Introdução. Perry e os CI s: um problema para a semântica tradicional

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Transcrição:

Introdução A noção de constituinte inarticulado (CI) foi formulada e utilizada a primeira vez por John Perry em um artigo de 1986, intitulado Thought Without Representation. Os objetivos principais desse artigo eram ligados a problemas que se encontram no âmbito da filosofia da mente, mas foi nos círculos de discussão da filosofia da linguagem que os CI s ganharam cidadania filosófica. Mas, o que são exatamente CI s? Essa pergunta por si só já oferece bastante dificuldade, visto que há discordância mesmo sobre o que seria uma definição interessante da noção de constituinte inarticulado. A título de esclarecimento, porém, digamos que CI s sejam componentes proposicionais de P não rastreáveis a partir de uma estrutura sintática bem formada que expresse P. Dada essa vaga definição, surge a questão: mas existem, de fato, CI s? Nessa comunicação investigaremos duas respostas do chamado minimalismo semântico a essa questão. Pretendemos, portanto, oferecer uma pequena introdução à problemática que ronda a noção de CI. Apesar de não se filiar à escola minimalista, os argumentos de Perry a favor da existência de CI s, muito em função do seu pioneirismo, nos servirão de ponto de apoio para o esclarecimento de algumas questões centrais. Perry e os CI s: um problema para a semântica tradicional Papéis do contexto Em um artigo de 1998, Indexicals, Contexts and Unarticulated Constituents, Perry discrimina três papéis exercidos pelo contexto no processo de comunicação: contextos présemânticos, semânticos e pós-semânticos. O contexto pré-semântico exerce sua função em casos de ambigüidade, homonímia, etc. É esse contexto que define, por exemplo, se a palavra manga está sendo usada para se referir a uma parte de vestimenta ou para se referir a uma fruta. O contexto semântico (contexto s ) é aquele que fornece a referência de termos indexicais, ou seja, termos cuja referência muda em diferentes contextos. O uso de indexicais, porém, é sempre governado por um tipo de regra lingüística (o caráter

kaplaniano) que determinará a referência do termo nos diferentes contextos 1. Desse modo, num contexto onde Napoleão profere Eu sou o imperador, o caráter do termo indexical eu determinará Napoleão como a referência de tal termo. O papel semântico do contexto pode ser esclarecido a partir da seguinte equação: Termo + Caráter + Contexto s = Referência Importante notar que o papel do contexto s é sempre exercido a partir de uma regra lingüística, ou seja, é tão somente a partir do caráter que o contexto fornece uma referência. Metaforicamente, no contexto s há uma vara de pescar (caráter) que retira o peixe (referência) da água. Essa propriedade do contexto s nos auxiliará a caracterizar melhor os CI s e esclarecer por que eles são um problema para a semântica tradicional. O contexto pós-semântico exerce seu papel depois que todas as tarefas semânticas 2 são executadas e, ainda assim, o conteúdo resultante não é proposicional, ou seja, não pode ser avaliado enquanto verdadeiro ou falso. Por exemplo, suponha uma estrutura sintática S, cujos componentes são a e b, sendo a um indexical e b um termo comum, de referência fixa. Para que S expresse uma proposição, precisamos de um contexto C, no qual uma referência para a possa ser, a partir do caráter de a, assinalada. Tomando então S no contexto C, obtemos uma referência para cada um dos componentes de S. Ao combinarmos essas referências (valores semânticos), obtemos um conteúdo P, se esse conteúdo for proposicional, o contexto pós-semântico não exercerá seu papel, caso o conteúdo não seja proposicional, o contexto pós-semântico irá fornecer outros valores semânticos necessários para que um conteúdo proposicional P seja formado. Para esclarecer a função do contexto pós-semântico (contexto p ), utilizaremos a seguinte equação: Sentença + Conteúdo + Contexto p = Proposição Esse é o contexto responsável pelo fornecimento de CI s, chamados, portanto, de inarticulados por não serem constituintes introduzidos a partir da estrutura sintática que expressou proposição na qual figuram. CI s (contexto p ) podem ser diretamente contrastados com indexicais (contexto s ), pois no caso dos primeiros não há um caráter a partir do qual a referência é captada no contexto, o contexto cede diretamente um valor semântico sem a 1 Essa regra lingüística pode, assim, ser tomada como uma função de contextos em referências. 2 Atribuição de referências aos componentes sintáticos, combinação a partir das regras de composicionalidade etc.

intermediação de uma norma lingüística; voltando à metáfora, no contexto p o peixe salta d água sem que uma vara o pesque. A existência de CI s Essa distinção nos auxilia a esclarecer um pouco mais o que são CI s a partir de sua relação com a noção de contexto. Mas, resta saber, existem constituintes proposicionais não rastreáveis a partir de uma estrutura sintática que expressa a proposição na qual os mesmos figuram? Existe algum caso em que o contexto fornece valores semânticos para conteúdos não-proposicionais sem a intermediação de uma regra lingüística ou algo equivalente? Perry pretende demonstrar que sim a partir do seguinte argumento. Suponha um homem que acorda na sua casa em Angra dos Reis e começa a se arrumar para seu futebol matinal. Seu filho, porém, o alerta com a sentença Está chovendo, fazendo com que o pai retorne à cama. O que exatamente foi expresso pelo filho do homem em questão? Que proposição e que fato reportado pela mesma poderia fazer com que o homem voltasse à cama desistindo de seu futebol? Certamente a proposição de que está chovendo em Angra dos Reis, visto que uma outra proposição qualquer, como a expressa por Está chovendo em Londres jamais faria com que o homem desistisse de seu futebol. Ora, mas a sentença original expressa pelo filho está chovendo não contém componente sentencial (sintático) algum que se refira à Angra dos Reis ou outra localidade, de modo que Angra não parece ser um componente proposicional rastreável a partir a estrutura sintática em questão. O fato de Angra dos Reis fazer parte da proposição expressa parece, na realidade, se dever a um outro aspecto da situação imaginada que não as palavras ditas pelo filho do homem: parece que Angra dos Reis era uma localidade saliente no contexto. Não havendo, porém, termo algum que se refira à Angra, tampouco haverá uma regra lingüística pertencente a algum componente da sentença que capte Angra no contexto, de maneira que a função do contexto em questão parece ser pós-semântica. Parecem, assim, estarem cumpridas as condições para um caso de constituição inarticulada. Colocando de modo mais formal, o argumento de Perry nos mostra que as proposições expressas por está chovendo contêm sempre mais componentes do que esse seu representante sentencial; não há, com efeito, como distinguir as condições de verdade de está chovendo e está chovendo em Angra dos Reis na situação sugerida, de modo que

Angra dos Reis terá que figurar na proposição expressa pela primeira, da mesma forma que figura naquela expressa pela segunda. Problema para a semântica O problema básico imposto pela existência de CI s do qual nos ocuparemos está explícito na própria nomenclatura que Perry dá ao contexto que fornece os CI s: póssemântico. Grosso modo, isso significa que para interpretar certas construções sintáticas bem formadas como está chovendo precisamos de mecanismos que não são semânticos em sua natureza. Vejamos, primeiramente, por que esse contexto é nãosemântico a partir de uma breve incursão na noção de semântica. Três princípios delineadores da noção de semântica nos bastam para esclarecer o problema gerado pelos CI s: (1) o input de uma interpretação semântica é sempre uma estrutura sintática; (2) o output de uma interpretação semântica é sempre um conteúdo proposicional; (3) Se o papel do contexto na interpretação da estrutura sintática S é semântico, então ele deve ser exercido a partir de uma regra lingüística que controle o uso de um dos componentes de S. A partir desses princípios fica fácil notar como o exemplo de Perry coloca em cheque tal noção de semântica. Com efeito, a partir da estrutura sintática (input semântico) de está chovendo não é possível obter uma proposição (output semântico) apelando para o contexto que exerce sua função somente a partir das regras lingüísticas que governam o uso dos componentes de está chovendo. Deve-se apelar para um contexto que exerça seu papel independentemente da estrutura sintática em questão e forneça um local na qual se diga estar chovendo. Esse problema está na base do crescimento da posição contextualista, defendida por autores como François Recanati e Charles Travis. A solução oferecida por essa escola consiste em modificar tal concepção de semântica tornada, ao que parece, inócua pelos argumentos de Perry a partir da negação do princípio (2). Para o contextualismo, portanto, semântica não lida com condições de verdade, mas com conteúdos préproposicionais que devem ser enriquecidos através de mecanismos pragmáticos para que se tornem proposicionais. Deve-se, assim, substituir a semântica de condições de verdade por uma pragmática das condições de verdade.

Contexto e Forma Lógica: A resposta do indexicalismo Sobre o minimalismo Existem na literatura atual pelo menos duas formas correntes de se entender o mote do minimalismo. Uma delas, sustentada por Herman Cappelen e Ernest Lepore, afirma que o minimalismo é a posição segundo a qual as únicas expressões sensíveis ao contexto são aquelas listadas por em Demonstratives por Kaplan plus or minus a bit 3. A partir dessa concepção do minimalismo, o chamado indexicalismo 4 posição sustentada por Jason Stanley não parece ser uma posição minimalista, dado que, como veremos, não adiciona poucas expressões indexicais ao conjunto listado por Kaplan. A concepção do minimalismo oferecida por François Recanati, por outro lado, parece compatível com o indexicalismo. O minimalismo seria, nesse caso, simplesmente a posição que vê na saturação o único papel necessário a ser exercido pelo contexto na formação de um conteúdo proposicional. A saturação seria a atribuição de valores semânticos aos componentes de uma estrutura sintática a partir do contexto. O papel do contexto seria, assim, sempre exercido a partir da sintaxe. No que se segue vamos nos utilizar desse sentido de minimalismo. Vejamos, agora, qual a solução do indexicalismo de Jason Stanley para o problema colocado por Perry e por que tal solução se encontra no âmbito do minimalismo semântico tal qual caracterizado por Recanati. Sobre forma lógica A noção mais fundamental da resposta de Jason Stanley aos argumentos de Perry é a de forma lógica. Stanley distingue duas concepções de forma lógica: a revisionista e a descritivista. A concepção revisionista de forma lógica é aquela defendida, por exemplo, por Russell em seu On Denoting, ou seja, uma estrutura sintática que represente melhor a realidade e explicite de modo mais claro algumas relações lógicas quando comparada com a sintaxe da linguagem natural. 3 C&L (2005); pg. 2. 4 A nomenclatura foi cunhada por Recanati em seu Literal Meaning. Jason Stanley parece acatá-la em seu Review of François Recanati s Literal Meaning, publicado em Stanley (2007).

Forma lógica em sua concepção descritivista, por outro lado, é tomada como a estrutura sintática real das sentenças da linguagem natural, e não uma outra estrutura sintática construída com intenções específicas, como no caso da concepção revisionista. A partir da concepção descritivista de forma lógica não é possível, por exemplo, atribuir uma forma lógica a uma sentença que seja inconsistente com a sintaxe correta dessa sentença, seja ela qual for. Isso, obviamente, não vale para a concepção revisionista de forma lógica. A resposta de Jason Stanley lança mão da concepção descritivista de forma lógica. Como veremos, essa noção permitirá que Stanley negue uma das premissas do problema de Perry a saber, que a partir da estrutura sintática (input semântico) de está chovendo não é possível obter uma proposição (output semântico) ao postular uma estrutura sintática mais rica a forma lógica para a sentença está chovendo. Binding Assumption O princípio mais fundamental da resposta de Stanley é o que o autor chama de binding assumption ao qual ele dá a seguinte formulação. BA: Se α e β se encontram na mesma cláusula e α liga semanticamente β, então α é ou introduz um operador que liga variáveis, o qual é co-indexado com, e está numa relação estrutural com uma variável que é idêntica a ou um constituinte de β. Grosso modo, isso significa que, sendo α e β partes da mesma sentença, onde α é, por exemplo, um quantificador e β, por exemplo, uma sentença molecular, caso a interpretação de β dependa sistematicamente dos valores introduzidos por α, é necessário se postular uma variável como constituinte de β para que tal sentença possa ter uma leitura ligada ao quantificado α. Vejamos agora como a partir da noção de forma lógica e da binding assumption Jaston Stanley soluciona o problema colocado por Perry.

Um novo tratamento para o exemplo de Perry Para entendermos a solução de Stanley, observemos a seguinte sentença: (a) Toda vez que John acende um cigarro chove. Segundo Stanley, a leitura natural de (a) seria algo como: (a ) Para todo tempo t em que John acende um cigarro, chove no tempo t na localidade em que John está no tempo t. Por outro lado, argumenta Stanley, tal leitura não pode ser apreendida pela noção de constituinte inarticulado, visto que esse tipo de constituinte deve ser fornecido pelo contexto. A única leitura disponível para um defensor dos CI s seria, assim, algo como: (a ) Para todo tempo t em que John acende um cigarro, chove na localidade l saliente ao contexto de proferimento de (a). Obviamente, uma leitura pouco usual, visto que o local saliente no contexto pode ser outro completamente diferente do local em questão onde John acendeu seu cigarro. Para apreender a leitura (a ), Stanley postula uma variável na forma lógica da sentença chove cujo domínio seriam localidades. Desse modo, se uma quantificador preceder tal sentença, ele irá ligar tal variável e a interpretação funcionará como em (a ), caso a sentença se apresente sozinha, sem a precedência de um quantificador ou outro operador que ligue variáveis, a variável ficará livre e funcionará como um indexical, capturando seu referente no contexto saliente de modo semelhante à leitura (a ). Algumas das premissas de Perry eram, como vimos, que (1) os constituintes da sintaxe de chove não fornecem valores semânticos suficientes para a formação de uma proposição; (2) a formação de uma proposição a partir de chove dependia do fornecimento de uma localidade pelo contexto sem a intermediação de um componente sintático em chove cujo valor fossem localidades, i. e., o contexto não estaria exercendo, nesse caso, uma papel semântico. A postulação de uma variável na forma lógica de chove permite que neguemos ambas essas premissas: como a forma lógica de chove contém uma variável para lugares, a estrutura sintática dessa sentença fornece em um contexto valores semânticos suficientes; como há uma variável para lugares na forma lógica, o contexto fornece uma localidade com a intermediação de um componente sintático, o que caracteriza o papel semântico do contexto.

Stanley dá um ar semântico à equação pós-semântica de Perry: Sentença + Conteúdo + Contexto = Proposição A partir da substituição do conteúdo pré-proposicional pela forma lógica, que regulará o papel do contexto, transformando-o, assim, num contexto semântico: Sentença + Forma Lógica + Contexto = Proposição Minimalismo e sub-sintaxe O nível sub-sintático O tratamento para o nosso problema exposto no artigo Saying What You Mean, de Emma Borg, apela para um tipo de representação sintática mais rica (assim como Stanley), mas traça uma distinção entre o conteúdo semanticamente expresso e o conteúdo ordinário de uma sentença, o que lhe permitirá negar que o contexto possa ter um papel na proposição semanticamente expressa por Chove (diferentemente de Stanley). A noção fundamental da resposta de Borg é o que ela denomina de sub-sintaxe. Esse tipo de forma sintática tem o papel de adicionar componentes sintáticos aos componentes superficiais de uma sentença quando estes se mostrarem insuficientes. Por exemplo, o termo chuta é uma relação binária e, portanto, toda sentença em que tal termo figurar deve ter uma configuração do tipo x chuta y. É perfeitamente possível, porém, que nos utilizemos desse termo sem satura-lo, no nível superficial, com um de seus argumentos, como por exemplo na sentença Ibrahimović chuta. Nesse caso, a estrutura sub-sintática da sentença vai prover o argumento faltante ligando a variável contida no termo chuta a um quantificador existencial. Dessa maneira, apesar da superfície da sentença apresentar apenas um dos argumentos requeridos pelo verbo, a estrutura sintática mais profunda da sentença conteria o segundo. A proposição semanticamente expressa por Ibrahimović chuta seria, portanto, existe x tal que Ibrahimović chuta x. A partir disso fica imediatamente clara a solução que a autora dará ao problema de Perry. Apesar da superfície da sentença está chovendo não conter nenhum termo que indique uma localidade, a estrutura sub-sintática da sentença, a partir de uma exigência do verbo chover (um predicado binário) irá ligar a variável livre do predicado com um quantificador existencial. A proposição semanticamente expressa por está chovendo seria,

portanto, existe x tal que chove no tempo t em x, uma proposição que seria verdadeira mesmo que estivesse chovendo em Júpiter. Deve-se atentar para o fato de que, ao contrário de Stanley, não há papel a ser exercido pelo contexto na solução de Borg; não há uma variável livre escondida na estrutura profunda de está chovendo cuja denotação será determinada no contexto como um indexical a variável presente na estrutura sintática profunda da sentença será sempre ligada a um quantificador existencial, independentemente do contexto. Essa proposição, obviamente, parece não ser apropriada para expressar aquilo que normalmente desejamos quando usamos a sentença está chovendo. Porém, alerta Borg, não se deve requerer de uma teoria semântica que ela provenha conteúdos apropriados às intenções dos falantes. Com efeito, o significado literal (conteúdo semântico) de nossas sentenças nem sempre (ou quase nunca) é aquele que desejamos comunicar. Suponha o homem irônico que, ao ouvir da amiga Todos virão à minha festa, responde com um Mesmo? A rainha da Inglaterra virá?. Essa ironia, diria Borg, se baseia justamente na disparidade que há entre o conteúdo que a mulher quis comunicar e o conteúdo literal de suas palavras (que dificilmente ela teria intenção de comunicar). Vemos assim que a solução de Borg modifica a equação problemática de Perry: Sentença + Conteúdo + Contexto = Proposição Substituindo o contexto por um tipo mais rico de representação sintática, a sub-sintaxe da sentença, que terá o papel de enriquecer e tornar proposicional o conteúdo pobre gerado pela superfície da sentença: Sentença + Conteúdo + Sub-sintaxe = Proposição Conclusão Perpassamos, ao longo do texto, dois dos possíveis caminhos para responder ao problema gerado pelos CI s para a semântica tradicional. O primeiro dos caminhos (Stanley) aceita que o contexto tenha papel fundamental para a formação de uma proposição pela sentença está chovendo, mas nega que esse papel seja exercido sem a intermediação de um componente sintático da sentença a partir de uma estrutura sintática enriquecida.

O segundo (Emma Borg) aceita que os componentes sintáticos superficiais da sentença sejam insuficientes para a formação de um conteúdo proposicional, mas postula uma forma de representação sintática mais rica a partir da qual tal conteúdo seria expresso. Nega também o papel do contexto, fazendo com que o conteúdo expresso semanticamente por está chovendo seja o mesmo em todos os contextos. Referências C&L (2005) Stanley (2007) Cappelen, H. e Lepore, E. 2005. Insensitive Semantics, Oxford: Blackwell. Stanley, J. 2007. Language in Context, Oxford: Oxford University Press. Bibliografia Borg, E. 2005. Saying What You Mean, em Elugardo, R. e Stainton, R. (eds.), Ellipsis and Non-sentential Speech, Dordrecht: Kluwer, pp. 237-262. Cappelen, H. e Lepore, E. 2005. Insensitive Semantics, Oxford: Blackwell. Kaplan, D. 1989. Demonstratives em Almog, J., Perry, J. e Wettstein, H. (eds), Themes from Kaplan, Oxford: Oxford University Press. Perry, John. 1998. Indexicals, Contexts and Unarticulated Constituents em Westertahl, D. et al. (eds.), Computing Natural Language, Stanford: CSLI Publications, pp. 1-11. Recanati, F. 2004. Literal Meaning, Cambridge: Cambridge University Press. Stanley, J. 2000. Context and Logical Form, Linguistics and Philosophy 23, pp. 391 434. Stanley, J. 2007. Language in Context, Oxford: Oxford University Press.