Fundamentos Teórico-Metodológico para o. Ensino de Ciências: a Sala de Aula A CIÊNCIA DENTRO E FORA DA SALA DE AULA3

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Transcrição:

A CIÊNCIA DENTRO E FORA DA SALA DE AULA3 Lúcia Helena Sasseron Fundamentos Teórico-Metodológico para o Ensino de Ciências: a Sala de Aula 3.1 Introdução 3.2 Para além da educação básica 3.3 Voltando à sala de aula de ciências da educação básica 3.4 Útil ou supérfluo? 3.5 E como estas ideias reportam-se ao ensino de ciências? 3.6 O que representa saber ciências? 3.7 O empoderamento e a construção de liberdade intelectual Referências Licenciatura em Ciências USP/ Univesp

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 7 29 3.1 Introdução Na aula anterior Escola e cultura, discutimos sobre culturas focalizando, sobretudo, as ideias de cultura escolar, cultura científica e cultura científica escolar. Pensar em cultura científica escolar permite-nos objetivar um ensino de ciências que não se preocupe apenas com a transmissão de informações, mas que pretenda oferecer condições para que aspectos do fazer científico também sejam abordados. Documentos oficiais normativos mencionam aspectos gerais para a educação básica, que podem ser facilmente evidenciados em sala de aula caso se estabeleça a cultura científica escolar. A Lei nº 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) destaca que: [a] educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Esta mesma lei apresenta entre os princípios da educação nacional liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber. Princípios como os citados e objetivados ajudam a colocar em discussão o paradoxo existente em muitas escolas, que ainda resistem em oferecer aos alunos um ensino propedêutico quando o que se deve garantir é a formação e a preparação do indivíduo, independentemente das escolhas futuras que este venha a ter. Merece destaque ainda que os princípios valorizam a necessidade de formação do indivíduo para aprender e construir o entendimento sobre situações, o que, a nosso ver, resulta na capacidade conferida ao indivíduo para que possa construir e emitir juízo e opiniões sobre questões que aflijam a sua vida e a de sua comunidade. Especificamente no que se refere ao ensino de ciências, a possibilidade de liberdade para aprender, ensinar e pesquisar coaduna com os princípios da cultura científica, uma vez que o fazer científico é uma atividade em que a investigação e a aprendizagem constantemente estão em voga. Fundamentos Teórico-Metodológico para o Ensino de Ciências: a Sala de Aula

30 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 7 3.2 Para além da educação básica Os princípios anteriormente destacados dizem respeito à educação básica, ou seja, aos anos escolares do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, mas as ciências podem estar presentes de modo mais ou menos intenso ao longo da vida de todos nós. Carreiras científicas e tecnológicas atraem o público ano a ano e investimentos têm sido questionados e discutidos. A título de exemplo, anualmente, o Brasil forma cerca de 50 mil novos engenheiros (SBPC-Jornal da Ciência, 2013) entre os 800 mil novos graduados anuais nas mais diversas áreas. Investimentos também têm recebido atenção em nosso país e o MCT (Ministério de Ciência e Tecnologia) anuncia que os incentivos para pesquisa e desenvolvimento giram em torno de 1% do PIB nacional. Ainda que se possa discutir o baixo percentual e a necessidade de investimentos privados, é notável que ações que valorizam as ciências e as tecnologias estão em progresso. Um dos exemplos que pode ser citado é o programa Ciência sem Fronteiras, do governo federal, voltado à formação de estudantes brasileiros e relações internacionais entre universidades. Esse programa apoia estágios de estudantes brasileiros em universidades internacionais e a visita de pesquisadores internacionais a institutos e centros de pesquisa brasileiros. As áreas contempladas no programa são majoritariamente ligadas às ciências, tecnologias e engenharias, de maneira geral, inclusas aí as tecnologias de informação e comunicação. Entre os objetivos encontramos: Investir na formação de pessoal altamente qualificado nas competências e habilidades necessárias para o avanço da sociedade do conhecimento; Aumentar a presença de pesquisadores e estudantes de vários níveis em instituições de excelência no exterior; Promover a inserção internacional das instituições brasileiras pela abertura de oportunidades semelhantes para cientistas e estudantes estrangeiros; Ampliar o conhecimento inovador do pessoal das indústrias tecnológicas; Atrair jovens talentos científicos e investigadores altamente qualificados para trabalhar no Brasil. 3 A ciência dentro e fora da sala de aula

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 7 31 Diante de tais fatos, podemos concluir que há, implícita ou explicitamente, esforços para que a população atenda a expectativas de crescimento e desenvolvimento econômico e tecnológico, e estes, muitas vezes, são relacionados ao crescimento e desenvolvimento do país como uma nação. 3.3 Voltando à sala de aula de ciências da educação básica Ainda acompanhando a ideia de que diferentes culturas convivem e se mesclam na realidade escolar, o encontro da cultura escolar com a cultura científica permite-nos organizar o ensino em que sejam colocadas em sala de aula discussões relacionadas aos aspectos científicos que estão em voga para uma dada comunidade, permitindo que os indivíduos que dela fazem parte sejam apresentados a uma nova forma de analisar e construir opiniões sobre situações cotidianas. Nessa possibilidade, estamos fazendo uso de uma forma específica de contextualização: a contextualização pelo cotidiano. Amplamente mencionada em documentos oficiais (PCN, PCN+, DCNEM, orientações curriculares de SEEs e SMEs), a contextualização a partir do cotidiano torna-se uma importante estratégia para o ensino, pois permite que os conteúdos apresentados aos estudantes estejam relacionados a questões que, em maior ou menor escala, atingem sua vida. As DCNEMs (Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio) colocam em evidência esta forma de contextualização, definindo-a como recurso para tornar a aprendizagem significativa ao associá-la com experiências da vida cotidiana ou com os conhecimentos adquiridos espontaneamente. (Brasil, 2000, p. 81) Mas é preciso destacar que esta é apenas uma das formas de colocar a contextualização em prática. Ricardo (2010) propõe três enfoques para a contextualização: além daquela associada ao cotidiano, a contextualização poderia estar vinculada à epistemologia do campo disciplinar e à didatização dos saberes. Conforme mencionamos anteriormente, a contextualização pelo cotidiano representa uma maneira bastante clara de tornar o conhecimento escolar mais próximo dos estudantes e, por isso, encarado como útil. Segundo Ricardo (2010), a contextualização pela didatização está relacionada às transformações sofridas pelos saberes desde seu contexto de produção até a forma como aparecem Fundamentos Teórico-Metodológico para o Ensino de Ciências: a Sala de Aula

32 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 7 na sala de aula. Por fim, para Ricardo (2010), a contextualização pautada na epistemologia do campo disciplinar - em nosso caso, as ciências -, coloca em evidência aspectos históricos, sociais e culturais da prática científica. Ricardo ainda menciona que essa distinção dos enfoques tem apenas finalidade didática, pois as distintas formas de contextualização estão interligadas. Trazemos estas ideias para o centro de nossa discussão não ocasionalmente: voltamos, assim, a colocar em pauta aspectos do ensino de ciências, que se podem relacionar com a cultura científica escolar discutida na aula anterior. 3.4 Útil ou supérfluo? Conforme já dissemos, a abordagem de temas em sala de aula que privilegie a cultura científica escolar aproxima os alunos de discussões em que não apenas as proposições e conhecimentos científicos são mencionados, mas também as características e aspectos próprios da prática científica. Cabe então a discussão: isso é de utilidade direta ou trata-se de um conhecimento supérfluo para o aluno? A distinção entre útil e supérfluo torna-se difícil de ser feita quando a ela adicionamos a escala de tempo de uma vida: o que hoje é útil pode ser por toda a vida, como também pode deixar de sê-lo amanhã. O mesmo vale para o que é supérfluo: o que hoje pode parecer desnecessário amanhã pode vir a se tornar primordial. Assim, é necessário considerar que a prática pedagógica ofereça condições para que o indivíduo constantemente aprenda, desde as situações escolares, mas também, e sobretudo, nas situações extraescolares, que, para a grande maioria da população, representam a maior parte dos eventos de sua vida. 3 A ciência dentro e fora da sala de aula

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 7 33 3.5 E como estas ideias reportam-se ao ensino de ciências? Pautado na apresentação pura e simples de fatos e informações, o ensino de ciências afasta-se da própria ciência: a investigação como prática científica não tem lugar e o entendimento sobre o mundo natural afasta-se da construção, já que se aproxima do acúmulo de ideias que, não necessariamente, foram colocadas em reflexão. Construir conhecimento sobre o mundo em que se vive é a possibilidade conferida ao encantamento, é assumir atitudes de admiração e respeito pela vida e pela sociedade, reforçando o potencial inquiridor e investigativo sobre o mundo, a vida e a sociedade. Pausa para o debate, participe! Estamos, portanto, diante de um dilema: a ciência na sala de aula mostra-se necessária? A ciência na vida do indivíduo é necessária? Compartilhe sua opinião sobre esse dilema e debata com os seus colegas no Fórum de Discussão. 3.6 O que representa saber ciências? A esta altura, você já deve ter refletido bastante que o ensino de ciências deve ser mais do que apenas a apresentação de fatos e informações aos estudantes e que aspectos da prática científica devem ser colocados em sala de aula. Mas o que é saber ciências? O que representa o ensino de ciências para os estudantes? Tais perguntas não têm resposta simples e imediata, e certamente obteremos respostas diferentes de cada pessoa que entrevistemos sobre esses tópicos. Fundamentos Teórico-Metodológico para o Ensino de Ciências: a Sala de Aula

34 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 7 Concepções sobre o que seja saber ciências abrangem desde aquelas mais tradicionais, envolvendo as proposições, leis, fórmulas e postulados científicos, como também a compreensão de que saber ciências é ter entendimento de como se constrói o conhecimento científico, quais as características e aspectos que circundam a sua prática e o modo como saberes advindos das ciências afetam nossa vida. Conhecimentos como os acima destacados podem não ser facilmente construídos e certamente precisam ser constantemente revistos e aprimorados, assim como a própria ciência. A pergunta que ora surge é: como formar um indivíduo apto a este tipo de ação? A ideia de aprender a aprender aparece, muitas vezes, como um jargão desprovido de significado; mas aprender a aprender significa oferecer condições ao indivíduo, tornando-o apto a construir o entendimento sobre novas situações ou a construir novos entendimentos sobre situações já conhecidas. Nesse sentido, a ideia assemelha-se ao que Paulo Freire denomina empoderamento: o ato de dar poder a alguém, de torná-lo apto a realizar por si próprio ações que o levem a evoluir e fortalecer-se. A noção de empoderamento para Paulo Freire é a conquista da liberdade por aqueles que estão subordinados a situações de dependência, qualquer que seja ela (Freire e Shor, 1986; Freire, 2011). 3.7 O empoderamento e a construção de liberdade intelectual A ideia de empoderamento implica uma forma de aprendizagem, que transborda o entendimento e o uso dos conhecimentos escolares canônicos e aproxima-se da transformação cultural, individual e/ou social. Empoderar-se, na concepção freireana, é ser livre para se constituir como pessoa e cidadão. E a própria liberdade aqui deve ser colocada em discussão: ela não implica fazer-se apenas o que se deseja, mas realizar ações que representem a mudança em si sem descuidar dos efeitos que 3 A ciência dentro e fora da sala de aula

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 7 35 isso pode causar nos próximos. Ser livre é ser responsável. Empoderar-se é exercer a liberdade com responsabilidade. No que tange à sala de aula, formar indivíduos que possa exercer sua liberdade intelectual é oferecer-lhe a capacidade de seu empoderamento. Na sala de aula de ciências, empoderar os alunos é permitir-lhes que aprendam a aprender para que decisões conscientes e responsáveis sejam tomadas. Agora é a sua vez... Finalizada a leitura deste texto, continue explorando os recursos disponíveis no Ambiente Virtual de Aprendizagem e responda à questão proposta como Atividade On-line. Não deixe de participar do Fórum de Discussão e assistir à Videoaula que complementa as discussões aqui apresentadas. Referências BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio. Brasília, MEC: 2000. Freire, P.; Shor, I. Medo e ousadia o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. Freire, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011. Ricardo, E.C. Problematização e contextualização no ensino de Física, in: Carvalho, A.M.P.D. Ensino de Física, São Paulo: Cengage Learning, 2010. SBPC. Engenharia volta a atrair estudantes universitários. Jornal da Ciência, 27 mar. 2013. Fundamentos Teórico-Metodológico para o Ensino de Ciências: a Sala de Aula