ACORDO DE PARIS: A RECEITA PARA UM BOM RESULTADO
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- Adelina Sousa Fartaria
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1 ACORDO DE PARIS: A RECEITA PARA UM BOM RESULTADO Le Bourget, 30 de novembro de 2015 Daqui a 11 dias, representantes de 195 países deverão adotar aqui o documento internacional mais importante do século: o acordo que estabelecerá como a humanidade deverá combater a mudança climática nas próximas décadas. O Acordo de Paris deverá ser um passo importante na reorientação da economia mundial, mudando a maneira como nós produzimos e consumimos energia e outros bens e serviços. Mas também será um instrumento para induzir a redução da pobreza e a promoção do desenvolvimento e dos direitos humanos, ao criar um regime para a proteção das populações mais vulneráveis do planeta, que já são prejudicadas pelas mudanças climáticas. Hoje há pouca dúvida de que a COP21 produzirá um acordo; a questão é que tipo de acordo. O texto que começará a ser negociado nesta segunda- feira tem elementos que permitem produzir desde uma vaga carta de intenções, que nos conduzirá a um certeiro desastre climático, até um real trampolim para a descarbonização da economia. Para que esta última opção se realize, é preciso que os negociadores cheguem a um consenso em torno dos seguintes pilares: 1 VISÃO DE LONGO PRAZO O rascunho do acordo contém menções a prazos diversos para a eliminação das emissões de carbono. Algumas dessas opções, como a descarbonização até o fim deste século, são virtualmente incompatíveis com o objetivo de manter o aquecimento global abaixo de 1,5oC ou mesmo de 2oC.
2 O Acordo de Paris precisa adotar como objetivo de longo prazo a neutralidade de carbono até O acordo deve incluir um compromisso de eliminação progressiva das fontes de energia fósseis, até que se atinja 100% de fontes renováveis na matriz mundial. 2 EQUIDADE E DIFERENCIAÇÃO Um dos pontos cruciais do novo acordo é a maneira como ele distribuirá os compromissos de mitigação e financiamento refletindo as mudanças na realidade do mundo que aconteceram desde 1990 e que ainda acontecerão, mas sem empurrar aos países em desenvolvimento uma conta que é sobretudo dos países desenvolvidos. O Acordo de Paris deve estabelecer uma abordagem dinâmica de diferenciação vinculada aos princípios de equidade da Convenção, atribuindo a cada país compromissos proporcionais à sua responsabilidade, capacidade e à emergência climática. Em mitigação, o Acordo de Paris deve manter a essência da diferenciação concêntrica proposta pelo Brasil, eliminando a divisão binária entre Anexo 1 (países que eram ricos em 1990) e não- Anexo 1 (o resto). Essa proposta considera que todos os países farão um movimento gradual rumo ao círculo mais central, no qual devem adotar metas absolutas de redução de emissões para toda a economia e obrigação de prover financiamento. Atualmente, essa obrigação existe apenas para nações industrializadas. O texto deve explicitamente impedir o retrocesso ou redução do nível de ambição de compromissos assumidos. Além disso, grandes países em desenvolvimento com emissões per capita maiores e que são grandes emissores devem entrar no círculo central (com metas absolutas de redução de emissões em relação a um ano anterior) o mais rápido possível. A migração para o círculo central não deve ser totalmente voluntária, e sim levar em conta critérios objetivos ou indicadores para orientar os países sobre quem deve se mover e quando.
3 3 AMBIÇÃO ( TORNIQUETE ) As metas (INDCs) apresentadas pelos países estão longe de bastar para cumprir o objetivo de conter o aquecimento no limite de 2oC. É fundamental que seja aprovado em Paris um mecanismo de revisão sistemática, que permita ajustar a ambição de todos os países para cima periodicamente. Tal mecanismo é o que dará o caráter permanente ao novo acordo do clima. Estudos têm mostrado que esse mecanismo não pode esperar até 2030 para ser acionado, sob pena de tornar o corte de emissões subsequente caro demais. O Acordo de Paris deve conter um mecanismo de ambição, que determine revisões de compromissos a cada cinco anos, sempre para cima, e que faça o reajuste não apenas das metas de corte de emissões (mitigação), mas também de adaptação e financiamento. O primeiro reajuste deve ser realizado no mais tardar em 2018, de modo que as NDCs (os compromissos já assumidos) e os compromissos de finanças dos países industrializados possam se aproximar mais dos níveis necessários para atingir objetivo dos menos de 2oC quando o acordo entrar em vigor, em ADAPTAÇÃO E PERDAS E DANOS Alguns dos impactos das mudanças do clima sobre algumas populações do mundo são e serão tão severos que não é mais possível adaptar- se a eles. Um mecanismo aprovado em Varsóvia, na COP19, prevê apoio a países mais pobres e vulneráveis, para que estes estabeleçam as ações necessárias para lidar com as perdas e danos em função dos impactos da variação climática ao longo do tempo e de extremos climáticos mais frequentes e intensos. O rascunho do Acordo de Paris traz entre as opções um mecanismo robusto para perdas e danos. No entanto, há também a proposta de alguns países de não haver sequer menção a perdas e danos no Acordo de Paris.
4 O Acordo de Paris deve estabelecer um objetivo global (qualitativo e quantitativo) de longo prazo para adaptação às mudanças climáticas e aumento de resiliência com o mesmo nível de prioridade que os objetivos de mitigação. O Acordo de Paris precisa conter necessariamente o mecanismo internacional de perdas e danos, para promover e apoiar o desenvolvimento e aplicação de abordagens em países em desenvolvimento que são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos da mudança do clima (como os eventos climáticos extremos e eventos chamados de início lento, como elevação do nível do mar). 5 FINANCIAMENTO É um tema capaz de selar ou afundar o acordo em Paris. Os países desenvolvidos buscam aumentar a base de doadores, incluindo nela os emergentes, e reduzir o número de países em desenvolvimento elegíveis para financiamento. Os países em desenvolvimento cobram, por sua vez, o compromisso estabelecido pela Convenção de que os desenvolvidos (do Anexo II do Convenção) devem apoiar os países em desenvolvimento na implementação de suas políticas, medidas e ações de mitigação e adaptação As decisões da COP de Paris devem conter um plano claro dos países desenvolvidos que mostre como eles pretendem aumentar progressivamente o apoio internacional e atingir o compromisso de prover US$ 100 bilhões por ano até 2020 para o combate à mudança do clima nos países pobres, e estabelecer uma meta de aporte de recursos públicos a fundo perdido. O Acordo de Paris precisa criar um mecanismo de estabelecimento e revisão de metas financeiras que reconheça os US$100 bilhões em 2020 como piso, juntamente com as metas de mitigação, que possam ser ajustadas a cada cinco anos. Países desenvolvidos devem fazer compromissos coletivos a cada cinco anos, e também compromissos individuais com ciclo mais curto.
5 A cooperação sul- sul deve ser reconhecida como modo de financiamento climático provido pelos países em desenvolvimento, e deve ser estimulada para ser ampliada no âmbito dos compromissos dos países em desenvolvimento. 6 FLORESTAS A COP19, realizada na Polônia, em 2013, aprovou o chamado Marco de Varsóvia para REDD+, um conjunto de decisões que trata da remuneração por redução de emissões por desmatamento nos países em desenvolvimento. Este marco está ainda em implementação e não gera, por ora, fluxos financeiros. É fundamental que REDD+ seja incorporado ao Acordo de Paris para assegurar apoio para esta importante opção de mitigação antes e depois de O Acordo de Paris deve reforçar a importância da redução do desmatamento e degradação florestal como mecanismo de mitigação das mudanças climáticas e redução de vulnerabilidades, reconhecendo o Redd+ como uma medida importante que continuará a ser estruturada e implementada nos próximos anos, contribuindo para a redução de emissões globais até O Acordo também deve prever que as ações de REDD+ continuarão e se aprofundarão no pós As decisões da COP21 devem fechar a brecha existente hoje na contabilidade de emissões de uso da terra e florestas, o chamado LULUCF, que evitem distorções no cálculo dessas emissões por países desenvolvidos e em desenvolvimento (como os EUA, que não contabilizam emissões por incêndios florestais, e o Brasil, que abate de suas emissões as remoções de centenas de milhões de toneladas de CO2 por ano por terras indígenas). 7 - AVIAÇÃO E TRANSPORTE MARÍTIMO As emissões da aviação e transporte marítimo internacionais hoje não são reguladas por qualquer mecanismo e nem contabilizadas nas emissões de qualquer país. E estima- se que estas emissões crescerão
6 em 200% até É crítico que essas emissões sejam tratadas no âmbito do Acordo de Paris, o que além de promover redução de emissões poderia também gerar recursos para alimentar o financiamento climático. Mesmo reconhecendo o papel fundamental da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO) e da Organização Marítima Internacional (IMO) na regulação destes setores, o Acordo de Paris deve demandar o estabelecimento de metas de redução de emissões desses setores que sejam compatíveis com a trajetória mais segura para limitação do aquecimento global a menos de 2 C. 8 TRANSPARÊNCIA Transparência de ações e seus resultados, assim como de suporte, é condição fundamental para a eficácia do regime global de clima. Um arcabouço robusto de transparência, incluindo um sistema de mensuração, relato e verificação (MRV), é fundamental para acompanhar o cumprimento dos compromissos e a própria confiança entre países. O Acordo de Paris deve avançar na estruturação de um arcabouço de MRV robusto no período até 2020, permitindo aos países fortalecer a sua capacidade de mensurar e suas ações, e desenvolver um sistema reforçado e com verificação internacional para controlar o apoio de meios de implementação (financiamento, transferência de tecnologia e capacitação) recebidos. E O BRASIL? O Brasil possui posições muito importantes na negociação do novo acordo:
7 É favorável à revisão de metas em ciclos cinco anos, com vistas a aumentar a ambição; Propôs em sua INDC uma meta de redução absoluta de emissões de gases de efeito estufa para 2025 e outra indicativa para 2030; não condicionou seu cumprimento a apoio internacional; e apresentou meta de longo prazo para a economia mundial, de descarbonização até o final do século. Mas o que é suficiente para o Brasil chegar à COP21 podendo cobrar outros a fazer mais não é suficiente do ponto de vista do papel, da responsabilidade e da capacidade de ação do país frente à urgência climática. As emissões associadas à meta indicativa do Brasil para 2030 são pelo menos 30% acima do limite de emissões adequado para o país naquele ano, de acordo com as análises do Observatório do Clima e nossa proposta de compromissos para o Brasil no âmbito do novo acordo. Além disso, as ações listadas na proposta de compromissos do Brasil para promover a redução de emissões são tímidas frente a nosso potencial. O Brasil precisa sair de Paris determinado a aumentar a ambição de sua INDC e das políticas a ela associadas. É imperativo que o país avance em um compromisso de zerar o desmatamento em todos os biomas até 2030, com coordenação entre o governo federal e os subnacionais, e que amplie significativamente a meta de aumento da participação de energias renováveis não- hidrelétricas em sua matriz, além de programas de conservação de energia com vistas a reduzir as taxas de crescimento da demanda. Além disso, de forma a contribuir para aumentar a ambição e superar impasses entre os países em Paris, o Brasil deveria: Apoiar um mecanismo de revisão das metas nacionais antes de 2020 (a chamada revisão ex- ante); Defender que países emergentes contribuam para os meios de implementação do acordo por meio da cooperação sul- sul, incluindo financiamento, tecnologia e capacitação;
8 Apoiar esforços para obter uma estratégia global e critérios de precificação de carbono, que reflitam princípios de equidade, tanto entre os países, como entre regiões e grupos sociais dentro do Brasil, que possam ajudar a cumprir os objetivos climáticos, entre eles o de manter o aumento da temperatura global abaixo de 2oC. Apoiar uma decisão forte no chamado trilho de negociação 2 ( Workstream 2 ) que possa levar ao aumento da escala das ações de redução de emissões até Apoiar que todos os países incluam seu potencial de redução de emissões, além das suas metas não condicionadas a suporte externo, em suas INDCs e aos países desenvolvidos que medias extras para suporte a estas ações condicionadas ao suporte adicional.
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