A ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AO CONDENADO E SEU SIGNIFICADO NA VIDA DE JOVENS E ADULTOS EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

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Transcrição:

1 Eixo temático: Pesquisa e Práticas Educacionais Categoria: Pôster A ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AO CONDENADO E SEU SIGNIFICADO NA VIDA DE JOVENS E ADULTOS EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE Maximiliana Martins Nogueira Elenice Maria Cammarosano Onofre Introdução O trabalho que se apresenta é resultado de pesquisa em andamento sobre a educação nos espaços de privação de liberdade e que está sendo desenvolvida em uma unidade da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado APAC, na cidade de Viçosa MG. Está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar e à linha de pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos. A educação em espaços de privação de liberdade, que se apresenta neste estudo, se insere no contexto latino-americano. Desde o descobrimento do nosso continente, tem-se negligenciado nossa cultura e, por conseguinte, a condição de sermos o que deveras somos, latino americanos. Enrique Dussel (1998) nos mostra que o continente latino-americano tornou-se uma grande invenção do centro da totalidade mundial opressora, a Europa. O Novo Mundo foi descoberto, posteriormente a sua invenção, e tratado como uma continuidade do que já era, o ser do norte, europeu. Somos, com o descobrimento, reconhecidos como iguais aos que nos acharam. Se fôssemos diferentes, seríamos o não-ser; se fôssemos iguais, seríamos o ser que não somos. É importante entendermos esse contexto histórico que nos caracteriza como América Latina para compreendermos nossa condição de excluídos e marginalizados. Quando pensamos nas pessoas em privação de liberdade, essa exclusão se acentua ainda mais, uma vez que esses indivíduos se encontram em situações precárias antes do encarceramento, pois em sua maioria, fazem parte de grupos marcados pelas precariedades e privações do sistema socioeconômico (TAVARES e MENANDRO, 2004).

2 Dessa forma, essa exclusão se dá também no campo da educação: En América Latina, cuando pensamos en educación, debemos considerar la desigualdad económica, es decir, que existe una gran desigualdad de ingresos y que la incidencia de pobreza entre los grupos étnicos y raciales, y entre hombres y mujeres es altamente abismal. (MONTRONE E REYES, 2005, p.1) A desigualdade presente na educação, sendo ela escolar ou não, evidencia uma necessária revisão das práticas educativas em toda a América Latina. No dizer de Fiori (1991), o espaço educativo, sendo escolar ou não, possibilita múltiplas ações, entre elas, a ação da transformação social. Contudo, nos mostra que o fazer e saber humano é atividade histórico-cultural, é a produção do mundo associada à educação, embora ocorram resistências internas e externas ao homem, que podem gerar deformação estrutural do mundo, conduzindo-o à escravidão. Nesse sentido, Fiori (1991) afirma que: A cultura alienada e alienante trai seu destino originário: deixa de ser libertação para ser dominação. (...) Enganam-se, pois, os que pensam libertar os dominados integrando o maior número possível deles ao sistema escolar de dominação. Esta pseudodemocratização do ensino é a maneira mais eficaz de funcionalizar os dominados ao sistema de dominação (p.87). A formação de homens e mulheres se dá nas interações sociais modeladas por uma pluralidade cultural, uma prática educativa em processo constante. A história da América Latina é marcada por práticas sociais desumanizantes, nas quais se aprende o silenciamento, a orfandade cultural, mas também a sobrevivência, a tradição, a resistência [...] (OLIVEIRA, 2009, p.309). Dessa forma, faz-se necessário buscar uma educação que seja instrumento para a conscientização das classes oprimidas, denunciando-se, através dela, os modelos impostos chamados de educação bancária (FREIRE, 2005). Deve-se, portanto, buscar uma proposta de educação emancipatória, na qual a autonomia, a história e a cultura dos sujeitos sejam respeitadas e se construa, através dela, uma prática que promova a libertação. Partindo do entendimento de que nos educamos ao longo da vida, em todas as experiências de que participamos, Oliveira et al. (2009) nos mostram que essas aprendizagens se dão no interior das práticas sociais que vivenciamos. Estas, por sua vez, são formadas a partir da necessidade de unirmo-nos aos outros numa relação que busca superar a realidade de dominação, de desigualdade e de opressão. Assim,

3 vivenciamos processos educativos decorrentes de práticas sociais, sendo elas humanizadoras ou desumanizadoras. Com base na educação libertadora proposta por Paulo Freire (1983), pode-se afirmar que os processos educativos advindos de práticas sociais humanizadoras vivenciadas no ambiente prisional, podem possibilitar às pessoas em privação de liberdade, que ali pode se encontrar um novo modo de se perceber no mundo e, com isso, transformar sua própria realidade. Dessa forma, faz-se necessário a busca por um outro modelo de prisão, onde a pena privativa de liberdade seja uma medida educativa e não punitiva como acontece nos presídios. Estamos imersos em um cenário onde vemos a violação dos direitos humanos e um índice muito alto de reincidência, mostrando, assim, a necessidade de se buscar caminhos que tornem possíveis a desconstrução da pena apenas privativa e que parece não trazer retorno algum para o apenado e para a sociedade. Partindo da premissa de que a educação desvela a realidade e emancipa os indivíduos, busca-se, através do estudo da educação libertadora de Paulo Freire, considerar que os processos educativos dela advindos, podem vir a possibilitar a transformação da realidade das pessoas que se encontram em privação de liberdade. Ao observar o espaço da prisão na ótica freireana e sua educação libertadora, evidencia-se que o cumprimento da pena pode desempenhar a essência de sua missão, que é possibilitar a (re)inserção do indivíduo à sociedade e construir um projeto de vida longe da reincidência (ONOFRE, 2013). Enumerando os muitos artigos da Lei de Execução Penal (LEP), observa-se que toda a legislação resguarda ao preso sua dignidade de pessoa humana. Assim é que o art. 11 se especifica que o Estado deve dar assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa (LEP, 1984). A lei penal e as formas de sua aplicação devem atender às exigências da vida pessoal e social de cada condenado e mesmo daqueles detidos provisoriamente, portanto, há que se abolir o pensamento de exclusão social absoluta desses indivíduos. Não é, simplesmente, isolando estas pessoas que se garantirá a ordem social, pois um dia, grande parte deles se reintegrará novamente à sociedade. Além disso, grande parte do que está previsto na LEP não é cumprido em muitas unidades prisionais espalhadas pelo Brasil. Neste contexto, várias tentativas de humanização do sistema carcerário têm surgido e se revelado mais eficientes. Um exemplo de iniciativa é a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado - APAC que, através de um método próprio, à

4 luz do que coloca a LEP (OLIVEIRA, 2008), trabalha buscando a recuperação dos jovens e adultos que ali cumprem sua pena privativa de liberdade. Foi buscando atender ao que está previsto na legislação brasileira que a APAC foi criada, em 1972, na cidade de São José dos Campos, São Paulo. Seu trabalho tem um método próprio que busca a queda do número de reincidência através da valorização e do respeito à pessoa, da autodisciplina e da confiança no tratamento aos encarcerados. Os presos do sistema apaqueano, chamados pelo método de recuperandos, trabalham e estudam, têm atividade espiritual, laboral e cultural; disciplina rígida e exigente com horários e condutas; cuidam da própria segurança; lavam as próprias roupas e cozinham a própria comida. A manutenção, limpeza e organização do presídio ( chamado de Centro de Reintegração) é feita pelos próprios detentos. Têm assistência à saúde corporal e espiritual, assistência jurídica e convivência regular com suas famílias, são tratados por nome e com o respeito que qualquer pessoa merece (OTTOBONI, 2006). O sistema APAC, como defende Ottoboni (2006), procura fazer da prisão uma possibilidade de transformação do sistema para que a reforma do condenado seja propiciada por instrumentos como a educação e o trabalho, de modo a dar-lhe condições de levar uma vida digna quando sair do estabelecimento prisional, e evitar que o cárcere seja mais penoso do que deve ser. Trata-se de abordar a pena de prisão em consonância com os princípios do Direito Penitenciário e da Lei de Execução Penal quais sejam: a) a proteção dos direitos humanos do preso; b) o preso como membro da sociedade; c) a participação ativa do sentenciado na questão da (re)educação e (re)inserção social; c) a efetiva colaboração da comunidade no tratamento penitenciário; d) a formação dos encarcerados de modo que reaprendam o exercício da cidadania e o respeito ao ordenamento legal. O método apaqueano tem como objetivo oferecer ao apenado a habilitação e a consequente profissionalização, criando no interno, bases para uma sobrevivência sadia e sem vícios. Em lugar do ambiente hostil, de aviltamento da pessoa humana, o exemplo e a motivação para o desenvolvimento pessoal são parte integrante do processo educativo. Sobre o trabalho na APAC, Ottoboni (2004) discute também que é encarado como alicerce para uma futura profissionalização, promovendo a cidadania e resgatando a dignidade da pessoa privada de liberdade, capaz de prover sua subsistência com autonomia.

5 A APAC pressupõe que o trabalho precisa representar atividade digna para fundar a dignidade da cidadania de alguém que encontra ali ocasião e motivação para mudar de vida. Nesse método, o trabalho tem por finalidade, também, ocupar o tempo do apenado, preparando-o para uma atividade profissional e os detentos desenvolvem atividades que variam da manutenção do presídio, tapeçaria, marcenaria, cozinha e faxina, até atividades como pintura, escultura, confecção de velas, e outras tantas atividades que possam ser desenvolvidas dentro dos presídios. Na perspectiva de Ottoboni (2004), o método investe ainda na educação dentro das unidades, pois ao lado do trabalho produtivo pedagógico, é a ambiência educativa que deve imperar na penitenciária. Segundo o teórico, não se trata apenas de oferecer educação escolar, sobretudo a prevista na Constituição Brasileira como direito de todos mas, de envolver o aprisionado em atividades de cultura, lazer, instrução, ou seja, nas práticas sociais que geram processos educativos. O trabalho desenvolvido pela APAC possibilitará aos indivíduos que cumprem pena na instituição uma verdadeira libertação, através da conscientização e do diálogo libertador, apresentado por Freire (1992) que condena a educação bancária vista como opressora da cultura dominante e alienante e demonstra o quanto democrática a metodologia dialógica pode ser. Ao se descobrir como produtor de cultura, o ser humano se descobre como sujeito, protagonista de sua história e não mais como um objeto, em segundo plano. A partir disso, a investigação que se apresenta tem a intenção de aprofundar os estudos sobre e com a instituição APAC e, em diálogo com as experiências convencionais de aprisionamento, apontar alguns caminhos e formas de recuperação de pessoas em privação de liberdade. Nesta perspectiva, buscaremos compreender como as pessoas em privação de liberdade em uma instituição APAC significam as práticas sociais e os processos educativos que vivenciam nesse espaço. 1. Desenvolvimento do estudo 1.1. Objetivos Tendo em vista a metodologia utilizada pela APAC, o objetivo geral deste estudo é aprofundar a compreensão sobre a filosofia apaqueana e investigar como as pessoas em privação de liberdade significam os processos educativos que vivenciam nesse espaço com vistas ao processo de reinserção social.

6 Com base neste objetivo geral, estabelecemos os seguintes objetivos específicos: 1) conhecer a filosofia apaqueana utilizada como método de reeducação dos indivíduos em privação de liberdade; 2) identificar as práticas de acolhimento aos indivíduos que se inserem em uma APAC; 3) analisar como os recuperandos significam sua permanência na APAC; 4) compreender o papel do trabalho e da educação em uma instituição APAC na perspectiva dos recuperandos. 1.2. Metodologia O presente estudo se caracteriza como uma pesquisava de caráter participativo, de natureza qualitativa, que utiliza como método de investigação, o estudo de caso. Como recurso metodológico de coleta de dados, a pesquisadora está inserida em uma unidade da APAC situada na cidade de Viçosa MG e acompanha, diariamente, diversos momentos da rotina dos recuperandos, a fim de identificar algumas práticas sociais vivenciadas por eles. A partir dessa identificação, escolhemos uma prática específica para ser o foco do nosso estudo e para analisarmos os processos educativos dela decorrentes. Com base nessas inserções, estão sendo organizados registros em diários de campo para reflexão/compreensão sobre essas vivências que, segundo Magnani, trata-se de um equipamento indispensável na mochila do etnógrafo, seja ele marinheiro de primeira viagem ou velho lobo do mar (1997, p.3). Também foi realizada a consulta a arquivos e documentos da instituição, a fim de aprofundar nosso conhecimento sobre a estrutura legal e de funcionamento da mesma para, à partir disso, buscar compreensões sobre sua filosofia de trabalho. Para finalizar a coleta, realizaremos duas rodas de conversas com os recuperandos, pois como nos mostram Silva e Bernardes (2007): A Roda de Conversas é um meio profícuo de coletar informações, esclarecer ideias e posições, discutir temas emergentes e/ou polêmicos. Caracteriza-se como uma oportunidade de aprendizagem e de exploração de argumentos, sem a exigência de elaborações conclusivas. A conversa desenvolve-se num clima de informalidade, criando possibilidades de elaborações provocadas por falas e indagações (SILVA; BERNARDES, 2007, p. 54). As rodas de conversas serão compartilhadas com a pesquisadora, buscandose atingir os objetivos propostos para este estudo.

7 Os dados serão analisados com base na fenomenologia. Os materiais coletados e também os construídos, como o diário de campo, serão lidos atenciosamente, buscando apreender os significados neles presentes. Além disso, eles serão analisados de forma detalhada, individualmente, e também no seu conjunto, para que seja possível respondermos à questão norteadora desta pesquisa e atendermos aos objetivos propostos. 1.3. Resultados esperados e benefícios da pesquisa Com este estudo espera-se compreender como as pessoas em privação de liberdade significam os processos educativos que vivenciam na APAC, como também aprofundar a compreensão sobre a filosofia apaqueana, e como ela é vivenciada na (re)educação dos indivíduos. Além disso, espera-se identificar as práticas de acolhimento aos indivíduos que se inserem nesta instituição e, a partir da perspectiva dos recuperandos, desvelar o papel do trabalho e da educação na APAC. Com base em pesquisas já realizadas, espera-se com este estudo, aprofundar as compreensões sobre os modelos não convencionais de prisão, neste caso a APAC, como modelos que contribuem com a humanização, em um ambiente cheio de controvérsias no que diz respeito à sua verdadeira função. Trata-se, portanto, de trazer para a pauta central, a ótica dos detentos que não são ouvidos, na maioria das vezes, contribuir para que as pesquisas neste campo de estudo avancem, e que este tipo de iniciativa seja uma realidade, não apenas no estado de Minas Gerais, mas em todo o país.

8 Referências: BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em 29 de abril de 2014 às 17h54. DUSSEL, E. Autopercepción intelectual de um proceso histórico. Anthropos. Barcelona / Espanha: Projecto A. Ediciones, n.180, p. 13-36, 1998. FIORI, E. M. Educação libertadora. In:. Textos escolhidos, v. II, Educação e Política. Porto Alegre: L&PM, 1991, p. 83 95. FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação. Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Centauro, 2005.. Educação como prática da liberdade. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1983.. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.. Pedagogia do oprimido. 49. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. MAGNANI, J. G. C. O (velho e bom) diário de campo. Revista Sexta-Feira, n. 1, maio. 1997 MERLEAU-PONTY, M. O ser-para-si e o ser-no-mundo. In: MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.492-612. MONTRONE, A. V. G; REYES, C. R. Educación, formación, diversidad y ciudadania em América Latina (texto apresentado em vídeo conferência do Grupo de Pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos e a Universidade Autónoma do Estado de Morelos México, 2005). OLIVEIRA, C. S. De condenado a recuperando: convergência entre LEP e método APAC. 2008. 101f. Dissertação (Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais) - Fundação Educacional de Divinópolis, Universidade do Estado de Minas Gerais, Divinópolis, 2008. OLIVEIRA, M. W. Pesquisa e trabalho profissional como espaços e processos de humanização e de comunhão criadora. Cadernos CEDES (impresso), v.29, n.79, p. 309-321, 2009. OLIVEIRA, M. W.; SILVA, P. B. G.; GONÇALVES JUNIOR, L.; MONTRONE, A. V. G.; JOLY, I. Z. L. Processos educativos em práticas sociais: reflexões teóricas e metodológicas sobre pesquisa educacional em espaços sociais. Anais da 32 a Reunião da ANPED, 2009.

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