ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA VALOR E ALTERAÇÕES DAS DERIVAÇÕES UNIPOLARES DAS EXTREMIDADES NAS HIPERTROFIAS VENTRICULARES ESQUERDAS

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Transcrição:

128 VALOR E ALTERAÇÕES DAS DERIVAÇÕES UNIPOLARES DAS EXTREMIDADES NAS HIPERTROFIAS VENTRICULARES ESQUERDAS Jairo Ramos (*) Horácio Kneese de Melo (**) Silvio Borges (***) Francisco Sporques (***) São Paulo DERIVAÇÕES UNIPOLARES DAS EXTREMIDADES NAS HIPERTROFIAS VENTRICULARES O emprêgo, cada vez mais difundido, das derivações unipolares das extremidades leva-nos a procurar estabelecer quais os aspectos apresentados pelo eletrocardiograma assim obtido nos casos em que há alterações do miocárdio. Em outro trabalho estudamos os bloqueios de ramo; neste estudaremos as hipertrofias ventriculares. As derivações foram obtidas pelo processo de Goldberger 1, empregando-se um terminal central sem resistências. HIPERTROFIAS ESQUERDAS Estudamos 32 traçados de indivíduos com hipertrofia ventricular esquerda. Em todos a hipertrofia era evidenciada tanto pelas derivações precordiais múltiplas como pelo exame radiológico, que foi feito sistemàticamente. As idades variaram entre 18 e 68 anos. Posição elétrica do coração - Em todos determinamos a posição elétrica do coração, seguindo as indicações de Wilson e colaboradores 2. Trabalho apresentado ao IV Congresso de Cardiologia, realizado em julho de 1947 na Bahia. (*) Professor Catedrático de Clínica Propedêutica Médica da Escola Paulista de Medicina. (**) Livre-docente de Clínica Propedêutica. (***) Assistentes voluntários do Serviço.

HIPERTROFIAS VENTRICULARES ESQUERDAS 129 A posição mais vêzes encontrada foi a horizontal, seguindo-se, em ordem de freqüência, a intermediária a semi-horizontal, a semivertical e a vertical, como podemos ver no quadro seguinte: Posição elétrica horizontal - 14 casos... 44% Posição elétrica intermediária - 8 casos... 25% Posição elétrica semi-horizontal - 7 casos... 22% Posição elétrica semivertical - 2 casos... 6% Posição elétrica vertical - 11 casos... 3% Essa verificação já é interessante. Um de nós (H. K. M. 3 ), estudando traçados de indivíduos normais, de 1 até 40 anos de idade, encontrou sempre uma incidência muito maior da posição semivertical do que das outras posições elétrica. A porcentagem evidentemente maior de casos com posição horizontal encontrada por nós leva a crer, portanto, que a hipertrofia ventricular esquerda modifica a posição elétrica do coração, levando-o freqüentemente à posição horizontal. * * * A seguir descreveremos os tipos de curvas obtidas, separando os traçados conforme as posições elétricas. Posição vertical - Nesse grupo encontramos sòmente 1 caso (traçado n.º 1), o que faz com que não possamos tirar conclusões a seu respeito. Descreveremos, entretanto, os acidentes apresentados por êsse traçado. - avr Apresentou-se com o aspecto rs, medindo a onda r 0,5 mm e a S, 18 mm de amplitude. A onda T era positiva. - avl - Nessa derivação havia onda R com 3,5 mm e onda S com 10 mm de amplitude, sendo a onda T positiva, - avf - Apresentou onda Q profunda, com 5 mm de amplitude, seguida de grande onda R. com 37 mm. A onda T era negativa. Vemos assim que as anomalias encontradas foram: onda S de amplitude exagerada em avr, com onda T também de direção anormal: onda R muito ampla em avf, com T negativa.

130 O aspecto das unipolares das extremidades explica a ausência e desvio do eixo elétrico para a esquerda nas derivações clássicas, pois a grande onda positiva em avf faz com que o complexo QRS seja positivo em DIII (D III = VF-VR). Como já dissemos, o fato de encontrarmos sòmente em 1 caso posição elétrica vertical faz com que não possamos tirar qualquer conclusão, forçando-nos a descrever sòmente o traçado, sem maiores comentários. Posição elétrica semivertical - Sòmente em 2 casos encontramos posição elétrica semivertical. Traçado 1 26 anos. Insuficiência aórtica reumática. Posição elétrica vertical com sinais de hipertrofia E em avf.

HIPERTROFIAS VENTRICULARES ESQUERDAS 131 - avr - Nos 2 casos o complexo ventricular inicial apresentou o mesmo aspecto, sendo composto da pequena onda R seguida da onda S profunda. A amplitude máxima da R foi 1,3 mm e da S 16 mm Ambos os valores estão nos limites da normalidade. A onda T apresentou-se negativa em 1 caso e positiva no outro. - avl - Nos dois casos o complexo QRS era composto de duas ondas, R e S, sendo as amplitudes máximas de 6 mm para R e 4 mm para S. A onda T foi positiva em um caso e negativa em outro. - avf - O complexo QRS em VF apresentou onda Q sòmente em um caso e em nenhum havia onda S. A onda R apresentou amplitude de acima dos limites normais em um caso (20 mm). Quanto à onda T foi negativa em um dos casos e positiva no outro Como no grupo anterior, o pequeno número de traçados com posição elétrica semivertical não nos permite tirar qualquer conclusão a seu respeito. As anomalias encontradas foram: onda T positiva em avr em um caso; amplitude exagerada de R em a F e onda T negativa em um caso. Posição elétrica intermediária - encontramos 8 casos em que a posição elétrica era intermediária (25%). Passaremos a descrever as principais ocorrências nas 3 derivações unipolares das extremidades. - AVR - Em 4 casos o complexo QRS apresentou pequena onda R inicial, com amplitude de 1 a 2 mm, seguida de S profunda, de amplitude entre 17,5 e 19 mm. Nos casos restantes o complexo era composto de uma única onda negativa, QS, cuja amplitude variou entre 5,5 e 14 mm. A onda T apresentou-se negativa em 4 casos, positiva em 3 e isoelétrica em um. - AVL - Em 4 casos o complexo QRS apresentou sòmente uma onda R; em 5 casos havia onda R proeminente, seguida de pequena onda S e sòmente em um caso encontramos pequena onda da Q, seguida de onda R proeminente. As amplitudes das diferentes ondas foram: Q-O, 5 mm.; R, de 3,5 a 11 mm; S, de 2 a 6 mm.

132 Encontramos onda T positiva em metade dos casos (4 casos) e negativa na outra metade. Os vários componentes do complexo QRS apresentaram-se, portanto, dentro dos limites da normalidade. A onda T, entretanto, apresentou-se negativa em metade dos casos, na presença de um complexo QRS positivo, o que constitui geralmente onda patológica. - AVF - Em 5 dos 8 casos estudados havia onda Q em avf, variando a sua amplitude entre 1,5 e 3,5 mm. A onda R apresentou valores entre 3 e 14 mm. Em sòmente 2 casos havia onda S, com amplitudes de 0,5 e 2 mm. A onda T foi positiva em 6 casos, isoelétrica em um e negativa sòmente em um. Os achados foram, portanto, inexpressivos em avf, nos corações de posição elétrica intermediária. Posição elétrica semi-horizontal - Em 7 casos encontramos posição elétrica semi-horizontal (22%). Descreveremos as 3 derivações separadamente. -avr - Em 4 casos (57%) o complexo QRS era constituído por uma única onda negativa, QS, cuja amplitude variou entre 8 e 12 mm. Em dois casos havia pequena onda positiva inicial com 1mm de amplitude, seguida da onda S profunda, com 12 e 13 mm. No caso restante havia onda Q com 10 mms., seguida da onda R com 2 mm. de amplitude. A onda T apresentou-se positiva em 3 casos e isoelétrica em um. Nos restantes era negativa. Comparando com os achados normais 3, vemos que há uma grande incidência de onda QS, assim como chama a atenção não têrmos encontrado onda R, presente em quase 40% dos traçados normais. Também a presença da onda T positiva em perto de metade dos casos constitui achado patológico. - avl - Em avl encontramos onda R proeminente, com amplitude entre 9 e 13 mm., precedida por onda Q em 5 casos (71%), com amplitude entre 0,5 e 2,5 mm. Em apenas um caso havia onda S, com amplitude de 1 mm. A onda T foi negativa em 6 casos (85%), e positiva sòmente em um. O achado patológico principal foi, portanto, a grande incidência de ondas T negativas, o que não ocorre em indivíduos normais. A

HIPERTROFIAS VENTRICULARES ESQUERDAS 133 amplitude de vários componentes do complexo ventricular inicial apresentou-se dentro dos limites da normalidade. - avf - Em avf não encontramos onda Q em nenhum caso. Em 6 casos o complexo QRS era constituído pelas ondas R e S, havendo uma segunda onda R em um. A onda T apresentou-se positiva sempre. Nada encontramos, portanto, de especial em avf nos traçados em que havia posição elétrica semi-horizontal. Posição elétrica horizontal - Em 6 casos encontramos posição: elétrica horizontal (44%) (traçado nº 2). -avr - Em 6 casos havia uma única onda negativa, QS, com amplitude entre 4 e 10 mm; em 6 casos havia onda Q, com amplitude entre 3 e 12 mm, seguida da onda R pequena, com amplitude entre 1 e 1,5 mm., e sòmente uma vez com 3 mm. Nos dois casos restantes havia pequena onda positiva inicial R, não atingindo amplitudes maiores do que 1 mm. seguidas de onda S profunda, com 6 e 14 mm. Em 8 casos a onda T era negativa; em 4, positiva e em 2, bifásica. Vemos, assim, que o complexo ventricular inicial nada apresentou de especial nessa derivação. Sòmente a onda T é que apresentou direção anormal em 6 casos (42%). - avl - O complexo ventricular em avl, nos corações elètricamente horizontais, apresentou-se, na maior parte dos casos, com o aspecto qr (10 casos - 71%.) A onda Q apresentou amplitude variável entre 0,5 e 4 mm. e a onda R, entre 4 e 25 mm., tendo mais de 9 milímetros (valor máximo normal) em 12 casos, isto é, em 85%. Sòmente em um caso havia onda S, com 0,5 mm. de amplitude. Nesse caso havia também onda Q, sendo o complexo do tipo qrs. A onda T apresentou-se negativa em 11 casos (78%). Os achados principais nessa derivação foram, portanto: ocorrência freqüente de onda Q, em 4 casos com amplitude acima dos valores normais; presença de onda R de grande amplitude; onda T negativa na maioria dos casos.

134 Traçado 2 Hipertensão arterial. Posição elétrica horizontal com sinais de hipertrofia E em avl. - avf En avf o complexo ventricular inicial apresentou o aspecto rs, com uma única exceção em que havia sòmente uma onda negativa, QS. A amplitude de R variou entre 1 e 8 mm, sendo que no caso em que havia onda R com 8 mm, era ela seguida de

HIPERTROFIAS VENTRICULARES ESQUERDAS 135 grande onda S, com 14 mm. A onda S apresentou amplitude máxima de 19 mm No caso em que havia onda QS, essa media 10 mm. A onda T apresentouse positiva em todos os casos. COMENTÁRIO E CONCLUSÕES Descritas assim, nos seus detalhes os tipos de complexos ventriculares encontrados nas derivações unipolares das extremidades, nos casos de hipertrofia ventricular esquerda, vejamos as conclusões de ordem prática que dêste estudo podemos tirar. Em relação a avr o complexo QRS apresentou algumas diferenças conforme a posição elétrica. Assim, não encontramos onda Q nos casos com posição elétrica vertical, semivertical e intermediária, havendo sòmente em um caso com posição semi-horizontal. Nos casos de posição horizontal, por outro lado, a negatividade do complexo QRS era produzida por onda Q profunda em 6 casos (42%). Quer dizer que difere o tipo de onda positiva encontrado nas várias posições: nos corações de posição elétrica vertical, semivertical e intermediária, a onda positiva é precoce, sendo a negatividade do complexo produzida por uma onda S profunda; na posição horizontal a onda positiva é tardia, sendo negatividade produzida por uma onda Q. Na posição semi-horizontal a maioria dos casos não apresentou onda positiva, sendo o complexo representado por uma única onda negativa QS. Talvez êsses fatos possam ser explicados da seguinte maneira: A onda R de pequena amplitude aparecendo precocemente nos corações elètricamente verticais, semiverticais e intermediários seria produzida pela passagem da excitação através do septo interventricular, estando a raiz do braço direito em posição tal que a ela se transmitiria o potencial positivo do dipolo de excitação. À medida que o coração se torna mais horizontal, deixaria o septo de influenciar o braço direito, surgindo uma onda R tardia que talvez seja produzida pela porção mais alta da parede do ventrículo esquerdo, que assim passaria a influenciar o braço direito pela sua superfície epicárdica. De fato, se nos reportarmos ao esquema de Lewis, dos tempos de chegada da excitação na superfície epicárdica do ventrículo esquerdo, veremos que a última a receber o estímulo é a porção alta da parede ventricular. Verificamos ainda em avr uma incidência grande de ondas T positivas (14 casos 43%.) Quanto a avl, nada encontramos de característico nas posições vertical e semivertical. Nas demais, entretanto, há um aspecto bastante sugestivo de hipertrofia esquerdo, constituído por um complexo inicial de tipo qb, com onda R de grande amplitude e onda T oposta.

136 Êsse aspecto é bem mais evidente na posição horizontal, que constitui posição elétrica mais comum na hipertrofia ventricular esquerda. Em relação a avf, nas posições vertical e semivertical, embora o número de casos seja pequeno, parece que uma onda Q seguida da onda R muito ampla, com T oposta, sugere hipertrofia esquerda. Nas posições intermediária e semihorizontal nada encontramos de característico. Na posição horizontal, o aspecto, em quase todos os nossos casos, foi o de uma onda R seguida de S muito ampla, com T positiva. RESUMO Foram estudados 32 eletrocardiogramas de indivíduos com evidente hipertrofia ventricular esquerda, evidenciada pelos exames clínico e radiológico, assim como pelas derivações precordiais. Em todos foram obtidos traçados de três tipos: derivações clássicas, unipolares das extremidades e precordais múltiplas. São descritos os vários complexos do eletrocardiograma, separados em grupos conforme a posição elétrica. Em relação a avr, verificaram que nos corações elètricamente verticais, semiverticais e intermediários, a pequena onda positiva que surge em geral é precoce, sendo a negatividade dada por uma onda S; nos de posição semi-horizontal não encontraram, de modo geral, qualquer onda positiva; nos de posição horizontal havia quase sempre uma pequena onda positiva tardia, sendo a negatividade do complexo constituída por uma onda Q. Concluem que a onda R inicial dos corações verticais, semiverticais e intermediários deve ter origem no septo interventricular, ao passo que a onda tardia dos corações horizontais deve provir da superfície epicárdica do ventrículo esquerdo na sua porção mais alta. Em relação a avl e avf, variam o seu aspecto conforme a posição elétrica. Acham ser característico de hipertrofia esquerda um complexo de tipo qr, com grande onda R e T oposta, que surge em avl, ou em avf, conforme a posição elétrica do coração. BIBLIOGRAFIA 1. Goldberger, E.: A simple, indifferent electrocardiogram electrode of zero potential and a technique of obtaining angmented unipolar extremits leads, Am. Heart J., 23: 483, 1942. 2. Wilson, F. N., Johnston, F. D., Rosembaum, F. F., Erlanger, H., Kossinan, C. E., Hecht, H., Cotrim, N., Menezes de Oliveira, R., Scarsi, R., Barker, P. S.: The precordial electrocardiogram, Am. Heart 1, 27: 19, 1944. 3. Kneese de Melo, H.: Derivações unipolares das extremidades, contribuição ao estudo dos seus aspectos normais. Tese de Livre Docência, 1947.