Equac»~oes do primeiro, segundo e terceiro graus 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE S ~AO CARLOS CENTRO DE CI^ENCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE MATEM ATICA OENSINODA ALGEBRA ELEMENTAR ATRAV ES DE SUA HIST ORIA Prof. Jo~ao C.V. Sampaio. sampaio@dm.ufscar.br 1 EQUAC» ~OESDOPRIMEIROGRAU As equa»c~oes do 1 o grau n~ao tem uma hist oria propriamente dita. A simbologia moderna com que s~ao escritas s o come»cou a surgir no s eculo 18. Dopontodevistaelementar,equa»c~oes s~ao problemas do seguinte tipo: Determine certos valores desconhecidos, sabendo que quando esses valores s~ao manipulados algebricamente, de uma certa maneira, s~ao obtidos certos valores dados. As primeiras equa»c~oes na forma escrita surgiram no antigo Egito 3000 anos a.c. EQUAC» ~OES DO 1 o GRAU NO EGITO ANTIGO A maior parte da matem atica eg ³pcia antiga, ou seja, do 3 o mil^enio antes do in ³cio da era crist~a, encontrada em alguns poucos papiros famosos, consiste de um comp^endio de t abelas e algoritmos aritm eticos, visando a resolu»c~ao de problemas uteis tais como problemas de medi»c~ao de guras geom etricas. Num desses papiros, o Papiro de Rhind, encontramos as primeiras equa»c~oes do primeiro grau, na forma de problemas "aha". Aha signi cava quantidade. Tais problemas referem-se µa determina»c~ao de quantidades desconhecidas. PROBLEMAS aha DO PAPIRO RHIND 1. (Problema 24) Uma quantidade e seu s etimo, somadas juntas, d~ao 19. Qual e a quantidade? 2. (Problema 25) Uma quantidade e sua metade, somadas juntas, resultam 16. Qual e a quantidade? 3. (Problema 26) Uma quantidade e 2=3 dela s~ao somadas. Subtraindo-se, desta soma, 1=3 dela, restam 10. Qual e a quantidade?
2 Jo~ao Carlos V. Sampaio { DM-UFSCar Note que as equa»c~oes do 1 o grau correspondentes aos tr^es problemas acima s~ao, respectivamente (con ra), x + x 7 =19; x+ x 2 =16; (x + 2 3 x) 1 3 (x + 2 x) =10 3 O m etodo da falsa posi»c~ao Para problemas desse tipo, isto e, para problemas que se reduzem, ap os simpli ca»c~oes, a uma equa»c~ao da forma a x = b, oseg ³pcios empregavam o m etododafalsa posi»c~ao, exempli cado como segue,na resolu»c~ao do problema 1. Resolu»c~ao do problema 1 Escolhemos, ao acaso, uma quantidade inteira divis ³vel por 7, digamos 7. Um s etimo de 7 e 1. Somando 7 a 1 de 7 obtemos 8. Agora 7 empregamos uma regra de tr^es simples: Portanto, 7 x = 8 19 quantidade resultado 7 8 x 19 ) 8x =7 19 ) 8x = 133 ) x = 133 8 :. :x=16 5 6 Observa»c~ao: 16 5 6 signi ca 16 inteiros e cinco sextos, isto e, 16 5 6 =16+5 6 Quest~oes complementares 1. Resolva os problemas 2 e 3 acima, utilizando o m etododafalsaposi»c~ao. Resolvaos tamb em pelos m etodos alg ebricos usuais. 2. Porque o m etodo da falsa posi»c~ao funciona na resolu»c~ao dos problemas acima? Ele funciona para quaisquer equa»c~oes do 1 o grau? 3. Quest~ao para discuss~ao: Voc^e acha que tais problemas, juntamente com o m etodo da falsa posi»c~ao, constituem material adequado numa introdu»c~ao µas equa»c~oes do primeiro grau? O BANHO DE ARQUIMEDES Arquimedes de Siracusa foi um grande f ³sico e matem atico grego do s eculo 3 a.c., pesquisador da \Universidade" de Alexandria, em Alexandria, cidade do antigo Egito fundada por Alexandre o Grande µas margens do Rio Nilo. Nesse mesmo lugar, nessa mesma Universidade, meio s eculo
Equac»~oes do primeiro, segundo e terceiro graus 3 antes, Euclides escrevera o primeiro livro de matem atica sistematicamenteorganizadodahist oria, Os Elementos, constitu ³dode13Livros, os quais hoje s~ao chamados os 13 Cap ³tulos dos Elementos. Conta uma lenda que o rei Hier~ao de Alexandria suspeitava que sua coroa n~ao teria sido feita de ouro puro, mas sim de uma mistura (liga) de ouro e prata, e incumbiu Arquimedes de calcular as quantidades desses metais empregadas na confec»c~ao da coroa. Arquimedes descobriu um meio de fazer isso enquanto se banhava. Celebrando a descoberta, saiu µas ruas gritando Eureka! (Descobri!), tendo no entanto se esquecido de vestir-se ao sair. Arquimedes deduziu v arias rela»c~oes m etricas dec ³rculos eesferas. Arquimedesfoi oprimeiromatem atico a deduzir que a area do c ³rculo de raio r e dada por A = ¼r 2. Deduziu tamb em a seguinte aproxima»c~ao para o n umero ¼: 3 10 <¼<3 1. Deduziu 71 7 ainde que a area da superf ³cie da esfera de raio r e dadapors =4¼r 2, enquanto que o volume da esfera e dado por V = 4 3 ¼r3. PROBLEMAS ELEMENTARES DE BALANCEAMENTO DE MISTURAS Veremos agora que, al em de algumas considera»c~oes f ³sicas elementares, as ferramentas necess arias para a resolu»c~ao do problema da coroa do rei Hier~ao s~ao equa»c~oes do 1 o grau! Al em disso, veremos que o procedimento matem atico utilizado na resolu»c~ao desse problema aplica-se a outros problemas an alogos, aos quais chamare-mos problemas de balanceamento de misturas. Como exemplos de problemas de balanceamento de misturas, apresentamos os dois seguintes: 1. Um t ecnico de laborat orio tem duas solu»c~oes de acido sulf urico (solu»c~ao acida = agua destilada + acido). A primeira e 30% acida e a segunda e 70% acida. Quantos mililitros de cada ele dever a usar para obter 200 m` de uma solu»c~ao 60% acida? 2.Quevolumede alcool deve ser adicionado a 600 litros de uma solu»c~ao 15% alco olica (solu»c~ao alco olica = alcool + agua) de modo que a solu»c~ao resultante seja 25% alco olica? Veremos agora como equa»c~oes do 1 o grau podem ser empregadas na resolu»c~ao dos dois problemas acima. Resolu»c~ao do problema 1 Ser~ao utilizados x m` da solu»c~ao 30% acida e y m` da solu»c~ao 70% acida. A solu»c~ao resultante ser a de 200 m` e 60% acida. Sendo assim, x m`+y m` = 200 m`. Comparando-se por em as quantidades de acido sulf urico, temos agora:
4 Jo~ao Carlos V. Sampaio { DM-UFSCar 30% de x m` +70%dey m` = 60% de 200 m` Temos ent~ao o sistema linear de duas equa»c~oes em duas inc ognitas ½ x + y = 200 30 x + 70 y = 60 200 100 100 100 Tudo se reduz a uma equa»c~ao do 1 o grau quando substitu ³mos y = 200 x na segunda equa»c~ao, obtendo ent~ao: Da ³ prafrente,ascoisassesimpli cam: 3 10 x + 7 6 (200 x) = 10 10 200 3x + 7(200 x) =6 200 ) 4x + 1400 = 1200 ) 4x =200) x =50 Como y = 200 x, obtemos tamb em y =200 50 = 150. Assim, s~ao necess arios 50 m` da solu»c~ao 30% acida e 150m` da solu»c~ao 70% acida para se obter 200 m` de uma solu»c~ao 60% acida. Resolu»c~ao do problema 2 A adi»c~ao de mais alcool aumenta, na solu»c~ao, a quantidade de alcool, mas deixa inalterada a quantidade de agua, de onde deduzimos uma equa»c~ao do 1 o grau que nos dar a solu»c~ao do problema: Aquantidadede agua presente na solu»c~ao alco olica e, conforme o enunciado do 85 problema, 85% de 600 litros, ou seja, 600 = 85 6=510litros. 100 Ap os a adi»c~ao de x litrosde alcool, a solu»c~ao alco olica ter a volume de 600 + x litros e concentra»c~ao de alcool da ordem de 25%. A agua permanecer a amesmaem quantidade, tendo agora por em concentra»c~ao da ordem de 75%, de onde deduzimos: ou seja 75 (600 + x) = 510 100 3 4 510 (600 + x) = 510 ) 600 + x = ) 600 + x = 680 ) x = 680 600 :. : x =80 4 3 Portanto, ser a necess ario adicionar 80 litros de alcool aos 600 ` da solu»c~ao 15% alco olica para que ela se torne 25% alco olica. SOLUC» ~AO DO PROBLEMA DE ARQUIMEDES A densidade de um corpo material n~ao oco (um prato de porcelana, uma bola de metal, uma placa de isopor, etc.) e a raz~ao entre sua massa e seu volume. Por exemplo, a densidade do mel e de 1300 g por litro, ou seja, 1300 g=1000 cm 3 =1; 3g=cm 3.
Equac»~oes do primeiro, segundo e terceiro graus 5 Assimadensidadedeumcorpomet alico e ent~ao calculada pela f ormula densidade = massa volume Desta rela»c~ao, deduzimos que, uma vez conhecida a densidade do corpo, seu volume e dado pela raz~ao volume = massa densidade Por exemplo, o volume de 1 kg de mel e dado por volume = massa densidade = 1kg 1; 3kg=` ¼ 769 m` A massa de um corpo e uma quantidade calcul avel por compara»c~ao com outra massa. Para calcul a-la, basta que tenhamos µa m~ao uma balan»ca de dois pratos e v arios pesos de metal. Este procedimento do c alculo da massa j a foi muito utilizado nas mercearias. J a o volume do corpo, desde que n~ao seja esponjoso, pode ser determinado por imers~ao deste corpo num tanque de agua. Imergindo um corpo met alico num tanque de agua, a varia»c~ao da altura do n ³vel da agua nos d a o volume do corpo mergulhado. Suponha ent~ao que voc^e temumcoroadem gramas de uma liga de ouro e prata. Suponha que voc^e deseja determinar a quantidade x de gramas de ouro e a quantidade y de gramas de prata presentes nessa liga de metal. Ent~ao x + y = m. Por outro lado, ovolumedeouropresentenacoroa e dado pela raz~ao volume do ouro = massa do ouro densidade do ouro Nesse caso, sendo a densidade do ouro previamente conhecida (sabe-se que ela e 19; 3g=cm 3 =19300kg=`) teremos que volume do ouro = x 19; 3 cm3 Analogamente, como a densidade da prata e 10; 5g=cm 3 = 10 500 kg=`, teremos volume da prata = y 10; 5 cm3 Asomadosvolumesdoouroedapratapresentesnacoroa e o volume da coroa, ou seja x 19; 3 cm3 + y 10; 5 cm3 = volume da coroa Chegamos ent~ao aumsistemalineardeduasequa»c~oes emduasinc ognitas ½ x + y = m x + y = v 19;3 10;5
6 Jo~ao Carlos V. Sampaio { DM-UFSCar onde m e a massa da coroa (em gramas) e v e o seu volume (em cent ³metros c ubicos). Um problema de ilustra»c~ao A densidade do ouro e 19; 3g=cm 3 e a da prata e 10; 5g=cm 3. Suponha que a coroa do Rei Hier~ao, feita de uma liga de ouro e prata, tenha massa de 4 200 g (ser a quea cabe»ca do rei agäuenta?) e volume de 268 cm 3. Quais s~ao as quantidades de ouro e prata presentes na coroa? Solu»c~ao Segundo as equa»c~oes que deduzimos acima, sendo x e y as respectivas quantidades (em gramas) de ouro e prata presentes na coroa, teremos ½ x + y = 4 200 x + y = 268 19;3 10;5 Teremos ent~ao que, como y = 4 200 x, x 19; 3 + 4200 x = 268 10; 5 A ultima equa»c~ao nos d a aequa»c~ao do 1 o grau simpli cada 8;8 x + 400 = 268 e 202;65 ent~ao x = 3 039; 75 g e y = 1 160; 25 g. Veri que os c alculos. Uma calculadora ajudar a muito, mas e dispens avel neste exemplo escolhido. Problemas complementares 1. Duas toneladas de uma liga met alica contem 15% de estanho. Que quantidade de estanho deve ser adicionada a essa liga de modo a aumentar a concentra»c~ao de estanho a 20%? Resposta: 125 kg. 2. (Este problema requer o uso de uma calculadora eletr^onica). A densidade do ouro e de19; 3g=cm 3 e a do cobre e de8; 9g=cm 3. Uma liga de ouro e cobre tem 6 cm 3 e95g. Quaiss~ao as quantidades de ouro e cobre presentes na liga? Resposta: 77; 2g de ouro e 17; 8g de cobre.
Equac»~oes do primeiro, segundo e terceiro graus 7 2 EQUAC» ~OES DO SEGUNDO GRAU DA ANTIGA BABIL ^ONIA AT E DIOFANTO Os antigos babil^onios (ou babil^onicos) (c. 1800 a.c.), habitantes do sul da antiga Mesopot^amia (parte do atual Iraque), j a resolviam o problema de encontrar dois n umeros x e y cuja soma e p e cujo produto e q. Om etodo empregado pelos babil^onios, traduzido para nossas nota»c~oes modernas, e basicamente o seguinte: Apriori,x e y s~ao representados na forma x = p 2 + a e y = p 2 a dado que x + y = p. Tem-se ent~ao de onde xy =( p 2 + a)(p 2 a) =p2 4 a2 = q a 2 = p2 4 q = p2 4q 4 Daqui, se deduz r p2 4q a = 4 (os n umeros negativos ainda n~ao haviam sido inventados). Assim, x e y acabam sendo expressos como x = p 2 + r p2 4q 4 e y = p 2 r p2 4q 4 Cercadedoismil^enios depois (em torno do ano 250 da era crist~a), este mesmo m etodo aparece no tratado Arithmetica do grego Diofanto, um conjunto de 13 livros sobre solu»c~oes racionais de equa»c~oes alg ebricas.
8 Jo~ao Carlos V. Sampaio { DM-UFSCar Diofanto e considerado o pai da algebra no sentido de ter sido o primeiro a empregar nota»c~oes simb olicas para express~oes alg ebricas. Suas nota»c~oes por em eram bem diferentes das empregadas hoje. Os tratados de matem atica dos precursores de Diofanto eram escritos no estilo ret orico, isto e, sem nenhum emprego de s ³mbolos. EQUAC» ~OES DO SEGUNDO GRAU DOS BABIL ^ONIOS A DIOFANTO Como exemplos dos primeiros problemas de equa»c~oes do segundo grau, encontrados nas t abuas de argila dos antigos babil^onios, bem como no livro Arithmetica de Diofanto, resolvidos pelo m etodo acima descrito, temos os seguintes: 1. (Babil^onios, 1800 a.c.) Encontre dois n umeros cuja soma e 14 e cujo produto e 45. 2. (Diofanto, em Arithmetica) Encontre dois n umeros cuja soma e 20 e cuja soma de seus quadrados e 208. Resolu»c~ao do problema 1 S~ao procurados dois n umeros x e y satisfazendo x + y =14 e x y =45 Segundo o m etodo acima descrito, fazemos x =7 a e y =7+a Teremos ent~ao que a equa»c~ao xy = 45 torna-se (7 a)(7 + a) = 45, ou seja, 7 2 a 2 = 45, de onde a 2 = 4, e portanto a = 2. Os babil^onios, bem como Diofanto, consideravam apenas a solu»c~ao positiva a = 2. Historicamente, o conceito de n umero negativo parece ter surgido no s eculo 7, num tratado do astr^onomo hindu Bramagupta. Assim sendo, tomando a = 2, teremos x = 5 e y = 9. Se tomarmos a = 2, teremos x =9ey = 5. Portanto os n umeros procurados s~ao5e9. Resolu»c~ao do problema 2 S~ao procurados dois n umeros satisfazendo x + y =20 e x 2 + y 2 = 208 Novamente, assumimos, com base na soma dada dos n umeros procurados, Aequa»c~ao x 2 + y 2 torma-se ent~ao x =10 a e y =10+a (10 a) 2 +(10+a) 2 = 208 ou seja (100 20a + a 2 ) + (100 + 20a + a 2 ) = 208
Equac»~oes do primeiro, segundo e terceiro graus 9 de onde 200 + 2a 2 = 208 ) 2a 2 =8) a 2 =4:. :a= 2 Voltamos a lembrar que somente a solu»c~ao positiva a = 2 era admitida. Assim sendo, os n umeros procurados s~ao 10 2=8e10+2=12. Problemas Complementares 1. (Outro problema do Arithmetica de Diofanto) Encontre dois n umeros cuja soma e 10 e cuja soma de seus cubos e 370. Resposta: 3e7. 2. Encontre dois n umeros cujo produto e 24 e cuja soma dos cubos e 280. Resposta: 4e6. 3. Explique porqu^e, se x + y = p, existir a sempre um n umero a tal que x = p 2 + a e y = p 2 a: 4. Considere o problema dos babil^onios de encontrar dois n umeros cuja soma e 14 e cujo produto e 45. Queoutrosm etodos podem ser empregados em sua resolu»c~ao? Que vantagens e desvantagens apresentam estes m etodos em rela»c~ao ao m etodo exposto nos exemplos acima? 5. (Diofanto) Encontre dois n umeros x e y satisfazendo x y =10 e x 3 y 3 = 2170 [M etodo de Diofanto: se a diferen»ca x y = p e dada, escrevemos x = a + p 2 e y = a p 2 Compare-o com o caso em que a soma x + y e dada.] Resposta: x =13, y =3 6. (Diofanto) Encontre dois n umeros x y y satisfazendo x y =4 e x 3 + y 3 =28(x + y) Resposta: x =6e y =2;oux =2e y = 2; oux = 2 e y = 6. Diofanto buscava somente solu»c~oes n~ao negativas. 7. Resolva a equa»c~ao x 2 6x = 27. [M etodo babil^onico: Escreva a equa»c~ao na forma x (x 6) = 27. Fa»ca x 6=y. O problema ent~ao consiste em determinar x (e y, embora s o estejamos buscando valores de x) satisfazendo Resposta: x 1 =9, x 2 = 3 x y =6 e xy =27:] 8. Resolva a equa»c~ao x 2 +6x =16pelom etodo babil^onicodescritonoexerc ³cio anterior. Resposta: x 1 =2, x 2 = 8
10 Jo~ao Carlos V. Sampaio { DM-UFSCar AL-KHWARIZMI O primeiro tratado a abordar sistematicamente as equa»c~oes do 2 o grau e suas solu»c~oes foi Os Elementos de Euclides (s ec. 3 a.c.). Em Os Elementos, Euclides nos d a solu»c~oes geom etricas da equa»c~ao do segundo grau. Os m etodos geom etricos ali encontrados, embora interessantes, n~ao s~ao pr aticos. No in ³cio do s eculo 9, o Califa Al Mamum, recebeu atrav es de um sonho, no qual teria sido visitado pelo imortal Arist oteles, a instru»c~ao de fundar um centro de pesquisa e divulga»c~ao cient ³ ca. Tal institui»c~ao, a Casa de Sabedoria, foi fundada em Bagd a, hoje capital do Iraque, µas margens do Rio Tigre. L a, a convite do Califa, estabeleceu-se Al- Khwarizmi, juntamente com outros l osofos e matem aticos do mundo arabe. A pedido do Califa,Al-Khwarizmi escreveu um tratado popular sobre a ci^encia das equa»c~oes, chamado Hisab al-jabr wa'l muqabalah, ou seja, o Livro da Restaura»c~ao e Balanceamento. Al-Khwarizmi introduziu simpli ca»c~oes que popularizaram, ou melhor, simpli caram a algebra das equa»c~oes do 2 o grau. Seu m etodo de resolu»c~ao da equa»c~ao do 2 o grau e inspirado na interpreta»c~ao de n umeros por segmentos, introduzida por Euclides. Al-Khwarizmi tamb em popularizou o sistema de representa»c~ao decimal posicional dos n umeros inteiros, criado pelos hindus, hoje de uso corrente. De Al-Khwarizmi derivam-se as palavras algarismo e algoritmo, ambas latiniza»c~oes de Al-Khwarizmi. Dotermoal-jabr, quesigni carestaura»c~ao, deriva-se a palavra algebra! O termo al-muqabalah, que signi ca oposi»c~ao ou balanceamento, e o que hoje entendemos como cancelamento. Por exemplo, dada a equa»c~ao x 2 +3x 2=3x +4 a al-jabr nos d a x 2 +3x =3x +4+2 enquanto que a muqabalah cancela o termo 3x, nos dando x 2 =6
Equac»~oes do primeiro, segundo e terceiro graus 11 No seu trabalho, Al-Khwarizmi apresenta dois m etodos geom etricos de solu»c~ao da equa»c~ao do 2 o grau. Al-Khwarizmi n~ao fazia uso de nota»c~oes simb olicas em seu tratado. Suas equa»c~oes s~ao escritas no estilo ret orico, isto e, sem o emprego de s ³mbolos. RESOLUC» ~AO DA EQUAC» ~AO DO 2 o GRAU PELOS M ETODOS DE AL- KHWARIZMI Para exempli car seus dois m etodos, buscaremos a solu»c~ao da equa»c~ao do 2 o grau x 2 +10x =39 Esta equa»c~ao e realmente encontrada no trabalho de Al-Khwarizmi. Solu»c~ao da equa»c~ao x 2 +10x =39pelo 1 o m etododeal-khwarizmi Primeiramente, a equa»c~ao e escrita na forma x 2 +4 10 4 x =39; ou seja, x2 +4 5 2 x =39 Figura 1. Na parte superior, a equa»c~ao x 2 +5x =39 e interpretada geometricamente. Na parte inferior, o completamento do quadrado e realizado, resultando na equa»c~ao equivalente x 2 +4 5 2 x +4 ( 5 2 )2 =39+4 ( 5 2 )2 Interpretando geometricamente o lado esquerdo desta equa»c~ao, como na gura 1, temos a soma das areasdeumquadradodeladox edequatroret^angulos de lados 5=2 e x totalizando 39 unidades de area. Completando ent~ao essa soma de areas com a area de quatro quadrados de lados 5=2, cada um de area 25=4, obt em-se a area de um quadrado de lado x+2 ( 5)=x+5, 2 medindo ent~ao 39 + 4 ( 25 ) = 39 + 25 = 64 unidades de area. Algebricamente, 4 µ µ 2 µ 2 5 5 5 x 2 +4 x +4 =39+4 2 2 2
12 Jo~ao Carlos V. Sampaio { DM-UFSCar ou seja, (x +5) 2 =39+25=64 de onde, ent~ao, Al-Khwarizmi deduz que x +5= p 64 = 8 Chega-se ent~ao µa solu»c~ao x = 8 5 = 3. Para Al-Khwarizmi por em, quantidades negativas careciam de sentido. No seu m etodo, a solu»c~ao x = 8 5= 13 n~ao vem µa tona. Ao resolvermos equa»c~oes do 2 o grau n os podemos, no entanto, usar o m etodo geom etrico de Al-Khwarizmi como um guia no completamento de quadrados e, ao nal, \esquec^e-lo", deduzindo tamb em eventuais solu»c~oes negativas da equa»c~ao. Solu»c~ao da equa»c~ao x 2 +10x =39pelo 2 o m etododeal-khwarizmi Neste m etodo mais simples, a equa»c~ao e escrita na forma x 2 +5x +5x =39 Figura 2. Na parte superior, a equa»c~ao x 2 +5x =39 e interpretada geometricamente. Na parte inferior, o completamento do quadrado e realizado, resultando na equa»c~ao equivalente x 2 +5x +5x +5 2 =39+5 2 Interpretando geometricamente o lado esquerdo desta equa»c~ao, como na gura 2, temos agora a soma das areasdeumquadradodeladox ededoisret^angulos de lados 5ex totalizando 39 unidades de area. Completando ent~ao essa soma de areas com a area de um quadrado de lado 5, portanto de area 25, obt em-se a area de um quadrado de lado x + 5, medindo ent~ao 39 + 25 = 64 unidades de area. Algebricamente, x 2 +5x +5x +5 2 =39+5 2 de onde, ent~ao, (x +5) 2 =39+25=64
Equac»~oes do primeiro, segundo e terceiro graus 13 Mas e se tivermos que tratar da equa»c~ao x 2 5x = 39? Como interpretar geometricamente o completamento de quadrados, se agora estamos subtraindo dois ret^angulos de lados 5 e x? O melhor, neste caso, e fazer uma substitui»c~ao x = u, deondex 2 = u 2.Aequa»c~ao ent~ao se torna u 2 +8u = 33. Aplicando ent~aoom etodo geom etrico de Al-Khwarizmi, chegaremos µas solu»c~oes u 1 =3eu 2 = 11, de onde obtemos x 1 = 3 ex 2 = 11. Problemas complementares 1. (Al-Khwarizmi) Encontre o lado de um quadrado inscrito num tri^angulo de lados 10, 10 e 12. Resposta: O quadrado tem lado de comprimento 4;8. 2. (Al-Khwarizmi) Resolva as seguintes equa»c~oes : (a) 50 + x 2 =29+10x. Resposta: x 1 =7; x 2 =3. (b) x 2 =40x 4x 2. Resposta: x 1 =8; x 2 =0 3. Resolva as seguintes equa»c~oes (a) x 2 16x +80=0. Resposta: A equa»c~ao n~ao tem solu»c~ao (real). (b) x 2 12x = 28. Resposta: x 1 =14; x 2 = 2
14 Jo~ao Carlos V. Sampaio { DM-UFSCar 3 EQUAC» ~OESDOTERCEIROGRAU ARQUIMEDES, NOVAMENTE Num tratado sobre esferas e cilindros, Arquimedes estudou o seguinte problema: Cortar uma esfera por um plano de modo que uma das partes resultantes tenha o dobro do volume da outra parte. Isto deu origem a uma das primeiras equa»c~oes do 3 o grau da hist oria: Seoplanoquecortaaesferaderaior e visto de per l, como na gura, ent~aoovolumedosegmento esf erico de altura h e dado por V = 1 3 ¼h2 (3r h). Sendo h r = y, se o segmento inferior da esfera tem o dobro do volume do superior, ent~ao y 3 3y 2 = 4 3 Fazendo-se y = x +1,obtemosac ubica na forma reduzida x 3 3x 2 3 =0 A BUSCA DA F ORMULA GERAL DA C UBICA Por muitos s eculos, desde o per ³odo aureo da Gr ecia antiga, matem aticos tentaram em v~ao deduzir um m etodo geral de solu»c~ao da equa»c~ao do 3 o grau ou equa»c~ao c ubica ax 3 + bx 2 + cx + d =0
Equac»~oes do primeiro, segundo e terceiro graus 15 Procurava-se uma f ormula geral da solu»c~ao da c ubica, isto e, uma f ormula que desse suas solu»c~oes como express~oes alg ebricas envolvendo os coe cientes a; b; c e d. A conhecida f ormula de Bhaskara, creditada assim ao matem atico hindu Bhaskara, do s eculo 12, nos d a as soluc~oes da equa»c~ao quadr atica ax 2 + bx + c =0,comoexpress~oes alg ebricas dos coe cientes a; b e c, a saber x = b p b 2 4ac 2a DEL FERRO, TARTAGLIA E CARDANO. UMA TRAGI- COM EDIA DE DISPUTAS, CONQUISTAS E DECEPC» ~OES Oprimeiromatem atico a desenvolver um m etodo para resolver e- qua»c~oes c ubicas da forma x 3 + ax + b =0 foi Scipione del Ferro, professor da Universidade de Bolonha, It alia, na passagem do s eculo 15 ao s eculo 16. Antes de morrer, revelou seu m etodo, que mantivera em segredo, a Antonio Fiore. Nicollo Tartaglia nasceu em Brescia, It alia, em 1499. Conta-se que era t~ao pobre quando crian»ca que estudava matem atica escrevendo nas l apides de um cemit erio. Em 1535 foi desa ado por Antonio Fiore a uma competi»c~ao matem atica. Na epoca, disputas acad^emicas eram comuns, muitas vezes premiando o ganhador com o emprego do perdedor. Tartaglia sabia resolver as equa»c~oes c ubicas de del Ferro, mas tinha descoberto tamb em um m etodo para resolver c ubicas da forma x 3 + ax 2 + b =0 De posse deste conhecimento, foi o vencedor na competi»c~ao. Os ultimos anos de Tartaglia foram amargurados por uma briga com Girolamo Cardano (1501{1576), um matem atico italiano que, al em de m edico famoso em Mil~ao, foi tamb em astr^onomo. Cardano e tidocomo o fundador da teoria das probabilidades, a qual estudou por interesses pessoais (jogatina). Em 1570, Cardano foi preso por heresia, por ter escrito um hor oscopo de Jesus Cristo. Em 1539, em sua casa em Mil~ao, Cardano persuadiu Tartaglia a contar-lhe seu m etodo secreto de solu»c~ao das c ubicas, sob o juramento de jamais divulg a-lo. Alguns anos mais tarde, por em, Cardano soube
16 Jo~ao Carlos V. Sampaio { DM-UFSCar que parte do m etodo constava de uma publica»c~ao p ostuma de del Ferro. Resolveu ent~ao publicar um estudo completo das equa»c~oes c ubicas em seu tratado Ars Magna (1545), um trabalho que superou todos os livros de algebra publicados at e ent~ao. Em Ars Magna, Cardano exp~oe um m etodo para resolver a equa»c~ao c ubica baseado em argumentos geom etricos. L a tamb em exp~oe a solu»c~ao geral da equa»c~ao qu artica ou equa»c~ao do quarto grau ax 4 + bx 3 + cx 2 + dx + e =0 descoberta por Ludovico Ferrari (1522{1565), discipulo de Cardano, que parece ter superado o mestre na algebra das equa»c~oes polinomiais. Em 1548, Tartaglia desa ou Cardano para uma competi»c~ao matem atica, a ser realizada em Mil~ao. Cardano n~ao compareceu, tendo enviado Ferrari para represent a-lo. Parece que Ferrari venceu a disputa, o que causou a Tartaglia desemprego e morte na pobreza nove anos mais tarde. AF ORMULA DE CARDANO PARA A EQUAC» ~AO C UBICA O m etodo de Cardano para resolver equa»c~oes c ubicas, ligeiramente modi cado em rela»c~ao ao m etodo historicamente original, e essencialmente o seguinte: Consideremos a equa»c~ao c ubica z 3 + az 2 + bz + c =0 A substitui»c~ao z = x a 3 transforma a equa»c~ao dada numa equa»c~ao c ubica na forma reduzida, isto e, uma equa»c~ao c ubica sem o termo de 2 o grau: x 3 + px + q =0 Cardano ent~ao \tenta" obter uma soluc~ao na forma x = u + v Ele nota que ou seja, (u + v) 3 = u 3 +3u 2 v +3uv 2 + v 3 (u + v) 3 3uv(u + v) (u 3 + v 3 )=0 Tendo em conta esta ultima identidade, Cardano observa que para que x = u + v seja solu»c~ao da c ubica x 3 + px + q =0, e su ciente encontrar u e v satisfazendo 3uv = p e u 3 + v 3 = q
Equac»~oes do primeiro, segundo e terceiro graus 17 ou seja, u 3 v 3 = p3 27 e u3 + v 3 = q Ao estilo de Diofanto, fazendo ent~ao u 3 = q 2 + e v3 = q 2 teremos u 3 v 3 = ³ q 2 2 2 = q2 4 2 = p3 27 ) 2 = q2 4 + p3 27 Se q2 + p3 0, deduzimos ent~ao 4 27 r q 2 = 4 + p3 27 = p D onde D = q2 4 + p3 27 e o assim chamado discriminante da c ubica reduzida x3 + px + q =0. Finalmente, assumindo que D 0, teremos, para = p D, u 3 = q 2 + p D e v 3 = q 2 p D eentao ou seja x = u + v = 3 r q 2 + p D + 3 r q 2 p D s x = 3 q 2 + r q 2 s 4 + p3 27 + 3 q 2 r q 2 4 + p3 27 O mesmo resultado e obtido quando consideramos = p D (veri que), assumindo que a ra ³zes c ubicas calculadas s~ao as ra ³zes c ubicas reais de n umeros reais. Se o discriminante D e negativo, o uso da f ormula de Cardano requer um c alculo cuidadoso de ra ³zes c ubicas complexas de n umeros complexos. Cardano simplesmente a rmava que, no caso em que D < 0, sua f ormula n~ao se aplicava. A epoca µ de Cardano, os n umeros complexos n~ao haviam sido inventados. A f ormula de Cardano por em, foi a g^enese dos n umeros complexos, conforme explicaremos a seguir. Problemas complementares 1. Deduza as equa»c~oes c ubicas correspondentes ao problema geom etrico de Arquimedes, dadas µa p agina 14. 2. Veri que que a c ubica reduzida, correspondente ao problema de Arquimedes, tem discriminante D negativo. 3. Aplique a f ormula de Cardano para encontrar uma solu»c~ao de cada uma das c ubicas dadas abaixo. (a) (Cardano) x 3 +6x 20 = 0. Resposta: x = 3p 10 + 6 p 3+ 3p 10 6 p 3
18 Jo~ao Carlos V. Sampaio { DM-UFSCar (b) x 3 +6x +2=0. Resposta: x = 3p 2 3p 4 (c) x 3 3x +2=0. Resposta: x = 2 4. Encontre as solu»c~oes das c ubicas (a) (Cardano) x 3 +10x =6x 2 +4. Resposta: 2 e 2 p 2 (b) x 3 12x 2 +26x 12 = 0. Resposta: 2 e 5 p 19 BOMBELLI, CRIADOR DOS N UMEROS COMPLEXOS O primeiro algebrista a formular regras elementares das opera»c~oes dos n umeros complexos foi o engenheiro hidr aulico italiano Rafael Bombelli, em seu tratado L'Algebra (1572), quase trinta anos depois da publica»c~ao de Ars Magna por Cardano. Bombelli notou que a equa»c~ao x 3 15x 4 = 0 tem uma solu»c~ao real positiva, a saber x = 4. Notou tamb em que as demais solu»c~oes dessa equa»c~ao, 2 p 3, s~ao tamb em reais, sendo elas as ra ³zes do polin^omio do 2 o grau x 2 +4x + 1, obtido como quociente da divis~ao de x 3 15x 4 por x 4. No entanto, notou Bombelli, a f ormula de Cardano n~ao se aplica µa c ubica em quest~ao, pois nesse caso D = q2 4 + p3 = 121 < 0. Um 27 not avel paradoxo surgiu ent~ao: a c ubica x 3 15x 4 = 0 tem suas tr^es ra ³zes reais e, no entanto, a formula de Cardano, quando a ela aplicada, produzia uma express~ao num erica que carecia de sentido: q x = 3 2+ p 121 + q2 3 p 121 Por conta disso, Bombelli p^os-se a estudar essa nova esp ecie de n umeros, mais tarde denominados n umeros complexos. Com a f ormula de Cardano, todo cuidado e pouco! Mesmo quando D>0, a f ormula de Cardano mostra-se pouco pr atica, pois pode ocultar solu»c~oes racionais de uma c ubica sob a apar^encia de express~oes que parecem irracionais. Por exemplo, a c ubica x 3 +3x 4=0temx = 1 como solu»c~ao. Dividindo-se x 3 +3x 4porx 1, obtemos x 2 + x +4, que tem comora ³zes os n umeros complexos ( 1 p 15i)=2, as outras duas soluc~oes da c ubica dada. No entanto, a aplica»c~ao da f ormula de Cardano a essa c ubica nos d a asolu»c~ao real q x = 3 2+ p 5+ q2 3 p 5
Equac»~oes do primeiro, segundo e terceiro graus 19 que e, na verdade x =1. FRANC»OIS VIµETE CRIA UM M ETODO ALTERNATIVO PARAOCASOINDESEJ AVEL DA F ORMULA DE CAR- DANO Fran»cois Viµete (1540{1603) foi um advogado franc^es, membro do parlamento, com grande voca»c~ao matem atica. Em seu tratado In artem analyticem Isagoge, Viµete aplica algebra ao estudo de geometria, quando at e ent~ao, a pr atica tinha sido sempre a de aplicar geometria µa algebra. Durante uma guerra contra a Espanha, Viµete serviu ao rei franc^es Henri IV, decifrando o c odigo usado pelos espanh ois em suas correspond^encias militares. Usando trigonometria, area da matem atica elementar onde descobriu muitas de suas conhecidas rela»c~oes, Viµete desenvolveu um m etodo para calcular as tr^es ra ³zes reais da c ubica x 3 + px + q = 0 no caso em que af ormula de Cardano \falha," isto e, no caso em que o discriminante D = q2 4 + p3 27 e negativo. O m etodo de Viµete Consideremos a equa»c~ao c ubica x 3 + px + q =0 onde suporemos que os coe cientes p e q s~ao n umeros reais n~ao nulos. No seu m etodo, Viµete tenta buscar uma solu»c~ao real para essa c ubica, escrevendo-a na forma x = k cos µ; com k>0 Note que o caso k = 0 ocorre quando x =0 e uma solu»c~ao da c ubica. Nesse caso, q =0 easoutrasduasra ³zes s~ao as solu»c~oes complexas da equa»c~ao x 2 = p. Usando a rela»c~ao trigonom etrica cos 3µ =4cos 3 µ 3cosµ temos entao 4cos 3 µ 3cosµ cos 3µ =0 Asubstitui»c~ao de x = k cos µ na c ubica x 3 + px + q =0nosd a k 3 cos 3 µ + pk cos µ + q =0 express~ao que, multiplicada por 4=k 3 em ambos os lados, passa a ser 4cos 3 µ + 4p 4q cos µ + k2 k =0 3
20 Jo~ao Carlos V. Sampaio { DM-UFSCar Comparando esta ultima equa»c~ao com a identidade trigonom etrica 4cos 3 µ 3cosµ cos 3µ =0 Viµete ent~ao observa que x = k cos µ ser a solu»c~ao da c ubica dada desde que se tenha ou, equivalentemente, 4p k 2 = 3 e k 2 = 4p 3 e 4q cos 3µ = k 3 cos3µ = 4q k 3 Estas duas ultimas equa»c~oes (em k e µ) ter~ao solu»c~ao se, e somente se, tivermos ou, equivalentemente p<0 e 4q 1 k 3 p<0 e 16q2 k 6 1 Como k 2 = 4p, esta ultima condi»c~ao equivale a 3 D = q2 4 + p3 27 0 (note que, sendo q 6= 0,ent~ao D 0 ) p<0) Sendo ent~ao D 0, o m etodo de Viµete nos d a tr^es solu»c~oes reais da c ubica: q Primeiramente calculamos k = 4p eent~ao procuramos os tr^es valores de µ, 3 compreendidos entre 0 e 360 ± satisfazendo cos 3µ = 4q. Sendo ^eles µ k 3 1 ;µ 2 e µ 3,teremos as tr^es solu»c~oes da c ubicas dadas por x 1 = k cos µ 1, x 2 = k cos µ 2 e x 3 = k cos µ 3. No c alculo dos tr^es valores de µ, podemos tomar µ 1 = 1 µ 3 arc cos 4q k 3 eent~ao µ 2 = µ 1 + 120 ± e µ 3 = µ 1 + 240 ± Problema Utilizando uma calculadora (computando ^angulos emgraus),calculeas ra ³zes de x 3 15x 4=0(aequa»c~ao estudada por Bombelli) pelo m etodo de Viµete. Voc^e obter a r =2 p 5 e cos 3µ = 2 5 p, de onde um dos valores de µ e dadoporµ 5 1 = ³ 1 arccos 2 3 5 p. Tome ent~ao µ 5 2 = µ 1 +120 ±, µ 3 = µ 1 +240 ±. Correspondentemente, teremos x 1 =4,easaproxima»c~oes x 2 = 0; 268 e x 3 = 3; 732
Equac»~oes do primeiro, segundo e terceiro graus 21 EQUAC» ~OES DO 4 o GRAU E AL EM. ALGUMAS POUCAS PALAVRAS. Por ora n~ao trataremos das equa»c~oes do 4 o grau. A f ormula de Ludovico Ferrari, publicada por Cardano em Ars Magna, exprime algebricamenteassolu»c~oes da equa»c~ao qu artica x 4 + ax 3 + bx 2 + cx + d =0 em termos dos coe cientes a; b; c e d, utilizando somente as quatro opera»c~oes aritm eticas elementares e extra»c~ao de ra ³zes. Uma solu»c~ao desse tipo e chamada solu»c~ao por radicais. Nos 250 anos que se seguiram, todos os esfor»cos para resolver a equa»c~ao geral de 5 o grau falharam. Em 1786, E.S. Bring mostrou que a equa»c~ao geral do 5 o grau pode ser reduzida, por transforma»c~oes alg ebricas, µa equa»c~ao x 5 x A = 0. Embora uma tal redu»c~ao parecesse um grande passo em dire»c~ao µa solu»c~ao geral da equa»c~ao qu ³ntica por radicais, Paolo Ru±ni mostrou, em 1799, que uma solu»c~ao geral da equa»c~ao qu ³ntica por radicais era imposs ³vel. A demonstra»c~ao desse fato, feita por Ru±ni, foi considerada insatisfat oria µa epoca. Entretanto, em 1826, Niels Abel publicou uma prova satisfat oria desse fato, fato repetido com a teoria mais geral ulteriormente desenvolvida por Evariste Galois, em 1831. O Teorema Fundamental da Algebra Os n umeros complexos foram criados para suprir solu»c~oesdeequa»c~oes polinomiais. Mas h a alguma equa»c~ao polinomial de coe cientes reais ou complexos que n~ao possui nenhuma solu»c~ao complexa? A resposta en~ao, sendo enunciada pelo Teorema Fundamental da Algebra: Toda equa»c~ao polinomial de grau 1, com coe cientes reais ou complexos, possui uma solu»c~ao complexa. Esse teorema foi enunciado, sem demonstra»c~ao, por Albert Girard em 1629. Os matem aticos Jean D'Alembert, em 1746, e Carl Friedrich Gauss, em 1799, publicaram demonstra»c~oes desse teorema.
22 Jo~ao Carlos V. Sampaio { DM-UFSCar As refer^encias utilizadas para a confec»c~ao do presente texto s~ao as seguintes: 1. Anglin, W.S. Mathematics: A Concise History and Philosophy Springer, New York, 1994. 2. Boyer, C.B. Hist oria da Matem atica Editora Edgard BlÄucher, S~ao Paulo, 1968. 3. Bunt, L.N.H. et alii The Historical Roots of Elementary Mathematics Dover, New York, 1988. 4. Kleiner, I. Thinking the Unthinkable: The Story of Complex Numbers (with a Moral) Mathematics Teacher 81, Oct., 1988, 583-592. 5. Pi orichkine, A.V. e R odina, N.A. F ³sica 1 Editora Mir, Moscou, 1986 6. Smith, D.E. History of Mathematics, vol. II Dover, New York, 1953. 7. Stillwell, J. Mathematics and Its History Springer-Verlag, New York, 1989. 8. van der Waerden, B.L. Geometry and Algebra in Ancient Civilizations Springer-Verlag, New York, 1983 9. van der Waerden, B.L. A History of Algebra Springer-Verlag, New York, 1985