O PROCESSO DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL DE EGRESSOS DO MÉTODO DE EXECUÇÃO PENAL APAC
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- Ruth Cesário Flores
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1 1 O PROCESSO DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL DE EGRESSOS DO MÉTODO DE EXECUÇÃO PENAL APAC Luiz Felipe Viana Cardoso (PPGPSI/UFSJ) luizfelipevcardoso@gmail.com; Marcos Vieira-Silva (PPGPSI/UFSJ) mvsilva@ufsj.edu.br; Maria Nivalda de Carvalho-Freitas (PPGPSI/UFSJ) nivalda@ufsj.edu.br. Introdução Em tempos de crise no sistema prisional brasileiro, muito se questiona sobre sua estrutura e a sua real capacidade de cumprir seus objetivos no que toca a reintegração social do presidiário. A violência urbana, sobretudo seu crescimento, é um problema social que tem trazido preocupação a sociedade brasileira (Adorno, 2002), visto os altos índices de crimes cometidos nos últimos anos, bem como a sensação de insegurança e de impunidade. O sistema prisional cuja função é de punir e reeducar, não cumpre sua função, pois o número de vagas é insuficiente e o modelo correcional brasileiro não tem cumprido sua função de recuperação do condenado. A prisão brasileira não assegura as regras instituídas no Código Internacional do Preso Comum, da ONU, visto as péssimas condições que os condenados cumprem sua pena, como torturas, ambiente físico inadequado, condições sanitárias precárias, ausência de assistência médica, educacional, jurídica, sócio assistencial, violação ao Direito Humano e a perda do direto à vida (Adorno, 1991). Assim, em grande parte o sistema prisional brasileiro desumaniza, já que não atinge o seu papel de recuperar o condenado, e em muitos casos, agrava sua condição social. A partir desta questão, o presente texto é fruto de uma revisão bibliográfica parte da pesquisa de mestrado em curso intitulada A reintegração social de egressos do Método de Execução Penal APAC. Partindo do campo da Psicologia Social Comunitária, buscaremos abordar o processo de reintegração social aproximando-o de um modelo de inclusão psicossocial, por entender que a inclusão é mais ampla na medida em que a percepção do sujeito sobre sua reinserção na comunidade é um fator determinante para esse processo.
2 2 Para isso, nos limitaremos em nosso objeto de estudo que são os egressos da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), que vem se consolidando nos últimos anos como um modelo alternativo de execução penal com taxas de reincidência reduzidos se comparados ao sistema prisional comum. Longe de ser um modelo perfeito, o Método APAC apresenta suas possibilidades e desafios, mas que comparado ao sistema comum traz diversos avanços na concepção de reintegração social. Em relação a reintegração social, Baratta (1990) coloca que a prisão da forma como ela é não é capaz de promover a ressocialização. Este autor faz diferenciação entre os conceitos de ressocialização, reabilitação e reintegração social, sendo que a primeira acaba por ser uma postura mais ativa das instituições, na qual o indivíduo precisa ser readaptado a sociedade; a reabilitação diz somente do esforço do indivíduo e pouco das instituições e sociedade em reinseri-lo; e por último o processo de reintegração social se constitui como aquele que possui certa igualdade entre as partes, ou seja, há envolvimento ativo tanto do preso, quanto da comunidade no processo de inserção do mesmo. O Método de Execução Penal APAC Atualmente, a população carcerária do Brasil é de aproximadamente 600 mil presos, colocando o país na 4ª posição do ranking dos países com maior população carcerária do mundo, sendo superado apenas pelos Estados Unidos, China e Rússia em relação ao número absoluto do contingente de presidiários (CNJ, 2014a). Conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2014b) a taxa de reincidência é de mais de 70% no sistema prisional comum, enquanto que nas APACs essa taxa é de 8% a 15%. Já a taxa anual de crescimento do número de presidiários no país é de 12% (Andrade, 2014). A Lei de Execução Penal (LEP) Nº 7.210/1984, no seu capítulo II, no Art.10, determina que a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade (Lei Nº , 1984). Assim, no artigo 11 é garantido a assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa do condenado. Nesse sentido, Ottoboni (2001) coloca a
3 3 dupla finalidade da APAC: recuperar o homem e permitir o cumprimento digno da pena, garantindo os direitos do condenado. Sendo assim, a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) é uma alternativa a superlotação, as más condições, a falta de dignidade e descumprimento dos direitos humanos do sistema prisional brasileiro comum. Para Andrade (2014) o método APAC parte do pressuposto de que somente recuperado o indivíduo deixa de representar um risco a comunidade (p.27), ou seja, diminui-se assim a reincidência de atos criminosos. Criado em 18 de novembro de 1972, na cidade de São José dos Campos/SP o Método APAC foi idealizado por Mário Ottoboni (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais [TJMG], 2011). Inicialmente era um trabalho inserido nas atividades Pastoral Penitenciaria. A partir de 1974 ganhou personalidade jurídica, se configurando como uma entidade civil que busca à recuperação e à reintegração social do condenado. Atualmente existem aproximadamente 150 experiências de APACs em todo o Brasil, sendo algumas já em funcionamento, outras em processo de implantação e algumas já com sua sede própria (TJMG, 2011). Em Minas Gerais, conforme dados do TJMG 1, existem cerca de 30 APACs em funcionamento (TJMG, 2014). Também há experiências internacionais de implantação do método APAC, dentre essas destacam-se Alemanha, Cingapura, Chile, Costa Rica, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Hungria, Latvia, México, Moldávia, Nova Zelândia e Noruega (TJMG, 2011). Sem perder de vista a finalidade punitiva da pena, o método APAC visa recuperar o preso, proteger a sociedade, socorrer as vítimas e promover a justiça. Seu método se difere do sistema prisional comum por partir da valorização humana. Na APAC, o preso é chamado de recuperando, e a ele é prestado uma assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica, além da participação da comunidade e o acesso a escolarização. O recuperando é corresponsável pela sua recuperação, segurança e disciplina (TJMG, 2011). Não há presença de agente penitenciário ou policiais, e nos seus lugares dão espaço aos voluntários, funcionários e equipe de plantonistas. Outra diferença é que a APAC permite a municipalização da execução penal, ou seja, o condenado tem a oportunidade de cumprir sua pena (em regime aberto, semi aberto ou 1 Dados do Programa Novos Rumos, do TJMG. Disponível em:
4 4 fechado) em um presídio local e próximo de sua família. Apesar de ser um presídio e no qual o recuperando deve cumprir integralmente sua pena, a APAC se diferente do sistema prisional comum no que se refere a sua metodologia, que busca recuperar integralmente o ser humano (TJMG, 2011, p.27). A filosofia da APAC consiste no que se entende por matar o criminoso e salvar o homem (TJMG, 2011, p.27), ou seja, desenvolver um trabalho que contribua para a não reincidência do recuperando ao crime. O método APAC consiste em 12 elementos (Ottoboni, 2001) que são fundamentais para seu desenvolvimento. Veja na Figura 1 a representação do Método de Execução Penal APAC. Figura 1. Descrição dos 12 elementos do Método APAC É a partir desses elementos que o processo de recuperação do condenado é trabalhado, contemplando aspectos como: a participação da comunidade nas atividades da APAC; o recuperando ajudando recuperando no cotidiano da instituição; a experiência do trabalho; a experiência da espiritualidade; o acesso ao atendimento jurídico; a assistência à saúde, com serviços médicos e psicológicos; a valorização humana; o envolvimento e o trabalho com as famílias; a ação do voluntário; a estrutura do Centro de Reintegração Social; o mérito; e a experiência espiritual da Jornada de Libertação com Cristo.
5 5 Por um modelo de reintegração social no sistema prisional O encarceramento é uma experiência que provoca intensas mudanças na vida de uma pessoa e de todo seu universo afetivo. Os laços familiares, afetivos e profissionais podem ficar rompidos ou ameaçados. Ao ser afastado temporariamente do seu convívio social, o indivíduo tem a sensação de romper com a sua própria história, vindo a não reconhecer sua identidade, constituindo o que Goffman (1990) denominou como processo de mortificação do eu, resultado da perda de alguns dos papeis devido a separação do indivíduo com o mundo externo a instituição. Mameluque (2006), ao fazer uma reflexão sobre a incapacidade do atual sistema prisional brasileiro de não favorecer a ressocialização e a recuperação do ser humano, questiona como o psicólogo inserido no contexto prisional trata a subjetividade. A autora também faz o mesmo apontamento ao trabalho do psicólogo no método APAC, visto que nesta perspectiva de trabalho há uma preocupação com a humanização da pena. Para Tavares e Menandro (2004), é preciso compreender também as condições que estão imbricadas nas situações que levaram os protagonistas ao encarceramento, propondo uma reflexão também sobre a realidade de exclusão social destes sujeitos. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) por meio de sua resolução Nº 012/2011 orienta que o psicólogo no contexto prisional deve priorizar em sua prática os Direitos Humanos dos indivíduos presos, tendo em vista a construção da cidadania por meio de intervenções e de práticas psicológicas que visem a sua reinserção e o fortalecimento de seus laços sociais (CFP, 2011). Baratta (1990) concebe que o sistema prisional como é não consegue de fato cumprir a sua função ressocializadora. A partir da sua análise, o sistema prisional comum cumpre mais a função de neutralizar o criminoso, do que reintegrá-lo à sociedade. Para o autor: Não se pode conseguir a reintegração social do sentenciado através do cumprimento da pena, entretanto se deve buscá-la apesar dela; ou seja, tornando menos precárias as condições de vida no cárcere, condições essas que dificultam o alcance dessa reintegração. Sob o prisma da integração social e ponto de vista do criminoso, a melhor prisão é, sem dúvida, a que não existe (Baratta, 1990, p.02).
6 6 Nesse sentido, a função de reintegrar deve ser pensada para além do cumprimento da pena. Toda a execução penal deve conceber um modelo no qual o condenado seja levado a reaproximação com sua comunidade, e, para isso, é necessário olhar também para situação de exclusão e marginalização na qual o mesmo está submetido. Ao diferenciar os termos reabilitação (ou tratamento) e ressocialização, da concepção de reintegração social, Baratta (1990) entende que os dois primeiros modelos colocam o condenado como passivo e a instituição como ativa nesse processo. Já a ideia de reintegração social concebe que para se reintegrar é preciso tanto um esforço do ex condenado, como da sociedade, sendo necessária uma constante comunicação e interação entre os dois. Para Andrade, Oliveira Júnior, Braga, Jakob e Araújo (2015), a uma contradição na lei de execução penal, na medida em que se espera que o condenado se ajuste às regras da sociedade, estando segregados desta. Para os autores, os efeitos dos programas de reintegração social são insuficientes para impactar a vida dos condenados e, por sua vez, o número de egressos acompanhados pelas políticas de reintegração social é pequeno. Conforme Baratta (1990), se faz necessário abrir a prisão à sociedade, e na mesma proporção abrir a sociedade para os privados de liberdade: Um dos elementos mais negativos das instituições carcerária, de fato, é o isolamento do microcosmo prisional do macrocosmo social, simbolizado pelos muros e grades. Até que não sejam derrubados, pelo menos simbolicamente, as chances de ressocialização do sentenciado continuarão diminutas. Não se pode segregar pessoas e, ao mesmo tempo, pretender a sua reintegração (Baratta, 1990, p.03). Nesse sentido, para se pensar em um modelo de reintegração social no sistema prisional é necessário responder algumas questões: 1) Como colocado por Baratta (1990), a prisão não deve ser função em si mesma, ou seja, existir para neutralizar o indivíduo que comete crime, mas para reintegrá-lo de fato a sociedade e para, a longo prazo, deixar de existir. 2) A prisão é reflexo dos desajustes e conflitos resultantes da nossa organização social. Desta forma, nenhum modelo de sistema prisional dará conta de reintegrar o preso, sem olhar para os problemas sociais que circundam a nossa sociedade e que, em certa medida, contribuem para as causas da criminalidade e encarceramento. 3) Não basta ser um modelo que reintegre o sujeito de volta a
7 7 sociedade, mas é preciso incluí-lo. Entendemos por inclusão o movimento que considere não só o esforço do egresso, da instituição prisional e da sociedade de reintegrar, mas a própria dimensão subjetiva que consiste no sentimento real de pertencimento do indivíduo para com a sua comunidade. Nesse sentido, Barbalho e Barros (2014, p.561) acreditam que o sujeito só vai de fato se apropriar da sua autonomia quando ele participar dos espaços de decisão. Conclusão A partir destas discussões, reflete-se que embora prevista pela Lei de Execução Penal, a reintegração social do egresso do Sistema Prisional Comum é um desafio em grandes proporções para ser executado no Brasil, visto que a deficiente estrutura e a quase inexistência de políticas públicas adequadas vão na contramão da função ressocializadora da privação de liberdade. Como já discutido anteriormente, o Método APAC não é um modelo perfeito de execução penal e de reintegração social, contudo, no universo das prisões brasileiras apresenta uma metodologia diferenciada e pensada para promover a reintegração social. Para Baratta (1990, p. 2) nenhuma prisão é boa e útil o suficiente para essa finalidade, mas existem algumas piores do que outras. Nessa mesma direção, o autor coloca que se há uma proposta de prisão que reduza os danos e a dor do preso, ainda que seja para privar a liberdade, essa iniciativa deve ser vista com seriedade, caso se baseie nos direitos, no destino e na humanização destas pessoas. O modelo de execução penal da APAC pode ser visto como uma destas pioneiras iniciativas no Brasil. Por fim, o maior modelo de reintegração social é aquele que contribua para o desencarceramento, ou seja, para Baratta (1990), não é suficiente ter uma boa prisão, é preciso que a longo prazo ela deixe de ser necessária em nossa sociedade. Referências Adorno, S. (1991). Sistema penitenciário no Brasil: problemas e desafios. Revista USP, Dossiê Violência. 9,
8 8 Adorno, S. (2002). O monopólio estatal da violência na sociedade brasileira contemporânea. In: Sérgio Miceli, O que ler na ciência social brasileira (3), Andrade, C. C. de, Oliveira Júnior, A. de, Braga, A. de A., Jakob, A. C., & Araújo, T. D. (2015). O desafio da reintegração social do preso. Revista de Estudos Empíricos Em Direito, 2(2), Andrade, D. A. (2014). APAC: a face humana na prisão. Belo Horizonte: Expressa. Andrade, C. C. de, Oliveira Júnior, A. de, Braga, A. de A., Jakob, A. C., & Araújo, T. D. (2015). O desafio da reintegração social do preso. Revista de Estudos Empíricos Em Direito, 2(2), Baratta, A. (1990). Ressocialização ou controle social: uma abordagem crítica da reintegração social do sentenciado, 1 9. Retrieved from reintegração-social -do-senten Barbalho, L. de A., & Barros, V. A. de. (2014). Entre a cruz e a espada: a reintegração de egressos do sistema prisional a partir da política pública do governo de Minas Gerais. Psicologia Em Revista, 20(3), Conselho Federal de Psicologia [CFP]. (2011). Resolução CFP 012/2011. Regulamenta a atuação da(o) psicóloga(o) no âmbito do sistema prisional. Brasília: CFP. Conselho Nacional de Justiça [CNJ]. (2014a). Novo diagnóstico de pessoas presas no Brasil. Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF). Brasília, DF: CNJ. Disponível em: Conselho Nacional de Justiça [CNJ]. (2014b). CNJ recomenda expansão das APACS para a redução da reincidência criminal do país. Disponível em:
9 9 Goffman, E. (1990). Manicômios, Prisões e Conventos. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (1984). Institui a Lei de Execução Penal. Brasília. Recuperado em 12 de setembro de 2014, de: Mameluque, M. da G. C. (2006). A subjetividade do encarcerado, um desafio para a psicologia. Psicologia Ciência e Profissão, 26 (4), Ottoboni, M. (2001). Vamos matar o criminoso: o método APAC. São Paulo: Paulinas. Tavares, G. M.; Menandro, P. R. M. (2004). Atestado de Exclusão com Firma Reconhecida: o Sofrimento do Presidiário Brasileiro. Psicologia: Ciência e Profissão, 24 (2), Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais [TJMG]. (2011). Programa Novos Rumos. Belo Horizonte. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais [TJMG]. (2014). Programa Novos Rumos. Acesso em: 12 de setembro de Disponível em:
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