PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 193, DE 2007 VOTO EM SEPARADO

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Transcrição:

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 193, DE 2007 Acrescenta o artigo 96 às Disposições Constitucionais Transitórias. Autores: Deputado Flávio Dino e outros Relator: Leonardo Picciani VOTO EM SEPARADO A Proposta de Emenda à Constituição nº 193, de 2007, prevê a realização de uma revisão constitucional, sendo precedida por um plebiscito na mesma data das eleições municipais de 2008 e deliberada em sessões unicamerais por maioria absoluta. O autor justifica os parâmetros utilizados no procedimento formal, tomando como o exemplo o art. 3º do ADCT, quando o constituinte originário previu a revisão constitucional, após os cincos anos da promulgação da Constituição. Os critérios para alteração da Carta Maior estão dispostos no artigo 60, onde se exige que a proposta seja discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

Visando robustecer a tese da admissibilidade de sua proposta, o Deputado Flávio Dino, cita o festejado professor Celso Ribeiro Bastos nos seguinte termos: Não se pode admitir que a Constituição brasileira fique atrasada e aprisione o seu desenvolvimento em virtude de uma fragilidade política de determinada época. Se naquele tempo não se pôde implementar uma verdadeira revisão, que se faça outra. A necessidade é evidente, haja visto o ritmo de aprovação de emendas (de altíssimo custo político) e o desejo da população de um Estado mais moderno, que seja capaz de atender seus anseios. Respeitada a opinião sobre a necessidade de se promover uma nova revisão constitucional, entretanto, o mesmo autor apresenta uma visão diametralmente oposta ao do autor da PEC, como a seguir se expõe: A resposta primeira que qualquer professor de Direito Constitucional dará é a de que o poder de emendar a Constituição não inclui o de alterar as próprias condições para a aprovação das emendas, é dizer, três quintos dos votos de cada uma das Casas do Congresso Nacional, por dois turnos consecutivos (parágrafo 2º do artigo 60 da Constituição Federal de 88). Essa cláusula é tida por pétrea implicitamente, porque tal corresponde à marca do poder constituinte originário, aquele que fez a Constituição, na qual ele procura garantir o fruto do seu trabalho, impedindo que o Congresso Nacional, simples mente para aumentar os seus poderes, rebaixe o nível de exigência para, por exemplo, a maioria absoluta (metade mais

um) dos membros do Congresso Nacional reunidos em sessão conjunta, que era o quorum previsto para a revisão. 1 Ao lado das chamadas cláusulas pétreas, que seriam as limitações materiais explícitas à atividade de reforma, reconhece-se majoritariamente na doutrina a existência das limitações implícitas. De acordo com Nelson Sampaio (1994, p. 95-108), as normas constitucionais, implicitamente fora do alcance do poder de reforma podem ser classificadas da seguinte maneira: as que dizem respeito aos direitos fundamentais, as concernentes ao titular do poder constituinte, as relativas ao titular do poder reformador e as referentes ao processo da própria emenda ou revisão constitucional, vedando-se aí a alteração das regras que disciplinam formalmente o procedimento de alteração constitucional. 2 No mesmo sentido leciona Alf Ross (2000, p. 106-107), para quem a alteração da regra reguladora a emenda à Constituição é um absurdo em lógica. 3 José Afonso da Silva ainda acrescenta que, quanto ao processo de emenda, só seria admissível se no sentido de dificultá-lo (2002, p. 68). 4 De outro lado, o relator da matéria, Deputado Leonardo Picciani defendeu a admissibilidade da proposta em exame sob a justificativa de que um plebiscito popular teria o condão de superar o obstáculo das chamadas limitações materiais implícitas ao Poder Constituinte derivado, dentre as quais se incluem as próprias regras de reforma da 1 BASTOS, Celso Ribeiro. Revisão Constitucional: Legitimidade ou Ilegitimidade? Disponível em: http://campus.fortunecity.com/clemson/493/jus/m08-021.htm. Acesso em 22/04/2008. 2 SAMPAIO, Nelson de Sousa. O poder de reforma constitucional. 3. Ed. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1994. 3 ROSS, Alf. Direito e justiça. Tradução de Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 2000. 4 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 20. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

Constituição, citando para tanto o Deputado Michel Temer em seu parecer pela admissibilidade da PEC 157, de 2003. Ouso, todavia, discordar também do relator calcado nos ensinamentos do professor Dalmo de Abreu Dallari: Na realidade, os constituintes que, em nome do povo brasileiro, elaboraram a Constituição de 1988 estabeleceram, como é usual, a forma de emenda da Constituição, exigindo expressamente que a proposta, além de não afetar as partes imutáveis do texto constitucional e, implicitamente, de não agredir o sistema político e jurídico que resulta do conjunto das normas constitucionais, seja aprovada em dois turnos, por três quintos dos membros, nas duas casas do Congresso Nacional. Isso está expresso no art. 60, e só por esse caminho é que a Constituição pode ser emendada. A única exceção a essa regra foi estipulada, com clareza e precisão, no art. 3º das Disposições Transitórias, que tem o seguinte enunciado: "A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral". Como está bem claro, foi prevista "a revisão", ou seja, uma única revisão, já realizada em 1993. É bem diferente, por exemplo, da Constituição de Portugal, que prevê expressamente a possibilidade de nova revisão a cada cinco anos. Tem sido suscitada a hipótese de um plebiscito para que o povo diga se concorda com nova revisão, mas a simples proposta de plebiscito já é

inconstitucional, pois o modo de alteração da Constituição faz parte daquele núcleo imutável, que decorre do sistema. Por sua própria natureza, a Constituição deve ter mais estabilidade do que a legislação comum, e por isso é mais difícil emendar a Constituição do que alterar ou revogar uma lei ordinária. O constituinte é quem tem legitimidade para estabelecer as regras para futuras alterações, e qualquer mudança nessas regras estará fraudando a vontade do constituinte. Se não for respeitada essa limitação, toda a Constituição poderá ser alterada, inclusive as chamadas cláusulas pétreas, que são aquelas que estabelecem expressamente o que não pode ser emendado. Com efeito, bastaria que se emendasse a própria norma que estabelece as cláusulas pétreas e tudo poderia ser alterado. 5 (grifo nosso) No mesmo sentido, o Ministro Carlos Velloso, em seu voto sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 830/DF, assim se manifestou, citando a então professora Carmen Lúcia Antunes Rocha: Na Constituição brasileira, as limitações expressas, circunstanciais e materiais, estão inscritas nos 1º e 4º do artigo 60. Ao lado, Sr. Presidente, das cláusulas pétreas, ou das limitações expressas, materiais, circunstanciais e temporais, há outras normas constitucionais que se põem a cavaleiro da reforma. Registra a professora Carmen Lúcia Antunes Rocha que, de toda sorte, o que parece induvidoso é que ao lado das cláusulas pétreas expressas no sistema constitucional, as Constituições estabelecem um conjunto de normas intangíveis à mão do reformador ou revisionista da 5 DALLARI, Dalmo de Abreu. Iletimidade. Disponível em: http://campus.fortunecity.com/clemson/493/jus/m08-021.htm. Acesso em 22/04/2008.

Lei Magna. Entre estas, a doutrina e a jurisprudência constitucionais afirmam, exatamente, aquelas que se referem ao próprio limite formal (data, modo e circunstância de atuação) imposto ao órgão ou agente encarregado da revisão ou reforma. Qualquer atuação que desborde de tal limite eiva-se de inconstitucionalidade e não se impõe ao sistema, devendo ser dele expurgado ou nele impedido o seu ingresso pelos instrumentos processuais próprios a indagar da inconstitucionalidade. ( Revisão Constitucional e Plebiscito, Estudos Constitucionais, O.A.B., Simpósio sobre Revisão e Plebiscito, Brasília, DF, 1992, pág. 49). Estando patente, à luz dos doutrinadores retrocitados, a proteção das regras procedimentais para emendamento da Constituição sob o manto das cláusulas pétreas implícitas, voto pela INADMISSIBILIDADE da PEC 193, 2007 e, portanto, contrário ao parecer do relator que a admitiu. Sala das Reuniões, em de de 2008. Deputado FERNANDO CORUJA PPS/SC