QUALIDADE DA CARNE NELORE E O MERCADO MUNDIAL 1



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Transcrição:

QUALIDADE DA CARNE NELORE E O MERCADO MUNDIAL 1 Pedro Eduardo de Felício Departamento de Tecnologia de Alimentos, Faculdade de Engª de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas, CP 6121, 13083-970 Campinas SP. felicio@fea.unicamp.br INTRODUÇÃO Qualidade é uma palavra de muitos significados que dependem basicamente da matéria prima, produto ou serviço em questão e da abordagem que se queira fazer do tema. Em se tratando de alimentos, as primeiras considerações sobre a qualidade referem-se às condições higiênicas e sanitárias de obtenção, processamento e conservação, e às possibilidades de contaminação por substâncias químicas estranhas. O segundo conjunto de considerações acerca da qualidade tem a ver com o valor nutritivo, ou seja, com a contribuição dos nutrientes para a manutenção da saúde humana. Escrevendo sobre carnes, Pearson (1994) afirmou que sem a grande contribuição desses alimentos para a nutrição, existiriam poucas razões para consumilos. Para este autor, é importante que os nutrientes sejam acessíveis à população. Portanto, a questão do preço justo, não deve ser ignorada quando se discute qualidade. O terceiro conjunto é o da qualidade organolética, pois, para suprir os nutrientes essenciais, os alimentos precisam ser consumidos. Em outras palavras, eles devem ter um bom aspecto visual para que sejam comprados, e sabor, consistência e suculência adequada, para que sejam consumidos com freqüência. Acrescente-se à lista de atributos de qualidade a conveniência, pois diante das marcantes e aceleradas mudanças que estão ocorrendo no estilo de vida das pessoas e suas famílias, influenciando os hábitos de consumo e preferências dos consumidores, os gêneros que demandam habilidades culinárias, tempo e trabalho de preparação serão substituídos por outros mais convenientes. O Brasil desfruta de uma situação privilegiada no que diz respeito às condições para produzir alimentos nas quantidades necessárias para suprir o mercado interno, com excedentes para exportação, mas precisa resolver questões relacionadas à qualidade para levar adiante o propósito de ter seus produtos reconhecidos e valorizados no mercado mundial. Neste trabalho pretende-se fazer uma análise da qualidade da carne bovina produzida no País, focalizando uma região produtora formada por 10 estados da faixa central, de clima tropical, que representa dois terços do rebanho e da produção nacional. Neste cenário, destaca-se a carne de gado da raça Nelore, que é a mais importante tanto em volume de produção, como em produtividade nas pastagens tropicais. SOBRE A ABORDAGEM DO TEMA NESTE TRABALHO Os aspectos higiênicos e sanitários, bem como aqueles referentes às práticas de conservação e ao controle de resíduos, constituem leis e regulamentos estabelecidos ao nível de mercado doméstico ou internacional, que devem ser obedecidos pelos segmentos de produção, indústria e comércio. Qualquer discussão a esse respeito deve ser deixada para foros mais apropriados. Entretanto, vale salientar que o País tem grandes deficiências nas questões de saúde animal, inspeção sanitária e controle de 1 IX Seminário do PMGRN: Comemoração dos 32 anos do GEMAC. Departamento de Genética, Faculdade de Medicina de Rib. Preto, Universidade de São Paulo. 08/dezembro/2000. (Texto de conferência em CD- Rom).

2 resíduos, que para serem superadas dependem do fortalecimento e reestruturação do Ministério da Agricultura. A qualidade nutritiva da carne, cujos constituintes fundamentais são sempre os mesmos, com variações nas suas proporções, decorrentes da maior ou menor deposição de gordura nas carcaças, é uma vantagem comparativa da faixa tropical. A tendência mundial de consumo de carne magra é compatível com os sistemas de produção predominantes na região. Alguns ajustes podem ser necessários para atender diferentes demandas, mas no momento não há motivo para preocupações. A questão do preço justo também não é um problema, pois os custos de produção de carne de gado zebu a pasto são baixos e a variedade de cortes cárneos e de subprodutos comestíveis é adequada ao perfil sócio-econômico da população. Entretanto, devido ao baixo poder aquisitivo dos consumidores, da concorrência com a carne de frango; e das dificuldades para exportação de cortes in natura, os frigoríficos, pressionados pelo poder de barganha de pecuaristas e supermercados, sofrem graves prejuízos. Esta situação, que é cada vez mais crítica, tem levado tanto à concentração em grandes empresas, como ao rebaixamento do nível técnico das pequenas e médias. A parte da qualidade referente à conveniência e diversificação da linha de produtos virá com a capitalização das grandes empresas de abate e processamento e com a demanda que lhes será imposta pelas redes de supermercados. Resta, então, apresentar para discussão algumas idéias sobre os atributos de qualidade organolética da carne tropical e, por último, comentar a questão da padronização das carcaças. ESTATÍSTICAS DE PRODUÇÃO, CONSUMO E EXPORTAÇÃO O rebanho bovino nacional, de 157 milhões de cabeças, produziu 31,6 milhões de animais para abate, ou seja, 20% de desfrute em 1999, resultando em 6,5 milhões de ton. de carne com osso, das quais 541 mil ton. (8,3%) foram exportadas, gerando uma receita de US$762 milhões, conforme a Tabela 1. TABELA 1.BRASIL. Rebanho, produção, importação, exportação e consumo de carne bovina em 1999. A Rebanho, MM cabeças 157 B Abate, MM cabeças 31,6 B/A, % 20,1 C Carne c/ osso, M ton. 6.522 D E F Importação M ton. eq. carcaça 42,0 MM US$ 71,1 Exportação M ton. eq. carcaça 541 E/C, % 8,3 MM US$ 762 Consumo interno M = milhares; MM = milhões Fonte dos dados: ANUALPEC (2000) M ton. eq. carcaça 6.023

3 Seis milhões de ton. foram consumidas pela população brasileira em 1999, o que representou um consumo per capita de 36,9kg. Comparando-se, então, os dados de consumo per capita das três principais carnes da dieta brasileira (Tabela 2), vê-se que a bovina continua sendo a mais consumida e, portanto, a preferida dos consumidores, já que é a mais cara delas. Tabela 2 BRASIL. Consumo per capita anual das principais carnes Principais carnes Consumo kg/hab./ano* Bovina 36,9 Frango 29,1 Suína 10,7 Total 76,7 *em equivalente carcaça Fonte dos dados: ANUALPEC (2000) Considerando-se que: 1) 100kg de carcaça bovina rendem aproximadamente 72kg de carne desossada e, descontando-se outros 12kg de gordura, tem-se 60kg de carne magra; 2) 100kg de frango inteiro, resultam em 35kg de carne magra após a retirada de ossos e pele, e 3) pelo mesmo raciocínio chega-se a 45% de carne magra na carcaça suína. Conclui-se que o consumo de carne bovina relativamente às outras carnes é ainda bem maior do que se pensa, pois admitindo-se que a carne magra bovina, de frango, e suína, tenha 20% de proteína, o consumo médio anual é de 4,4kg, 2,0kg e 1,0kg de cada uma dessas proteínas, respectivamente. Rebanho bovino e produção de carne da faixa tropical Na Tabela 3 é apresentada uma lista de estados localizados, parcial ou totalmente, entre o Paralelo 10ºS e o Trópico de Capricórnio, com os correspondentes efetivos de rebanho e produção de carne bovina com osso, em valores absolutos e relativos, para comparação com os totais nacionais. Nota-se que os 10 estados, mais o Distrito Federal, localizados na faixa central tropical, possuem juntos mais de 100 milhões de cabeças de gado, ou seja, 68% do rebanho nacional de 157,5 milhões, e produzem mais de quatro milhões de ton., ou 67% das 6,5 milhões de ton. de carne com osso produzidas em 1999. Propositadamente, não foram incluídos os rebanhos e as produções dos estados localizados ao norte do paralelo 10ºS, onde se situa a floresta amazônica, e no Nordeste, acima da Bahia, pelas características dessas regiões que podem ter melhor utilização do que a criação de gado de corte. A região Sul também não foi incluída pelas suas características subtropicais, favoráveis a uma pecuária intensiva com a participação de gado europeu. O rebanho dessa vastíssima faixa tropical, é predominantemente zebu - basicamente Nelore e anelorado - criado, recriado e terminado em pastagens de gramíneas tropicais, que viabilizam ganhos médios de 500 a 800g ao dia no período das águas, mas praticamente não sustentam ganhos de peso na seca.

4 Os índices médios de produtividade ainda são baixos porque vacas que não criam são mantidas por muito tempo no rebanho; a idade de abate dos machos e da primeira cria das fêmeas é elevada; o ganho genético é pequeno porque a inseminação é pouco utilizada; a disponibilidade de touros melhoradores a preços acessíveis é insuficiente, e as novilhas fracas que deveriam ser descartadas são mantidas para crescimento dos rebanhos. TABELA 3 BRASIL. Efetivos dos rebanhos e produção de carne bovina em dez estados da faixa tropical central em 1999. Estados MM cabeças % M ton. % RO 4,7 3,0 133,9 2,1 TO 5,5 3,5 139,1 2,1 BA 9,1 5,8 547,4 8,4 MG 19,8 12,6 556,4 8,5 ES 1,8 1,1 77,3 1,2 RJ 1,8 1,1 114,8 1,8 SP 12,7 8,1 995,2 15,3 MS 20,0 12,7 648,2 9,9 MT 15,5 9,9 540,5 8,3 GO 16,6 10,5 612,4 9,4 DF 0,1 0,1 14,5 0,2 Subtotal 107,5 68,2 4379,7 67,1 OUTROS 50,1 31,8 2142,7 32,9 BRASIL 157,5 100,0 6522,3 100,0 M = milhares; MM = milhões Fonte dos dados: ANUALPEC (2000) CARACTERÍSTICAS DA CARNE TROPICAL A carne bovina dessa região tem características típicas de uma carne tropical, diferindo muito daquelas de clima temperado, por exemplo, da Europa Continental, da América do Norte, e do Uruguai e Pampa Argentino (entre os paralelos 30 º e 40 º S), que também diferem umas das outras. De um modo geral, é magra na porção muscular, por vezes magra demais, sendo praticamente desprovida de "marbling" (marmoreado), mas tem bom acabamento de gordura subcutânea. Os resultados de centenas de análises realizadas no Laboratório de Carnes, da FEA-Unicamp, revelam uma variação de 1,5-3,5% de lipídios intramusculares em contrafilés, sendo que os valores de 2,5-3,5% são sempre de machos castrados e fêmeas terminados em confinamento. Cor A coloração vermelha dos músculos e creme da gordura tende a ser saturada, pela concentração de pigmentos em função da idade e da engorda a pasto. A aparência dessa carne é, portanto, típica do ambiente tropical, estando o consumidor brasileiro habituado a ela. Entretanto, quando se faz a terminação no confinamento para abate aos 18-24 meses, a coloração fica mais clara, assemelhando-se à da carne que se vê nos supermercados de países de clima temperado.. Sabor e suculência

5 O sabor da carne grelhada está mais para intenso do que para brando, e a suculência é muito variável, mas em geral fica à meia distância entre seca e suculenta, em decorrência da falta de gordura intramuscular. Maciez Os resultados apresentados nas Figuras 1 e 2, da tese de Ormenese (1995) ilustram o quanto pode ser dura a carne tropical brasileira. Na Figura 1 tem-se o efeito da maturação na força de cisalhamento dos músculos LD (Longissimus.dorsi, contrafilé), GM (Gluteus medius, centro da alcatra), SM (Semimembranosus, coxâo mole), ST (Semitendinosus, lagarto) e VL (Vastus lateralis, patinho) de carcaças de 300±20kg de oito novilhos Nelore de quatro anos, abatidos no estado de São Paulo. O resfriamento por 20h resultou numa temperatura média de 10ºC no interior do coxâo. Esse resfriamento rápido deve ter provocado encurtamento de sarcômeros nos músculos mais superficiais como o LD. Após a desossa, os cortes foram embalados à vácuo ou acondicionados em tanques Tender Tainer 2 para maturação por períodos de 1, 14, 21 e 28 dias. Cada uma das barras do gráfico representa a média de 60 medidas de força de cisalhamento em amostras assadas em forno a 170ºC até a temperatura interna de 70ºC A linha horizontal no gráfico foi traçada na altura do valor 5,0kgf de WB, utilizado como limite entre carne macia (<5,0) e dura (>5,0). Vê-se que somente as médias de LD e GM maturados por 28 dias atingiram valores aceitáveis de maciez. Não houve efeito (P>0,05) do tempo de maturação no VL, e no ST só houve diferença (P<0,05) entre os dias 1º e 28º. Com base nesses resultados, pode-se dizer que a maturação de coxâo mole, lagarto e patinho não resolveu o problema de dureza desses cortes, e que o LD e GM devem ser maturados por 28 dias. 12 Força WB (kgf) 10 8 6 4 2 0 LD GM SM ST VL Músculos do traseiro 1 14 21 28 FIGURA 1 Efeito do tempo de maturação (1, 14, 21 e 28 dias) na maciez (força de cisalhamento Warner- Bratzler) de cinco cortes cárneos (LD=Longissimus dorsi/contrafilé, GM=Gluteus medius/alcatra, SM=Semimembranosus/coxâo mole; ST=Semitendinosus/lagarto; VL=Vastus lateralis/patinho) de novilhos Nelore. Quanto maior a força WB, mais dura é a carne. Adaptado do trabalho de ORMENESE (1995). 2 Tender Tainer é um processo patenteado pela suiça Vesten AG, de maturação de carne sob pressão positiva, em tanques especiais hermeticamente fechados e armazenados em câmaras frias. A licença de uso no Brasil e os tanques foram adquiridos pela Sadia em 1995.

6 Na Figura 2 são apresentados os resultados de outro experimento da mesma tese, mas neste caso com sete novilhos Nelore de aproximadamente três anos, cujas carcaças pesaram 254±17kg. As meias carcaças foram desossadas à quente (DQ), duas horas após o abate, ou convencional (DQ), após o resfriamento por 30h (7ºC no interior do coxâo).. Após a desossa, todos os cortes foram acondicionados em tanques Tender Tainer e maturados. No gráfico encontram-se as médias de escores atribuídos por uma equipe de oito provadores treinados, seguindo uma escala não estruturada de 10cm, onde 0=muito dura e 10=muito macia. Uma linha horizontal corta o eixo Y no valor 5,0 de maciez sensorial, que, para fins de comparação, pode ser considerado como o limite entre carne dura (<5,0) e macia (>5,0). Comparando-se a DQ com a DC vê-se que, com exceção do m. VL, todos os outros eram mais macios no tratamento DQ, entretanto apenas os mm. LD e GM do tratamento DQ e o GM da DC receberam notas médias superiores a 5,0. Normalmente, a desossa à quente de carcaças não estimuladas elétricamente resulta em carne mais dura, mas neste caso, a maturação no processo Tender Tainer favoreceu a DQ, provavelmente devido ao declínio lento da temperatura. Na comparação dos músculos maturados por 7 ou 28 dias, verifica-se que no 7º dia apenas o LD teve nota superior a 5,0. A maturação por 28 dias melhorou as notas de maciez de todos os músculos, mas o efeito só foi significativo (P>0,05) para o GM e o VL, e apenas os mm. LD e GM obtiveram notas médias superiores a 5,0. Pode-se dizer que a maturação do GM (centro da alcatra) foi muito bem sucedida, mas a do LD (contrafilé) foi apenas razoável. Escores de maciez 10 8 6 4 2 0 DQ DC 7 28 LD GM SM ST VL Tipo de desossa e Tempo de maturação FIGURA 2 Efeitos do tipo de desossa (DQ=desossa à quente; DC=desossa convencional) e do tempo de maturação (7 e 28 dias) na maciez avaliada por provadores treinados (0=muito dura; 10=muito macia) de cinco cortes cárneos (LD=Longissimus dorsi/contrafilé, GM=Gluteus medius/alcatra, SM=Semimembranosus/coxâo mole; ST=Semitendinosus/lagarto; VL=Vastus lateralis/patinho) de novilhos Nelore. Quanto maior a nota, mais macia é a carne. Adaptado de ORMENESE (1995). Com os resultados médios de todos os músculos estudados, dos dois tratamentos, chegou-se a um coeficiente de correlação de -0,82 entre força de cisalhamento e notas de

7 maciez da avaliação sensorial, demonstrando assim a utilidade do método mecânico na determinação da maciez da carne. Os resultados da tese de Ormenese (1995), que, exceto pelos tratamentos de maturação pelo Tender Tainer e desossa à quente, foram obtidos nas mesmas condições operacionais e com o mesmo padrão de gado Nelore que estava sendo utilizado para as exportações de cortes para a Europa - são mostrados aqui não somente para demonstrar que a carne tropical é dura, mas, principalmente, para enfatizar a necessidade de se adotar métodos que, aplicados na fase post mortem, venham a melhorar a maciez da carne. Dentro os métodos disponíveis, relatados em outros trabalhos (Felício, 1997, 1998, 2000), o único capaz de resolver o problema da carne dura de todos os cortes do traseiro é a pendura pela pelve (Tenderstretching). Segundo Tarrant (1998) este método tem sido implementado no Reino Unido e ganhou força especialmente na Irlanda em resposta à demanda por uma carne macia e porque já não há tanta preocupação com a forma alterada dos cortes, pois o mercado mudou e quer pequenas porções pré-embaladas. Os trabalhos científicos clássicos sobre o assunto são do início da década de 70 (Hostetler et al., 1970; Bouton et al., 1973) e o mais recente é de Hopkins & Thompson (2001), que utilizaram o método, para estudar as interações entre os miofilamentos de actina e miosina com diferentes graus de sobreposição post rigor, e concluiram que houve significativos (P<0,001) aumento no comprimento dos sarcômeros e redução na força de cisalhamento do Longissimus dorsi. O primeiro e, provavelmente, único trabalho de pesquisa feito no Brasil sobre o método, que chegou a ser utilizado no Rio Grande do Sul pela antiga Swift Co., nas exportações para o Reino Unido, foi o de Cia & Norman (1977). Na Figura 3 são apresentados alguns resultados dessa pesquisa com sete cortes de carcaças de novilhos Zebu de quatro anos de idade. Note-se no gráfico que as linhas representam o comprimento dos sarcômeros (em µm) e as barras representam a maciez sensorial (numa escala hedônica de 8 pontos). Notas de maciez 8 7 6 5 4 3 2 1 0 QF BF LD ST GM SM PM 3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 Compr. sarcômero MPT MPP SPT SPP Músculos estudados Figura 3 Efeito do método de pendura das carcaças de novilhos Zebu na maciez sensorial (M, barras; escala de 8 pontos, onde 1=extrem. rija e 8=extrem. macia) e no comprimento de sarcômero (S, linhas, µm) de sete cortes (QF=Quadriceps femoris/patinho; BF=Biceps femoris/coxâo duro; LD=Longissimus dorsi/contrafilé; ST=Semitendinosus/lagarto; GM=Gluteus medius/alcatra; SM=Semimembranosus/coxâo mole; PM=Psoas major/filé mignon).. MPT e MPP = maciez pendura pelo tendão e pela pelve, respectivamente. Adaptado de Cia & Norman (1977)

8 Vê-se que, com a pendura pela pelve, houve um aumento no comprimento dos sarcômeros e nas notas de maciez sensorial de todos os músculos, exceto do PM (filé mignon), pois na pendura convencional pelo tendão esse músculo entra em rigor estirado e é sempre muito macio, mas sofre encurtamento e fica menos macio no Tenderstretching. Na pendura pela pelve, todos os cortes ficaram mais macios do que o contrafilé, e as melhores notas foram atribuídas à alcatra e ao coxâo mole. Vale a pena salientar que a carne tropical é dura porque é proveniente de gado zebu produzido a pasto e porque nos matadouros-frigoríficos modernos, as carcaças são resfriadas muito rapidamente, causando o encurtamento dos sarcômeros e agravando sobremaneira a qualidade organolética. No mercado interno, os consumidores apreciam o sabor e não reclamam porque encontraram maneiras de contornar o problema. Se dispõem de mais dinheiro, optam por filé, alcatra ou picanha, mais macios, dispensando o contrafilé que geralmente é duro. O contrafilé, para ser consumido é fatiado em bifes finos, que são martelados, temperados e passados em frigideira ou chapa quente. Assim, é preciso encarar o fato de que os consumidores poderão substituir a carne bovina por outros alimentos que apresentem maior conveniência e melhor qualidade organolética. A CARNE TROPICAL BRASILEIRA E O MERCADO MUNDIAL A carne da faixa tropical, que não tem a maciez e o "marbling" da carne norteamericana, ou a maciez, o sabor e a suculência equilibrados da carne do Pampa argentino, costuma ter seus cortes de traseiro pouco valorizados no mercado internacional. E os cortes de dianteiro são tratados como matéria prima para processamento industrial. Assim, a carne tropical é tratada no mercado internacional como uma mercadoria regular, sem vantagens aparentes sobre quaisquer outras do gênero. Uma mercadoria que agrega pouco valor no país de origem. Que ninguém se iluda quanto às possibilidades de exportação de cortes nobres para os países não aftósicos após a declaração de área livre sem vacinação que a região acabará recebendo. Os Estados Unidos têm excedentes para exportação de carne do tipo Choice e Prime e só importam carne do Hemisfério Sul para processamento de hambúrgueres e salsichas. Por sua vez, o Japão importa cortes especiais dos Estados Unidos e da Austrália. Os importadores da carne brasileira continuarão sendo a curto e médio prazo os de sempre, que pagam preços aviltados pelos nossos produtos porque insistem em agregar impostos no valor correspondente aos preços pagos, para deste modo subsidiarem a produção própria. Talvez por isso mesmo tem faltado estímulo às empresas brasileiras para investir em qualidade organolética do produto nacional. Mas isto não deve ser motivo para acomodação. Os atores da cadeia produtiva da carne brasileira precisam mostrar competência e devem investir em pesquisas, que podem até ser financiadas pelas agências de fomento à inovação tecnológica. A QUESTÃO DA PADRONIZAÇÃO DAS CARCAÇAS Um outro aspecto da qualidade, que vem sendo enfatizado pelos gerentes das empresas exportadoras é a grande variação de peso das carcaças, implicando na falta de uniformidade dos cortes. No passado, as indústrias selecionavam para exportar as carcaças de 18-20 arrobas (270-300kg). Os cortes eram espessos e razoavelmente

9 uniformes. Ocorre que os pecuaristas estão tratando de aumentar a produtividade, cada um à sua maneira. A conseqüência é que, nas principais regiões produtoras, a idade de abate vem sendo reduzida e com ela o peso das carcaças e dos cortes. Também, em função de iniciativas com cruzamentos e sistemas de produção, aumentou a variabilidade do peso e tipo de carcaça. Isto exige um esforço extra das indústrias para atender as especificações dos importadores, o que as está obrigando a classificar as carcaças e ir juntando caixas de carne desossada e embalada, dia após dia, até que seja possível completar a carga de um container. A ACNB Associação de Criadores de Nelore do Brasil detectou o problema e constatou que a facilidade de padronização do gado Nelore é uma importante vantagem comparativa da raça. Assim, desde setembro de 1999, a entidade já promovendo a avaliação de mais de três mil carcaças, para comprovar e divulgar a uniformidade dos novilhos, progênies de touros Nelore selecionados. O DESAFIO Transformar essa mercadoria regular que é a carne tropical, em produto identificado, com certificado de origem, é um grande desafio para o setor da carne bovina. O problema é que ao se identificar um produto cria-se a necessidade de assegurar a sua qualidade, pois o cliente ou consumidor insatisfeito vai procurar algo melhor da próxima vez, e esse algo melhor pode ser a carne de outra marca, outra espécie, ou outro produto alimentício. A ACNB tem um projeto (Felício & Viacava, 2000) que, se for implementado com todo o rigor necessário, poderá contribuir para melhorar a qualidade da carne, com grandes reflexos na comercialização tanto no mercado interno como nas exportações. O momento é muito propício e não pode ser desperdiçado. É a hora de concentrar esforços num trabalho profissional de coordenação da cadeia produtiva da carne bovina. BIBLIOGRAFIA ANUALPEC Anuário da Pecuária Brasileira. FNP Consultoria & Comércio, Editora Argos, São Paulo SP, 2000. BOUTON, D.R. et al. A comparison of the effects of some post-slaughter treatments of beef. J. Food Tech., vol.8, p.39-49, 1973. CIA, G.; NORMAN, G.A. Influência da pendura da carcaça imediatamente após o abate na maciez da carne bovina. Coletânea do ITAL, Campinas SP, vol.8, p.1-18, 1977. FELÍCIO, P.E. de. Uma análise crítica, porém otimista da carne bovina do Brasil Central agropecuário. In: I ENCONTRO NACIONAL DO BOI VERDE A Pecuária Sustentável. Uberlândia MG. Anais. 1999. p.111-119. FELÍCIO, P.E. de. Desdobramento da qualidade da carne bovina. Revista Higiene Alimentar, São Paulo SP, v.12, n.54, p.16-22, 1998. FELÍCIO, P.E. de. Fatores ante e post mortem que influenciam na qualidade da carne bovina. In: Peixoto, A.M., Moura, J.C. de e Faria, V.P. (eds.). Produção do Novilho de Corte. FEALQ/USP, Piracicaba SP, 1997, p.79-97. FELÍCIO, P.E. de; VIACAVA, C. O Programa da ACNB para a Carne Nelore. Simpósio Nelore, Ribeirão Preto SP, Anais. São Paulo: Associação de Criadores de Nelore do Brasil, 2000, p.65-69- HOSTETLER, R.L. et al. Influence of carcass position during rigor mortis on tenderness of beef muscles, comparison of two treatments. J. Anim. Sci., v.31, p.47-50, 1970. HOPKINS, D.L.; THOMPSON, J.M. The relationship between tenderness, proteolysis, muscle contraction and dissociation of actomyosin. Meat Science, vol.57, p.1-12, 2001. ORMENESE, F.M. Efeito do processo Tender Tainer de maturação sob pressão na maciez da carne bovina. Tese de Mestrado, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Unicamp, 1995.

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