A PSICOFOBIA E O TDAH

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Transcrição:

B o l e t i m 2 A PSICOFOBIA E O TDAH A PSICOFOBIA É UM TRANSTORNO MUITO COMUM HOJE EM DIA, especialmente no público dos especialistas que pretendem diagnosticar o TDAH. S E U S I N TO M A B Á S I C O É O TEMOR (FOBIA) D O S U J E I TO (PSIQUE = ALMA, MENTE), DA SUBJETIVIDADE, expresso no enquadramento e silenciamento daqueles que, ao receberem o veredicto de transtornados ou hiperativos, são sentenciados e condenados através de um diagnóstico. A condenação e silenciamento dos sujeitos se realiza através da alegação de que há alterações na circulação de dopamina, catecolamina ou noradrenalina nos cérebros das pessoas portadoras de TDAH. Essas alterações seriam a causa do comportamento distraído ou hiperativo, e não o efeito de conflitos, hábitos, preferências ou aversões dos estudantes em relação a um determinado tipo de comportamento socialmente determinado.! boletim 2 a psicofobia e o tdah! 1

Conflitos inconscientes, problemas emocionais, inconformismo, desigualdades de inserção social, desinteresse... Nada disso é levado em consideração quando se diagnostica alguém como portador desse transtorno. O fato de um estudante ser tido como distraído na sala de aula não configura necessariamente uma doença. Significa, no mais das vezes, que o assunto ou o objeto sobre o qual se pretende que ele aplique sua atenção não o atrai A grande hamartia (pecado, erro) desse procedimento é ignorar que o homem é um ser psicossocial, um animal cultural, e focar o alvo apenas em cima de um sintoma, descontextualizando-o! boletim 2 a psicofobia e o tdah! 2

A formação médica, ainda hegemônicamente positivista e tecnificada, faz com que a maioria dos médicos aprenda a descontextualizar as doenças para interpretá-las, como se fossem um mal que acontece ao indivíduo, uma fatalidade, e não a expressão de modos e, mais ainda, de (im)possibilidades de vida, de desejos, sonhos, conflitos, sofrimentos, ações e omissões do indivíduo. Eles são quase-doutrinados para maximizarem a importância de aspectos genéticos e bioquímicos e minimizarem os fatores subjetivos, históricos, políticos, culturais, econômicos, implicados nesse processo. No fundo, a questão gira em torno de concepções sobre ciência, da visão que se adota acerca do que se supõe ser o homem: um ser eminentemente bioquímico ou um sujeito, dotado de cultura, história, consciência, linguagem, pensamento, saberes, afetos... Essa concepção organicista, que retira a vida de cena, permeia a formação de todos os profissionais da saúde, em maior ou menor grau: médicos, e n f e r m e i r o s, n u t r i c i o n i s t a s, fonoaudiólogos, e até entre psicólogos. Quando alguém está doente, muitas vezes é imperioso definir rapidamente o diagnóstico, a fim de usar a medicação adequada, quando indicado. Geralmente, o médico pode saber com segurança se uma pessoa está ou não enferma, por meio de instrumental relativamente objetivo e seguro.! boletim 2 a psicofobia e o tdah! 3

NO CASO DO TDAH, TOD E OUTROS SUPOSTOS TRANSTORNOS a situação é bem diferente: não há instrumental com um mínimo de objetividade que possa indicar se uma pessoa é portadora ou não de TDAH ou outro suposto transtorno. Pior: no momento em que o sujeito é diagnosticado como possuindo um transtorno, o diagnóstico em si mesmo adere ao agora paciente e o transforma numa coisa, o desumaniza. Quando o paciente internaliza esse rótulo, passa se a ver como um doente e não pode mais se sentir responsável por si m esmo. A pessoa é desapropriada, despossuída de si mesma. O tratamento medicamentoso vai cegá-lo para si mesmo, e, ao mesmo tempo, colocar o médico na condição de surdo em relação à sua verdade subjetiva. Portanto, deve-se ter sempre em mente tanto os efeitos iatrogênicos implícitos ao próprio ato de diagnosticar quanto os resultantes dos medicamentos. Pois como recomendava Hipócrates: Antes de tudo, não cause dano... Os sintomas psíquicos são sinais, mensagens, que apontam para a existência de conflitos, de sofrimentos. Quando os sintomas são vistos como o mal, quando não são escutados, acolhidos e compreendidos, o tratamento erra o alvo, perde o foco, se distrai, trai o sujeito que demanda apenas respeito, atenção e acolhimento.! boletim 2 a psicofobia e o tdah! 4

E MAIS GRAVE: quando a solução apontada não é a escuta do sujeito e o respeito à sua singularidade, porém se restringe à medicação como único instrumento terapêutico, o sujeito é expropriado de si mesmo, perde o direito de autogerir as próprias emoções e o tratamento condena o paciente ao mutismo e o psiquiatra ou neurologista, à surdez. QUAL O REMÉDIO PARA TUDO ISSO? Contra a medicalização da vida, os profissionais da saúde precisam entender o outro que está à sua frente como um outro sujeito. Não um mero ser bioquímico, um paciente, mas um Sujeito dotado de linguagem, consciência, valores, história. Um Sujeito datado e situado, com as marcas de seu tempo e espaço. Em um ambiente de seres humanos, o mais poderoso recurso curativo é confiança e respeito, o afeto comprometido que pode se estabelecer entre duas pessoas, num diálogo franco e aberto, onde o curador e aquele em tratamento tentem se livrar de seus preconceitos, rótulos e conceitos engessantes e se entregar a um processo de (auto) transformação, onde o novo possa emergir.! boletim 2 a psicofobia e o tdah! 5

PSICOFILIA: ANTÍDOTO PARA PSICOFOBIA Nem todos os profissionais da saúde concordam com abordagens medicalizantes e desubjetivantes. Tristeza, angústia, dores, alegria, são resultantes de escolhas que fazemos em nossas vidas e das condições sociais e políticas que nos atravessam e não produto de neurotransmissores que funcionariam erroneamente e precisariam ser corrigidos com psicofármacos. Um corpo biológico vivo interage constantemente com seu entorno, transformando e sendo transformado por ele. Somente corpos sem vida não interagem com o m u n d o, c o m outros corpos. Nas interações que constituem a vida, um corpo vivo se emociona, se afeta, p r o d u z neurotransmissores. Os neurotransmissores são resultado da vida viva e não moléculas proteicas que, autonomamente, determinariam a vida em um corpo sem vida. Não existe a Pílula da Felicidade, existe a luta por condições de vida dignas, sem desigualdades, por acesso universal a Educação e Saúde de qualidade.! boletim 2 a psicofobia e o tdah! 6

18 de julho de 2012! boletim 2 PSICOFILIA : VALORIZAÇÃO DA SUBJETIVIDADE ANTÍDOTO PARA A PSICOFOBIA ACEITAÇÃO DAS DIFERENÇAS DISPONIBILIDADE PARA O DIÁLOGO LUTA CONTRA TODA DISCRIMINAÇÃO Cuidadores, terapeutas, médicos, psicólogos, unamo-nos todos em prol da humanização da saúde! Leia, assine, divulgue o Manifesto do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade www.medicalizacao.org.br! boletim 2 a psicofobia e o tdah! 7