Levantamento do Histórico de um Remanescente de Floresta Estacional Semidecidual Montana Através de um Roteiro de Entrevistas

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Transcrição:

Levantamento do Histórico de um Remanescente de Floresta Estacional Semidecidual Montana Através de um Roteiro de Entrevistas Jean Daniel Morel, Mestre em Engenharia Florestal, DCF/UFLA, morel.jean@gmail.com; Prof. José Aldo Alves Pereira, DCF/UFLA, j.aldo@ufla.br; Leandro Carlos, Mestre em Engenharia Florestal, DCF/UFLA, lcmaestro@gmail.com; Emílio Manabu Higashikawa, Mestrando em Engenharia Florestal, DCF/UFLA, emilio.higashikawa@gmail.com; Matheus Henrique Mota Benício, graduando em Engenharia Florestal, UFLA, matheusbenycio@hotmail.com Palavras-chave: Impactos ambientais, remanescente florestal, roteiro de entrevistas Resumo: Este trabalho foi realizado com o objetivo de caracterizar três setores de um remanescente florestal, chamados setores A, B e C. Para isso foram entrevistados moradores do local utilizando um roteiro com as principais questões a serem abordadas. O resultado forneceu informações e impressões dos moradores sobre a área, que pertence à família desde a metade do século XIX. As informações permitiram diferenciar o setor A em função de já ter sofrido corte raso e ter sido submetido a cortes seletivos e ao pisoteio pelo gado em determinadas épocas. O setor B foi caracterizado por ter sido mais afetado pelo pisoteio no decorrer do tempo, o que ainda ocorre atualmente. Já sobre o setor C constatou-se que este está isento de perturbações antrópicas devido à sua localização em uma área de relevo acidentado, o que dificulta a realização de atividades agrícolas. Objetivo Este trabalho teve como objetivo caracterizar três setores de um remanescente de Floresta Estacional Semidecidual Montana, no município de Itumirim, na região do Alto Rio Grande, MG, com base no histórico de perturbações das áreas, obtido através de um diagnóstico participativo por meio de entrevistas com moradores locais. Referências teóricas O processo de fragmentação do ambiente ocorre em condições naturais, no entanto a intensidade com que ocorre atualmente é decorrente de atividades antrópicas. Este processo

tem resultado em um grande número de problemas ambientais, provocando mudanças na distribuição e abundância dos organismos, tornando-o principal responsável pelo declínio da biodiversidade (Cerqueira et al., 2003). Em florestas tropicais este processo faz com que suas espécies fiquem mais vulneráveis à extinção, reduzindo a variação genética das espécies remanescentes (Kageyama & Lepsch-Cunha, 2001). Comparações entre ecossistemas florestais em condições naturais e remanescentes florestais mostram que estes últimos possuem menores valores de biodiversidade, devido à interferência humana (Power, 1996; Bierregaard & Dale, 1996). O processo de sucessão das florestas secundárias é fortemente influenciado por fatores de distúrbio, como freqüência de queimadas, pastejo e outros fatores antrópicos (Martinez-Garza & Howe, 2003; Muller et al., 2007), sendo que a intensidade dos distúrbios sofridos ao longo do tempo determina sua velocidade de regeneração (Whitmore, 1990; Guariguata & Dupuy, 1997). A Floresta Atlântica brasileira, considerada como hotspot para a conservação da biodiversidade (Myers et al., 2000), encontra-se extremamente fragmentada e reduzida a manchas disjuntas (Leitão Filho, 1994). A maior parte destas áreas é constituída por formações secundárias em diferentes estádios sucessionais (Morellato & Haddad, 2000). A região do Alto Rio Grande, Minas Gerais, situada no domínio da Mata Atlântica sensu lato (Oliveira Filho & Fontes, 2000), possui sua cobertura florestal remanescente reduzida a fragmentos esparsos, em sua maior parte com menos de 10 ha (Oliveira Filho et al., 1997a). Esta região está sujeita à exploração desde os primeiros ciclos de ocupação do país, devido a atividades como mineração, pecuária, culturas agrícolas e a extração seletiva de madeira (Dean, 1996; Oliveira Filho et al., 1994b; Vilela, 2007). Entretanto, na maioria das vezes, pouco se conhece sobre o histórico destas áreas, o que dificulta inferir sobre os processos ecológicos atuantes. O diagnóstico participativo, em diferentes situações de investigação, representa uma ferramenta fundamental ao planejamento e execução das ações, não se caracterizando meramente pela quantificação, e sim, pela descrição, sendo bastante utilizado em diversas áreas, inclusive em projetos de preservação ambiental. Essa forma de investigação emprega diferentes métodos, que possibilitam o compartilhamento e análise da percepção de uma comunidade sobre o tema pesquisado (Curado et al., 2003). A entrevista é o método de coleta de informações mais utilizado nas pesquisas sociais, sendo que sua aplicação se dá através de um questionário ou de um roteiro. Sua execução é planejada e programada, tendo em vista o problema de pesquisa, o objetivo do estudo, o seu

referencial teórico e as suas hipóteses ou questões norteadoras, visando elucidar o tema pesquisado (Alencar, 1999). Metodologia A área de estudo consiste em um remanescente florestal situado nas coordenadas geográficas 21 16'35''S e 44 49'34''W, em uma fazenda na localidade denominada Dutra, município de Itumirim. De acordo com os critérios propostos por Veloso et al. (1991), a vegetação do local pode ser classificada como Floresta Estacional Semidecidual Montana. A área é drenada por um córrego e está circundada por diferentes tipos de pastagens, além de uma cultura agrícola de milho, a noroeste, uma voçoroca em processo de regeneração, a oeste, e áreas com vegetação savânica e campestre, ao sul e sudoeste, que também são utilizadas como pastagem. Para efeito de comparação, considerou-se que o remanescente florestal possui três setores distintos (Figura 1). Estes setores, chamados neste trabalho de setores A, B e C, possuem particularidades ambientais que os caracterizam de forma diferenciada. Figura 1. Aspecto geral do remanescente florestal situado no município de Itumirim, MG. A) setor A; B) setor B; e C) setor C.

Para verificar se os setores foram ou estão submetidos a distúrbios ambientais buscaram-se informações sobre seu histórico de perturbações. Para isso foram realizadas entrevistas com moradores locais, onde se utilizou um roteiro, que constitui uma relação de tópicos a serem cobertos durante a entrevista, contendo as questões consideradas relevantes e que podem fornecer o maior número de informações (Alencar, 1999). Os entrevistados fornecerem suas descrições e opiniões que foram transcritas e consistiram na fonte de informações sobre as áreas. O Quadro 1 apresenta os tópicos abordados durante as entrevistas e que consistiram nas fontes das informações obtidas sobre o histórico da área. Quadro 1. Roteiro de entrevistas visando o levantamento do histórico de um remanescente florestal situado no município de Itumirim, MG. 1- Histórico da fazenda 1.1- Propriedade 1.2- Data em que foi adquirida 1.3- Proprietários anteriores 1.4- Atividades praticadas atualmente e no passado 2- Setor A 2.1- Atividades praticadas na área (intensidade e histórico) 2.2- Atividades praticadas em seu entorno (intensidade e histórico) 3- Setor B 3.1- Atividades praticadas na área (intensidade e histórico) 3.2- Atividades praticadas em seu entorno (intensidade e histórico) 4- Setor C 4.1- Atividades praticadas na área (intensidade e histórico) 4,2- Atividades praticadas em seu entorno (intensidade e histórico) Resultados De acordo com as informações obtidas nas entrevistas, constatou-se que a fazenda pertence ao atual proprietário desde 1981, tendo sido parte da herança de seu pai. No entanto, a fazenda e adjacências já pertenciam à família residente desde meados do século XIX, quando da chegada de seus antepassados entre 1830 e 1850, o que corresponde a um histórico de cinco gerações. Desde essa época, a pecuária de leite sempre predominou como principal

atividade econômica, tendo havido também pecuária de corte e criação de asininos, porém em caráter secundário. Em tempos mais recentes houve diversificação das atividades através da implantação de culturas agrícolas, porém estas também tiveram caráter de atividade complementar. Sobre o setor A, constatou-se que este foi submetido à corte raso em 1965. As madeiras obtidas com o corte foram utilizadas para os seguintes fins: a) madeiras nobres tiveram usos diversos na construção de residências; b) madeiras não-nobres foram utilizadas para confecção de moirões de cerca; c) demais madeiras foram utilizadas para lenha. O restante da vegetação, que não foi aproveitado, foi enleirado e queimado no próprio local, prática comum na região para adicionar ao solo os nutrientes providos pelas cinzas. No local foi então implantado um cultivo de mandioca, que durou apenas uma safra. O cultivo foi abandonado em seguida e a área convertida à pastagem. Após dois anos de sua implantação a pastagem também foi abandonada, devido à rápida regeneração natural. A partir daí a vegetação se estabeleceu sobre este setor, que passou a sofrer cortes seletivos de madeira para uso doméstico, o que ainda ocorre esporadicamente. O gado também teve acesso a este setor com relativa freqüência, porém os impactos decorrentes desta atividade se tornaram menos intensos a partir de 1992, quando foi implantado um milharal na área à montante. Constatou-se que o setor B anteriormente era conectado a um outro remanescente, situado na mesma vertente. Em 1965, a área hoje existente entre eles foi desmatada para a implantação de uma cultura de café. Esse cultivo durou cerca de oito anos e foi abandonado para a implantação de pastagem, atividade que ainda é praticada no local. Exceto no período de 1983 a 1999, quando essa área foi ocupada pela cultura do milho, o gado teve acesso a este setor. O impacto dessa última atividade foi mais notável no ano de 2005, quando cerca de 80 animais pastavam na área. Atualmente este impacto é menos intenso, sendo que apenas 12 animais acessam o setor. No entanto, diferentemente do setor A, o setor B nunca sofreu corte raso e mesmo a extração seletiva de madeira, quando ocorreu, foi feita com pouca freqüência, o que o caracteriza, segundo os entrevistados, como uma mata virgem. Já em relação ao setor C, constatou-se que este nunca sofreu grandes alterações. O local está situado em uma grota, abriga as nascentes do curso de água que corta o remanescente florestal e, devido ao seu relevo, funciona como área de recarga. Não há relatos sobre a extração de madeira ou outra atividade impactante neste setor. Isso se deve à topografia acidentada, que inviabiliza a retirada de madeira e o uso agrícola da área, o que proporcionou inclusive o desconhecimento por parte das espécies vegetais existentes nele Sabe-se apenas que o gado eventualmente faz incursões ao local para acessar o curso de água,

porém não há maiores informações sobre o local, pois não se considera uma destinação econômica para este setor. Estas informações, obtidas através de informações e impressões de pessoas que possuem um amplo conhecimento sobre o local do estudo, permitiram, portanto, a classificação dos setores sob diferentes percepções quando considerados os impactos ambientais. Além disso, estes resultados são extremamente úteis para embasar parâmetros ecológicos obtidos em levantamentos biológicos, atuando de forma complementar à caracterização florística, estrutural e ambiental da área. Referências bibliográficas ALENCAR, E. Introdução à metodologia de pesquisa social. Lavras: UFLA, 1999, 131 p. BIERREGAARD, R. O.; DALE, V. H. Island in an ever-changing sea: the ecological and socioeconomic dynamics of amazonian rainforest fragments. In: SCHELAS, J.; GRENBERG, R. (Ed.) Forest patches in tropical landscapes. Washington: Island Press, 1996. p. 187-204. CERQUEIRA, R.; BRANT, A.; NASCIMENTO, M., T.; PARDINI, R. Fragmentação: alguns conceitos. In: RAMBALDI, D. M.; OLIVEIRA, D. A. S. de (Org.). Fragmentação de ecossistemas: causas, efeitos sobre a biodiversidade e recomendações de políticas públicas. Brasília: MMA/SBF, 2003. p. 43-63. CURADO, F. F.; SANTOS, C. S. de S.; SILVA, F. Q. da. Pré-diagnóstico participativo de agroecossistemas dos Assentamentos Paiolzinho e Tamarineiro II. Corumbá: Embrapa Pantanal, 2003. 35 p. DEAN, W. A Ferro e Fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 484 p. GUARIGUATA, M. R.; DUPUY, J. M. Forest regeneration in abandoned logging roads in lowland Costa Rica. Biotropica, v. 29, n. 1, p. 15-28, 1997.

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