HORACIO KNEESE DE MELO*
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1 ASPECTOS NORMAIS DAS DERIVAÇÕES UNIPOLARES 237 ASPECTOS NORMAIS DAS DERIVAÇÕES UNIPOLARES DAS EXTREMIDADES HORACIO KNEESE DE MELO* O emprêgo cada vez mais difundido das derivações unipolares das extremidades torna necessária melhor padronização de suas curvas normais. Os trabalhos feitos até agora com êsse intuito são poucos e, geralmente, limitados a número pequeno de observações. Tal acontece, por exemplo, com o trabalho que tem servido de base para a descrição dos aspectos normais das derivações unipolares das extremidades, feito por Kossman e Johnston 4, que analisaram apenas 30 traçados de indivíduos entre 20 e 35 de idade. O presente trabalho foi feito com o intuito de trazer alguma contribuição ao problema, estudando os eletrocardiogramas obtidos em um número maior de indivíduos e em idades mais variadas. MATERIAL E MÉTODO Estudamos as derivações unipolares das extremidades em 221 indivíduos normais, cujas idades variaram entre 6 horas (recém-nascidos) e 40. Além das derivações em estudo, foram feitas as derivações clássicas e precordiais múltiplas, obtidas com terminal central. Em todos os casos fizemos exame clínico cuidadoso e radioscopia do tórax, sendo afastados todos aquêles que apresentavam qualquer suspeita de anomalia cardíaca, servindo-nos, ainda, de critério para avaliar a normalidade do coração o aspecto apresentado pelas derivações clássicas e pré-cordiais. Sòmente nos menores de três não foi feito o exame radiológico. O número de indivíduos examinados, conforme as idades, acha-se expresso no quadro 1. Empregamos um terminal central sem resistências, adotando a técnica de Goldberger 2 para obter derivações unipolares aumentadas. RESULTADOS No quadro 1, damos os valores obtidos para as várias deflexões, assim como as durações do segmento PR, da onda P e do complexo QRS, dividindo os casos em grupos, conforme as idades. Alguns da- O presente trabalho constitui um resumo da tese 3 feita para concurso de docência-livre da Clínica Propedêutica Médica da Escola Paulista de Medicina. * Livre-docente e assistente da Clínica Propedêutica Médica da Escola Paulista de Medicina (Serviço do Prof. Jairo Ramos).
2 238 ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA dos têm valor pequeno, como as diversas durações encontradas, pois são semelhantes às obtidas nos outros tipos de derivações, já tendo sido suficientemente estudados por outros autores 1 a 5. Faremos uma descrição separada dos traçados obtidos no primeiro ano de vida, pois diferem dos demais. Assim, as derivações unipolares das extremidades apresentam, nos recém-nascidos, um aspecto todo especial (fig. 1). Nesse grupo encontramos, em avr, a onda P sempre negativa; o complexo QRS, entretanto, apresentou aspecto variável, sendo positivo em mais de metade dos casos, com a forma qr ou Rs. Nos restantes, era de pequena amplitude e sòmente em um quarto dos casos era negativo. A onda T era negativa sòmente em metade dos casos, sendo nos restantes isoelétrica, bifásica ou positiva. Em avl, a onda P apresentou-se isoelétrica ou negativa na maior parte dos casos. O complexo QRS apresentou aspecto bastante uniforme, sendo negativo em todos os traçados de recém-nascidos, com a forma rs na maioria dos casos, apresentando um segundo pico de pequena ampli- Fig. 1 - Em A, traçado de recémnascido com 6 horas de vida. em B, traçado de criança com 2 meses e meio. tude sòmente duas vêzes, dando o aspecto rsr. A onda T apresentousetanto positiva, como negativa e bifásica. Em avf, a onda P foi sempre positiva, assim como o complexo QRS. Êsse apresentou sempre uma deflexão inicial negativa. Q, seguida de grande onda positiva. R. A onda T foi positiva em 73% dos casos e isoelétrica nos restantes. Nas crianças entre 2 e 12 meses, já o aspecto dos traçados foi diferente (fig. 1). Em avr, a onda P foi sempre negativa, assim
3 ASPECTOS NORMAIS DAS DERIVAÇÕES UNIPOLARES Quadro 1 - Valores obtidos para as derivações das extremidades em 221 indivíduos normais, desde recém-nascidos até 40 de idade. As amplitudes são dadas em milímetros e as durações, em segundos. 239
4 240 ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA Fig. 2 - Formas de complexo QRS encontradas em avl, em corações de posição elétrica vertical. Em A, uma única onda negativa, QS; em B, pequena onda positiva inicial, R, seguida de S profunda. como o complexo QRS e a onda T. O complexo QRS tinha a forma Qr ou rsr. Em avl, a onda, P apresentou aspecto variável, ora positivo, ora negativo. O mesmo ocorreu com o complexo QRS, que foi positivo (Rs) em 71% dos casos e negativo (rs) nos 29% restantes. A onda T foi negativa sòmente uma vez, sendo positiva nos restantes. Em avf, a onda T foi sempre positiva, assim como o complexo QRS. Em todos os casos havia pequena onda Q. A onda T apresentou-se isoelétrica sòmente em um caso, sendo positiva nos demais. No grupo de crianças de mais de um ano, o aspecto apresentado pelos traçados já se assemelha bastante ao dos adultos, podendo, por isso, ser descritos todos em conjunto. avr apresenta aspecto bastante uniforme, com ondas P e T sempre negativas, assim como o complexo QRS. Êsse apresentava uma negatividade que tanto era constituída por uma única onda QS, como por uma onda Q ou uma onda S. Já em avl notamos formas bem variadas. A onda P se apresentou tanto positiva, como negativa, assim como a onda T. Os complexos QRS, na maioria dos casos, eram de pequena amplitude. Nos restantes, eram negativos ou positivos. Quando positivos, eram muitas vêzes precedidos de onda Q, porém de pequena amplitude (quadro 1). Quando negativos, o que notamos de mais interessante é que nunca eram constituídos por onda Q profunda, seguida de pequena onda R; nesses casos, eram constituídos por uma única deflexão negativa. QS, ou por pequena R seguida de S profunda (fig. 2). A
5 ASPECTOS NORMAIS DAS DERIVAÇÕES UNIPOLARES 241 onda T apresentou-se também variável. De importância, porém, verificamos que ela era negativa sòmente quando os complexos QRS eram de pequena amplitude, ou também negativos. Sòmente em um caso encontramos onda T negativa após um complexo QRS positivo. Em avf, a onda P apresentou-se sempre positiva. O complexo QRS era na maioria das vêzes positivo, iniciado por pequena onda Q. Em outros, era de pequena amplitude e sòmente em um caso se apresentou Fig. 3 - Variações apresentadas pela posição elétrica nas diferentes idades. negativo, com a forma rs. A onda T foi encontrada positiva na quase totalidade dos casos, sendo negativa sòmente três vêzes no total de traçados examinados. Se considerarmos os 221 indivíduos examinados, teremos uma incidência de apenas 1,3% de negatividade de T em avf.
6 242 ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA Determinamos a posição elétrica do coração, usando o processo descrito por Wilson e col. 7. Só não o fizemos nas crianças de menos de 1 ano porque, nesses casos, as precordiais não se prestam para a comparação que o processo requer. A posição mais vêzes encontrada foi a semivertical, o que está de acôrdo com o que foi verificado por Kossman e Johnston 4. Dividindo os casos por idades, em grupos de 5, encontramos variações interessantes, que estão representadas no quadro 2 e na fig. 3. POSIÇÕES De 1 a 5 De 6 a 10 De 11 a 15 De 16 a 20 De 21 a 25 De 26 a 30 Vertical % 13 % 12 % 35 % 25 % 10 % Semi-vertical. 38 % 56 % 56 % 48 % 66 % 60 % Intermediária 30 % 28 % 28 % 10 % 5 % 25% Semi-horizon- Tal... 0 % 13 % 3 % 5 % 0 % 5 % Horizontal... 0 % 0 % 0 % 0 % 2 % 0 % Quadro 2 Vemos que sempre a posição mais encontrada é a semivertical. Analisando com mais detalhe vemos, porém, que há nítidas diferenças nos vários grupos. No entre 1 e 5, as únicas posições encontradas foram a vertical, a semivertical e a intermediária. Já no grupo seguinte cai a incidência de corações elètricamente verticais, para subir a de semihorizontais. Dos 11 aos 15, já se eleva nìtidamente a de semiverticais, para no grupo entre 16 e 20, haver acentuado aumento na incidência dos verticais. Nos dois grupos seguintes, diminui a incidência da posição vertical para aumentar, no primeiro, a de semivertical e, no segundo, a de intermediária e semi-horizontal. Isso nos mostra que, nos primeiros cinco de vida, o coração tende à posição vertical. Dos 6 aos 10, desvia-se no sentido da posição horizontal. Dos 11 aos 20 tende cada vez mais para a posição vertical novamente, para começar a voltar em sentido contrário dos 20 aos 30. COMENTÁRIOS Em relação a avr, é digno de menção o fato de nunca têrmos encontrado, com exceção do grupo dos recém-nascidos, as ondas P e
7 ASPECTOS NORMAIS DAS DERIVAÇÕES UNIPOLARES 243 T e os complexos QRS positivos. Tal fato tem sido explicado pela posição do coração em relação ao ombro direito, de modo que a êsse se transmitem as variações de potencial intracavitárias. Jairo Ramos e col. 6 demonstraram, em trabalho experimental feito em cães, que a influência principal é exercida pela superfície endocárdica do ventrículo esquerdo, parecendo que o ventrículo direito transmite ao ombro direito as variações de potencial da sua superfície epicárdica. Em avl, dois fatos merecem menção especial. Primeiro, o aspecto apresentado pelos complexos QRS quando negativos, nunca o sendo à custa de uma onda Q profunda (fig. 2). Isso nos ensina que um complexo negativo à custa de tal onda nessa derivação traz sempre a suspeita de uma zona morta na superfície lateral do coração. Outro achado importante é a relação de direção entre a onda T e o complexo QRS. Como sòmente uma vez encontramos um complexo QRS positivo seguido de T negativa, vemos que tal relação pode ser usada ao se avaliar a normalidade da onda T nessa derivação. Em relação a avf, o fato mais importante, a nosso ver, foi o de têrmos encontrado onda T negativa sòmente em 1,3%, da totalidade dos traçados. Se lembrarmos que em D tal onda. se apresenta negativa em 33% dos 111 traçados normais 5, veremos que, pelo exame de avf podemos dizer, na maioria dos casos, se tal onda é patológica ou não. O tipo de traçado encontrado nos recém-nascidos também merece consideração especial. Vimos, por exemplo, que desde os maiores de 2 meses até os adultos, o complexo ORS e as ondas P e T são sempre negativos em avr. Já no recém-nascido isso não se dá, podendo o complexo QRS e a onda T ser positivos. Outra diferença encontrada, em relação ao adulto, foi a presença constante de um complexo QRS negativo em avl. Quanto às variações da posição elétrica nos vários grupos etários, devem correr por conta de mudar na posição do coração dentro do tórax, com desvios não só na direção do seu longo eixo, mas também em tôrno do mesmo. RESUMO São estudadas as derivações unipolares das extremidades, obtidas pela técnica descrita por Goldberger, em 221 indivíduos normais, em idades que variaram desde algumas horas de vida, até 40. Os valores das várias deflexões, assim como as durações da onda P, do segmento PR e do complexo QRS são apresentados em um quadro geral. O eletrocardiograma do recém-nascido, nas derivações unipolares das extremidades, apresentou-se bastante diferente do adulto. Foi determinada a posição elétrica do coração em todos os casos, havendo nítidas diferenças na incidência das várias posições, conforme as idades.
8 244 ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA SUMMARY The unipolar extremities leads according to Goldberger s technique are studied in 221 normal individuals with ages ranging from a few hours to 40 years. The value of the different deflections, the duration of the P wave, of the PR segment and of the QRS complex are giver in a chart. The electrocardiogram of the newborn and of the adult are very different. The electrical position of the heart was determined in all the cases and a striking difference in the incidence of the various positions in relation to the age was noticed. BIBLIOGRAFIA 1. Ashmann, R. e Hull, E. - Essentials of electrocardiography. The MacMillan Company, New York, Goldberger, E. - A simple indifferent electrocardiographic electrode of zero potential and a technique of obtaining augmented unipolar extremities leads. Am. Heart J., 23:483, Kneese de Melo, H. - Derivações unipolares das extremidades; contribuição ao estudo de seus aspectos normais. Tese de docência. Indústria Gráfica Siqueira, São Paulo, Kossman, C. E. e Johnston, F. D. - The precordial electrocardiogram. I: The potential variations of the precordium and of the extremities in normal subjects. Am. Heart J., 10:925, Pardee, H. B. - Clinical aspects of the electrocardiogram. Paul B. Hoeber, New York-London, Ramos, J.; Kneese de Melo, H., Pereira, J.; Borges, S.; Ratto, O. e Sporques, F. - Provável origem dos acidentes do complexo inicial da unipolar avr. Apresentado na 4 ª. Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Cardiologia, 1947 (ainda não publicado). 7. Wilson, F. N.; Johnston, F. D.; Rosenbaum, F. F.; Erlanger, H.; Kossman, C. E.; Hecht, H.; Cotrim, N.; Menezes de Oliveira, R.; Scarsi, R. e Barker, P. S. - The precordial electrocardiogram. Am. Heart J., 27:19, R. Xavier de Toledo 99, 4.º andar - S. Paulo
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