INVESTIGAÇÃO. An Bras Dermatol. 2011;86(2):

Documentos relacionados
INVESTIGAÇÃO. Síndrome de Sweet: estudo de 23 casos * Sweet's syndrome: a study of 23 cases

Artigo Original TUMORES DO PALATO DURO: ANÁLISE DE 130 CASOS HARD PALATE TUMORS: ANALISYS OF 130 CASES ANTONIO AZOUBEL ANTUNES 2

Um caso típico de Síndrome de Sweet

PIODERMA GANGRENOSO: RELATO DE CASO

Ana Ribeiro, * José Costa, * Mónica Bogas, ** Lúcia Costa, *** Domingos Araújo **** Resumo. Introdução. Abstract

Revista SPDV 71(1) 2013; Renata Pinto Fernandes Timbó, Aline Sarkis dos Santos, Carolina Degen Meotti, et al.;síndrome de Sweet.

PALAVRAS-CHAVE Processos Linfoproliferativos. Linfoma não Hodgkin. Epidemiologia

Linfoma extranodal - aspectos por imagem dos principais sítios acometidos:

Imagem da Semana: Fotografia. Imagem 01. Fotografia da região lateral do tronco

INTRODUÇÃO AO LINFOMA EM GATOS

Melanoma maligno cutâneo primário: estudo retrospectivo de 1963 a 1997 no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo

PALAVRAS-CHAVE Transtornos Linfoproliferativos; Linfoma; Linfoma de Hodgkin; Linfoma não Hodgkin.

Imagem da Semana: Ressonância nuclear magnética

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA HEPATITE AUTO- IMUNE

UNIVERSIDADEE DE SÃO PAULO

PROJETO LAAI: LUPUS ELABORAÇAO DE UM FOLDER

GRANULOMA FACIAL REVISÃO CLINICO-PATOLÓGICA. Interno do 3.º ano da Formação Específica em Dermatovenereologia/Resident Dermatology and Venereology 2

ESTUDO DA FREQÜÊNCIA DE PARASITAS E DE OVOS NAS CAVIDADES APENDICULARES DAS APENDICITES AGUDAS *

- Descrito na década de 70, mas com aumento constante na incidência desde os anos 90

17º Imagem da Semana: Fotografia

Anatomia patológica da rejeição de transplantes

SARCOIDOSE. Luiz Alberto Bomjardim Pôrto Médico dermatologista

GABARITO PROVA TEÓRICA QUESTÕES DISSERTATIVAS

22 - Como se diagnostica um câncer? nódulos Nódulos: Endoscopia digestiva alta e colonoscopia

HERPES ZOSTER DISSEMINADO EM PACIENTE IMUNOCOMPETENTE. Dra. Rosanna Carrarêtto Dr. Fabrício Prado Monteiro

Especificidade das lesões dos membros inferiores

VIII - Doenças alérgicas

Hematologia Clínica : bases fisiopatológicas

Responda às perguntas seguintes usando exclusivamente o glossário.

Imagem da Semana: Fotografia

Eritema Nodoso na criança

III - CASUÍSTICA E MÉTODOS

Senha para inscrição no Moodle Mecanismos de Agressão e Defesa turma E. #aluno-mad1e

MANIFESTAÇÕES OCULARES DOS REUMATISMOS INFLAMATÓRIOS

Classificação das doenças dermatológicas Genodermatoses Doenças sistêmicas envolvendo a pele, doenças degenerativas, doenças causadas por agentes físi

Mucosite oral: perfil dos pacientes pediátricos do Hospital das Clínicas da UFMG

Profª. Thais de A. Almeida

Tumores renais. 17/08/ Dra. Marcela Noronha.

Glomerulonefrite Membranosa Idiopática: um estudo de caso

HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO IV. Professor: Drº Clayson Moura Gomes Curso: Fisioterapia

Dissertação de mestrado

ENFERMAGEM DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS. HIV/AIDS Aula 2. Profª. Tatiane da Silva Campos

30º Imagem da Semana: Fotografia

CURSO DE COMPLEMENTAÇÃO ESPECIALIZADA DERMATOPATOLOGIA

Tomografia de abdômen evidencia espessamento da parede gástrica, sem outros achados.

Pneumonia intersticial. Ana Paula Sartori

LEISHMANIOSE CANINA (continuação...)

RESUMO OBESIDADE E ASMA: CARACTERIZAÇÃO CLÍNICA E LABORATORIAL DE UMA ASSOCIAÇÃO FREQUENTE. INTRODUÇÃO: A asma e a obesidade são doenças crônicas com

Caso do mês. Sociedade Brasileira de Patologia. Apresentadores: Dra. Sheila Ap. Coelho Siqueira Dr. Ariel Barreto Nogueira

Universidade Federal do Ceará Faculdade de Medicina Liga de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Jônatas Catunda de Freitas

Os resultados das avaliações imunoistoquímicas encontram-se nas tabelas 1, 2, 3, 4, 5,6 e 7.

Glomerulonefrite pós infecciosa

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE

Imagem da Semana: Fotografia

Epidemiologia. Copyright. Classificação. Prof. Dr. Ricardo Romiti Ambulatório de Psoríase - Hospital das Clínicas da USP

CURSO DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA PLANO DE ENSINO

13ºEncontro do Núcleo de Especialidades Sociedade Brasileira de Patologia 23.jun.12. Dra. Sheila Ap. Coelho Siqueira Dr. Ariel Barreto Nogueira

Indicador: Incidência de mucosite em Unidades de Internação e em pacientes Ambulatoriais

SELEÇÃO DE MÉDICOS RESIDENTES PARA 2017 ÁREA DE ATUAÇÃO COM PRÉ-REQUISITO GABARITO

PROTOCOLO MÉDICO URTICÁRIA E ANGIOEDEMA HISTAMINÉRGICO

LESÕES MAMÁRIAS BENIGNAS MIMETIZADORAS DE MALIGNIDADE

CASO CLÍNICO. Filipa da Encarnação Roque Diamantino 1 Pedro Manuel Oliveira da Cunha Raimundo 2 Ana Isabel Pina Clemente Fidalgo 3

APLV - O que é a Alergia à Proteína do Leite de Vaca: características, sinais e sintomas. Dra. Juliana Praça Valente Gastropediatra

Biologia. Transplantes e Doenças Autoimunes. Professor Enrico Blota.

As primeiras queixas referidas pelos pacien tes, com as respectivas percentagens, sãos

Tratamentos do Câncer. Prof. Enf.º Diógenes Trevizan

URTICÁRIA: ASPECTOS ESSENCIAIS

PERFIL DO PACIENTE ATENDIDO NO PROJETO DE EXTENSÃO:

Vasculites Pulmonares Diagnóstico Diferencial Histológico

HIPERSENSIBILIDADE. Acadêmicos: Emanuelle de Moura Santos Érica Silva de Oliveira Mércio Rocha

INTRODUÇÃO LESÃO RENAL AGUDA

e38 CAPÍTULO Atlas de Biópsias Hepáticas CAPÍTULO e38 Atlas de Biópsias Hepáticas Jules L. Dienstag Atul K. Bhan 38-1

Líquen plano reticular e erosivo:

Osteomielite crónica não-bacteriana (OMCR)

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR

TÍTULO: INCIDÊNCIA DE INFECÇÃO URINÁRIA ENTRE HOMENS E MULHERES NO MUNICÍPIO DE AGUAÍ EM PACIENTES QUE UTILIZAM O SUS

Caso do mês Janeiro/ Carlos Camilo Neto

Serviço de Patologia. Hospital Universitário ufjf Serviço de Anatomia Patológica e Citopatologia Prof. Paulo Torres

DOENÇA DE KAWASAKI E FLEIMÃO RETROFARÍNGEO: UMA DOENÇA?

ÁREA/SUB-ÁREA DO TERMO (BR): Medicina saúde pública pneumopatias

Merkel Cell Carcinoma Tratamento imunológico

Declaração de Conflitos de Interesse

Anafilaxia. Pérsio Roxo Júnior. Divisão de Imunologia e Alergia Departamento de Puericultura e Pediatria

Caso Clínico 5. Inês Burmester Interna 1º ano Medicina Interna Hospital de Braga

SÍNDROMES PARANEOPLÁSICAS EM EQUINOS

CARACTERIZAÇAO SOCIODEMOGRÁFICA DE IDOSOS COM NEOPLASIA DE PULMAO EM UM HOSPITAL DE REFERENCIA EM ONCOLOGIA DO CEARA

Doença inflamatória da coluna vertebral podendo ou não causar artrite em articulações periféricas e inflamação em outros órgãos como o olho.

ENFERMAGEM EM ONCOLOGIA

DIAGNÓSTICO E MANEJO DAS DISPLASIAS DE LARINGE

UMA PROSPECÇÃO CIENTÍFICA SOBRE LEUCEMIA LINFOIDE CRÔNICA DE CÉLULAS PILOSAS

Infiltração por leucemia mieloide aguda na pele: relato de caso

Anais do 38º CBA, p.1751

Neoplasias. Benignas. Neoplasias. Malignas. Características macroscópicas e microscópicas permitem diferenciação.

Índice. Índice... ii Sumário... iii Abstract... v

Resultados 42. IV. Resultados

Campus Universitário s/n Caixa Postal 354 CEP Universidade Federal de Pelotas.

Síndrome de Sweet Um diagnóstico inesperado?

NÓDULO PULMONAR SOLITÁRIO

Transcrição:

702 INVESTIGAÇÃO Síndrome de Sweet: estudo de 73 casos, com ênfase nos achados histopatológicos * Sweet's syndrome: study of 73 cases, emphasizing histopathological findings Mayra Carrijo Rochael 1 Luciana Pantaleão 2 Enoï A. Guedes Vilar 3 Luciana Helena Zacaron 4 Eduardo Quelhas Spada 5 Marcus H. S. B. Xavier 6 Karla Strong Rodrigues 7 Resumo: FUNDAMENTOS: A síndrome de Sweet corresponde a um conjunto de alterações cutâneas, sistêmicas e histopatológicas como resposta a diversos estímulos, semelhantes ao eritema nodoso, ao eritema multiforme e à vasculite leucocitoclásica. São descritas condições associadas como infecção, gravidez, uso de drogas e malignidades. OBJETIVOS: Avaliar as alterações clínicas e histopatológicas da síndrome, relacionando-a a outras condições. MÉTODO: Estudo retrospectivo de 73 casos com avaliação microscópica de lesões cutâneas, dados clínicos e laboratoriais. RESULTADOS: Houve predomínio de mulheres (83,0%), brancas (49,2%), entre a quarta e a sexta décadas de vida (73,8%). Placas eritematosas (76,9%), pápulas (43,0%), pseudovesiculação (PV) (38,4%) e lesões em alvo (18,5%) foram as principais alterações. Entre as condições associadas, infecções de vias aéreas (15,4%) e uso de drogas (10,8%) foram as mais frequentes. Outras associações, representadas por um caso cada, foram: linfoma de Hodgkin, gravidez, colite ulcerativa, policitemia vera e lúpus eritematoso em paciente com Aids. Neutrófilos com leucocitoclasia (98,6%), degeneração do colágeno (87,7%), edema (74,0%) e PV (38,4%) foram os principais achados microscópicos. Eosinófilos estiveram presentes (41,1%) de raros a abundantes e, em geral, não relacionados ao uso de drogas. O infiltrado inflamatório atingiu a derme profunda em 47,9% das vezes e encontrou-se paniculite em 80,0% dos casos nos quais a hipoderme estava representada (10 casos). CONCLUSÕES: Os achados, de modo geral, coincidem com os da literatura, destacando-se: frequente participação de eosinófilos sem correlação com a ingestão de medicamentos, paniculite e rara associação com linfoma de Hodgkin, sendo este o quinto relato de tal ocorrência, segundo o conhecimento dos autores. Palavras-chave: Doença de Hodgkin; Eritema multiforme; Paniculite; Síndrome de Sweet Abstract: BACKGROUND: Sweet s syndrome refers to a set of cutaneous, systemic and histopathological alterations that occur in response to different stimuli, in a similar way to that occurring in erythema nodosum, erythema multiforme and leukocytoclastic vasculitis. The syndrome has been described in association with conditions such as infections, pregnancy, the use of certain medications and malignancy. OBJECTIVES: To evaluate the clinical and histopathological alterations occurring in this syndrome and to assess the association between these alterations and other conditions. METHODS: A retrospective study of 73 cases was conducted, evaluating data on the microscopic examination of skin lesions, as well as clinical and laboratory data. RESULTS: The majority of the patients were female (83.0%), white (49.2%) and between 30 and 60 years of age (73.8%). The principal alterations found were: erythymatous plaques (76.9%), papules (43.0%), pseudo-vesiculation (PV) (38.4%) and target lesions (18.5%). With respect to the associated conditions, upper respiratory tract infections (15.4%) and the use of medication (10.8%) were the most common. Other associations, albeit represented by only one case each, were: Hodgkin s lymphoma, pregnancy, ulcerative colitis, polycythemia vera and lupus erythematosus in a patient with acquired immune deficiency syndrome (AIDS). The principal microscopic findings were: neutrophils with leukocytoclasia (98.6%), collagen degeneration (87.7%), edema (74.0%) and PV (38.4%). The presence of eosinophils (41.1%) ranged from rare to abundant and was usually unrelated to the use of medication. Inflammatory infiltrate reached the deep epidermal layer in 47.9% of cases and panniculitis was found in 80.0% of cases in which the hypodermis was affected (10 cases). CONCLUSIONS: In general, these findings are in agreement with results published in the literature, emphasizing the frequent finding of eosinophils unrelated to drug use, panniculitis and the rare association with Hodgkin s lymphoma. This is the fifth report of an association between Sweet s syndrome and Hodgkin s disease. Keywords: Erythema Multiforme; Hodgkin s Disease; Panniculitis; Sweet s Syndrome. Recebido em 15.08.2010. Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 20.09.10. * Trabalho realizado no Departamento de Patologia do Hospital Universitário Antônio Pedro - Universidade Federal Fluminense (HUAP UFF) Niterói (RJ), Brasil. Conflito de interesse: Nenhum / Conflict of interest: None Suporte financeiro / Financial funding: O trabalho foi realizado com recursos do Hospital Universitário Antônio Pedro - Universidade Federal Fluminense - Niterói/RJ 1 Doutora em Patologia - Professora Associada da Universidade Federal Fluminense (UFF) Niterói (RJ), Brasil. 2 Mestre em Patologia - Professora Assistente da Universidade Federal Fluminense (UFF) Niterói (RJ), Brasil. 3 Mestre em Patologia - Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense (UFF) Niterói (RJ), Brasil. 4 Patologista - Clínica Particular - Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 5 Patologista - Hospital de Clinicas Caieiras São Paulo (SP), Brasil. 6 Dermatologista Clínica Particular - Belo Horizonte (MG), Brasil. 7 Dermatologista - Centro de Transplante de Medula Óssea do Instituto Nacional do Câncer (INCA) Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 2011 by Anais Brasileiros de Dermatologia

Síndrome de Sweet: estudo de 73 casos, com ênfase nos achados histopatológicos 703 INTRODUÇÃO O quadro clássico da síndrome de Sweet (SS) inclui lesões cutâneas e manifestações sistêmicas de doença aguda, em geral, após infecção do trato respiratório superior. Aparecimento abrupto de pápulas, placas e nódulos eritematosos ou violáceos e infiltrado dérmico neutrofílico com leucocitoclasia (sem vasculite leucocitoclásica) constituem os critérios maiores. Mal-estar precedido por febre ou infecção, febre, artralgia, conjuntivite ou malignidade, leucocitose com neutrofilia e boa resposta ao corticoide sistêmico são os critérios menores, segundo Su & Liu (1986), que propõem dois critérios maiores e, pelo menos, dois menores para se confirmar o diagnóstico de SS. 1 Para alguns autores, como Ackerman et al. (1997), a SS é um fenômeno reativo, não uma entidade específica, à semelhança do eritema polimorfo e da vasculite leucocitoclásica; sugere-se, então, que ela resulte de reação de hipersensibilidade a antígenos, sendo diversas as suas fontes: bactérias, vírus, tumores. 2 A resposta ao corticoide reforça tal hipótese. Recidivas podem ocorrer, sendo mais frequentes quando a síndrome está associada a malignidades. Achados contraditórios quanto à composição do infiltrado inflamatório, à disposição desse infiltrado e à apresentação de um tipo histiocitoide de SS têm despertado interesse dos pesquisadores, justificando estudo de maior número de casos. 3,4 O objetivo do presente trabalho foi avaliar os aspectos demográficos, clínicos, histopatológicos e condições associadas dos pacientes portadores da SS atendidos no período de janeiro de 2002 a março de 2007, em um hospital geral. MATERIAL E MÉTODOS Setenta e três biópsias de SS foram identificadas no arquivo do Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense, Niterói (RJ), no período de janeiro de 2002 a março de 2007. O hospital tem características de Hospital-Geral, com ambulatórios gerais e especializados, entre eles, de dermatologia, e atende extensa área, que inclui não apenas a cidade de Niterói, como também várias cidades vizinhas. Os prontuários e pedidos médicos das biópsias cutâneas forneceram dados clínicos e demográficos, tendo sido realizado estudo histopatológico mediante a coloração de rotina (hematoxilina-eosina). RESULTADOS De 65 casos com dados clínicos completos, mulheres (83,0%) entre a quarta e a sexta décadas de vida (73,8%), brancas (49,2%), foram as mais afetadas pela doença, que foi precedida por infecção das vias aéreas superiores em dez pacientes (15,4%). Criança de 12 anos foi o paciente mais jovem e homem de 72 anos, o mais idoso. O tempo de evolução foi de 15 dias em 65,5% dos casos, sendo 30,7% de cinco dias. Nesses 65 indivíduos, as manifestações clínicas mais importantes foram: placas eritematosas (76,9%), pápulas (43,0%), PV (38,4%) e lesões em alvo em 18,5% dos casos. As topografias mais frequentes foram: membros superiores (87,7%), tronco (58,4%) e membros inferiores (49,2%) (Figura 1). Quanto ao comprometimento de outros locais, a mucosa oral foi acometida em três (4,6%) pacientes, havendo relato de episclerite em dois casos. Resumo desses achados pode ser conferido na tabela 1. As hipóteses diagnósticas levantadas foram de SS em 72 pacientes (99%) e, em 43 casos (66%), SS e eritema multiforme. Outras hipóteses e suas frequências podem ser conferidas no gráfico 1. No gráfico 2 encontram-se os dados microscópicos: infiltrado neutrofílico com leucocitoclasia foi observado em 98,6% dos casos, bem como infiltrado linfocitário. Eosinófilos estavam presentes em 41,1% das biópsias. Em 47,9% dos casos, o infiltrado estendia-se até a derme profunda e 63% apresentaram exocitose. Degeneração do colágeno, edema, espongiose e pseudovesiculação foram observados, respectivamente, em 87,7%, 74%, 42,5% e 38,4% das biópsias (Figuras 2, 3, 4, 5 e 6). Condições associadas: infecções de vias aéreas (15,4%), uso de drogas (10,8%) e outras mais raras, representadas por uma ocorrência cada, foram gravidez, colite ulcerativa, policitemia vera, linfoma de Hodgkin e lúpus eritematoso sistêmico em paciente com Aids. Os demais casos foram considerados idiopáticos. Oito pacientes apresentaram recidivas não relacionadas com malignidade. FIGURA 1: Pápulas e placas eritematosas com pseudovesiculação

704 Rochael MC, Pantaleão L, Vilar EAG, Zacaron LH, Spada EQ, Xavier MHSB, Rodrigues KS FIGURA 2: Denso infiltrado inflamatório na derme superior e pseudovesiculação (HE aumento 40X) FIGURA 4: Eosinófilos e neutrófilos com leucocitoclasia no interstício (HE aumento original 400X) DISCUSSÃO O quadro clássico desta síndrome, descrita por Robert Douglas Sweet em 1964, está bem estabelecido e é representado por febre, neutrofilia, pápulas, placas e nódulos eritematosos e dolorosos, que involuem prontamente com a introdução de corticoides. 5,6 Em geral, a SS acomete mulheres entre a quarta e a sétima décadas de vida, predominando na primavera e no outono. Sua etiologia é desconhecida, mas parece estar envolvida uma reação de hipersensibilidade incomum, mediada por citocinas, seguida de infiltração de neutrófilos, provavelmente ativados pela interleucina (IL)-1. Tal reação pode ser desencadeada por uma grande variedade de antígenos, incluindo bactérias, vírus, drogas e malignidades. A presença de IL- 1α, IL-1β, IL-2 e interferon-gama, mas não de IL-4, sugere que as células T auxiliares tipo 1 desempenham papel na patogênese da doença. 7 Recentemente, novos aspectos têm sido mencionados e propostos como parte do conjunto de sinais e sintomas que compõem a síndrome, entre eles, variabilidade na composição do infiltrado inflamatório, localização desse infiltrado, comprometimento vascular, sítios extracutâneos das lesões, associação com novos medicamentos e novas propostas terapêuticas de sucesso. 3,8 Houve coincidência com a literatura quanto aos dados clínicos e histopatológicos. Entretanto, vale a pena comentar alguns achados clínicos: o raro acometimento da mucosa oral e episclerite, com três e dois casos, respectivamente, sem lesões em outros órgãos, como descrito na literatura (ossos, cérebro, rins, intestinos, fígado, coração e outros), dados estes pre- FIGURA 3: Detalhe da foto anterior com pústula folicular (HE aumento original 100X) FIGURA 5: Infiltrado neutrofílico, leucocitoclasia e fibrina (HE aumento original 400X)

Síndrome de Sweet: estudo de 73 casos, com ênfase nos achados histopatológicos 705 FIGURA 6: Infiltrado inflamatório misto acometendo tecido adiposo (HE aumento original 100X) judicados pela ausência dessas informações em grande número de casos. Lesões em alvo foram observadas em 12 pacientes (18,5%), justificando constante hipótese diagnóstica de eritema polimorfo, como descrito por Mendonça (1997), que estudou 21 casos de SS em pesquisa realizada no mesmo hospital, dos quais 13 (61,9%) tiveram hipótese diagnóstica de eritema polimorfo. 9 Febre, vesicopústulas e PV foram aspectos cuja descrição foi incompleta em grande parte dos pacientes. Observou-se hemorragia subungueal em dois pacientes e infecção de vias aéreas representou a condição precedente mais comum (15,4%). Entre as drogas relatadas pelos pacientes, citrato de orfenadrina (cinco casos), anticoncepcionais orais (quatro casos) e antirretrovirais (dois casos) foram as mais frequentes, embora seu papel como desencadeador da SS seja de difícil avaliação devido ao pequeno número de casos. Não se encontrou, na casuística desta pesquisa, associação com GCS-F, referida como a medicação mais comumente relacionada à SS. Nos pacientes que apresentaram quadro de infecção de vias aéreas superiores precedente, não se obteve, após estudo dos prontuários, comprovação de uso de drogas sintomáticas possivelmente utilizadas durante o quadro infeccioso, o que poderia permitir o questionamento do papel de tais infecções versus medicamentos anti-inflamatórios na gênese da doença. Outras condições associadas e encontradas isoladamente nesta amostra incluem gravidez, colite ulcerativa, policitemia vera, linfoma de Hodgkin e lúpus eritematoso sistêmico em paciente com Aids. A ocorrência de SS associada a doença maligna pode corresponder a até 20% dos casos e a manifestação cutânea pode tanto preceder quanto suceder a manifestação da neoplasia. 10,11 Na presente amostra, entretanto, apenas um caso (1,5%) de neoplasia associada foi encontrado (linfoma de Hodgkin). Nesse caso, o diagnóstico do linfoma precedeu a SS, não se constatando recidiva. A associação com leucemias é bem conhecida e corresponde à maioria dos casos, porém, com linfomas, é rara. 10-15 A associação entre linfoma de Hodgkin e SS é ainda mais rara, sendo este o quinto relato, segundo o conhecimento dos autores. 14,15 De acordo com a literatura, os tumores sólidos correspondem a 15% dos casos de malignidade associada, destacando-se, entre eles, os carcinomas de mama, do trato geniturinário e gastrintestinal. 14,16 Existem, ainda, relatos recentes e pouco conhecidos de SS em área de linfedema pós-linfadenectomia em pacientes mastectomizadas por carcinoma de mama. 17,18 Segundo Gille e Woodrow, não existem critérios bem estabelecidos para identificar, entre os pacientes com SS, os que apresentam risco para neo- GRÁFICO 1: Principais hipóteses diagnósticas em 73 casos de síndrome de Sweet

706 Rochael MC, Pantaleão L, Vilar EAG, Zacaron LH, Spada EQ, Xavier MHSB, Rodrigues KS Gráfico 2: Achados histopatológicos de 73 casos de síndrome de Sweet plasia; entretanto, esses autores recomendam investigação adicional nas seguintes situações: 6,10 Episódios de recorrência; Lesões cutâneas dolorosas ou polimórficas; Envolvimento da mucosa oral; Alterações no hemograma; Ausência de febre ou neutrofilia. Na presente casuística, porém, dor (18,5%), recidivas (12,7%) e lesão da mucosa oral (3%) não estiveram associadas à malignidade. Os aspectos histopatológicos encontrados TABELA 1: Aspectos clínicos e demográficos relevantes em 65 pacientes com síndrome de Sweet Sexo Feminino 83,0% Masculino 15,4% Ignorado 1,5% Dados Idade 4ª-6ª décadas 73,8% demográficos Cor Brancos 49,2% Pardos 20,0% Negros 1,5% Ignorada 30,8% Febre 27,7% (69,2% ignorados) Placas eritematosas 76,9% Dados Pápulas 43,0% clínicos Pseudovesiculação 40,0% Lesões em alvo 18,5% Local MMSS 87,7% Tronco 58,4% MMII 49,2% Evolução 30,7% até cinco dias 18,5% entre seis e dez dias 16,9% entre 11 e 15 dias Condições IVAS 15,4% associadas Drogas 10,8% Gravidez 1,5% Neoplasia 1,5% neste estudo foram, em geral, os consagrados na literatura, tendo-se observado o infiltrado neutrofílico com leucocitoclasia em quase todos os casos, o que é considerado um dos critérios maiores para o diagnóstico da síndrome. Entretanto, outros aspectos devem ser mencionados, entre os quais: extensão à derme profunda em metade das biópsias, degeneração do colágeno em 87,7% dos casos, linfócitos em situação perivascular e eosinófilos. Segundo Cohen (2003), a presença de eosinófilos está descrita na forma clássica e nas induzidas por drogas. 19 Nos casos desta pesquisa, 41,1% apresentaram eosinófilos no tecido, de raros a abundantes, sendo que, em 19,1% dos casos, eosinófilos estiveram presentes na proporção de 2 a 4+/4. Apenas um desses pacientes estava sendo tratado com retrovirais e sulfa, não tendo sido possível estabelecer correlação entre eosinófilos e uso de drogas, por se tratar de paciente portador de Aids com infecções oportunistas. Segundo a maioria dos autores, as lesões de vasculite estão representadas por depósitos de fibrina na parede dos vasos e são consideradas secundárias, constituindo epifenômeno ao processo inflamatório existente na derme. Entre os 73 casos aqui estudados, 6,8% das biópsias apresentaram tal depósito, sempre em vasos que se encontravam totalmente envolvidos pelo infiltrado neutrofílico e pela leucocitoclasia, parecendo constituir, como interpretado na literatura, evento secundário ao processo inflamatório, não vasculite primária. 19,20 Infiltrado celular constituído, principalmente, por células semelhantes a histiócitos foi descrito por Requena et al. (2005) e, posteriormente, por Chow et al. (2007), em casos denominados pelos autores de SS histiocitoide. 4,21 Nos casos de Requena et al., tais células demonstraram forte reatividade para o anticorpo An Bras Dermatol. 2011;86(4):702-7.

Síndrome de Sweet: estudo de 73 casos, com ênfase nos achados histopatológicos 707 antimieloperoxidase, sugerindo tratar-se de células mieloides imaturas, precursoras de neutrófilos, as quais ocorrem em lesões precoces. 4 Naqueles casos, não se comprovou leucemia mieloide, apesar da aparência imatura das células que compunham o infiltrado celular da derme e da hipoderme. O mesmo ocorreu com a maioria dos casos de Chow et al., entre os quais, entretanto, houve um caso posteriormente comprovado de leucemia cutis. 21 Envolvimento do tecido celular subcutâneo, isolado ou associado a comprometimento da derme, tem sido descrito na forma de nódulos dolorosos nas extremidades, os quais, microscopicamente, estão representados por infiltrado neutrofílico nos septos e/ou lóbulos. 3 Na amostra aqui estudada, a hipoderme estava representada em apenas dez casos (13,7%), entre os quais chamou a atenção o alto índice de casos com envolvimento pelo infiltrado inflamatório (80,0%), que estava constituído, na sua maior parte, por linfócitos; tais achados concordam com Jordaan (1989) e discordam do relato original de Sweet (1964) e de Cohen & Kurzrock (2003), que encontraram, principalmente, neutrófilos. 3,5,22 Tal divergência indica que a realização de biópsias mais profundas é necessária quando da suspeita de SS, para melhor estudo do panículo adiposo. CONCLUSÕES A SS é bem conhecida nos seus aspectos clássicos; entretanto, pouco se sabe sobre seus aspectos menos comuns, entre eles, o aspecto histiocitoide do infiltrado inflamatório e o comprometimento do tecido celular subcutâneo, que esteve presente em 80% dos casos deste estudo, em que a hipoderme estava representada. Tais achados justificam a realização de biópsias em todos os casos, com o objetivo de estudar as características histopatológicas comuns e incomuns, correlacioná-las com os dados clínicos e laboratoriais e conhecer melhor as condições desencadeadoras e associadas. Os autores verificaram, ainda, um caso raro de SS em paciente portador de linfoma de Hodgkin e acreditam ser este o quinto relato de tal associação na literatura. REFERÊNCIAS 1. Su WPD, Liu HHH. Diagnostic criteria for Sweet's syndrome. Cutis. 1986;37:167-74. 2. Ackerman AB, Chongchitnant N, Sanchez J, Guo Y. Histologic diagnosis of inflammatory skin diseases: an alogorithmic method based on pattern analysis. 2 nd ed. Baltimore: Williams & Wilkins;1997. p.740-1. 3. Cohen PR, Kurzrock R. Sweet's syndrome revisited: a review of disease concepts. Int J Dermatol. 2003;42:761-78. 4. Requena L, Kutzner H, Palmedo G, Pascual M, Fernández-Herrera J, Fraga J, et al. Histiocytoid Sweet Syndrome. A dermal infiltration of immature neutrophilic granulocytes. Arch Dermatol. 2005;141:834-42. 5. Sweet RD. An acute febrile neutrophilic dermatosis. Br J Dermatol 1964;76:349-56. 6. Woodrow SL, Munn SE. Sweet's syndrome in association with non-hodgkin's lymphoma. Clin Exp Dermatol. 1996;21:357-9. 7. Cohen, PR, Sweet's Syndrome - a comprehensive review of an acute febrile dermatosis. Orphanet J Rare Dis. 2007;2:34. 8. Malone JC, Slone SP. Sweet Syndrome: a disease in histologic evolution? Arch Dermatol 2005;141:893-5. 9. Mendonça ALC. Síndrome de Sweet - contribuição ao estudo. [tese]: Niterói (RJ): Universidade Federal Fluminense, 1997. 10. Gille J, Spieth K, Kaufmann R. Sweet's Syndrome as initial presentation of diffuse large B-cell lymphoma. J Am Acad Dermatol. 2002;46(2 Suppl Case Reports):S11-S13. 11. Franco M, Giusti C, Malieni D, Ferrario D, Galimberti G, Parra IM, et al. Síndrome de Sweet associado a neoplasias. An Bras Dermatol. 2006;81:473-82. 12. Kuner N, Hartschuh W, Jappe U. Unusual manifestation of Sweet's Syndrome in B- cell lymphoma. Acta Derm Venereol 2003;83:308-9. 13. Franck N, Carlotti A, Gorin I, Buffet M, Mateus C, Dupin N. Mycosis fungoides-type cutaneous T-cell lymphoma and neutrophilic dermatosis. Arch Dermatol. 2005;141:353-6. 14. Inanç SE, Altum M, Onat H, Erseven G. Sweet's syndrome and Hodgkin's disease. Acta Oncol. 1994;33:574-5. 15. Suvajdziç N, Dimciç Z, Cvijetiç O, Coloviç M. Sweet's syndrome associated with Hodgkin's disease. Haematologia (Budap). 1998;29:157-8. 16. Joe EK. Sweet's Syndrome. Dermatol Online J. 2003;9:28. 17. Lucas A, Betlloch I. Pápulas eritematosas en el brazo de una paciente mastectomizada. Actas Dermosifiliogr. 2009;100:231-2. 18. García-Río I, Pérez-Gala S, Aragüés M, Fernández-Herrera J, Fraga J, García-Díez A. Sweet's Syndrome on the area of postmastectomy lymphoedema. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2006;20:401-5. 19. Orpha.net [Internet]. Cohen PR. Sweet's syndrome. Orphanet Encyclopedia. [cited 2010 oct 30]. Available from: http:/www.orpha.net/data/patho/gb/uk-sweet.pdf. 20. Fitzgerald RL, McBurney EI, Nesbitt LT. Sweet's syndrome (review). Int J Dermatol. 1996;35:9-15. 21. Chow S, Pasternak S, Green P, Tremaine R, Reardon M, Murray S, et al. Histiocytoid neutrophilic dermatoses and panniculitides: variations on a theme. Am J Dermatopathol. 2007;29:334-41. 22. Jordaan HF. Acute febrile neutrophilic dermatosis. A histopathological study of 37 patients and a review. Am J Dermatopathol 1989;11:99-111. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA / MAILING ADDRESS: Mayra Carrijo Rochael Rua Lopes Trovão, 134 Ap. 1.901 Bl. 2 Icaraí 24220-071 Niterói - RJ E-mail: mayra@dermatopatologia.com.br Como citar este artigo/how to cite this article: Rochael MC, Pantaleão L, Vilar EAG, Zacaron LH, Spada EQ, Xavier MHSB, Rodrigues KS. Síndrome de Sweet: estudo de 73 casos, com ênfase nos achados histopatológicos. An Bras Dermatol. 2011;86(4):702-7. An Bras Dermatol. 2011;86(4):702-7.