EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO DE CIÊNCIAS: O QUE PENSAM OS PROFESSORES? RESUMO



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EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO DE CIÊNCIAS: O QUE PENSAM OS PROFESSORES? Anelize Pires Reynozo da Silva (UNIRIO) Sheila Karla Azevedo Paniagua (UNIRIO) Maria Auxiliadora Delgado Machado (UNIRIO) RESUMO O ensino de Ciências se constitui como uma das possibilidades de promover o desenvolvimento integral da criança na fase da educação infantil. Entretanto, esse conhecimento vem sendo relegado em detrimento de outros saberes, e quando de fato ocorre, tende a permanecer no campo do perceptível e concreto. Nessa perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo principal apresentar o que pensam os professores de educação infantil quando o assunto é Ciências para crianças com idade compreendida entre 04 e 05 anos. Para o alcance de tal objetivo, essa investigação tem como instrumentos metodológicos a entrevista semiestruturada e a análise dos dados, sendo esses submetidos ao processo de tratamento baseado na Análise de Conteúdo de Laurence Bardin, com o apoio das ferramentas do Software Atlas TI. A partir das análises realizadas, foi possível observar que os saberes pedagógicos apresentam o ensino de Ciências nesse nível escolar, no campo do concreto, e, consequentemente, vem priorizando os conteúdos/temas que envolvem as questões ambientais e os conceitos de biologia. Palavras-chaves: Ensino de Ciências. Educação Infantil. Discursos Docentes.

INTRODUÇÃO Esta pesquisa foi realizada com o intuito de investigar o que pensam os professores de educação infantil a respeito do ensino de Ciências com crianças nessa faixa etária (04-05 anos). Na intenção de alcançar o objetivo proposto, realizou-se uma entrevista semiestruturada com um grupo de 08 (oito) professoras de diferentes escolas e que trabalham com essa etapa escolar. Parafraseando Arce, Silva e Varotto (2011) o termo Ciência é entendido como uma busca ativa e duradoura de novos conhecimentos, e nessa perspectiva, o ensino de Ciências pode ser designado como um campo de conhecimento e um conjunto de atividades que oferecem uma visão do mundo real e o desenvolvimento de habilidades de raciocínio desde a mais tenra idade. No mesmo entendimento, Silva (2006) considera que desde criança, buscamos explicações adequadas aos fenômenos que ocorrem no nosso cotidiano, possuímos uma curiosidade intensa, uma espécie de espírito investigativo natural. Muitos pesquisadores (ARCE, 2011; FUMAGALLI, 1998; COLINVAUX, 2004) da área do ensino de Ciências apontam que o ensino deve iniciar-se nas primeiras séries porque nesse período da vida o ser humano está bastante interessado em explorar e descobrir fatos do dia-adia, e as crianças podem ir além da observação e descrição dos fatos. Nesse sentido, o ambiente que faz parte do entorno da criança constitui-se de oportunidade para o desenvolvimento dessa forma de conhecimento, porém, na visão de Silva (2003), o ensino dessa área na educação infantil não pode caracterizar-se por simplista e, nem tão pouco incipiente. No entanto, oportunizar um ensino de Ciências que ultrapasse a barreira do concreto e do diretamente perceptível ao aluno de educação infantil, vem exigindo que o professor cada vez mais incorpore o pensar cientifico em suas atividades, já que os conhecimentos científicos tem sua origem na construção humana, e não são adquiridos à medida que a criança cresce apenas estando no mundo, necessitam ser compartilhados, ensinados, mediados e construídos, desde a mais tenra idade, de forma a enriquecer a experiência da criança, potencializando assim sua atividade criadora. O ENSINO DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: BUSCANDO UM SENTIDO PARA ALÉM DAS EVIDÊNCIAS

Muitas são, ainda, as discussões em torno dessa temática, a função do ensino de Ciências para esse nível escolar. Assim, há pesquisadores favoráveis 1 a esse processo, porém existem aqueles que temem a disciplinarização precoce desse espaço. Nesse sentido, de uma maneira geral, os autores defendem o ensino de Ciências nessa faixa etária, afirmando que este consiste em nada mais que a exploração do mundo real pela criança. As autoras Arce e Jacomeli (2012), em seu livro Educação Infantil versus Educação Escolar, defendem o caráter escolar desde a educação infantil, o que na sua visão não significa instituir uma grade de matérias, mas sim um conjunto de atividades nucleares, intencionalmente planejadas e sistematicamente desenvolvidas, de acordo com as características da faixa etária e com as necessidades e condições concretas das crianças às quais se destinam (JACOMELI; ARCE, 2011). O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (BRASIL, 1998) não se utiliza da expressão ensino de Ciências, porém explora essa forma de conhecimento através de seu Eixo de Trabalho: Natureza e Sociedade. Para o RCNEI (BRASIL, 1998) os conhecimentos derivados das Ciências Humanas e Naturais devem ser voltados para a ampliação das experiências das crianças e para a construção de conhecimentos diversificados sobre o meio social e natural. Considerando o documento acima, é relevante trazer ao palco da discussão o físico israelense Eshach (2006) citado por Arce, Silva e Varotto (2011). O referido autor apresenta alguns estudos que demonstram que as crianças pequenas podem levantar hipóteses por experimentação, argumentar, analisar dados e deduzir conclusões, comprovando evidências. Com isso, podemos entender de forma mais clara que a introdução de conceitos e do raciocínio científicos pode beneficiar o aprendizado imediato e futuro das crianças da educação infantil, sendo, ainda, portanto, uma premissa essencial para que o professor se engaje nesta empreitada e requer a revisão dos currículos que tanto enfatizam o concreto. Entretanto, Eshach (2006) não nega a importância de o professor trabalhar o concreto observável e perceptível, já que este faz parte da educação infantil. No entanto, ao professor cabe também estimular a criança a enxergar um horizonte mais amplo, 1 Ver Arce (2011) e Martins (2012).

tendo em vista que o desenvolvimento infantil necessita de atividades que vão além da dimensão do concreto. As pesquisas apontadas por Puche-Navarro (2000, 2003, apud COLINVAUX, 2004) afirmam que o contato das crianças com a Ciência é importante e desejável para essa faixa etária (crianças de 04-05 anos). Essa Ciência praticada na educação infantil, deve se compor na investigação do mundo que está ao redor da criança, tendo em vista que quase todas fazem Ciência, em diversos ambientes e na maior parte do tempo, experimentando esse mundo circundante e criando representações mentais do que vivenciaram na investigação do dia-a-dia. Nesse pensamento, Colinvaux (2004) avança no entendimento de que é um equívoco afirmar que a criança é concreta 2. Para essa autora é necessário discutir a afirmação comumente ouvida entre adultos em geral e, mais especificamente, entre educadores e cientistas, de que as crianças pequenas não demonstram capacidade de abstração, e por isso, as atividades escolares devem envolver materiais concretos, reservando-se o trabalho com ideias, noções, princípios-materiais abstratos para os adolescentes. Em revisão aos estudos de Puche-Navarro (2000, 2003), os seus colaboradores Molares e Bustamante (2000 apud COLINVAUX, 2004) mostram que as ferramentas científicas apontadas pelos estudos sobre bebês e crianças pequenas, de menos de 07(sete) anos, incluem desde a capacidade para realizar inferências até a classificação e/ou categorização conceitual, incluindo temas como previsão e planejamento, manejo e processos de comprovação de hipóteses.. Explorar o ensino de Ciências com crianças nessa faixa etária é trabalhar com uma das suas principais motivações: a curiosidade pelo mundo e pelos homens. Na verdade, a criança pequena está a iniciar sua jornada em nosso mundo e a ela tudo encanta. Para ela, tudo que há no mundo está no campo da novidade e sua curiosidade é a vontade de compreender, de conhecer o que a cerca. Quando ensinamos Ciências, ajudamos a criança a construir sentidos sobre o mundo natural e social, possibilitamos ir além do perceptível e, mesmo, enxergar a infinidade de nuances que este possui. 2 A expressão criança concreta foi utilizada como crítica pela autora Dominique Colinvaux (2004, p. 107).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A presente investigação buscou compreender o que pensam os professores de educação infantil sobre o ensino de Ciências para esse nível de ensino. Participaram como sujeitos da pesquisa oito professoras 3, de diferentes escolas 4, regentes de turmas que atuam na educação infantil e desenvolvem um trabalho de Ciências com crianças em situação escolar e com idade compreendida entre 04-05 anos. Para alcançar o objetivo proposto, a pesquisa apresentou como instrumentos, a entrevista semiestruturada e a análise de dados, sendo a primeira elaborada com um total de 07 (sete) questões, porém no âmbito desse trabalho, apenas as 03 (três) que seguem foram consideradas como dados de análise: 1. Você pode relatar alguma aula de Ciências que tenha sido marcante para você e sua turma de educação infantil? Como se deu esse processo? 2. Que conteúdos/temas em Ciências você trabalha e/ou trabalharia com seus alunos de educação infantil (crianças de 04-05 anos)? E por que esses conteúdos/temas? 3. Que conteúdos/temas em Ciências você não trabalha e/ou trabalharia com seus alunos de educação infantil (crianças de 04-05 anos)? E por que não? O encaminhamento metodológico percorreu o campo da análise de conteúdo, tomando por base referencial a literatura de Bardin (2009). Segundo a autora, tal análise deve ter como ponto de partida uma organização, e assim, se constitui em três fases fundamentais: a pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Com o objetivo de auxiliar no processo de categorização das falas dos sujeitos da pesquisa, se utilizou das ferramentas do software Atlas TI como suporte metodológico, no intuito de facilitar na organização e registro, possibilitando o acompanhamento dos mesmos, contribuindo, assim, para a confiabilidade do estudo. ANÁLISE DOS RESULTADOS: A VOZ DOS PROFESSORES 3 As professoras são representadas pelas letras: D, M1, M2, A, S, F, J1, J2. 4 As escolas são representadas pelas letras: E1,E2,E3,E4,E5.

O mapa conceitual que segue vem representar os discursos encontrados nos 03 (três) pontos da entrevista 5. Através das falas dos docentes foi possível identificar 08 (oito) categorias, porém para fins de análise desse recorte, apenas 04 (quatro) delas serão levadas em consideração. Imagem 1 Ensino de Ciências no discurso dos docentes Fonte: Elaborado pelo software Atlas TI com base nos dados da pesquisa. Os relatos dos sujeitos da pesquisa vêm apresentar a categoria Abstrato como obstáculo como a mais recorrente entre as falas. A categoria apareceu um total de 15 (quinze) vezes e esteve presente no discurso de 07 (sete) professoras, das 08 (oito) entrevistadas. Pelo menos uma vez, esses docentes apresentaram, em um dos três pontos do roteiro, o abstrato como um obstáculo. A categoria também se repete quando os entrevistados são instigados a falar sobre os temas/conteúdos que são vistos como possíveis e não possíveis de desenvolvimento com as turmas de educação infantil. Os relatos que estão transcritos abaixo são os que melhor representam o já expresso. São todos temas que os alunos dessa idade têm capacidade de compreender, já que podem vivenciar, tocar. A abstração nessa idade não tem a menor condição (F). Devem ser postos conteúdos que o aluno possa vivenciar, pegar... E acho que a maturação dessa idade precisa do estar próximo, do fazer a coisa acontecer para aprender. Eles aprendem mais rápido. O contato é mais fácil que pegar um livro e ler pra eles. Na verdade, conhecimento não é muito sistematizado. Tem papel, mas primeiro é no concreto (M2). 5 Perguntas referentes à prática dos professores em Ciências, aos conteúdos/temas trabalhados e aos conteúdos/temas não trabalhados.

Eu trabalharia tudo, menos aqueles que eles não podem vivenciar [...]por exemplo, astronomia não trabalharia porque para idade deles não é sugestivo [...] Está muito distante deles ainda. (M2). Diante dos relatos transcritos, é possível perceber que as professoras entrevistadas, em sua maioria, ao falarem de suas práticas se deixam envolver pelo pensamento, ainda muito comum entre os educadores, de que o abstrato não deve permear o campo da educação infantil, e isso não se faz diferente quando o assunto é Ciências. Sobre essas falas, ainda, são relevantes tecer algumas considerações. A primeira delas é a fala da professora (M2), em que encontramos dois pontos que são importantes de serem explorados nesse trabalho. A mesma, ao falar um pouco de algumas práticas que envolvem o ensino de Ciências no seu cotidiano escolar, apresenta que a criança nessa idade precisa do estar próximo e do contato com o seu objeto de estudo. Em seguida e ratificando a sua posição defendida anteriormente, vem apresentar a astronomia como uma temática não viável ao nível da educação infantil, já que no seu ponto de vista, está muito distante deles ainda (M2). Observem que, para essa docente, os temas trabalhados em Ciências necessitam manter uma relação de contato e proximidade com o aluno e como justificativa, se utiliza do seu entendimento, de que as crianças dessa faixa etária não apresentam maturidade para aprender conteúdos que fogem a essa lógica. Através desses relatos, é possível depreender que não há uma compreensão, por parte das professoras, de que o ensino de Ciências pode ser pautado, também, em experiências alheias e que isso pode representar um ganho para o desenvolvimento integral do indivíduo, já que, na medida em que a criança imagina o que não vê e tomando por base a simples descrição alheia, com a ajuda da imaginação, pode distanciar-se dos seus limites, não se restringindo ao estreito círculo de sua própria experiência. Outra categoria também associada à ideia do abstrato como obstáculo é a Linguagem como obstáculo. Essa categoria se faz presente na fala de duas professoras. A linguagem apontada como um obstáculo ao desenvolvimento de algumas temáticas em Ciências emergiu dos temas/conteúdos revelados pelos sujeitos da pesquisa como não trabalhados por eles com seus alunos da educação infantil.

O que vem melhor expressar essa categoria é o discurso da professora (A), ao falar de alguns assuntos em Ciências que considera não viáveis para desenvolver com crianças nesse nível escolar. A mesma declara que, [...] você tem experiências na física, química... tem experiências enormes para você explicar a Ciência, mas se não for uma experiências que seja na linguagem deles, de fácil entendimento, nenhum conteúdo na verdade vai ser possível (A). Percebe-se que a linguagem aparece como um obstáculo ao desenvolvimento de alguns assuntos em Ciências na fala dessa docente. Sobre essa questão, o físico israelense Eshach (2006) citado por Arce, Silva e Varotto (2011) infere que o uso da linguagem cientificamente culta na infância influencia o desenvolvimento eventual dos conceitos científicos. Assim, as crianças podem entendê-los e raciocinar cientificamente, mostrando que a Ciência é um meio eficiente para desenvolver o pensamento científico. Tendo então a clareza dessas questões, pode-se afirmar que é um equívoco pensar que na educação de crianças pequenas deve se encorajar apenas a linguagem cotidiana e seus conhecimentos prévios, evitando e preservando a introdução de conceitos e deixando a linguagem científica para o futuro. Na percepção de Arce, Silva e Varotto (2011), o papel do professor e da linguagem deve ser o de ampliar, enriquecer e dirigir a gama de experiências da criança, e projetar novos caminhos para elaboração e criação de novos conhecimentos, e não poupá-los e limitá-los. Assim, diante desses obstáculos apresentados pelas professoras, os temas/conteúdos em Ciências mais trabalhados, segundo as declarações, pertencem aos conceitos ligados à biologia e às questões ambientais, como por exemplo, água, animais, frutas, corpo humano, horta, cuidados com a natureza de forma geral, lixo e órgãos dos sentidos. Essas temáticas, na visão dos docentes estão próximas da realidade e vivência dos alunos e fazem parte do seu universo perceptível, ou seja, eles podem tocar, podem ver e vivenciar. Os quadros abaixo melhor representam a predominância desses conceitos no discurso dos professores. Quadro 1 Conteúdos de Ciências trabalhados pelos docentes Temas/Conteúdos Água Justificativas utilizadas pelos professores Considerado um tema fácil por ser concreto, por fazer parte do dia-adia dos alunos.

Animais visíveis a olho nu e através de microscópio Atividades/experiências Poluição, terra e chuva. Questões ligadas ao meio ambiente Cores/Misturas Evaporação Fonte: Elaboração própria. Just.1: Os alunos da educação infantil aprendem quando estão vendo. Just.2: As crianças nessa faixa etária se interessam pelo tema. Just.3: Tema próximo à realidade da criança. Just.4: Tema que as crianças têm capacidade de aprender, já que podem tocar e vivenciar. Os alunos nessa faixa etária aprendem na prática. A prática atrai a atenção deles e algo muito oral não é visto como interessante para criança. Temas que instigam as crianças. Just. 1 Tema próximo à realidade da criança. Just. 2 Conteúdos fáceis de exemplificar. Temas próximos da criança, da prática, do fazer e acontecer. É uma temática muito abstrata, porém possível de trabalhar quando visto na prática, quando se torna visível às crianças. Quadro 2 Conteúdos em Ciências não trabalhados pelos docentes Temas/Conteúdos Hidrelétrica Experiências físicas e químicas Temas ligados à química Temas ligados à astronomia Fonte: Elaboração própria. Justificativas utilizadas pelos professores Just. 1 É uma temática fora da realidade dos alunos, da vivência deles. Just. 2 É um tema muito abstrato para as crianças nessa faixa etária, precisam ver na prática para compreender. Distante da linguagem das crianças, do nível delas. É um assunto considerado muito abstrato para as crianças nessa faixa etária. Temas muito distantes das crianças. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tomando por base a fala dos docentes, é possível chegar ao entendimento de que o ensino de Ciências, quando desenvolvido no âmbito da educação infantil, encontra-se no campo do concreto e da realidade diretamente perceptível da criança, priorizando, assim, os temas ligados às questões ambientais e os conceitos de biologia. Muitas temáticas desse campo não são desenvolvidas com alunos nessa faixa etária, em virtude da visão equivocada que os professores apresentam de que a criança nessa idade é concreta, demonstrando, assim, que desconhecem a capacidade cognitiva das crianças menores de 07 (sete) anos, no que concerne ao questionamento, ao raciocínio e a formulação de hipóteses, quando, assim, estimuladas.

Considerando as questões aqui levantadas, é possível identificar a contribuição desse estudo na superação dessa visão de criança concreta, que ainda se faz presente, tanto no universo dos adultos, quanto no universo dos educadores, indicando, ainda, que a fronteira estabelecida aos 07 (sete) anos deve ser repensada, tendo em vista que já foi comprovado (PUCHE-NAVARRO, 2002,2003) que crianças menores também evidenciam capacidades cognitivas variadas. Nesse pensamento, a não superação dessa visão nas práticas educativas pode comprometer não apenas o ensino de Ciências na educação infantil, mas o desenvolvimento integral da criança. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARCE, A.; SILVA, D. A. S. M; VAROTTO, M. (Orgs.). Ensinando Ciências na educação infantil. Campinas: Alínea, 2011. ; JACOMELI, M. (Orgs.). Educação infantil versus educação escolar?: entre a (des)escolarização e a precarização do trabalho pedagógico nas salas de aula. Campinas: Autores Associados, 2012. ATLAS.ti Scientific Software Development GmbH. Version 7. Berlin, 2002-2014. Disponível em: <http://www.atlasti.com/whatsnew7.html>. Acesso em: 10 out. 2013. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; LDA, 2009. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998. COLINVAUX, D. Ciências e crianças: delineando caminhos de uma iniciação às ciências para crianças pequenas. Contrapontos, v. 4, n. 1, p. 105-123, Itajaí, jan./abr. 2004. FUMAGALLI, L. O ensino de ciências naturais no nível fundamental de educação formal: argumentos a seu favor. In: WEISSMANN, H. (Org.). Didática das ciências naturais: contribuições e reflexões. Porto Alegre: ArtMed, 1998. SILVA, A. F. A. Ensino e aprendizagem de ciências nas séries iniciais: concepções de um grupo de professoras em educação. 2006. Dissertação (Mestrado e Educação) Instituto de Física, do Instituto de Química da Faculdade de Educação, Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. SILVA, I. O. S. Profissionais da educação infantil: formação e construção de identidades. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2003.