DE AUTORIA ALA DE AUL. Jurema Nogueira Mendes Rangel

Documentos relacionados
23/08/2013. Pedagogia. Sete princípiosde diferenciaçãoda qualidade profissional docente conforme Pinheiro (2013):

A atuação psicopedagógica institucional

Universidade de São Paulo Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto Enf. Psiquiátrica e Ciências Humanas. Profa. Karina de M. Conte

O CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA PROFA. DRA. PATRICIA COLAVITTI BRAGA DISTASSI - DB CONSULTORIA EDUCACIONAL

No entanto, não podemos esquecer que estes são espaços pedagógicos, onde o processo de ensino e aprendizagem é desenvolvido de uma forma mais lúdica,

Jacques Therrien, UFC/UECE

CONTRIBUIÇÕES DA PSICOMOTRICIDADE NA SUPERAÇÃO DE DIFICULDADES ESCOLARES REFERENTES A LEITURA E ESCRITA.

OPÇÕES PEDAGÓGICAS DO PROCESSO EDUCATIVO

Relações pedagógicas. Professor aluno. Ensino aprendizagem. Teoria e prática. Objetivo e avaliação. Conteúdo e método

Professor(a): Ana Maria Siqueira Silva

Gilmara Teixeira Costa Professora da Educação Básica- Barra de São Miguel/PB )

ATENDIMENTO PSICOPEDAGÓGICO PARA UNIVERSITÁRIOS: UMA PORTA PARA O CONHECER

PROCEDIMENTOS DE ENSINO QUE FACILITAM A APRENDIZAGEM DOS ESTUDANTES. Márcia Maria Gurgel Ribeiro DEPED/PPGEd/CCSA

Curso: Pedagogia Componente Curricular: Psicologia da Educação Carga Horária: 50 horas. Semestre letivo/ Módulo. Professor(es):

A avaliação no ensino religioso escolar: perspectiva processual

FUNDAMENTOS DA SUPERVISÃO ESCOLAR

- estabelecer um ambiente de relações interpessoais que possibilitem e potencializem

Concepções do Desenvolvimento INATISTA AMBIENTALISTA INTERACIONISTA

PROFESSORES REFLEXIVOS EM UMA ESCOLA REFLEXIVA. ALARCÃO, ISABEL 4ª ed., São Paulo, Cortez, 2003

O processo de ensino e aprendizagem em Ciências no Ensino Fundamental. Aula 2

ESCOLA SONHO DE CRIANÇA PROPOSTA PEDAGÓGICA DA ESCOLA SONHO DE CRIANÇA

A ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA PARA CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL CONGÊNITA E ADQUIRIDA ATRAVÉS DE JOGOS PEDAGÓGICOS.

Educador A PROFISSÃO DE TODOS OS FUTUROS. Uma instituição do grupo

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Educação infantil Creche e pré escolas

A ESCOLA ATUAL, A GESTÃO DEMOCRÁTICA E O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio

RESOLUÇÃO. Parágrafo único. O novo currículo será o 0006-LS e entrará em vigor no 1º semestre letivo de 2018.

Unidades de Aprendizagem: refletindo sobre experimentação em sala de aula no ensino de Química

Concepções de Desenvolvimento: Inatista, Empirista e Construtivismo PROF. MARCOS ROMÃO

EDUCAÇÃO INFANTIL OBJETIVOS GERAIS. Linguagem Oral e Escrita. Matemática OBJETIVOS E CONTEÚDOS

PROFESSORA TELMA FREIRE

Plano de Ensino Docente

PLANO DE ENSINO PROJETO PEDAGÓGICO: 2010

Linha de Pesquisa 2: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS

Ensino e Aprendizagem: os dois lados da formação docente. Profª. Ms. Cláudia Benedetti

PALAVRAS-CHAVE: Currículo escolar. Desafios e potencialidades. Formação dos jovens.

EDUCAÇÃO COM AFETIVIDADE NA RELAÇÃO PROFESSOR X ALUNO: ELEMENTO SIGNIFICATIVO PARA A APRENDIZAGEM NO ENSINO FUNDAMENTAL

PLANO DE ENSINO. Curso: Pedagogia. Disciplina: Planejamento e Avaliação Educacional. Carga Horária Semestral: 40 Semestre do Curso: 6º

A RELEVÂNCIA DA PESQUISA NA FORMAÇÃO DOS FUTUROS PEDAGOGOS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

PLANO DE ENSINO PROJETO PEDAGÓGICO: 2010

MUNICIPAL PROFESSOR LAÉRCIO FERNANDES NÍVEL DE ENSINO:

A FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR E O SUCESSO DO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM

Didática e Formação de Professores: provocações. Bernardete A. Gatti Fundação Carlos Chagas

Índice. 1. O Alfabetizador Ao Desenhar, A Criança Escreve?...5

BERÇARISTA. CURSO 180h: CURSO 260h:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA

JORNADAS DE REFLEXÃO. 6 e 7 de Setembro 2012

O ENSINO NA CONSTRUÇÃO DE COMPETÊNCIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

CONSELHO DE CLASSE: O ANO TODO E AGORA EM ESPECIAL NO FINAL DO ANO LETIVO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL COLÉGIO DE APLICAÇÃO/UFRGS

Currículo Escolar. Contextualização. Instrumentalização. Teleaula 2. Refletir sobre currículo. Profa. Me. Inge R. F. Suhr

PEDAGOGIA DA AUTONOMIA Saberes necessários à prática educativa Paulo Freire. Observações Angélica M. Panarelli

FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES NAS LICENCIATURAS: PERCURSOS E PERCALÇOS. Antonia Edna Brito/UFPI

Resolução CEB nº 3, de 26 de junho de Apresentado por: Luciane Pinto, Paulo Henrique Silva e Vanessa Ferreira Backes.

PROGRAMA DE ORIENTAÇÃO

EDUCAÇÃO INFANTIL OBJETIVOS GERAIS. Linguagem Oral e Escrita. Matemática OBJETIVOS E CONTEÚDOS

OS PENSADORES DA EDUCAÇÃO

O TRABALHO DOCENTE COM CONTOS DE FADAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A ELEVAÇÃO DA AUTOESTIMA E AUTOCONCEITO NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

ABORDAGENS/CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Didática: diálogos com a prática educativa

O AUTISMO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

o que é? Resgatar um conteúdo trabalhado em sala de aula, por meio de novas aplicações ou exercícios

A Informática Na Educação: Como, Para Que e Por Que

Educar para a Cidadania Contributo da Geografia Escolar

AÇÕES COMPARTILHADAS NA ESCOLA

EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CAMPO A INVESTIGAR. Leila Nogueira Teixeira, Msc. Ensino de Ciências na Amazônia Especialista em Educação Infantil

Tendências Pedagógicas Brasileiras

A CONTEXTUALIZAÇÃO COMO AGENTE FACILITADOR NO PROCESSO ENSINO E APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA

Descobertas sociocientíficas: refletindo sobre o currículo

A TEORIA SÓCIO-CULTURAL DA APRENDIZAGEM E DO ENSINO. Leon S. Vygotsky ( )

PROGRAMA DE ARTICULAÇÃO ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO APRESENTAÇÃO

LDB Lei de Diretrizes e Bases

CEI MUNDO PARA TODO MUNDO. Bases pedagógicas e de gestão

Processos Pedagógicos em Enfermagem TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS

MODELO PEDAGÓGICO. (Niza, 1989).

Vamos brincar de construir as nossas e outras histórias

O Atendimento Psicopedagógico dentro das Escolas de Educação Infantil. A Psicopedagogia Positiva e Afetividade na Aprendizagem

A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DIDÁTICA PARA O PROFISSIONAL DA SAÚDE

DISCUTINDO CURRÍCULO NA ESCOLA CONTEMPORANEA: OLHARES E PERSPECTIVAS CRÍTICAS

Assessoria da Área Pedagógica

APRENDIZAGEM CONHECENDO SEU PROCESSO PARA COMPREENDER O SEU DESENVOLVIMENTO

LATIM ORIGEM E ABRANGÊNCIA CURSO, PERCURSO, ATO DE CORRER

DESENVOLVIMENTO, APRENDIZAGEM E AFETIVIDADE: RELAÇÕES INTERPESSOAIS, AUTO-ESTIMA E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

EB1/PE DE ÁGUA DE PENA

APRENDER E ENSINAR CIÊNCIAS NATURAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL Apresentação do PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) de Ciências Naturais

SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DE ALAGOAS ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR ARTHUR RAMOS PARLAMENTO JUVENIL DO MERCOSUL. João Victor Santos

Palavras-chave: Mapa Conceitual, Currículo, Gastronomia

Educação, articulação e complexidade por Edgar Morin. Elza Antonia Spagnol Vanin*

GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS INFÂNCIA, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO - GEPILE

Valores e Bases Teóricas da Educação. Profª Ana Maria L. Daibem Profª Elisabete Cardieri

A LEI /03 E UMA PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO ATRAVÉS DA LITERATURA

DIVISÃO DE ASSUNTOS ACADÊMICOS Secretaria Geral de Cursos PROGRAMA DE DISCIPLINA

Um reflexo fiel da escola

A identidade como fator distintivo entre os seres humanos

FORMAÇÃO CONTINUADA ONLINE DE PROFESSORES QUE ATUAM COM ESCOLARES EM TRATAMENTO DE SAÚDE Jacques de Lima Ferreira PUC-PR Agência Financiadora: CNPq

EDUCAÇÃO INFANTIL OBJETIVOS GERAIS. Linguagem Oral e Escrita. Matemática OBJETIVOS E CONTEÚDOS

PLANO DE ENSINO. Curso: Pedagogia. Disciplina: Conteúdos e Metodologia de Língua Portuguesa. Carga Horária Semestral: 80 Semestre do Curso: 6º

PREPARAÇÃO DE PROJETOS, FORMAS DE REGISTRO E AVALIAÇÃO

Rodas de Histórias como espaços de Interações e Brincadeira A experiência do Projeto Paralapracá em Olinda

Transcrição:

ARTIGO SALA DE AULA/AUTORIA DE REVISÃO SAL ALA DE AUL ULA: ESPAÇO DE AUTORIA DE PENSAMENTO Jurema Nogueira Mendes Rangel RESUMO - Este artigo tem por objetivo refletir sobre o desenvolvimento do processo de autoria de pensamento, a partir do vínculo estabelecido em sala de aula entre professor e aluno, servindo de ancoragem para a construção de um sujeito autônomo e sua identidade. Procura-se, neste estudo de caráter teórico, aprofundar a análise da relação professor-aluno, numa visão psicopedagógica. É fundamental o estabelecimento de um diálogo com os educadores que buscam construir uma nova prática pedagógica, a partir das inquietações vividas na sala de aula. UNITERMOS: Vínculo; autoria; autonomia. INTRODUÇÃO Este artigo tem por objetivo refletir sobre o desenvolvimento do processo de autoria de pensamento, a partir do vínculo estabelecido em sala de aula entre professor e aluno, servindo de ancoragem para a construção de um sujeito autônomo. O estabelecimento de um diálogo com os educadores é fundamental para construir um outro fazer docente, a partir das inquietações vividas na sala de aula. Sua relevância reside na mudança paradigmática do processo de ensinoaprendizagem, com ênfase nos aspectos vinculares. Considero este trabalho um desdobramento das indagações que permeiam a minha prática de magistério durante 20 anos, em que convivi com a queixa de meus colegas e com os meus questionamentos referentes às formas de apropriação do conhecimento e à falta de originalidade do fazer discente, nos diferentes níveis de ensino. Toda aprendizagem é um processo que Jurema Nogueira Mendes Rangel - Pedagoga, psicopedagoga, especialista em Dificuldade de Aprendizagem/UERJ, Mestre em Educação da Universidade Estácio de Sá-RJ, docente da Universidade Estácio de Sá-RJ. pressupõe um vínculo. O primeiro vínculo que a criança constrói é com os pais e seus familiares. A família desponta como núcleo primeiro de uma aprendizagem que se insere no campo das relações humanas. A relação de dependência da criança, no primeiro ano de vida, caracteriza uma interação irreversível que mediatiza o desenvolvimento orgânico da criança com aquilo que lhe é externo, o outro. O desdobramento das situações vividas serve de suporte para a aprendizagem que se traduz, assim, num modo de ser e estar no mundo. No ambiente escolar, a participação dos personagens envolvidos quem ensina e quem aprende- é fundamental para o desenvolvimento do desejo: o desejo de aprender e o desejo de ensinar, que caracteriza o processo de busca do desejo de conhecer. Os estudos de Mendes 1, Fernández 2,3, Freire 4, Pichon-Rivière 5 auxiliam a reflexão sobre as relações presentes na sala de aula e a importância do papel do professor como desencadeador de uma prática que favoreça o desejo de aprender do aluno e, portanto, da autoria do pensamento. Correspondência Rua das Laranjeiras, 102/ 608 - Cep 22240-000 Laranjeiras RJ/RJ - jurema@ajato.com.br 61

RANGEL JNM O diálogo sobre a prática educativa é enriquecido pelas colaborações de Vygotsky 6 e Arroyo 7 quando se debruçam sobre o movimento de uma educação inovadora. Freire 4 traz contribuições ao apontar uma nova pedagogia, a qual nomeia de libertadora, em que a educação se faz essencialmente através do ato cognoscente, base da relação dialógica, onde se dá a superação educador/educando. Seu pensamento abarca a concepção histórica do sujeito, o qual é visto como ser inacabado, em permanente transformação. A historicidade do sujeito, então, pressupõe a discussão sobre o complexo processo de vir a ser, sendo a escola uma das instituições que cuida da formação do sujeito e, portanto, da construção de sua identidade. Ninguém aprende sem desejar aprender. O vínculo, implícito na relação pedagógica, reveste a figura do educador da responsabilidade de não apenas mediar o conhecimento, mas estabelecer uma prática pedagógica que é antes de tudo relacional. AS TENDÊNCIAS EDUCACIONAIS: UMA VISÃO DE MUNDO E SUAS RE- PERCUSSÕES NO PROCESSO DE APRENDER O sistema de ensino vigente reflete os aspectos sociais, econômicos e políticos de nossa sociedade. A legitimação do conhecimento pelas instituições sociais pode favorecer processos subjacentes à prática pedagógica que privilegiam determinados modos de fazer docente. Faz-se necessário, então, a apresentação das tendências educacionais que nortearam o fazer pedagógico ao longo do tempo, para que se perceba as implicações decorrentes para a configuração das relações experienciadas na sala de aula. As tendências pedagógicas podem ser divididas em três grandes grupos: a visão empirista; o apriorismo ou inatismo e o interacionismo. A visão empirista considera o sujeito como contingência do meio, sendo o conhecimento visto como cópia de algo já existente no mundo externo. O sujeito é considerado tábula rasa e a figura do professor é delimitada pelas relações hierárquicas, cabendo-lhe o papel de transmissor do conhecimento. Ao aluno, resta a memorização e repetição do conteúdo. O homem conhece o mundo através de informações que lhe são transmitidas, as quais são consideradas úteis e importantes pela classe hegemônica. Para Fernández 2, nesta modalidade: [...] a principal transmissão no ensino se dá através do não-dito, daquilo que não está nomeado, que não está falado. Os conteúdos de ensino estão vinculados, atravessados, transversalizados por uma série de fatoreseconômicos, sociais, políticos, ideológicos os quais têm um aspecto consciente e outro inconsciente. A autora, apoiada nos estudos de Freud, aponta que o inconsciente, do ponto de vista psicopedagógico, é uma representação que não se mostra de forma explícita. Ou seja, ao se pensar nos conteúdos veiculados pela escola (conhecimentos e desconhecimentos), evidenciase a existência de um currículo oculto, que vai além daquele expresso nas páginas de um projeto pedagógico: o currículo vivido nas salas de aula que, muitas vezes, contradiz as intenções registradas nos documentos legais. Na verdade, as relações sociais e as rotinas escolares expressam práticas pedagógicas contrárias à formalização pretendida. Nesse sentido, o consciente a que ela se refere, vincula-se ao conhecimento objetivante que circula através das informações autorizadas, transmitidas pelos professores e nem sempre significativas, porque não estabelecem interlocuções com as experiências prévias dos alunos. A produção do aluno, nessa visão, é valorizada através de instrumentos de verificação, que hierarquizam os indivíduos na classe. Somente aqueles que reproduzem o conhecimento autorizado conseguem progredir no seu percurso escolar. Para Freire 4, o ensino que considera o professor detentor onipotente do saber constitui-se no tipo de educação domesticadora regida pelo armazenamento das informações, sem uma postura crítica. Nesse caso, a aula expositiva é a expressão característica do empirismo e a escola, o lugar, por excelência, em que se realiza a educação. A verticalidade retrata a relação vigente entre professor/aluno, sendo o adulto possuidor da autoridade intelectual e moral. 62

SALA DE AULA/AUTORIA O segundo grupo, denominado de apriorismo ou inatismo, sintetiza a idéia do prédeterminismo do conhecimento, submetida à hereditariedade ou ao processo maturacional. Toda a atividade do sujeito está centrada nele mesmo, decorrente de um processo de crescimento interno. O sujeito é o responsável pela sua própria aprendizagem e caso esta não ocorra, nada pode ser feito pelo professor. Finalmente, o interacionismo considera o conhecimento uma construção permanente, a partir da formação de estruturas sucessivas, o que implica numa relação dinâmica entre o sujeito e o outro, imbuído de sua história genética e sua estreita relação com o mundo. Nessa concepção, tanto o professor como o aluno possue um conjunto de experiências, que deve ser valorizado e ativado no espaço da sala de aula. O sujeito é considerado um sistema aberto, sempre em processo de estruturação, buscando um estágio de desenvolvimento que se caracteriza pela incompletude, o que estimula uma permanente evolução. Para isso, a atividade do sujeito alicerça-se no movimento de assimilação/acomodação/ adaptação, permeado pela afetividade que, preenchido pelo prazer de conhecer, concretiza a ação do sujeito sobre a realidade, transformando-a. O objetivo da educação é fazer com que o aluno aprenda por si próprio e através da investigação dos elementos que compõem a realidade, de situações desequilibradoras e problematizadoras, o educando desenvolva um processo de busca de soluções com liberdade, criatividade e autonomia. Hoje, a sociedade convive com essas visões de educação que atravessam o fazer escolar. Elas se entrecruzam e se interpenetram compondo uma teia que define a prática do professor em sala de aula e interfere, de forma significativa, no vínculo, então, estabelecido entre professor e aluno, constituindo-se no fio condutor de uma educação, que propicie ou não a autoria de pensamento e a autonomia. VÍNCULO E A SALA DE AULA A relação educador/educando é fundamental para a aprendizagem na visão construtivista. Deve afastar-se do modelo despersonalizado, retrato de padrões conservadores da sociedade, em que o professor representa o papel de transmissor da cultura dominante e buscar desenvolver uma nova significação. Para Mendes 1 : Resgatar o desejo de aprender de alunos e alunas, professores e professoras, em um jogo de troca de lugares de quem ensina e de quem aprende, sem que esses elementos se percam em seu lugar de referência, é uma das possibilidades de humanização da escola, pois é o desejo que nos marca como seres humanos. Em toda relação pedagógica está implícito o vínculo entre quem aprende e quem ensina. Aqui, o mais importante não é o que se ensina, nem o que se aprende, mas o tipo de vínculo educador/ educando, que condiciona o caráter da aprendizagem. É através do vínculo que professor e aluno constroem o caminho para uma nova pedagogia, que se preocupa não apenas com a capacidade de aprender e com o êxito escolar, enquanto produto final, mas com os conceitos e sentimentos que o sujeito constrói em seu desenvolvimento. Partir do pressuposto de que o aluno possui uma história de vida, que interfere no seu desejo de conhecer e que muitas vezes lhe é negada a possibilidade de conhecer o desejo, colabora para a criação do vínculo, transformando a relação de identificação e favorecendo o desenvolvimento do aluno. O processo de aprendizagem é resultante dos vínculos externos e internos, estabelecidos numa permanente espiral dialética entre os atores da sala de aula 5. É fundamental a situação de permanente interação, pois alicerça uma ação referencial e histórica de mão dupla, onde nada se realiza no isolamento, mas na solidariedade, na troca de existires. A maneira como o sujeito interage com o objeto externo, com a realidade, caracteriza uma conduta. Da mesma forma, o vínculo interno, ou seja, a maneira particular do eu se relacionar com a imagem de um objeto colocado dentro do sujeito, também define o caráter, sua maneira de se comportar. Ambos, os vínculos externos/internos, condicionam a estrutura da personalidade. Considerar a diversidade de individualidades na sala de aula supõe a percepção 63

RANGEL JNM dos papéis que constituem a comunicação humana. O vínculo é sempre constituído de um significado particular. Existem sujeitos, existem individualidades com características, histórias e momentos únicos, que se comportam coerentemente com esse repertório de elementos, que os fazem singulares. É comum a observação, em sala de aula, do vínculo definido verticalmente, onde o aspecto da dependência está condicionado à classe social, econômica, ao poder que determina o saber hegemônico, enfim, a modelos produzidos e reproduzidos socialmente. Tal condição contribui para, aquele que aprende, evitar o risco de enfrentar novas situações, a prática do silenciamento, da meritocracia e da exclusão. Tudo está previsto e nada é preciso criar. Promover a participação, a modificação de atitudes, a reflexão sobre as circunstâncias vividas não é possível apenas através de uma metodologia ou conteúdo com enfoque interdisciplinar, sem considerar a superação do vínculo dependente. Toda relação de ensino/ aprendizagem pressupõe que quem não sabe depende de quem sabe. No ambiente escolar, descortinar esse panorama para detectar o interjogo de papéis, assumidos e adjudicados, favorece a observação das representações internas dos sujeitos e suas relações de dependência e independência no grupo social, onde cada membro possui uma função e uma categoria 5. Essa dependência, no entanto, deve caminhar para um crescimento que vise à transformação desse modelo, com vistas à ênfase na zona de desenvolvimento proximal, em que se diminui o sentimento de insucesso diante do conhecimento, potencializando aquilo que o sujeito é capaz de realizar com a ajuda de outro, seja ele professor ou outro colega 6. O adulto funciona como mediador do conhecimento. O desejo de aprender é estimulado, pois o professor oferece pistas, demonstrações, instruções para que o sujeito possa resolver as diferentes situações- problema. Nesse caso, o vínculo simétrico de cooperação complementar substitui aquele que se configura autoritário, por uma relação através e para o conhecimento. Este é o centro de interesse autêntico entre ensinante e aprendente. VÍNCULO E O PROCESSO DE AUTORIA Na construção do vínculo, considerar a formação do self, ou seja, da imagem que o sujeito constrói a respeito de si, é fundamental. Para Hamachek 8, o self é composto de dois aspectos: o conceito e o sentimento, ambos interligados. O primeiro tem a ver com o reconhecimento, pelo sujeito, do seu potencial (autoconceito) e o outro diz respeito a auto-estima, ou seja, como o sujeito se sente em relação às qualidades que possui. Cada sujeito possui atitudes e valores que são influenciados pelas experiências anteriores, êxitos e fracassos, formando um quadro de referências, um esquema referencial de crenças a respeito de si mesmo, que dá coerência e consistência à sua conduta. É essa percepção de si próprio, a partir de seus sentimentos, da sua auto-estima e de como o outro o percebe, que o sujeito conhece quem é e como é. As diferentes relações que o sujeito estabelece definem, além dos fatores internos, a sua identidade. O papel do professor na formação do self do aluno assume relevante significação, pois a autoestima e o reconhecer-se autor de sua produção, autor de pensamento estão profundamente implicados no tipo de vínculo construído por esses atores na sala de aula. Fernández 3 define a autoria como o processo e o ato de produção de sentidos e de reconhecimento de si mesmo como protagonista ou participante de tal produção. Para promover esse processo, escolas e universidades precisam mudar o antigo paradigma de ensino, em que o produto do conhecimento, resultado daquele transmitido pelo professor, é o único possível. O homem vive a multitemporalidade, a multiplicidade e a heterogeneidade dos dizeres e fazeres presentes no âmbito social. É justamente o caráter polifônico e poliforme das situações vividas que acentuam a subjetividade do sujeito, sua singularidade. Rever os pressupostos teóricos adotados pela escola e do professor, e questionar as supremas definições promulgadas por especialistas que pretendem ter o domínio sobre o acervo do conhecimento disponível socialmente é criar a possibilidade de um espaço-tempo que respeite as subjetividades. Quem legitima o conhe- 64

SALA DE AULA/AUTORIA cimento? A escola favorece a autoria? De quem? Para de fato aprender é necessário que o aluno se mostre conhecendo e não conhecedor; que se mostre pensante e não que exiba e imponha o que pensa. Reconhecer-se pensante é reconhecer-se sujeito desejante, autor do seu caminhar, sua própria vida. Nesse caso, o professor, em sala de aula, deve procurar fortalecer a auto-estima do aluno, procurando apreciar objetivamente suas qualidades e deficiências, considerando os aspectos afetivos e intelectuais, trabalhar o sentimento de desvalia, que porventura o aluno demonstre. O conhecimento do aluno pelo professor implica em reconhecer o ponto de desenvolvimento em que se encontra, as estruturas lógicas de pensamento, para uma intervenção eficaz. O sentimento de ser capaz, a possibilidade de responder perguntas, de resolver problemas sofrem também a influência da postura assumida pelo docente, que sem dúvida, traduzem o delineamento da construção de um sujeito autônomo. A socialização do conhecimento, de acordo com os princípios de Vygotsky 6, tendo o professor como mediador, amplia as possibilidades de contribuição para o fortalecimento da capacidade do aluno realizar as tarefas com sucesso, minimizando o sentimento de fracasso, tão marcante no cotidiano escolar. Abandona-se a posição do educador que lida apenas com o conteúdo que o sujeito sabe, para privilegiar aquilo que é capaz de saber com a ajuda do outro, seja ele, professor ou outro colega da turma. As atividades socializadoras são privilegiadas em qualquer nível de ensino? Como? Em que momento? O professor deve estar atento e observar a relação do aluno com o grupo. A interação entre os colegas incide de forma decisiva sobre o processo de socialização, a aquisição de aptidões e de habilidades, o grau de adaptação às normas estabelecidas, a superação do egocentrismo, a relativização progressiva de ponto de vista próprio, o nível de aspiração e o rendimento escolar. O professor tem, então, a possibilidade de observar, no grupo, a conduta exterior do aluno, a vivência anterior, as modificações somáticas do sujeito e o produto das atividades. É possível, então, realizar o trabalho em grupos nos diferentes níveis de ensino? Em que medida auxilia a construção da autoria? Em cada ciclo ou tempo de vida, a visão sobre a importância do vínculo que trasnversaliza a construção da autoria deve ser equacionada pedagogicamente, pois, nas instituições escolares, convivem sujeitos que têm uma história, corpo e identidade. De acordo com Arroyo 7, são conteúdos da docência: [...] formar a curiosidade, a paixão de aprender, a emoção e a vontade de conhecer, de indagar a realidade que vivem, sua condição de classe, raça, gênero, sua idade, corporeidade, memória coletiva, sua diversidade cultural e social [...]. Portanto, paralelamente ao conteúdo específico de cada disciplina, o feed-back oferecido pelo professor sobre a trajetória do aluno é uma forma de situá-lo. A avaliação contínua do processo de aprendizagem favorece ao aluno acompanhar sua produção e crescimento, o seu percurso para poder efetuar mudanças, alterar o curso, possibilitandolhe um sentimento de autoconfiança, pois conhecedor dos critérios com os quais está sendo avaliado. O aluno consciente de sua aprendizagem tem mais autonomia que, primordialmente, é conquistada através da autoria. CONSIDERAÇÕES FINAIS Reconhecer-se autor, ser autônomo, exige uma tarefa compartilhada entre os sujeitos presentes na sala de aula. O homem é um ser social- um mote já muito repetido, mas fundamental para o entendimento de que o intercâmbio humano pressupõe uma rua de mão dupla, onde professor e aluno estejam envolvidos nos significados do conhecimento que permeiam a vida cotidiana e que são aprendidos também no relacionamento alicerçado na construção das intersubjetividades. Quem eu sou e como sou não é acessível a mim, mas depende da reflexão sobre a reação do outro sobre mim para que haja um reconhecimento do que me faz ser. 65

RANGEL JNM Reconhecer a autoria de um texto, de uma fala, de uma resposta certa ou não a um exercício implica saber ser capaz de pensar. Saber fazer está estreitamente relacionado ao saber ser, ou seja, ser sujeito do próprio desejo. O ser humano não nasce como tal. O organismo humano se inscreve no processo de indiferenciação/ diferenciação que desencadeia o vir-a-ser, que se dá no social. A construção da identidade e do pensamento autônomo ancora-se na liberdade de escolha, na assimetria, na assunção de responsabilidades. No processo de redefinir o espaço da sala de aula em função de uma aprendizagem, cujo caráter vincular, seja estimulado entre os atores nela presentes, vislumbra-se o comprometimento com a autoria do pensamento e com a autonomia, com a diversidade de saberes, a dialogicidade, a criatividade. O ofício de ensinar e aprender se apóia na experiência do outro, no despojamento da verdade, na busca da excelência. Será que nós, professores, possibilitamos esse espaço na sala de aula? Como? Tornar-se autor e autônomo implica em incertezas, processos, caminhos e atalhos, em descobrir-se único e, para tanto, o professor desvencilha-se da autoridade para potencializar a construção do eu. A construção sólida do eu é que permite o desejar, o querer conhecer, o ir além. SUMMARY Classroom: space of thought autorship This article is intended to target the development process of thought authorship originating from classroom attachment between teacher and student, providing anchorage to the unfolding of an autonomous being and his identity. In this tipically theoretical issue Is tried to make a profound study in analysing the teacher-student relationship, in a psycopedagogical vision. Is primordial the establishment of a dialogue with the educators, who search to build a new pedagogical practice from de inquietude experienced in the classroom. KEY WORDS: Object attachement; authorship; autonomy. REFERÊNCIAS 1. Mendes, GMS. O desejo de conhecer e o conhecer do desejo: mitos de quem ensina e de quem aprende. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. 2. Fernández, A. A mulher escondida na professora: uma leitura psicopedagógica de ser mulher, da corporalidade e da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. 3. Fernández, A. O saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre: Artmed, 2001. p.90. 4. Freire, P. Professora sim, tia não. São Paulo: Olho d Água, 1995. 5. Pichon-Rivière, E. Teoria do vínculo. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. 6. Vygotsky, LS. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994. 7. Arroyo, Miguel G. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p. 120. 8. Hamachek, D. Encontros com o self. Rio de Janeiro: Interamericana, 1968. Trabalho realizado na Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, RJ. Artigo recebido em 20/02/2003 Aprovado em 16/03/2003 66