Inovar a prática valorizando o Professor CONTINUIDADE E DIFERENCIABILIDADE: UM ESTUDO SOBRE REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO UTILIZADOS POR PROFESSORES Eleni Bisognin Centro Universitário Franciscano eleni@unifra.br Vanilde Bisognin Centro Universitário Franciscano vanilde@unifra.br Helena Noronha Cury Centro Universitário Franciscano curyhn@via-rs.net Resumo: O objetivo deste trabalho é pesquisar os tipos de registros de representação utilizados por professores em formação continuada ao responderem questões sobre continuidade e diferenciabilidade. Para atingir o objetivo, foi aplicado a oito professores um teste composto por três questões sobre esses conteúdos. Para fundamentar a análise das respostas, foi usada a teoria dos registros de representação semiótica, de Duval. Os resultados mostraram que esses participantes têm dificuldades em usar o registro gráfico, em fazer conversões entre os diferentes registros e parecem preferir a linguagem natural em suas respostas. Palavras-chave: Continuidade; Diferenciabilidade; Registros de representação. 1. Introdução Os licenciandos em Matemática têm, em geral, contato com as noções de continuidade e diferenciabilidade nos primeiros anos de seu curso, em disciplinas de Cálculo Diferencial e Integral. Posteriormente, revisam esses conceitos na disciplina de Análise Matemática, quando é oferecida no curso. Nos anos iniciais de cursos de graduação, em geral os professores de Cálculo evitam dificuldades, apresentando os conceitos por meio de uma abordagem informal, especialmente apoiando-se em representações gráficas. Quando esses licenciandos estudam Análise Matemática ou Fundamentos de Análise, em matrizes curriculares que seguem o Parecer CNE 1.302/2001 (BRASIL, 2001), os conceitos são aprofundados e suas definições são apresentadas formalmente, ainda que se verifiquem dificuldades no entendimento da abordagem simbólica oferecida;
assim, quando não têm, em seus cursos, uma disciplina de Análise, ficam apenas com a ideia intuitiva e muitas vezes não são capazes de identificar funções contínuas ou deriváveis, quando essas são apresentadas em diversos registros de representação. Ao ingressarem em cursos de Pós-Graduação (Especialização, Mestrado ou Doutorado em Matemática ou Educação Matemática), os graduados em Matemática ainda apresentam dificuldades na representação de entes matemáticos. Trabalhando com professores de Matemática em um curso de formação continuada, as autoras deste trabalho, notando essas dificuldades, propuseram-se a investigar quais registros de representação (simbólico, gráfico ou em linguagem natural) são utilizados por esses professores, ao responderem questões sobre continuidade e diferenciabilidade. Para isso, foi aplicado um teste a oito professores que cursavam uma disciplina de Fundamentos de Cálculo Diferencial em um curso de formação continuada. São discutidas, neste texto, as dificuldades encontradas para usar os diferentes registros de representação de funções e a incompatibilidade de suas definições com as que são aceitas pela comunidade matemática. 2. Algumas Ideias sobre Registros de Representação Para fundamentar a análise das respostas dos alunos-professores, revisamos a teoria dos registros de representação semiótica, de Raymond Duval. O autor afirma que não se pode ter compreensão em matemáticas, se nós não distinguimos um objeto de sua representação. (DUVAL, 2009, p. 14). Portanto, para esta pesquisa, é necessário entender que há os objetos função contínua e função derivável e há, também, suas representações, que podem ser de diferentes tipos. Para um professor de Matemática, não basta saber uma definição de função contínua, por exemplo, é necessário identificá-la nos vários registros possíveis e, também, entender a relação entre continuidade e diferenciabilidade. As representações semióticas são produções construídas pelo emprego de regras de sinais, que podem ser um enunciado em língua natural, um gráfico, uma tabela, uma fórmula, etc. Elas servem para que um indivíduo expresse, por meio delas, suas representações mentais. Na avaliação da aprendizagem matemática, por exemplo, não podemos acessar as representações mentais do aluno e, então, analisamos seus registros de representação semiótica. Pra Duval (2006),
O problema crucial da aprendizagem matemática para os alunos, em cada estágio do currículo, vem do conflito cognitivo entre essas duas necessidades opostas: como os alunos podem distinguir o objeto representado da representação semiótica usada se eles não podem ter acesso ao objeto matemático a não ser pelas suas representações? (p. 107. Grifo do original). Assim, parece-nos fundamental que o professor de Matemática tenha consciência desse paradoxo, para que possa planejar suas aulas de modo que pelo menos dois registros de representação sejam usados e estes sejam coordenados, pois, segundo Duval (2012, p. 292), essa coordenação se manifesta pela rapidez e a espontaneidade da atividade cognitiva de conversão. (DUVAL, 2012, p. 292). Ao mencionar a conversão, Duval está se referindo a uma das transformações que podem sofrer as representações. Essas transformações são o tratamento e a conversão. O tratamento se efetua no interior de um mesmo registro, aquele onde as regras de funcionamento são utilizadas (DUVAL, 2009, p. 39) e mobiliza apenas um registro de representação. Por exemplo, se solicitarmos aos alunos que determinem as raízes de uma função dada por f(x)=x 2 5x+6, ele pode fatorar a expressão, obtendo f(x)=(x-2)(x-3) e, assim, indicar que 2 e 3 são as raízes. A conversão é a transformação que faz passar de um registro a outro. No exemplo acima, se o aluno parte da representação algébrica da f, ele pode esboçar seu gráfico e determinar as raízes observando as abscissas dos pontos nos quais a parábola corta o eixo dos x. No entanto, Duval (2009, p. 18) adverte: A passagem de um sistema de representação a outro ou a mobilização simultânea de vários sistemas de representação no decorrer de um mesmo percurso [...] não têm nada de evidente e de espontâneo para a maior parte dos alunos. Efetivamente, em qualquer nível de ensino, os estudantes têm dificuldade de reconhecer um mesmo objeto matemático, se apresentado em representações semióticas diferentes. Por exemplo, a expressão algébrica de uma equação e sua representação gráfica; a expressão numérica de uma relação e sua representação geométrica; a expressão de uma fórmula em língua natural e sua expressão literal, entre outros. (DUVAL, 2012). Também buscamos outros trabalhos que investigam os registros de representação semiótica em questões sobre derivada de uma função. Godoy (2004) aplicou dois testes para investigar os conhecimentos sobre derivadas, à luz dos registros de representação
semiótica, a alunos de Cálculo de cursos de Engenharia e Matemática. O autor concluiu que no registro gráfico houve maiores dificuldades, tanto quando esse foi o registro de partida como quando foi o de chegada, nas conversões feitas. O registro em língua natural foi o mais usado pelos estudantes, na conversão de registros gráficos ou simbólicos. Ramos (2009) investigou conhecimentos de alunos de Matemática que já haviam feito um curso de Cálculo, sobre a noção de derivada e suas aplicações. O teste aplicado foi estruturado segundo a teoria dos registros de representação semiótica. O autor concluiu que os estudantes têm muito mais facilidade em trabalhar com o registro algébrico e com transformações do tipo tratamento e que, também, apresentam dificuldades conceituais em problemas de aplicação. Pinto (2008) investigou de que forma alunos de licenciaturas em Matemática, Física e Química, em um curso de educação a distância, compreendem graficamente o conceito de derivada. A pesquisa foi realizada por meio de uma lista de atividades e por uma entrevista e a autora concluiu que os participantes têm preferência nítida por procedimentos algébricos, mostrando dificuldade em enfrentar questões que exigiam representação gráfica. Em nossa pesquisa, temos por objetivo pesquisar o tipo de registro de representação utilizado pelos professores participantes, ao responderem questões sobre continuidade e diferenciabilidade. 3. Apresentação dos Dados da Pesquisa Para aplicar o teste, as pesquisadoras solicitaram a oito professores em formação continuada 1 cursando uma disciplina de Fundamentos de Cálculo Diferencial, que resolvessem três questões, a seguir apresentadas, juntamente com as respostas. A primeira questão tinha o seguinte enunciado: Considere as funções: 1 Para evitar a identificação, usamos a forma masculina para todos os respondentes.
a) as funções f e g são contínuas em x=1? E são diferenciáveis em x=1? b) esboce os gráficos de f e de g. Seguindo o que havia sido solicitado, o respondente poderia, primeiramente, realizar uma conversão das representações, esboçando o gráfico de cada função e respondendo por meio da visualização dos traçados. No entanto, talvez pela ordem das perguntas, todos eles analisaram as funções usando, para a continuidade, a definição: Uma função f é contínua em um ponto x=x 0 se e somente se: i) existe f(x 0 ); ii) existe limite de f(x) quando x tende a x 0 ; iii) esse limite é igual a f(x 0 ). Sete dos respondentes acertaram a pergunta sobre continuidade, embora alguns apenas identificaram a existência do limite, sem determinar os limites laterais. Um respondente considerou que as funções não são contínuas porque os limites laterais são diferentes, haja vista que, para calcular o limite quando x tende a 1 pela direita, usou o valor x=2. Nesse caso, respondeu que as funções não são deriváveis porque não são contínuas. No entanto, nenhum dos respondentes acertou a pergunta sobre diferenciabilidade no ponto x=x 0, sendo que um deles, tendo concluído, erradamente, que as funções não são contínuas, considerou que não são deriváveis. Podemos classificar as outras respostas erradas em quatro categorias, segundo as afirmativas dos respondentes: I) as duas funções são deriváveis em x=x 0, sem justificativa para a resposta (3 casos); II) III) IV) a derivada existe pelo fato de f ser decrescente para x<0 e crescente para x>0, porque a derivada da f é, respectivamente, menor que zero ou maior que zero (2 respostas); as derivadas laterais para a f foram encontradas, mas houve erro no seu cálculo, tendo sido considerado g (1)=2 (1 resposta); os limites laterais são iguais, logo as funções são deriváveis (1 resposta).
Seis dos respondentes acertaram o esboço do gráfico das funções; os dois outros esboçaram erradamente os gráficos, conforma vemos nas Figuras 1 e 2, a seguir: Figura 1 Gráfico errado porque há traçado de uma reta a partir de x=0 Figura 2 Gráfico errado porque não há indicação de valores de f(x) para 1<x<2 Fonte: Dados da pesquisa A segunda questão apresentava quatro gráficos de funções e solicitava que o professor respondesse se cada uma delas era contínua e diferenciável no ponto x=x 0. Os registros de representação das funções eram os seguintes: a) b) c) X 0 X 0 X 0 No item a, dois respondentes consideraram que a função não é contínua no ponto x 0 porque não existe o limite de f quando x tende a x 0 ; um deles não analisou a derivabilidade e o outro apenas considerou que não é derivável, sem justificar. Quatro respondentes justificaram, corretamente, que a função é contínua e três deles afirmaram que não é derivável porque a reta tangente no ponto x 0 é vertical ; o quarto respondeu que não é derivável porque a função apresenta um bico` no ponto x 0. Dos dois restantes, um considerou que a função é derivável em x 0, sem justificar, e o outro mencionou a tangente vertical, sem analisar a continuidade.
No item b, um respondente considerou apenas a continuidade; outro afirmou ser derivável no ponto x 0 por ter uma reta tangente no ponto x 0 ; três consideraram que é contínua e derivável, sem justificar; dois respondentes afirmaram que a função tem derivada e portanto ela é contínua ; e o último justificou corretamente, pela definição, que é contínua em x 0 e considerou derivável porque a derivada em x 0 pode ser encontrada. No item c, houve respostas variadas: um respondente informou, incorretamente, que f não está definida em x 0 e não analisou a diferenciabilidade; dois outros justificaram corretamente que f não é contínua porque os limites laterais existem mas são diferentes, mas também não analisaram a diferenciabilidade; o quarto justificou que não é contínua em x 0 porque e que não é derivável porque é descontínua; o quinto informou que não é contínua porque os limites laterais são diferentes e que, portanto, não é derivável; o sexto considerou que é contínua (e repetiu a definição de continuidade em um ponto) e que é derivável; os dois últimos afirmaram que a f não é contínua em x 0 e, portanto, não é derivável. Na última questão, solicitava-se o significado de função diferenciável e a relação entre continuidade e diferenciabilidade. Quanto à relação entre os dois conceitos, seis dos oito professores lembraram o teorema que afirma: Se uma função é derivável em um ponto, então ela é contínua neste ponto e acrescentaram, corretamente, que nem toda função contínua em um ponto é derivável neste ponto. No entanto, um deles complementou a afirmativa, escrevendo: pois se ela tiver uma assíntota ela não é derivável, ou ela pode ser contínua, mas em um determinado ponto ela não ser contínua, portanto não terá derivada. Outros dois respondentes não apresentaram a relação entre os conceitos. No entanto, ficou evidente, na definição de função diferenciável, que não havia compreensão do significado desse conceito. Listamos, a seguir, as respostas equivocadas: a) derivada é a taxa de variação média da função f ; b) função diferenciável representa a variação de um ponto em relação a uma curva, fazendo o ponto tender a um ponto estabelecido ; c) para uma função ser diferenciável, é preciso que exista o limite da taxa de variação da função ;
d) uma função derivável indica se a f possui uma reta tangente que passa por um ponto da curva, cujo coeficiente angular é a derivada da função naquele ponto, que indica a taxa de variação da função ; e) função diferenciável em um determinado ponto precisa ser contínua, ou seja, limites laterais iguais ; f) a função é diferenciável quando a reta tangente passar por um ponto sobre a curva, o coeficiente angular será a derivada da função no ponto. Essas respostas, ainda que em um grupo muito pequeno de alunos-professores, mostram claramente as dificuldades relacionadas aos conceitos de continuidade e diferenciabilidade. 4. Considerações Finais Analisando as respostas apresentadas pelos participantes e os registros de representação que foram por eles utilizados, os dados parecem vir ao encontro do que Godoy (2004) e Pinto (2008) encontraram em suas pesquisas. Efetivamente, foram encontradas mais dificuldades em utilizar registros de representação gráficos do que simbólicos ou em linguagem natural. Na primeira questão, notamos que os professores, talvez por terem revisado recentemente a definição de função contínua, na disciplina de Fundamentos de Cálculo, preferiram usar a representação simbólica na resposta sobre continuidade. No entanto, os erros encontrados nas respostas sobre a diferenciabilidade, nessa primeira questão, mostraram que não está clara, para os participantes, a definição de derivada em um ponto, haja vista que não conseguiram usar alguma representação simbólica para justificar suas respostas. Assim, parece-nos que esses professores não conseguem realizar conversões entre os registros, pois, mesmo tendo que usar símbolos, gráficos e linguagem natural nas respostas da primeira questão, não se deram conta de que pudesse haver erro em alguma das respostas. Na segunda questão, em registro gráfico, notamos que os professores preferiram, na maior parte das vezes, usar a linguagem natural para responder as perguntas. No entanto, foram evidentes os erros, especialmente representados pela forma como responderam sobre
a derivabilidade, confundindo-se com alguns conceitos. Também ficou clara a dificuldade em usar representações simbólicas para converter a representação gráfica, como quando um dos participantes indicou que, empregando erradamente o sinal de igualdade juntamente com a negação do quantificador existencial. Na terceira questão, esperávamos que os respondentes usassem a linguagem natural para definir função diferenciável e eles efetivamente o fizeram; no entanto, as afirmativas feitas confundem função diferenciável com taxa de variação, reta tangente e coeficiente angular, mostrando que nenhum desses conceitos está claro para os participantes. Concordamos com Duval (2009), quando diz que não é evidente nem espontânea a mobilização entre diversos registros. Mesmo mostrando alguma preferência pela linguagem natural nas tentativas de resposta, como também foi encontrado por Godoy (2004), esperávamos que os professores tivessem maior espontaneidade na conversão entre os registros, como menciona Duval (2012), por já terem estudado esses conceitos na graduação, nesse curso de formação continuada e por serem professores de Matemática, trabalhando em sala de aula, com seus alunos de educação básica, com representações de diversos tipos. 5. Referências BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CES nº 1.302 de 06 nov. 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ces13022.pdf >. Acesso em 11 jun. 2015. 2006. DUVAL, R. A cognitive analysis for problems of comprehension in a learning of mathematics. Educational Studies in Mathematics, n. 61, p. 103 131, 2006. DUVAL, R. Semiósis e pensamento humano: registros semióticos e aprendizagens intelectuais. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2009. DUVAL, R. Registros de representação semiótica e funcionamento cognitivo do pensamento. REVEMAT, v. 7, n. 2, p. 266-297, 2012. GODOY, L. F. S. de. Registros de representação da noção de derivada e o processo de aprendizagem. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004. PINTO, G. M. da F. Compreensão gráfica da derivada de uma função real em um curso de cálculo semi-presencial. 2008. Dissertação (mestrado em Ensino de Matemáticas) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
RAMOS, V. V. Dificuldades e concepções de alunos de um curso de licenciatura em matemática sobre derivada e suas aplicações. 2009. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Matemática) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.