ISSN: LARRY LAUDAN E A CRÍTICA DO RELATIVISMO. A METAFÍSICA COMO TRADIÇÃO DE PESQUISA

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Transcrição:

LARRY LAUDAN E A CRÍTICA DO RELATIVISMO. A METAFÍSICA COMO TRADIÇÃO DE PESQUISA Clênia Andrade Oliveira de Melo (UESB) RESUMO Este artigo tem por objetivo mostrar a importância que a Filosofia exerce no Ensino das Ciências, principalmente na Matemática, quando tento aproximar o conceito de tradição de pesquisa do de metafísica. Começo com a definição de termos importantes da filosofia até chegar às controvérsias de Larry Laudan sobre ciência e relativismo. Foi neste filósofo contemporâneo, junto com a corrente pragmatista, que busquei apoio teórico. A metodologia utilizada será de uma leitura critica dos textos de Larry Laudan, para, então, retirar de suas teses a comprovação racional da identidade entre metafísica e tradição de pesquisa. PALAVRAS- CHAVE: Ensino das Ciências, Tradição de Pesquisa, Metafísica. INTRODUÇÃO Levanto a questão de que a tradição de pesquisa, que é defendida por Laudan, nada mais é do que Metafísica e Filosofia da Ciência. Para realização do sonho de estudar filosofia, busquei apoio teórico em Larry Laudan e na corrente pragmatista. Mestre em Matemática Pura (UFBA) Professora Assistente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). E- mail: clenia_andrade@yahoo.com.br 1737

Para construção de meu objeto de investigação pretendo, fazer uma pesquisa em correntes atuais da Filosofia da Ciência e em teóricos como Thomas Khun, K. Popper, Paul K. Feyerabend e Lakatos e elaborar uma critica ao relativismo, o que creio ser de real valor para as investigações cientificas, tanto no âmbito da tradição da pesquisa como fora dela. Larry Laudan, importante filósofo da ciência contemporânea, de linha predominantemente pragmatista em seu livro: Ciência e Relativismo controvérsias chave em filosofia da ciência (1990) traz um diálogo fictício entre representantes do que ele entende tratar- se das principais tendências contemporâneas em filosofia da ciência, a saber, as tendências relativista, positivista, realista e pragmatista. O diálogo tem como foco alguns dos problemas mais relevantes para a filosofia da ciência contemporânea, partindo quase sempre de uma perspectiva relativista para construir, em seguida, a crítica do ponto de vista das outras perspectivas. Apresento a guisa de uma introdução, os pontos mais importantes desse debate, para em seguida localizar os contornos de minha problemática. De inicio, definirei alguns termos como relativismo e pragmatismo. Conforme Abbagnano (2003), Relativismo é a doutrina que afirma a relatividade do conhecimento; como ação condicionante do sujeito sobre seus objetos de conhecimento e como ação condicionante recíproca dos objetos de conhecimento. Fora do positivismo, o relativismo foi aceito por algumas correntes do neocriticismo e do pragmatismo. O termo pragmatismo foi introduzido na filosofia em 1898 por W. James, referindo a doutrina de G. Peirce em seu ensaio do ano 1878 intitulado Como tornar claras nossas idéias que consiste em uma doutrina experimentalista. Passarei então às controvérsias de Laudan sobre ciência e relativismo. 1738

Progresso e acumulacionismo Na perspectiva positivista, há progresso na ciência e este se dá cumulativamente, ou seja, quando uma teoria posterior T2 é capaz de explicar e predizer mais do que a teoria anterior T1. Além disso, é necessário que T2 seja mais geral do que T1, apresentando todas as suas conseqüências e outras adicionais. Isto, para os positivistas, pode ser verificado antes mesmo de serem realizados testes empíricos com a nova teoria, pela simples análise lógica das teorias envolvidas, pois T2 é tida como conseqüência lógica de T1, que é considerada caso limite de T2. Esta última condição é tida como necessária, mas não suficiente para definir se houve ou não progresso. É também necessário que T2 seja mais bem confirmada do que T1 e que a corrija, mantendo apenas as leis que não foram desacreditadas pelos testes e acrescentando novas. Nessa concepção positivista, progresso é tido como sucesso demonstrado. A crítica relativista argumenta que essa posição suporta uma visão que envolve acumulação histórica, mas que essa acumulação não corresponde à realidade, pois não é verdade que T2 seja uma conseqüência lógica de T1, nem que T1 seja um caso limite de T2 (considere, por exemplo, T1 como a física newtoniana e T2 como a física de Einstein). Além disso, para os relativistas, T2 não preserva o poder explicativo de T1, pois pode haver perdas explicativas de T1 para T2. Não havendo acumulação, o relativismo conclui não haver, conseqüentemente, progresso. A posição pragmatista sobre o progresso está de acordo com todas as objeções anteriores dos relativistas, discordando apenas da conclusão. Ou seja, do fato de não haver acumulação no desenrolar histórico do conhecimento científico não se conclui necessariamente, segundo a posição pragmatista, que não há progresso. A pergunta a ser feita aqui é a seguinte: será a acumulação uma 1739

condição necessária para que haja progresso? A resposta do relativista é afirmativa 253, enquanto a do pragmatista é negativa. Para este, pode haver acumulação parcial, já que há ganhos e perdas cognitivas no desenvolvimento científico. Na visão pragmatista, na realidade, progresso é concebido em relação a fins predeterminados, como movimento na direção da realização desses fins. O fim último da ciência, nessa perspectiva, é produzir teorias cada vez mais confiáveis, ou seja, teorias capazes de resistir aos testes. Assim, para haver progresso, T2 precisa passar por testes pelos quais T1 não passou, mas não apenas por uma quantidade maior de testes (pois há perdas explicativas de T1 para T2, podendo ser que T1 eventualmente passe por mais testes do que T2, até por ser mais antiga), como também por testes mais rigorosos. Para não haver progresso, é necessário que haja perda nos testes (ou instâncias de justificação) e não apenas nas instâncias de explicação. Como se nota, o teste é elemento central na concepção pragmatista de ciência, de modo que as teorias não são julgadas pela capacidade de resolver qualquer tipo de problema, mas de resolver problemas relativos aos testes. Para a concepção realista (Popper incluído nessa categoria), a ciência progride pela substituição contínua de teorias falseadas por outras corroboradas pelos testes, de modo a cercar a verdade (ou aquilo que se parece com ela, a verossimilhança) cada vez mais de perto, mesmo que se admita nunca atingi- la. Carga teórica e subdeterminação Vimos anteriormente a importância atribuída pelos pragmatistas aos testes das teorias. Na perspectiva relativista, entretanto, esses testes não são possíveis 253 Note- se que, para Thomas Kuhn (rotulado muitas vezes de relativista), há progresso por acumulação dentro da ciência normal. 1740

por várias razões. Primeiramente, os testes baseiam- se em regras e métodos que são convencionais. Se fosse possível o teste, este não se limitaria às teorias e hipóteses isoladamente, mas abordá- las- ia em grupo, como partes de sistemas maiores de crenças (concepção holista da ciência). Além disso, as regras metodológicas são ambíguas e subdeterminam (ou seja, não são suficientes para determinar) a escolha (teste) de teorias, pois não definem com clareza como e quando uma evidência empírica terá valor para esta ou aquela teoria. Some- se a isso o fato de a observação da evidência empírica estar contaminada por teoria (impregnação teórica da observação) e depender de uma série de fatores complicadores, como a linguagem, nosso mapa conceitual e sistema de significações, interesses técnicos e práticos e estrutura neurogenética do cientista. Sendo assim, o conhecimento científico, por basear- se em observações com estatuto epistêmico discutível, é tido como empreendimento falho. A idéia básica é a de que, se as evidências são contaminadas por teorias e se essas teorias estão quase sempre erradas, então assim também estarão as evidências. O pragmatista responde a essa argumentação lembrando que cada teoria é formada por várias hipóteses e, se a teoria for falseada, não há como localizar o erro por não ser possível identificar a(s) hipótese(s) problemática(s). Sendo assim, nem sempre as observações (que são impregnadas de teoria) serão falsas por se basearem em teorias provavelmente falsas. Segundo essa postura, é necessária distinguir as instâncias positivas (conseqüências empíricas da teoria que são verdadeiras) das instâncias confirmatórias (que apóiam ou confirmam a teoria). Nem tudo que é uma instância positiva de uma teoria a apóia, ou seja, é uma instância confirmatória. Por exemplo, se considero a teoria T, que diz: Se tomo aspirina, curo a dor de cabeça e em seguida faço a observação O: Cinquenta pessoas tomaram aspirina e se curaram, nessa situação, O é instância positiva de T, mas não confirma T, ou seja, não testa T. Portanto, não é boa evidência, já que a 1741

evidência relevante à ciência provém apenas de testes. Só o que põe T à prova é evidência válida. Assim, outra distinção se faz necessária: considerar, de um lado, que duas teorias têm adequação empírica equivalente (ou seja, têm as mesmas consequências empíricas) e, de outro, que duas teorias são empiricamente equivalentes (ou seja, que são igualmente bem confirmadas pelos testes). A tese da subdeterminação das teorias pelos dados empíricos e pelos testes, do modo como é apresentada pelos relativistas, diz apenas que duas teorias iguais podem ter mesma adequação empírica, mas não que são empiricamente equivalentes (igualmente comprovadas por testes). Sendo assim, tal tese não leva necessariamente ao ceticismo (que é a conclusão relativista), ou seja, à convicção de que o conhecimento através das observações empíricas não é possível por não ser confiável. A tese da subdeterminação, bem como a da impregnação teórica das observações, é aceita por todos, mas apenas a perspectiva relativista leva ao ceticismo. No caso específico da visão realista, a observação empírica não é tida como convencional, embora possa ser descrita e elaborada em termos convencionais através do uso, por exemplo, da linguagem da física ou da matemática. Tem, portanto, valor de verdade ou de falsidade. Quanto aos testes das teorias, estes envolvem regras. Se T2 satisfaz essas regras melhor do que T1 temos boas razões para aceitar T2, mesmo que as regras sejam convencionais. Para o realista, a teoria é, em última análise, o núcleo epistêmico (ou seja, o centro das atenções do conhecimento científico) e não os fatos ou a observação dos fatos. A teoria pode até mesmo corrigir a observação. Assim, as teses relativistas não representam aqui ameaça. Outra maneira de apresentar a tese da subdeterminação das teorias pelos dados empíricos e pelos testes, ao modo relativista, considera que (1) não podemos ver tudo, ter acesso infinito aos dados observacionais e que (2) mesmo 1742

que o tivéssemos, mesmo que tivéssemos um olho divino, ainda assim haveria muitas teorias incompatíveis entre si, mas compatíveis com os dados, capazes de dar conta igualmente dos fenômenos. Por exemplo, posso explicar a existência de seres humanos no planeta utilizando tanto a teoria criacionista quanto a da evolução bioquímica seguida pela darwiniana. Essas teorias, apesar de incompatíveis entre si, são perfeitamente compatíveis com a experiência, independentemente de serem verdadeiras ou falsas. A crítica feita a esta tese relativista pelas outras vertentes afirma que ser compatível com os dados não é a mesma coisa que ser conseqüência lógica das declarações feitas a partir deles e muito menos que ser justificado ou confirmado por eles (através dos testes). Finalmente, os relativistas distinguem o que chamam de relativismo forte de um relativismo fraco. Este último ninguém discute, pois afirma o óbvio: em alguns casos seria possível fazer a escolha entre teorias rivais. Para isso, seria necessário tanto admitir que haja um critério neutro e atemporal para fazer as decisões quanto aceitar as evidências, o que os relativistas não estão dispostos a fazer. Na versão forte do relativismo, nunca se aceita que os dados empíricos sejam suficientes para apoiar ou falsear uma teoria. A escolha de teoria é, nesta perspectiva, convencional, pessoal e relativa às idiossincrasias do cientista e ao contexto em que a escolha é realizada. A objeção geral a este argumento afirma que não é necessário provar ou confirmar uma teoria para aceitá- la nem falseá- la para rejeitá- la. Muitas vezes (se não sempre), teorias cuja verdade ou falsidade desconhecemos prestam- se muito bem para explicar e controlar fenômenos da natureza. O mesmo pode acontecer com relação à rejeição de teorias que não têm se mostrado férteis, mesmo que não tenham ainda sido falseadas. Todas as posturas filosóficas em questão são, na verdade, falibilistas (têm consciência de que o empreendimento científico é falho) 1743

e sabem que a simples lógica dedutiva (como mostraram Hume para a confirmação e Duhem para o falseamento) não é suficiente para fazer ciência natural. Conclusão Substituindo os paradigmas de Kuhn e os programas de pesquisa de Lakatos pela idéia de tradição de pesquisa, que é um conceito muito mais elástico, ele define tradição de pesquisa como sendo um conjunto de questões gerais relativas às entidades e aos processos presentes em certo domínio de estudo e os métodos apropriados que se devem usar para investigar os problemas e construir as teorias em tal domínio. Aproximar o conceito de tradição de pesquisa do de metafísica, esclareceria e evidenciaria a relação entre Filosofia e Ciência, contribuindo para o debate em Filosofia das Ciências. REFERÊNCIAS ABBAGNANNO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. HANSON, N. R. Patterns of Discovery: Inquiry into the conceptual foundations of science. Cambridge: Cambridge University Press, 1958. HORGAN, J. O fim da ciência: uma discussão sobre os limites do conhecimento científico. São Paulo: Companhia das Letras. 1998. KNELLER, G. F. A ciência como atividade humana. São Paulo: EDUSP/ Zahar, 1980. LAUDAN, L. Science and relativism: some key controversies in the philosophy of science. Chicago: The University of Chicago Press, 1990. LOSEE, J. Introdução histórica à filosofia da ciência. Rio de Janeiro: Zahar. 1980. MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. NAGEL, E. La estructura de la ciencia. Barcelona: Paidos, 2006. POPPER, Karl. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Tradução Milton Amado. São Paulo: USP; Itatiaia, 1975. 1744

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