científica das pevides de bananeira brava em Goa, Índia (1894-1930) Manguinhos - História, Ciências, Saúde 11(1): Saavedra, Mónica 2004 Percursos da vacina na Índia Portuguesa séculos XIX e XX. História Ciências Saúde Manguinhos 11(1): 165-182

Caso 3: O síndrome dos Balcãs

Integrou-se num programa mais amplo, em interlocução com colegas dos estudos sociais da ciência e da sociologia do ambiente :

Caso 4: GET ciência e sociedade

No ambiente de estímulo aos trabalhos transversais e interdisciplinares no ICS criámos o GET, Grupo de Estudos de Tecnociência Ana Delicado (sociologia) Cristiana Bastos (antropologia) Tiago Saraiva (história)

Cristiana Bastos - Risco, Ciência e Sociedade Caso 5: O que é um alimento?

o que é um alimento: alimentos fabricados, animais manipulados, gostos domesticados e riscos envolvidos Projecto a desenvolver como parte de um programa sobre estudo social e cultural da alimentação, envolvendo outros investigadores do ICS e congregando vários projectos de tese

obrigada