Tecnologia de processamento mínimo de beterraba Ricardo Alfredo Kluge* & Maria Carolina Dario Vitti Introdução Nos últimos anos tem sido enfatizada a necessidade de consumo de frutas e hortaliças frescas, buscando-se uma dieta mais saudável, ao mesmo tempo em que há uma demanda crescente de alimentos mais convenientes, frescos, menos processados e prontos para o consumo. A indústria de alimentos tem respondido a essa demanda com o desenvolvimento dos produtos minimamente processados (MP). Essa tecnologia emergente visa satisfazer a necessidade do consumo de frutas e hortaliças frescas, saudáveis e com qualidade nutricional e sensorial. O aumento da demanda por produtos MP traz consigo grandes desafios no que se refere ao desenvolvimento de tecnologias de armazenamento. Esses produtos apresentam maior taxa de deterioração do que o produto inteiro, considerando que, com o corte, os tecidos internos do vegetal são expostos e o metabolismo é acelerado. Adicionalmente, os tecidos ficam mais suscetíveis à contaminação microbiana, aumentando os riscos de intoxicação alimentar, caso não sejam tomadas medidas preventivas. Em razão de sua alta perecibilidade, os produtos MP são comercializadas, de maneira geral, no período de, no máximo, 5 dias. O aumento da vida pós-colheita desses produtos para 10 a 15 dias traria grandes benefícios para o mercado, possibilitando maior expansão e flexibilidade de comercialização, além da redução de perdas. Para que isso seja alcançado, extensivos trabalhos de pesquisa devem ser realizados, sendo necessários estudos referentes aos efeitos fisiológicos e qualitativos causados pelo processamento mínimo, principalmente relacionados à taxa respiratória e produção de etileno. Esses estudos visam obter conhecimentos básicos importantes para a seleção e desenvolvimento de tecnologias de armazenamento e embalagem para os produtos MP. Aliado a isso, os impactos do processamento mínimo sobre o crescimento de microrganismos indesejáveis devem ser avaliados. *Autor para correspondência: Departamento de Ciências Biológicas. ESALQ/USP. E-mail: rakluge@esalq.usp.br
A beterraba é uma hortaliça tuberosa que, além de grande aceitabilidade por parte dos consumidores, tem apresentado grande expansão no mercado de MP. Entretanto, tem sido observada elevada perda de qualidade em função da descoloração da superfície das raízes minimamente processadas e da elevada desidratação. Os processos de lavagem e enxágüe, realizados após o corte do produto, têm favorecido a perda dos pigmentos de betalaína (vermelhos). Adicionalmente, o corte favorece o extravasamento do suco celular para o exterior, ocasionando a desidratação do produto. Em beterraba, o fluxograma de preparo do produto deve ser melhor estudado, buscando identificar pontos passíveis de manipulação, promovendo menor perda de qualidade, manutenção da segurança alimentar e aumento de conservação. Fluxograma de beterraba minimamente processada O processamento mínimo padrão das raízes de beterraba segue o fluxograma apresentado na Fig. 1. As etapas estão descritas a seguir. Recepção/Seleção Pré-lavagem Descascamento (Pelagem) Corte Sanitização e enxágüe Centrifugação Embalagem Armazenamento refrigerado Fig. 1. Fluxograma padrão de preparo de beterraba minimamente processada.
Recepção/Seleção As beterrabas devem ser recebidas na área externa de produção, evitando, assim, contaminação da mesma pelas sujidades e outras contaminações advindas do campo. Nesta área as raízes indesejáveis ao processamento mínimo são descartadas. Nessa fase também fica mais prático retirar as partes do vegetal que não serão utilizadas no processamento. Pré-lavagem Após seleção cuidadosa, as raízes deverão ser submetidas a uma lavagem em água corrente para retirada da sujeira mais grosseira (torrão, insetos). Descascamento Esta etapa pode ser feita de várias formas, de acordo com o tipo de produto, manual (por exemplo, melão) ou mecânico (por exemplo, beterraba). Pode requerer também o uso de tratamentos químicos e térmicos como soluções ácidas, vapor por pressão, lixívia por soluções alcalinas e água em ebulição. Estudos com cenoura minimamente processada mostraram que o descascamento manual provoca menor grau de injúrias e contaminação microbiana do que o descascamento mecânico. Corte É realizado por diferentes meios por meio dos quais as hortaliças são transformadas em peças menores, com formato e tamanhos definidos. É uma etapa muito necessária, mas com algumas desvantagens. O corte causa danos mecânicos às células e, portanto, aumenta a respiração dos tecidos, tornando-os mais suscetíveis à deterioração. As facas devem ser extremamente afiadas e finas para a obtenção de um produto com o mínimo de dano. Devem ser de aço inoxidável. Elas têm formatos diferentes para cada tipo de corte. O tamanho da peça cortada é definido de acordo com o tipo de produto, preferência do consumidor e com os ajustes das facas. Os equipamentos de corte possuem lâminas ou facas de corte horizontal ou vertical para fatiar, picar, retalhar, cortar em cubos, rodelas ou tiras. No caso da beterraba, o corte mais comum é em retalho com 2 mm de espessura. Sanitização e enxágüe A sanitização com água clorada a 5 ºC (200 ppm) é uma das etapas mais importantes no processamento mínimo por reduzir a carga microbiana presente na superfície do produto, sendo o tratamento por imersão um meio efetivo para a eliminação da maioria dos microrganismos. O tempo de imersão varia de acordo com o produto. A legislação brasileira não menciona outros princípios a não ser clorados, ou seja, liberadores de cloro ativo. A etapa de enxágüe, também a 5 ºC, deve ser realizada com 3 ppm de cloro
ativo e faz-se necessária para que o excesso de cloro ativo seja retirado do produto. No caso de beterrabas, o tempo e o momento de sanitização deve ser melhor pesquisado, já que é nesta etapa que ocorre elevada perda de pigmentos vermelhos. Centrifugação Este processo tem como objetivo a remoção do excesso de umidade. O grau de secagem depende da rotação da centrífuga e do tempo de funcionamento. Usualmente utilizam-se poucos minutos e até mesmo segundos. Deve-se evitar a secagem excessiva para não ocorrer murchamento ou enrugamento nos hortifrutícolas. A beterraba minimamente processada deve ser centrifugada por 1 minuto. Embalagem A embalagem do produto processado é essencial para a proteção do mesmo, evitando, assim, sua contaminação e reduzindo a perda de água por transpiração. Beterrabas minimamente processadas devem ser acondicionadas em filmes plásticos ou bandejas de poriestireno expandido envoltas com filme de PVC. Armazenamento O armazenamento refrigerado ideal é em temperatura de 5 ºC. O armazenamento pode ser a curto, médio ou longo prazo para cargas ou produtos no varejo ou no atacado. O uso de percentuais baixos de umidade relativa no ambiente de armazenamento causam a transpiração do produto e murchamento. Por outro lado, a elevada umidade relativa no armazenamento e as oscilações de temperatura devem ser evitadas por causarem condensação da água, com formação de gotículas na superfície do produto, o que facilita o crescimento de microrganismos. O armazenamento refrigerado é um dos meios mais efetivos para conservar a qualidade desses produtos. Microbiologia As alterações microbiológicas do produto minimamente processado promovem grandes perdas; pois, além de prejudicar a qualidade do produto, podem significar risco à saúde pública. A indústria alimentícia tem responsabilidade ética de assegurar a segurança alimentar de seus produtos. As hortaliças apresentam elevada quantidade de água e nutrientes e ph neutro. Isso torna possível o desenvolvimento de quase todos os tipos de microrganismos, embora seja mais freqüente a ocorrência de bactérias gram-negativas. Há uma gama enorme de microrganismos patogênicos, como Shigella, Salmonella, E. coli, Clostridium botulinium,
Listeria monocytogenes, que causam grandes problemas no processamento mínimo de hortaliças. Embora na legislação vigente não existam, para produtos minimamente processados, padrões com os limites das contagens toleradas, tem sido preconizado que alimentos contendo contagens microbianas acima da ordem de 10 5 e 10 6 UFC/g são impróprios para o consumo humano devido à perda de valor nutricional, alterações organolépticas, riscos de deterioração e/ou presença de patógenos. De acordo com a Resolução RDC Nº 12, de 02 de janeiro de 2001, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, é estabelecida para hortaliças in natura a ausência de Salmonella (em 25 g de produto) e no máximo 10 2 NMP de coliformes fecais/g de hortaliça fresca, visando à preservação da saúde pública. Portanto, no caso de beterrabas minimamente processadas, esses padrões de contagens são os que melhor se enquadram atualmente e devem ser respeitados. Como regra geral, é recomendada uma boa sanitização em toda a planta de processamento, inclusive nos instrumentos e equipamentos utilizados. A utilização de luvas, máscaras, aventais e botas por parte dos operadores, o uso de água clorada para a lavagem dos hortifrutícolas e um controle rigoroso da temperatura também são recomendados. A realização de análises microbiológicas é importante e deve ser feita com freqüência nos produtos minimamente processados. É de suma importância também a higiene pessoal e o treinamento efetivo da mão-de-obra envolvida no sistema. Literatura sugerida AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução RDC nº12, de 2 de janeiro de 2001. Disponível em <http://www.anvisa.gov.br/legis/resol/12_01rdc.htm>. Acesso em: 21 fev. 2002. BARRY-RYAN, C.; O BEIRNE, D. Effects of peeling methods on the quality of ready-touse carrot slices. Internacional Journal of food Science and Tecnology, v. 35, n. 2, p. 243-254, 2000. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria nº 451 de 19 de set. 1997. CANTWELL, M. Post harvest handling systems: minimally processed fruits and vegetables. In: Kader, A. A. Postharvest technology of horticultural crops. 2nd. Oakland: UCD, 1992. 295 p.
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