1 O QUE SE QUER ENSINAR E APRENDER SOBRE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO DE PESSOAS JOVENS E ADULTAS Resumo Ms. Graziela Del Monaco Orientadora Profa. Dra. Emilia Freitas de Lima Doutorado Linha de Pesquisa Educação Escolar: Teorias e Práticas Esta pesquisa visa propor os conteúdos de ciências a serem incorporados ao currículo de Educação de Jovens e Adultos (EJA) de modo a promover uma formação que seja problematizadora e libertadora. A fundamentação teórica se dará a partir da contextualização da EJA no Brasil, da apresentação dos conceitos de educação, currículo e conteúdos de ciências que embasarão as análises dos resultados. A metodologia utilizada na pesquisa é a abordagem de tipo etnográfica, sendo o campo uma experiência de EJA onde a pesquisadora exerce o papel de coordenadora do projeto, por isso vivencia o cotidiano desta realidade e, sobretudo, contribui com a construção curricular. A partir da análise desta experiência, será proposto um currículo de ciências para EJA de modo que a formação contribua para que as pessoas se tornem mais autônomas, solidárias, críticas (re)criadoras de sua história e individual e coletiva. Palavras-Chave Educação de Jovens e Adultos; Currículo; conteúdos de Ciências.
2 Sugestão de estrutura Introdução Trajetória da pesquisa Questão de pesquisa, objetivos geral e específicos. Metodologia Descrição dos capítulos Capítulo 1. A EJA Capítulo 2. Educação Escolar para a EJA Capítulo 3. O currículo para a EJA Capítulo 4. Conteúdos de ciências para a EJA Considerações finais Referências Anexos Breve delimitação do tema A EJA no Brasil existe para que mulheres e homens tenham acesso à educação escolar, direito negado por muitas gerações. As interrupções na vida escolar ou a sua não frequência se devem, em geral, à necessidade de ingressar precocemente no mundo do trabalho ou na vida adulta de cuidados domésticos. A EJA está relacionada com a (superação da) exclusão social, já que seus sujeitos, em geral, vivem em situação economicamente e/ou socialmente vulnerável. Di Pierro (2010) aponta que ainda é grande o número de pessoas analfabetas e que não concluíram a 8 série do ensino fundamental; ela destaca que o número de matrículas caiu nos últimos anos, o que não significa a falta de demanda e sugere que sejam feitas pesquisas em diversos campos para compreender a realidade da EJA no país e, a partir disso, construir propostas de maior qualidade; indica caminhos investigativos, um deles voltado para as características dos jovens e adultos e para o que influencia suas motivações (DI PIERRO, 2010). Uma possibilidade de investigação a ser desenvolvida são os estudos curriculares voltados para a EJA, nesta pesquisa temos em vista a necessidade que a educação seja voltada para uma formação que contribua para o processo de superação de exclusões. Propomos estudar o currículo de EJA, especificamente os conteúdos de ciências que deveriam compô-lo de modo que as pessoas sejam mais autônomas,
3 críticas, solidárias e que compreendam seu papel na sociedade, para que possam contribuir com a sua transformação. Ao estudar as teorias curriculares se fez necessário demarcar qual educação defendemos. Aqui a educação assume papel no processo de superação de diferentes situações de exclusão, portanto que seja problematizadora e libertadora (FREIRE, 2007b). Problematizadora porque, a partir de diferentes conhecimentos científico e popular, apreendidos de forma crítica, se aprende com profundidade as relações sociais e os fenômenos naturais. Libertadora porque a partir do conhecimento sobre a realidade, mais autônomo, ético e solidário nos tornamos; mais nos movimentamos no mundo de forma a fazermos parte da história, mais podemos agir sobre ele de forma a transformá-lo, ou não apenas ser pela vida levado, alheio ao que acontece a sua volta. Essa educação é possível na medida em que se supere a contradição educadoreducando por meio do diálogo que possibilita o encontro entre diferentes saberes, modos de ver e viver diferentes culturas; possibilita a interação entre esses mundos, tendo como o objetivo comum a aprendizagem (FREIRE, 2007b). Se a educação não é neutra, tampouco é o currículo, já que este pode ser construído a partir dos interesses e disputas que constituem as sociedades. Apple (2006) argumenta que o currículo pode objetivar levar até a escola a proposta uma ideia de sociedade e assim, disseminar entre a população interesses e valores dos grupos que detêm maiores poderes dentro desta. Assim, escola e educação promovem a perpetuação dos interesses destes grupos. Goodson (2001) traça a relação entre currículo e conflito social por meio da discussão acerca da valorização do ensino de música erudita e não da música popular, indicando que é uma forma de levar às pessoas um conhecimento tal para que se tornem apreciadoras de boa música e nos convida a pensar na seguinte pergunta: Que tipo de educação de massa está sendo visado quando o popular é não somente ignorado, mas positivamente desvalorizado? (ibid, p.25). O que se pretende é afirmar que alguns princípios, visões de mundo e valores são mais adequados e isso resulta na dominação de determinados grupos sobre outros. Estes valores chegam à escola por meio do currículo, que entendemos ser um conjunto de forças que influenciam a criação das práticas escolares, ou seja, princípios, diretrizes, interesses, valores que influenciam seus componentes. Sobretudo, este conjunto de forças, que são internas e
4 externas à escola, influencia também as aprendizagens não explícitas, relacionadas às normas e valores que muitas vezes não são intencionais, porém estão presentes na escola por fazerem parte do imaginário naturalizado das pessoas que a constituem. Apple (2006) chama este conjunto de conhecimentos tácitos de currículo oculto. Embora estas forças influenciem as práticas educativas escolares, existe resistência ao modelo de sociedade que determinado currículo tende a formar. A escola se mostra como um espaço em que estas disputas são traçadas e palco de renovações e de transformações e as pessoas fazem com que um currículo prescrito ganhe outros significados materializados nas práticas educativas. Nesta pesquisa discutiremos a dimensão do currículo que diz respeito aos conteúdos escolares. Qual a função dos conteúdos que aprendemos na escola? Dependendo da(s) resposta(s) podem ser indicados diferentes caminhos. Se a função dos conteúdos é contribuir para socialização, em um sentido de adaptação do indivíduo a um determinado sistema, este caminho tende a não levar em consideração os conflitos existentes nas diferentes culturas, o que acarreta na conformação das pessoas a uma ideia hegemônica de sociedade. Outro caminho é aquele em que os conteúdos contribuem para que as pessoas interajam com o mundo e com as outras pessoas de forma mais crítica e, a partir das tensões, novas compreensões e conhecimentos são construídos, portanto, esta interação se torna mais profunda. Freire (2007a) ao falar sobre o aprender que precede o ensinar diz que este processo proporciona que a pessoa se torna cada vez mais entendedora e criadora, e com isso, possa ir além de seus condicionantes (p.25). A aprendizagem dos conteúdos precisa proporcionar uma formação crítica, solidária e que nos torne capazes de criar, de sermos participantes da construção de nossa própria história. Críticas frequentemente presentes em estudos que discutem o currículo da EJA falam a respeito da infantilização, pragmatismo, valorização dos conhecimentos formais em detrimento dos conhecimentos elaborados ao longo da vida. Algumas questões são importantes para orientar os estudos curriculares: O que se ensina? Que tipo de pessoa pretende-se formar? Qual sociedade se quer construir a partir do que é ensinado? Quando as práticas curriculares se voltam para um caminho que infantiliza o adulto, que privilegia o conteúdo útil e que não valoriza o conhecimento popular, como os jovens e adultos sairão da escola? Concluirão os estudos? A escola será um
5 fator que auxiliará os jovens e adultos a superarem condições de exclusão? Ao passarem pela escola terão condições de lutar e contribuir para a construção de uma sociedade mais igualitária e justa e usufruir desta? Compreendemos que as pessoas não são apenas produtos daquilo que vivenciam na escola, porém o seu papel não pode ser subestimado. Seja o currículo proposto pelas instâncias maiores de um país, sejam os conhecimentos, valores, princípios e ações que serão trabalhados nas salas de aula e em todos os espaços da escola, estes elementos em conjunto contribuem para uma determinada constituição do indivíduo e isso influencia sua ação em sociedade. O documento resultante da VI CONFINTEA (BRASIL, 2010) indica caminhos político-pedagógicos que julgamos ser centrais para a construção de um currículos especifico para a EJA: direito à educação, escolarização como meio de concretização da cidadania e diversidade. Consideramos que os conteúdos que compõem o currículo influenciam na formação dos indivíduos e deveriam possibilitar que as pessoas transcendam as condições às quais estão submetidas de modo a se tornarem mais autônomas, solidárias, críticas (re)criadoras de sua história e individual e coletiva. Especificamente os conteúdos de ciências, um de seus elementos fundamentais é a ideia de que a ciência faz parte da diversidade de saberes construídos pela humanidade e, portanto, é necessário abordá-la no conjunto dos outros produzidos na história. Isso pode levar à compreensão da ciência como algo que se desenvolve a partir das tensões que se estabelecem entre os conhecimentos. A valorização dos conhecimentos construídos ao longo da vida acontece a partir da interação entre estes e o conhecimento escolar. O ponto de partida pertinente quando se pretende esta aproximação é questionar por que a ciência foi criada e vem sendo construída; que ela existe para compreender o mundo físico e social, e como os outros saberes, é a representação dos fenômenos naturais, do ser humano como indivíduo e sua relação em sociedade; se (re)cria de formas diferentes em busca de respostas sobre a vida, a existência, as relações humanas, sobre aquilo que não vemos, mas sentimos e cuja existência imaginamos. A ciência se diferencia dos outros saberes, sobretudo, nas relações de poder que são estabelecidas pela parcela da sociedade que detém o seu processo e a compreensão da sua linguagem, sobre aqueles
6 que não a detêm. Para desenvolver uma visão crítica é importante oportunizar a compreensão de que a ciência não existe apenas para melhorar a interação das pessoas entre si e com a natureza, mas que ela se estabeleceu como meio de conhecer para dominar a natureza e a sociedade. Pode ser explorado como a ciência está vinculada às tecnologias e aos produtos desta interação em diferentes setores da sociedade e apresentar a tecnologia criada a partir dos saberes populares, como as tecnologias sociais. É necessário aproximar a ciência ao mundo do jovem e do adulto a partir dos elementos que envolvem a sua construção: compreender que a ciência é um saber em constante desenvolvimento; que é elaborada por homens e mulheres e por isso está condicionada a visões de mundo referentes à sociedade da qual fazem parte, portanto estes valores influenciam nas escolhas e, consequentemente, no processo de produção de conhecimentos científicos. A ciência é passível de erros, de mudanças, de falhas, de interesses, como qualquer outro saber, isso facilita a sua apropriação, pois o torna algo visto como concreto e não transcendental. Muitas vezes os estudantes se distanciam do conhecimento cientifico por não compreenderem sua linguagem e seus códigos, por não ser mostrado que esta é uma forma de representação da realidade com suas especificidades. Os currículos de EJA poderiam levar às escolas a produção de conhecimento científico resultante da interação entre a ciência e outros saberes, como os populares, que dão origem à etnociência, é uma forma de valorizar a diversidade cultural e os conhecimentos construídos ao longo da vida também a possibilidade de facilitar a compreensão da linguagem cientifica. Propomos que seja feita a interação entre os saberes populares sobre os fenômenos naturais e os conhecimentos científicos tendo como ponto de partida dos conteúdos situações e fenômenos conhecidos pelos estudantes e o aprofundamento do conteúdo se dá pela a explicação científica sobre o fenômeno. Os conteúdos serão compreendidos a partir dos sentidos, ou seja, pela audição, pelo tato, pelo paladar e pela visão, para então ser estabelecida a relação entre o fenômeno natural percebido, explicado pelo saber desta experiência perceptiva e como ele é interpretado pela ciência.
7 A escolha do conteúdo, em geral, considera os estudantes como pessoas que não têm comportamentos adequados em relação a uma determinada problemática, como a saúde e o ambiente. Ao contrário disso, estes são temas que podem ser considerados como direitos a serem usufruídos e por isso a necessidade do domínio de conhecimentos científicos. Estes conteúdos se mostram atrativos e são propícios a serem temas que permitem realizar outras relações entre os conhecimentos que já possuem e os trazidos pela escola. Freire (1978) propôs o levantamento de Temas Geradores como meio para a alfabetização, pensamos que o mesmo possa ser feito para os conteúdos de ciências. Quaisquer que sejam as escolhas de conteúdos para a constituição do currículo de ciências para a EJA, o diálogo com os estudantes é essencial, pois a partir desta interação é possível conhecer o que sabem sobre o conteúdo, quais suas expectativas de aprendizagem, qual o sentido da escola para a vida. Desta forma cria-se uma educação que respeita a diversidade cultural, os saberes e as experiências acumulados ao longo da vida, que possibilite problematizar a realidade e construir a liberdade. Objetivos Geral Contribuir com as discussões sobre quais conteúdos de ciências poderiam compor o currículo de educação de jovens e adultos que promova uma formação problematizadora e libertadora a partir de uma experiência no 2º segmento do ensino fundamental. Específicos: Analisar uma experiência de EJA do ponto de vista dos objetivos educacionais e do currículo; Identificar elementos do conhecimento de ciências que vão ao encontro a formação que seja problematizadora e libertadora; Analisar, dialogar e refletir sobre estes conhecimentos de modo que possa ser proposto um currículo para EJA voltado a formação problematizadora e libertadora. Metodologia e Procedimentos A pesquisa está sendo desenvolvida em uma abordagem de tipo etnográfica e tem como campo de estudo a experiência das salas de Educação de Jovens e Adultos criada aos Servidores Públicos da Universidade Federal de São Carlos, onde investigamos as turmas do 2º Segmento do Ensino Fundamental. A pesquisadora é
8 coordenadora do projeto e convive com professores/as, monitores/as e os/as estudantes desde o 2º semestre de 2010. Até este momento, como coordenadora é possível entender as relações entre professores/as e estudantes, as dificuldades em relação às especificidades da EJA: adultos que estão fora da escola por um período superior a 30 anos; os medos do retorno à escola; a descoberta de que a escola pode ser diferente; a compreensão sobre a diversidade e o desafio de vivenciá-la em sala de aula; a seleção de conteúdos a serem trabalhados em um curto período de tempo; o valor social da escola. O foco principal desta pesquisa é propor, dentro do currículo quais conteúdos de ciências possibilitam que a educação seja problematizadora e libertadora de modo a contribuir para a superação de condições de exclusão. Para isso analisaremos a experiência vivida em que, sendo a pesquisadora a coordenadora do projeto, tem a possibilidade de contribuir com a construção do currículo voltado para a ideia de educação aqui defendida e também contribuir com a escolha de quais conteúdos de ciência contribuem para tal finalidade. Esse processo se dará junto com os/as professores/as e os/as estudantes. Resultados esperados A partir de observações, diálogos com os envolvidos, entrevistas, análise das produções de estudantes e professores será possível analisar o a experiência de EJA na dimensão de seu currículo. Dentro deste contexto, será dedicada atenção especial às aulas de ciências para que sejam analisados os conteúdos que foram trabalhados ao longo do processo. Espera-se com essa análise, que surge a partir da experiência concreta, propor um currículo de ciências para EJA, voltado a uma formação que contribua para superação de exclusões. Referências. APPLE, M. W. Ideologia e Currículo. 3ª. Edição. Artmed. São Paulo. 2006. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Documento Nacional Preparatório à VI Conferência Internacional de Educação de Adultos (VI CONFINTEA). Brasília DF. 2009. 112 p. DI PIERRO, M. C.. Balanço e desafios das políticas públicas de educação de jovens e adultos no Brasil. Coleção didática e prática de ensino. 2010. p. 27 43.
9 FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 8ª. Edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1978. 158 p.. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Editora Paz e Terra. 35ª. Edição. 2007a. 146 p.. Pedagogia do Oprimido. Editora Paz e Terra. 46ª. Edição. 2007b GOODSON, I.F. Currículo: teoria e história. 4ª. Edição. Editora Vozes. Petrópolis. 2001. 140 p.