G.D.P. R.I.P. (PIB - Descanse em Paz)



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Transcrição:

G.D.P. R.I.P. (PIB - Descanse em Paz) Dr. ERIC ZENCEY Professor de Estudos Políticos, Universidade Estadual de Nova Iorque, EUA Editorial no jornal New York Times, 10 de agosto de 2009 Se há um mal que veio para o bem que represente a nossa recessão econômica, então é esta: Com ela vem aquilo que o economista Joseph Schumpeter chamou de destruição criativa, o fracasso das obsoletas estruturas econômicas e sua substituição por novas estruturas mais adequadas. Recessões têm frequentemente dado uma última cutucada que induz fatalidade em moribundas indústrias e tecnologias. Poucos foram os fabricantes de charretes que sobreviveram à Grande Depressão de 1929. Destruição criativa também pode ser aplicada aos conceitos econômicos. E esta recessão oferece uma excelente oportunidade para nos livrarmos de algo que já há muito tempo exauriu sua utilidade: o Produto Interno Bruto. O PIB é uma medida de renda nacional, do quanto de riqueza que os americanos geram, e é um indicador profundamente tolo quanto ao desempenho da economia. Deve se juntar aos chicotes das charretes e aos aparelhos de videocassete no monte de poeira da história. A primeira tentativa oficial de determinar a nossa renda nacional foi feita em 1934; a meta era medir toda a produção econômica envolvendo os americanos, quer eles estivessem nos EUA quer no estrangeiro. E 1991, o Bureau of Economic Analysis mudou do Produto Nacional Bruto para Produto Interno Bruto - PIB, para refletir a alterada realidade econômica à medida que o comércio aumentou, e as empresas estrangeiras construíam fábricas em solo americano, ficou aparente que precisávamos medir aquilo que fosse de fato produzido nos EUA, independentemente de quem o fabricasse, ou para onde fosse após ter sido produzido. Desde então o PIB se tornou o nosso mais comumente citado indicador econômico, o número básico que tomamos como uma medida de quão bom está sendo o nosso desempenho econômico de um ano para outro, e de trimestre para trimestre. Mas trata-se na verdade de um miserável fracasso no que diz respeito a representar a nossa realidade econômica. 1

Para começar, o PIB exclui uma grande parte da produção que tem valor econômico. Nem o trabalho voluntário nem os serviços domésticos não remunerados (faxina, limpeza, cuidar das crianças pequenas, manutenção e melhoramentos do tipo Faça-Você-Mesmo - Do-It-Yourself ) entram nessa contabilidade, sendo que o nosso padrão de vida, nosso nível geral de bem-estar econômico, se beneficia poderosamente de ambos. Nem tampouco inclui o enorme benefício que obtemos, fora de qualquer mercado, diretamente da natureza. Um exemplo mundano: se você deixar que o sol seque suas roupas, esse serviço é grátis e não aparece no nosso PIB; se você jogar sua roupa suja na secadora, você vai queimar combustível fóssil, aumentar sua pegada carbônica, tornar a economia mais insustentável e vai dar um empurrãozinho para aumentar o PIB. De uma forma geral, a substituição de serviços do capital-natural (como o sol secando roupas, ou a propagação de peixes, ou controle de enchentes ou a purificação da água) por serviços de capital-construído (capital-built) (como aqueles de uma secadora, ou de uma fazenda de piscicultura industrial, ou de diques, represas e estações de tratamento de água) é uma roubada capital-construído é caro, não se mantém, e em muitos casos provê um serviço inferior e mais imprevisível. Mas no PIB, cada instância de substituição de um serviço de capital-natural por um serviço de capital-construído aparece como algo bom, um aumento na nossa atividade econômica nacional. Não é de se admirar que atualmente estamos nos defrontando com uma crise global na forma de uma premida escassez de serviços de capital-natural de todos os tipos. Isso aponta para o equívoco maior e mais profundo em se usar uma medida nacional de renda como um indicador de bem-estar econômico. Ao resumir toda a atividade econômica da economia, o PIB não faz distinção entre itens que são custos e itens que são benefícios. Se você sofrer um acidente automobilístico e colocar seu carro amassado numa oficina para fazer lanternagem, o PIB sobe. Um similar e contra intuitivo resultado vem de outros tipos de gastos para reparação, como assistência médica, redução da poluição, controle de enchentes e custos associados com crescimento populacional e crescente urbanização incluindo prevenção ao crime, construção de auto-estradas, tratamento de água e expansão de escolas. Gastos com tudo isso aumentam o PIB, embora a maior parte do que almejamos comprar não seja um melhorado padrão de vida, e sim a restauração ou a proteção da qualidade de vida da qual já desfrutávamos. E as quantias envolvidas não são nenhuma mixaria. O furacão Katrina produziu algo como 82 bilhões de dólares em danos na cidade de Nova Orleans, nos EUA, e na medida em que a destruição ali foi remediada, o PIB subiu. Algumas das despesas com 2

reparos na Costa do Golfo (onde se situa a cidade de Nova Orleans) de fato representam uma mudança positiva em prol do bem-estar econômico, já que antigos utensílios e tapetes e automóveis foram substituídos por novos, presumivelmente aperfeiçoados. Mas muitas dessas despesas não melhoraram a comunidade (de fato, em certos casos pioraram), se compararmos com o estado dela anteriormente. Considere os cerca de 70 km de mangue esponjoso entre a cidade de Nova Orleans e a Costa do Golfo que outrora protegia a cidade das tempestades. Quando aqueles mangues foram perdidos em prol do desenvolvimento fatiados até a morte por canais para que, na maior parte das vezes, plataformas petrolíferas pudessem ser transportadas o PIB subiu, mesmo quando esses melhoramentos destruíram as defesas naturais da cidade e dizimaram a crucial área para desova de camarões para a pesca da Costa do Golfo. Os mangues eram uma espécie de capital-natural, e sua perda gerou um custo que jamais entrou em qualquer contabilidade nem no PIB nem em qualquer outra. Decisões sábias dependem de avaliações precisas dos custos e benefícios de diferentes cursos de ação. Se não levarmos em conta os serviços do ecossistema como um benefício na nossa mensuração básica de bem-estar, suas perdas não poderão ser contabilizadas como um custo e nesse caso o processo de tomada de decisão do ponto de vista econômico inevitavelmente nos levará a indesejáveis e perversos resultados anti-econômicos. O problema básico é que o PIB mede a atividade, e não o benefício. Se você anotasse suas despesas no seu talão de cheque do jeito que o PIB mede as contas nacionais, você registraria todo o dinheiro que fosse depositado na sua conta bancária, faria entradas para cada cheque que você emitisse (suas despesas), e depois somaria todos esses valores. O resultado dessa soma pode lhe dizer algo de útil sobre o fluxo total de caixa da sua família, mas não irá lhe dizer se, financeiramente falando, você está melhor neste mês do que no mês passado, ou se de fato você está solvente ou falindo. Pelo fato de usarmos tal equivocada métrica de bem-estar econômico, é tolice perseguir políticas cujo principal propósito seja aumentá-lo. Fazer isso é uma instância de falácia de concretude deslocada (fallacy of misplaced concreteness) tomar o mapa pelo território, ou tratando uma leitura de um instrumento como se fosse a realidade em vez de uma representação. Quando você está sentindo frio na sua sala de estar, você não acende um fósforo e o coloca debaixo de um termômetro, para em seguida alegar que a sala esquentou. Mas é isso que fazemos quando buscamos melhorar o nosso bem-estar econômico pela estimulação do PIB. 3

Diversas alternativas ao PIB têm sido propostas, e cada uma lida com o problema central de se colocar valor nos bens e serviços que jamais foram precificados. As alternativas são controversas, porque tal tipo de avaliação abre espaço para a subjetividade para a expressão de valores pessoais, de ideologia e de crença política. Como então, afinal de contas, devemos julgar exatamente o valor daqueles mangues do estado da Louisiana (cuja capital é Nova Orleans)? Será que foi de 82 bilhões de dólares? Mas o que dizer sobre o valor da área de pesca de camarão que já havia sido perdida, mesmo antes do Katrina? E o que dizer sobre o valor do seguro oferecido para a proteção dos mangues contra uma outra perda futura de 82 bilhões de dólares? E o que dizer da segurança e senso de continuidade de vida desfrutados por milhares de pessoas que viviam e ganhavam sua vida em função daqueles mangues antes que estes desaparecessem? É admissivelmente difícil precificar (colocar um preço em) tais coisas mas não há razão para se arbitrar seus preços como zero, do jeito que o PIB atualmente faz. O senso comum nos diz que, se quisermos uma acurada contabilidade da mudança do nosso nível de bem-estar econômico, precisamos subtrair os custos dos benefícios, e contabilizar todos os custos, incluindo aqueles relacionados aos serviços providos pelo ecossistema, uma vez que estes sejam perdidos por conta do desenvolvimento econômico. E nestes custos deveriam ser incluídos proteção contra inundações e tempestades, purificação e abastecimento de água, manutenção da fertilidade do solo, polinização das plantas e regulação do clima numa escala global e local. (Uma recente estimativa coloca o valor mínimo de mercado desses serviços de capital-natural em torno de 33 trilhões de dólares por ano). A natureza também tem um valor estético e moral; alguns de nós experienciam deslumbramento, arrebatamento e humildade nos nossos encontros com ela. Mas não precisamos ir tão longe a ponto de incluir tais intangíveis subjetivos para consertar a contabilidade da renda nacional. À medida que os desgastados ecossistemas pelo mundo forem desaparecendo, será cada vez mais fácil atribuir uma avaliação não subjetiva aos mesmos - um valor que devemos atribuir caso queiramos mantê-los de fato. Nenhuma civilização pode sobreviver à sua perda. Considerando os problemas fundamentais com o PIB enquanto um principal indicador econômico, e o nosso hábito de tomá-lo como a medida de bem-estar econômico, deveríamos descartá-lo completamente. Poderíamos manter o atual número, mas renomeando-o para tornar mais claro o que ele de fato representa: poderíamos chamá-lo de Transações Domésticas Brutas. Poucas pessoas se deixariam iludir, assumindo que uma mensuração de transações brutas representaria 4

uma mensuração do bem-estar geral. E essa renomeação iria criar espaço para a aceitação de uma nova mensuração, que pudesse sinalizar de forma mais acurada as mudanças no nível de bem-estar econômico que estivéssemos desfrutando. Nosso uso de produtividade total como sendo nosso principal indicador econômico não é mandatário por lei, de modo que seria razoavelmente fácil para o Presidente Obama convocar um painel de economistas e outros especialistas para que se juntassem ao Bureau of Economic Analysis na criação de uma nova e mais acurada medida. Pode até ser chamada de Bem-Estar Econômico Líquido. No lado dos benefícios figurariam os tais bens de fora do mercado, como o trabalho doméstico não remunerado e os serviços providos pelo ecossistema, e no lado do débito ficariam os gastos defensivos e de reparação que não melhoram o nosso padrão de vida, juntamente com a perda dos ecossistemas, e o capital que gastamos ao tentar substituí-los. Em 1934, o economista Simon Kuznets, no seu primeiro relatório sobre a renda nacional no Congresso americano, alertou que o bem-estar de uma nação não pode ser inferido a partir de uma medida de renda nacional. Assim como essa crise que estamos vivendo nos dá a oportunidade de acabar com a abordagem econômica da natureza-que se-dane e do quanto-mais-melhor, que floresceu quando o petróleo era barato e abundante, podemos finalmente agir em cima do sábio alerta de Kuznets. Estamos num buraco econômico, e à medida que subimos para fora dele, o que precisamos não é simplesmente uma medida do quanto de dinheiro passa pelas nossas mãos a cada trimestre, mas de um indicador que nos possa dizer se estamos de fato e realmente ganhando terreno na perene luta para melhorar as condições materiais da nossa vida. ENTREVISTA COM Dr. ERIC ZENCEY Por que deveríamos estar pensando num alternativa ao PIB agora? O PIB é uma medida extremamente tola para se avaliar o progresso econômico e o bem-estar humano. Esse índice jamais foi idealizado para medir esses conceitos, e precisamos achar uma medida melhor o quanto antes. Qualquer hora é uma boa hora para se fazer isso, mas a crise pela qual estamos passando atualmente torna esse momento ainda mais oportuno. O que estamos vendo do ponto de vista econômico é, de muitas maneiras, inédito, e a resolução dessa crise irá requerer que pensemos de modos que não foram pensados anteriormente. Em termos práticos, com o PIB em baixa no mundo todo, fica mais fácil fazer a mudança. Uma nova métrica poderia ser implementada, e poderia orientar as políticas públicas em prol de uma recuperação econômica que possa nos dar mais daquilo que realmente almejamos, que é bem-estar social, e não apenas atividade econômica. 5

Por que o PIB é uma medida extremamente tola de bem-estar? O primeiro e maior problema é que o PIB não mede coisa alguma de bemestar, ele mede a soma total do valor monetário das transações do mercado. Por conta disso, ele junta coisas que são custos e coisas que são benefícios, sem fazer muita distinção entre ambos. Isso é uma tolice. E mesmo como um somatório de todos os custos e benefícios o PIB é falho, por que ele não mede os custos de forma acurada. Mas o que é que o PIB falha em medir? O custos mais significativos que o PIB falha em medir, na minha opinião, são os custos do desenvolvimento econômico as perdas de capital natural, e por conseguinte os custos dos serviços do capital natural, que acontecem com a destruição ou a radical simplificação de complexos ecossistemas. Nenhuma civilização pode sobreviver à perda dos serviços do capital natural da qual ela depende. Se deixarmos de contabilizar as perdas por esses serviços na nossa contabilidade nacional, avançaremos diretamente para a nossa extinção. Será que você poderia dar exemplos de serviços de capital natural? Certamente que posso! Essa terminologia ainda é um tanto recente, porém a conscientização do conceito está crescendo. Nós nós humanos, nas nossas comunidades, nações e civilizações desfrutamos de inegáveis e diretos bens e serviços da natureza, que estão à margem de qualquer mercado. Os economistas que falam dessas coisas têm encontrado diversos modos de classificar os serviços de capital natural em diferentes categorias, mas basicamente eles são em torno de uma dúzia. Permita-me discorrer sobre essa lista: micro e macro moderação climática, purificação e transporte de água; polinização; controle de enchentes e moderação de tempestades; provisão de matéria prima; absorção (e algumas vezes desintoxicação) dos nossos afluentes; fertilidade do solo; reciclagem de nutrientes; habitat para espécies; criação e manutenção de um estoque de possibilidades genéticas; e oportunidades recreativas, estéticas, espirituais e educacionais para os seres humanos. Repito, essa é apenas uma possível maneira de descrever os tipos de serviços que a natureza nos oferece. Gostaria de ressaltar com estudantes que historicamente o movimento ambiental tem sido associado apenas com a última categoria a imagem do ambientalista é aquela do abraçador de árvores, a pessoa que enxerga valores estéticos, recreativos ou espirituais na natureza. Em parte isso se dá porque tradicionalmente a economia tem dito claro, a natureza tem valor, algumas pessoas pagarão para apreciá-la, por isso ela deve ter algum valor. O que o conceito de capital natural faz e redimensionar essa moldura. Ele diz que os valores ambientais não são um mero subconjunto dos valores econômicos, mas justamente o oposto. Uma economia não navega à deriva numa Terra-do-Nunca, do modo que os livros acadêmicos a modelam. Uma economia está inserida num ambiente mais amplo. Ela troca matéria e 6

energia com esse ambiente. E isso significa que os processos econômicos são na verdade um subconjunto dos processos ambientais. Existe um capital natural e um capital construído (built capital), sendo que a nossa economia extrai serviços produtivos de ambos. Então se deixarmos de usar o PIB isso é um passo crucial para se alcançar a sustentabilidade? Correto. Como podemos medir o lado qualitativo da qualidade de vida, que é o que medidas como a Felicidade Interna Bruta do Butão ou o Índice de Progresso Nacional da Tailândia tentam fazer? Em primeiro lugar, deixem dizer que eu não acho que os EUA irão se mover tão cedo em direção a um índice que meça coisas subjetivas. A opinião informada dos EUA está muito atrasada quando comparada àquela de outros países no tocante a esses temas. Os consultores em administração nos oferecem uma frase útil: medir para administrar. A idéia de que seja qual for o modo pelo qual optemos por definir sucesso ou progresso, a tendência será de administrar os recursos para se alcançar uma meta previamente definida. Eu acrescentaria que, ao longo do tempo, o sistema como um todo tende a evoluir de um jeito que seja congruente com a meta você identificará um comportamento-direcionado-a-uma-meta (goal-directed behavior) em toda a sociedade. Nos EUA nossa métrica de progresso econômico tem sido o PIB, e então não é por acidente que os americanos têm uma reputação de estarem interessados somente no final das contas, de reduzirem tudo a um valor econômico. A primeira questão que um americano pergunta a um estrangeiro provavelmente é o que é que você faz? Tendemos a nos definir em termos do que fazemos do ponto de vista econômico, ou do que consumimos as alianças de marcas nas quais focamos nossos padrões de consumo. Isso não vai ser mudado tão facilmente. Para mudar isso, teremos que reconhecer que existem mais fatores relacionados à qualidade de vida do que quantidade ou mesmo qualidade de consumo e a indústria da propaganda gasta bilhões para nos desencorajar a pensar desse modo. Gostaria de ver outros países tomarem a frente nesse rumo nações nas quais os valores de mercado não tenham se tornado de forma tão avassaladora a definição de todos os valores humanos. Em segundo lugar, não é tão difícil assim achar mensurações objetivas de satisfações subjetivas uma vez que tais satisfações tenham sido identificadas e definidas. Será que você gostaria de incluir bem-estar no local de trabalho (workplace wellness), como Med Yones, do Instituto Internacional de Administração, propõe? Você pode fazer um levantamento diretamente com os funcionários, por amostragem, e checar se eles estão satisfeitos no trabalho, ou você pode escolher algumas variáveis para representar esse valor o número de empregos acrescidos e perdidos na economia, em conjunto com o número de queixas no local de trabalho ou ações trabalhistas. Ou você poderia fazer ambos. 7

Você pode achar métricas objetivas que se aproximem do total de tais intangíveis como o montante de sofrimento e tristeza evitáveis na comunidade: taxas de mortalidade maternal e infantil, expectativa de vida, taxas de morte prematura por doença, guerra, acidente, e assim por diante. Você ainda se defronta com a dificuldade adicional ao atribuir pesos relativos às variáveis que sejam agregadas em cada área, e ainda tem a dificuldade de se atribuir pesos relativos para cada um desses agregados, uma vez que eles são amalgamados num índice mais geral. Mas isso também é um problema solucionável. As Nações Unidas, o Banco Mundial, e assim por diante, dispõem de toda sorte de índices -- por que então esses índices não são usados de forma mais disseminada, ou fundidos no principal índice que é o PIB? Não tenho resposta para isso. Inércia? A força do hábito? O enorme investimento que os economistas neoclássicos fizeram em modelos que incluem o PIB e apenas o PIB? Parte da resistência que você vê nos EUA é puro chauvinismo nacionalista. Os EUA são um campeão se a métrica for o PIB per capita; por outras métricas, como o IDH das Nações Unidas, os EUA estão abaixo de outros países, e eu acho que parte da resistência nos EUA a índices alternativos está enraizada no desejo de ser o numero um. Existe também um tanto de uma lição a ser oferecida pela meteorologia, da previsão do tempo. Há até bem pouco tempo, as previsões do tempo nos davam apenas algumas informações básicas: qual seria a temperatura, se iria chover ou não. Mas o que queremos em parte de uma previsão do tempo é a previsão dos níveis de conforto humano, não apenas a temperatura ou a probabilidade de chuva. Logo, uma previsão completa nos dá o índice de umidade, os grau de resfriamento e aquecimento dos dias, o fator de resfriamento pelo vento, a leitura de ozônio, e assim por diante. Ou seja, o que quer seja relevante para aquele local durante aquela estação do ano. E essa previsão também nos diz se há uma tempestade se aproximando. Esta é uma abordagem para se resolver o problema do PIB contextualizá-lo, acrescentando medidas adicionais e suplementares como a mortalidade maternal, a expectativa de vida, gastos em tratamento médico e controle de poluição, mudanças no emprego e distribuição de renda, e assim por diante, do mesmo jeito como foi feito com a previsão do tempo. Mas isso exige muita atenção da platéia, uma atenção que a maioria das pessoas não está disposta a dar. E diferentemente do clima, as pessoas não têm a familiarização que deveria ter com a estrutura conceitual das informações econômicas para organizar todas essas informações e extrair algum sentido delas. (Não é óbvio, por exemplo, que o abatimento da poluição é um custo, e não um benefício). Logo, os relatórios sobre esse tópico ficam reduzidos a um único número e nos EUA esse número tem sido o PIB. 8

O que, na sua opinião, poderia ser incluído num novo índice? Como deveria ser a composição desse índice? Nó mínimo no mínimo - uma métrica que substituísse o PIB deveria consertar seus óbvios problemas econômicos. Atualmente o PIB mede as Transações Domésticas Brutas o total de atividade econômica que existe numa dada economia num dado período de tempo. Mas algumas dessas atividades são defensivas e remediais gastamos dinheiro para consertar coisas, para colocar as coisas de volta onde elas estavam, ou evitando que as coisas piorem. Essas são despesas que não nos fazem sentir melhor do que antes que tivéssemos que passar por elas. Logo, gastos em tais coisas como prevenção ao crime, abatimento e neutralização de poluição, reparos de danos provocados por tempestade, e até tratamento médico, são custos, não benefícios. O novo índice precisa subtrair todos esses custos na contabilidade nacional, de modo que esta possa de fato nos dizer se estamos economicamente melhores do que antes. E dentre os custos que precisam ser subtraídos estão os custos dos serviços ambientais perdidos. Quando uma floresta de planalto é abatida, a capacidade do ecossistema de moderar o fluxo da água de chuva fica comprometido, e surgem as enchentes; o madeireiro impõe uma perda do serviço desse ecossistema às pessoas que vivem nas áreas mais baixas. Essa perda precisa ser parte do cálculo que os decisores econômicos precisam fazer quanto a um determinado curso de ação ser economicamente benéfico ou não. E obviamente, a mudança climática global é um gigantesco custo que está sendo imposto a todos por uma atividade que é econômica em essência uma atividade cujo preço não reflete esse custo. Mas além desses problemas com o PIB como medida de bem-estar econômico jaz aquele problema de segunda ordem: até que ponto o bem-estar econômico serve como referência para um bem-estar geral? Os economistas da antiga escola podem começar a resmungar quando você se aproxima desse tópico: os economistas neoclássicos se orgulham por serem objetivos e científicos, e esforços para medir o bem-estar são inescapavelmente subjetivos em algum nível. Os economistas não se importam com a quantidade de sofrimento e tristeza de uma comunidade. A maioria deles não se importa com a perda dos serviços dos ecossistemas logo, coisas como sofrimento e tristeza ou satisfação no trabalho estão completamente fora do radar deles. Contudo, as pessoas com espírito de cidadania podem e devem se importar com tais coisas. Eu acho que precisamos nos mover para além da economia do modo como ela é praticada atualmente, e retornar ao conceito de uma disciplina integrada da política econômica. Esses assuntos subjetivos foram fatiados para fora da política econômica nos idos do século XIX e entregues ao estudo da política, com vistas a dar à economia a aparência de ser uma ciência: a economia focada apenas em maximizar a produção a qualquer preço, sem se preocupar com o objetivo da produção. Eu acho que a limitação do nosso pensamento econômico a questões técnicas, objetivas, científicas se tornou agora claramente parte do problema em vez de ser parte da solução. Dr. Eric Zencey é um professor de estudos históricos e políticos na Empire State College em Nova York, EUA, e autor de Virgin Forest: Meditations on History, Ecology and Culture (Floresta Virgem: Meditações sobre História, Ecologia e Cultura, numa tradução livre) e de uma novela Panama. Ele é membro do Conselho Internacional do FIB. 9