GLAXO SMITHKLINE DO BRASIL LTDA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. FRAUDE. EMPRESA INTERMEDIADORA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. APLICABILIDADE DA SÚMULA 331, ITEM I, DO C. TST. VÍNCULO DE EMPREGO COM O TOMADOR DE SERVIÇOS. Na hipótese, a 2ª reclamada constituiu-se como empresa intermediadora de prestação de serviços, em desrespeito aos preceitos legais, na medida em que só se admite a terceirização limitada às atividades meio da empresa. Nessa ordem, dada a ilegalidade da intermediação, acertada a decisão recorrida em declarar a existência de vínculo empregatício com a GLAXO SMITHKLINE, que se colocou na posição de empregadora, para que a autora receba as devidas reparações. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Recurso Ordinário em que são partes: GLAXO SMITHKLINE DO BRASIL LTDA, como Recorrente, e BARBARA LÚCIA COUTO TEIXEIRA, como Recorrido. Irresignado com a r. decisão proferida pelo MM. Juízo 79མ Vara do Trabalho do Município do Rio de Janeiro, da lavra da EXMA. JUÍZA DO TRABALHO DANIELA VALLE DA ROCHA MÜLLER, às fls. 107/112, que julgou PROCEDENTE, EM PARTE, o pedido veiculado na inicial, recorre ordinariamente a reclamada, pelas razões de fls.116/129. Embargos de declaração formulados pela autora às fls. 114/115, os quais foram procedentes, conforme decisão às fls.135. Insurge-se a 2ª ré, em síntese, contra o reconhecimento do vínculo empregatício e o deferimento das diferenças salariais e dos honorários advocatícios. Mostra-se ainda inconformada quanto ao comando para aplicação da multa prevista no art. 475-J do CPC. Custas e depósito recursal, às fls.130 e 131. Contrarrazões às fls.142/148. Deixo de encaminhar os autos ao Douto Ministério Público do Trabalho, por não vislumbrar interesse que justifique sua intervenção no feito, na oportunidade, sendo certo que, se assim desejar, poderá fazê-lo em sessão de julgamento. É o relatório. 4295/rcbs 1
V O T O I. CONHECIMENTO Conheço do recurso, por atendidos seus pressupostos de admissibilidade. II. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL. NULIDADE DA SENTENÇA A segunda reclamada busca a extinção do processo sem resolução de mérito, reiterando a arguição de inépcia da petição inicial. Afirma que teve prejudicado seu direito de defesa e ao contraditório. Renova a argumentação no sentido de ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda, sustentando que ausentes os elementos caracterizadores da relação de emprego. Entretanto, razão não lhe assiste. Afasta-se, de plano, a alegação de ilegitimidade passiva da reclamada, porquanto a existência ou não do vínculo empregatício constitui o próprio mérito da ação proposta. A legitimidade das partes se afere no momento do ajuizamento da ação, in status assertionis. Se a autora afirma a existência de uma relação jurídica de direito material com o réu, que o intitula, ao menos in thesis, a exigir deste (pedido condenatório) ou a obter contra este (pedido declaratório ou pedido constitutivo) aquilo que constitui o objeto da pretensão deduzida no processo, isso é o quanto basta à configuração da legitimidade de ambos. O reconhecimento do vínculo empregatício com a recorrente, na qualidade de tomador de serviços, configura matéria que exige a análise do mérito. Assim, apesar de tal arguição ter sido feita em sede preliminar, esta entrosa-se com o mérito da causa e como tal deverá ser apreciada. No que tange a alegação de inépcia, da análise da exordial infere-se que presentes a causa de pedir e o pedido, devendo a demonstração da procedência ou não dos pedidos ser verificada na fase de instrução processual. Não há inépcia do pedido, eis que, em face do mesmo, o reclamado pôde integralmente formular sua defesa, inclusive exercendo na atualidade a faculdade recursal. Ademais, o processo do trabalho é regido pelo princípio da simplicidade de formas, encontrando regramento específico no art. 840 e parágrafo 1º da CLT. A inépcia diz respeito à inteligibilidade da petição. Considerar-se-á 4295/rcbs 2
inepta a inicial quando apresentar defeito que impeça a defesa da ré, tornando impossível o exame do mérito. E, no caso dos autos, não houve prejuízo para a defesa, nem é impossível o exame do mérito pelo juízo. Rejeito. III. MÉRITO DA TERCERIZAÇÃO DE SERVIÇOS. ATIVIDADE FIM. FRAUDE. VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM A TOMADORA DE SERVIÇOS O d. Juízo de origem deferiu a pretensão da autora consignando, em suas razões de decidir, que embora a reclamante atuasse formalmente como empregada da 1ª ré, na prática, alguns meses após a contratação, passou a trabalhar em prol da 2ª reclamada e a ela subordinada. Registrando que, a partir de então, a manutenção do vínculo com a 1ª ré se deu no intuito de fraudar e impedir o acesso aos direitos trabalhistas, sendo nula nos termos do art. 9º da CLT. Assim, reconheceu o Juízo o vínculo empregatício direto com a tomadora condenando-a as reparações consectárias. Do exame dos autos infere-se que o suscitado contrato de prestação de serviços celebrado entre as empresas tinha por objeto: (...) a prestação de serviços, feita pela CONTRATADA, de coletas e entregas de documentos, na área Metropolitana do Rio de Janeiro, através de funcionários seus, motociclistas habilitados, com a utilização do veículo, (...). Conforme a jurisprudência dominante nos Tribunais, são passíveis de terceirização os serviços especializados ligados à atividade meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta - Súmula 331, item III, do TST. Por atividade meio compreende-se as de simples apoio, que beneficiam apenas indiretamente o contratante. No entanto, não é essa a situação dos autos, já que demonstrado, através da prova coligida, que as atividades desempenhadas pela autora eram diretamente relacionadas com a dinâmica operacional da reclamada - no setor jurídico da empresa tomadora dos serviços -, além de ter sido exercida com pessoalidade e subordinação jurídica. Restou claro que a atividade desempenhada pela laborista era diversa das atividades de coleta e entrega de documentos realizada pelos motoboys, tendo trabalhado no setor jurídico da 2ª ré, por todo o período alegado, estando subordinada à empregada desta empresa, Sra. Jane - Assistente Executiva do Departamento Jurídico. Senão vejamos: O preposto da 1ª ré, em seu depoimento, afirmou (fls. 103): 4295/rcbs 3
(...) que a reclamante foi designada para trabalhar em prol da 2ª ré, como motoboy; que não sabe se foi solicitado a ela que realizasse serviço interno da 2ª ré; que pelo que pelo que se recorda, a autora prestou serviços exclusivamente para a 2ª reclamada, na modalidade diária, de meados de 2006 até meados de 2008; que no início desse período a 2ª ré pedia a designação da autora com preferência aos outros motoboys; que depois de certo tempo, já ficou certo que a reclamante ficaria designada para atender a 2ª reclamada, uma vez que já dominava o tipo de serviço a ser realizado, o que facilitava o entendimento com a 2ª ré; (...) que a autora atendia especificamente o setor jurídico da 2ª ré; (...) Já o preposto da 2ª ré informou (fls. 104): (...)que no departamento jurídico a autora se reportava a qualquer um que solicitasse seu serviço; que a Sra. Jane era assistente executiva do departamento jurídico; que ela chegou a solicitar serviços para a reclamante; (...): que a autora recebia designação para receber alvará em nome da 2ª ré; que ela também poderia fazer entrega de procuração da 2ª ré para advogados; (...) 105): Por fim, a testemunha da autora, Sr Igor Lima da Silva, esclareceu (fls. (...) que trabalhou para a 1ª reclamada, de 02/05/2006 a 2/01/2007; que era motoboy e fazia atendimento ponto a ponto, ou seja, atendia a diversos clientes no mesmo dia; que durante certo tempo a autora também fez atendimento ponto a ponto ; que depois ela deixou de ficar na rua e não se recorda exatamente quando isso ocorreu; que era designado para comparecer na 2ª ré quase todo dia, às vezes mais de uma vez por dia; que outras vezes foi designado para atuar em prol da 2ª ré, na modalidade diária, ou seja, ficava o dia interiro à disposição da empresa; que nessas ocasiões atendia a vários setores da empresa; que via a reclamante fazendo serviço interno no departamento jurídico da 2ª ré; que só via a autora trabalhando como uma espécie de secretária;(...); que o depoente atuou especificamente no almoxarifado; que não se recorda exatamente quando isso ocorreu; que nesse período presenciou a reclamante trabalhando no departamento jurídico; que a reclamante atuava como uma secretária da Sra. Jane; que acredita que a Sra. Jane era chefe do departamento jurídico; que os motoboys trabalham uniformizados; que na época em que a autora fez serviço interno em prol da 2ª ré, ela não usava uniforme de motoboy; que na época em que a autora ficava no departamento jurídico da 2ª ré, era designado um outro motoboy para atender à 2ª reclamada; (...) em todos os dias em que precisou entregar documentos no departamento jurídico, via a autora no local; (...) que em contato com a reclamante nas dependências da 2ª ré era rápido normalmente para entregar documentos; que nessas ocasiões ela estava sentada à sua mesa e pelo que percebia ela atuava como uma espécie de secretária; que (...); que 4295/rcbs 4
ela colocava documentos em envelopes; que via a autora sempre na mesma mesa, mas não pode precisar se a mesa era dela ou não; (...) que todas as vezes em que entregava documentos no departamento jurídico, era a reclamante quem assinava o recebimento para controle interno. (...) Não restam dúvidas, portanto, no sentido de que a atividade desenvolvida pela autora está diretamente relacionada com a dinâmica operacional da 2ª reclamada, além de ter sido exercida com pessoalidade e subordinação jurídica. Na hipótese, a 2ª reclamada constituiu-se como empresa intermediadora de prestação de serviços, em desrespeito aos preceitos legais, na medida em que só se admite a terceirização limitada às atividades meio da empresa. Não há de obstar ao reconhecimento de fraude na contratação quando se perceba que o trabalhador prestou serviços destinados à atividade finalística da empresa. A intermediação de mão-de-obra para satisfação da atividade fim da primeira ré e não na atividade meio, por empresa interposta, configura a terceirização ilícita, nos termos da Súmula 331, inciso I do C. TST. Destarte, conforme inserto no art. 9º do diploma legal mencionado, esse ato é nulo de pleno direito, não surtindo, pois, qualquer efeito jurídico. Nessa ordem, dada a ilegalidade da intermediação, acertada a decisão recorrida em declarar a existência de vínculo empregatício com a 1ª reclamada, que se colocou na posição de empregadora, para que à autora receba as devidas reparações. Nego provimento. DAS DIFERENÇAS SALARIAIS. FUNÇÃO DE AUXILIAR ADMINISTRATIVO A r. sentença de origem deferiu as diferenças salariais postuladas, entre o cargo de motociclista e auxiliar administrativo, registrando que restou comprovado pelo prova oral que a reclamante exerceu a função de auxiliar administrativo do setor jurídico. Apontou que, embora a 2ª ré negue possuir plano de cargos e salários homologado, admite que mantém norma interna com requisitos para ocupação do cargo, alegando que a autora não possuía os requisitos para atuar como auxiliar administrativa. Fundamentou que, como a empresa deixou de trazer aos autos a norma interna mencionada, não comprovada a alegação de que a reclamante não possuía os requisitos para atuar como auxiliar administrativa. 4295/rcbs 5
Decerto, a reclamada, em sua defesa, sustentou que: (...)além de inexistir o quadro organizado em carreiras, para fins do exercício da função de auxiliar administrativa, não estaria a reclamante apta a preenchê-la, como se infere das normas internas da reclamada para fins de admissão de funcionários naquela função. (...). O que demonstra que a ré dispõe dos serviços de auxiliares administrativos. Saliente-se que reconhecido o vínculo de emprego com a empresa prestadora de serviços, a reclamante tem direito ao mesmo salário dos empregados vinculados à empresa tomadora, que exercerem função similar. Como visto, a contratação da reclamante objetivou a burla da legislação trabalhista, uma vez que a recorrente permaneceu com a força de trabalho da autora - registrada no cargo de motociclista-, entretanto, a real atividade desenvolvida pela trabalhadora terceirizada era de auxiliar administrativa. Com efeito, restou demonstrado nos autos, através da prova oral e documental (fls. 29/43), que a autora, efetivamente, exercia as tarefas atinentes à função reconhecida pelo juízo de origem, qual seja, auxiliar administrativa no setor jurídico. Portanto, ante a terceirização ilícita, entendo correta a condenação ao pagamento de diferenças salariais em valores compatíveis com aqueles previstos para a função de auxiliar administrativo, em atenção ao princípio isonômico, constitucionalmente assegurado, e em repúdio ao enriquecimento sem causa da reclamada, dado que se beneficiou do trabalho prestado pela autora, nesta função. DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Razão assiste à recorrente, neste aspecto. Indevida a verba honorária, uma vez que não foram preenchidos os requisitos da Lei nº 5.584/70 que permanece em eficácia. Nesse sentido se expressa jurisprudência uniforme, consoante o Enunciado nº 329 que ratifica o Enunciado nº 219, ambos editados pelo C. TST e que ora se acompanha. Assim, não estando o autor assistido pelo sindicato de sua categoria profissional, indevidos são os honorários advocatícios. Pelo que, merece reforma a r. sentença de primeiro grau neste sentido. DA COMPENSAÇÃO/DEDUÇÃO A mera dedução de quantias pagas sob o mesmo título não se confunde com a compensação, sendo esta decorrente de crédito do empregador, que deve ser por ele identificado. O que não se verifica na hipótese dos autos. 4295/rcbs 6
Ademais, não tendo a reclamante recebido quaisquer parcelas a idêntico título das ora deferidas, não há que falar em dedução. DAS PARCELAS INDENIZATÓRIAS Ao contrário do que alega a recorrente, a r. sentença consignou que as parcelas deferidas têm natureza indenizatória, salvo: diferença de salário e de 13º salário. DA COTA PREVIDENCIÁRIA O comando para a incidência da cota previdenciária foi fixada pelo douto Juízo consoante legislação aplicável e entendimentos sumulados nesta Especializada. Descontos previdenciários e fiscais, na forma da Súmula nº 368 do C. TST. DA SANÇÃO DO ART. 475-J DO CPC Na r. sentença houve o comando para a a apresentação de cálculos de liquidação, na forma do art. 878 da CLT. A r. decisão estabeleceu, ainda, o prazo de 15 dias para pagamento dos valores devidos, sob pena de incidência da multa prevista no artigo 475-J do CPC. Pois bem. A multa de que trata o art. 475-J, do CPC, acrescentado pela Lei 11.232, de 2005, tem sua incidência antes de iniciada a fase de execução. Sua finalidade é profilática. Dirigida ao devedor inerte quando citado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, acrescendo-se assim 10% ao montante da condenação. Trata-se, pois, de conferir máxima efetividade ao processo, evitando a utilização pelo devedor de expedientes procrastinatórios. Considere-se mais: as regras introduzidas no Código de Processo Civil, a partir de 1994, em especial aquelas que dizem respeito ao cumprimento das decisões judiciais, cuja culminância veio a se verificar com o aperfeiçoamento introduzido em 2005, fizeram com que o processo comum tivesse procedimento mais ágil e eficaz do que aquele decorrente da aplicação dos dispositivos da CLT e da Lei nº 6.830/80; 889 da CLT, o que implica a necessidade de integrar a inovação 4295/rcbs 7
ao processo do trabalho. Preenche-se, assim, lacuna existente no ordenamento obreiro. Sabidamente, na relação capital trabalho, o credor trabalhista é parte hipossuficiente e, em face do qual, o tempo exerce efeitos devastadores. Assim, tem-se atendido preceito contido no art. 769 da CLT, posto tratar-se de preenchimento de lacuna na lei trabalhista, não se cogitando de incompatibilidade. Com efeito, a normatização em análise tem sua aplicação anterior ao início da execução, sem prejuízo dos trâmites subsequentes, eventualmente desafiados, aí já em sede executiva. Nego provimento. III. CONCLUSÃO Pelo exposto, conheço do recurso e, no mérito, dou-lhe parcial provimento apenas para excluir da condenação o pagamento de honorários advocatícios, na forma da fundamentação supra a qual integra este dispositivo. A C O R D A M, os Desembargadores que compõem a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, por unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe parcial provimento apenas para excluir da condenação o pagamento de honorários advocatícios, na forma da fundamentação Rio de Janeiro, 31 de maio de 2011. DESEMBARGADOR JOSÉ NASCIMENTO ARAUJO NETTO RELATOR 4295/rcbs 8