MÉTODO PARA ISOLAMENTO DA FRAÇÃO MIOTÓXICA DO VENENO DE Bothrops neuwiedi E AVALIAÇÃO DE SUA ATIVIDADE RESUMO SUMMARY

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MÉTODO PARA ISOLAMENTO DA FRAÇÃO MIOTÓXICA DO VENENO DE Bothrops neuwiedi E AVALIAÇÃO DE SUA ATIVIDADE 63 VANESSA LIRA LEITE (*) MARDEN FERREIRA DE ANDRADE (**) MARIA LÚCIA (***) CIBELE MARLI CAÇÃO PAIVA GOUVÊA (****) RESUMO O objetivo deste trabalho foi descrever um método rápido para o isolamento da fração miotóxica do veneno de Bothrops neuwiedi. A pureza da fração foi analisada por eletroforese em gel de poliacrilamida-sds e a atividade miotóxica foi testada em pata de rato. O método proposto para isolamento da miotoxina do veneno de Bothrops neuwiedi é eficiente e rápido. As frações isoladas apresentaram atividade miotóxica, porém, não apresentaram atividade de fosfolipase A2. A lesão muscular induzida pelas frações foi tipicamente mionecrótica, induzindo desorganização do tecido muscular, presença de infiltração celular e fagocitose de fibras musculares. A utilização das frações miotóxicas mostrou-se um bom modelo para estudos de indução de lesão muscular e de reação inflamatória. DESCRITORES: Bothrops neuwiedi, miotoxina, cromatografia 1.INTRODUÇÃO Os venenos de cobra produzem uma variedade de sintomas quando injetados em animais de experimentação e, em humanos, no caso de picada por cobra. O veneno pode causar falhas cardiovasculares, choque, paralisia e sangramento que ameaçam a sobrevivência ou ainda hemorragia local e necrose que afeta a pele e tecido muscular adjacente, provocando uma incapacidade temporária ou permanente. Muitas alterações patológicas são observadas após a injeção de veneno de várias cobras, variando de inchaço até processo miolítico severo (Mebs e Ownby, 1990). A necrose muscular é um efeito local induzido por muitos venenos de cobra e pode levar a perda permanente de tecido, perda da função muscular e amputação (Nishioka e Silveira, 1992). Na América Latina e principalmente no Brasil a maioria dos envenenamentos causados por picada de cobra são causados por Bothrops, com aparecimento freqüente de mionecrose (Otero et al., 1992). Nos últimos anos cresceu muito o interesse pelo SUMMARY METHOD FOR ISOLATION OF THE MYOTÓXIC FRACTION OF Bothrops neuwiedi SNAKE POISON AND EVALUATION OF ITS ACTIVITY The purpose of this work was to describe a quick procedure for the isolation of myotoxin from Bothrops neuwiedi snake venom. The purity of the myotoxin fraction was analised by SDS-PAGE and the myotoxicity was evaluated in rat paw. The method described was quick and efficient. The isolated myotoxin lack phospholipase A2 activicty in spite of being myotoxic. Our results showed that the induced muscular lesion was myonecrotic, with tissue disorganization, cellular inflammatory infiltrate and muscle fibers fagocytosis. Our data suggest that this is a good model for studies on muscle injury and inflammatory response. KEY WORDS: Bothrops neuwiedi, myotoxin, chromatography estudo dos componentes do veneno responsáveis pela mionecrose e seu modo de ação. Como resultado muitas miotoxinas de Bothrops foram isoladas e caracterizadas (Gutierrez e Lomonte, 1995). As miotoxinas são componentes quantitativamente importantes dos venenos de Bothrops, com massa molecular de aproximadamente 13,5 KDa (Cintra et al., 1993, Mancuso et al., 1995). A injeção intramuscular dessas toxinas induzem rapidamente uma série de eventos degenerativos drásticos, provavelmente iniciados ao nível da membrana plasmática, que culminam na necrose seletiva de músculo esquelético (Gutierrez e Lomonte, 1995). Há evidências consideráveis que as toxinas do veneno de cobra danificam as fibras musculares de modo diferente, afetando mais alguns tipos que outros. Estudos recentes de mionecrose sistêmica devido ao envenenamento por Crotalus durissus terrificus em humanos mostrou que as fibras musculares tipo I são preferencialmente injuriadas, isto é, alterações degenerativas/necróticas e sinais de regeneração foram * Acadêmica do curso de Fisioterapia, UNIFENAS, bolsista de iniciação científica PIBIC - UNIFENAS ** Acadêmico do curso de Fisioterapia, UNIFENAS *** Professora IOCS UNIFENAS, CP 23, CEP 37130-000, Alfenas, MG **** Professora Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular, UNIFENAS, CP 23, CEP 37130-000, Alfenas, MG, e-mail: cibele@unifenas.br

64 mais proeminentes em fibras do tipo I do que do tipo II (Azevedo-Marques et al., 1996). Os venenos de cobra apresentam-se como uma rica fonte de fosfolipase A2 (PLA2; E.C.3.1.1.4) e proteínas semelhantes a PLA2, que apresentam diferenças marcantes em seus efeitos farmacológicos como agregação plaquetária, bloqueio da transmissão neuromuscular, anticoagulante e atividade miotóxica (Lomonte et al., 1994). O mecanismo de indução da miotoxicidade pela PLA2 é pouco conhecido (Fletcher et al., 1997). A PLA2 pode apresentar uma variação na estrutura primária da proteína na posição 49 no sítio ativo da enzima, que é ocupada por uma lisina (variante Lys49) ou serina, ao invés do aspartato, normalmente encontrado. Embora essas proteínas não se liguem ao Ca +2 e não apresentem atividade catalítica, continuam apresentando alta especificidade como miotoxinas e induzem desestruturação da membrana plasmática por um novo mecanismo citolítico (Pedersen et al., 1995). As miotoxinas dos venenos de Bothrops até o presente isoladas apresentam PLA2 tipo II básica, embora algumas não apresentem atividade de fosfolipase (variante Lys49). Essas miotoxinas que não apresentam atividade enzimática de PLA2 exibem alta especificidade por músculo esquelético, induzem mionecrose severa e apresentam ponto isoelétrico alto (Homsi-Brandeburgo et al., 1988; Moura-da-Silva, 1990; Cintra et al., 1993; Mancuso et al., 1995). É comum encontrar isoformas de PLA2 nos venenos de diferentes espécies ou mesmo entre os indivíduos da mesma espécie (Fukagawa et al., 1993). Os venenos de Bothrops também apresentam uma variedade de isoformas de PLA2 miotóxicas e diferenças da expressão de isoformas ao nível individual têm sido demonstradas em várias espécies de Bothrops (Meier, 1986, Lomonte e Carmona, 1992). Há uma regulação ontogenética interessante na expressão de miotoxinas de B. asper, uma vez que cobras recém-nascidas não expressão isoformas antes de um mês de idade (Lomonte e Carmona, 1992). O veneno de Bothrops é complexo e inclui várias frações protéicas. A maioria dos procedimentos para o fracionamento do veneno envolve filtração em Sephadex G-75, seguido de cromatografia de troca iônica (catiônica) em SP Sephadex C-25 (Homsi- Brandeburgo et al., 1988; Cintra et al., 1993; Mancuso et al., 1995). Este procedimento permite a obtenção de frações purificadas, porém, é laborioso e demorado. Assim, este trabalho descreve um método rápido para o isolamento da fração miotóxica do veneno de Bothrops neuwiedi. A pureza da fração foi analisada por eletroforese em gel de poliacrilamida e a atividade miotóxica foi testada em patas de rato. V. L. LEITE et al. 2.MATERIAL E MÉTODOS 2.1.Obtenção do Veneno O veneno foi extraído de Bothrops neuwiedi pertencente ao serpentário da Universidade de Alfenas. O veneno foi seco sob vácuo para evitar alterações das proteínas e mantido a 4 o C. 2.2.Fracionamento do Veneno O fracionamento do veneno total foi feito por cromatografia líquida de alto desempenho (HPLC) de fase reversa, de acordo com o método descrito por Toyama et al. (1995), com modificações. O veneno (2 mg) foi dissolvido em 500 µl ácido tricloroacético (TCA) a 0,1 % (p/v), a seguir foi clarificado por centrifugação a 1.000xg, a 4 o C, por 10 min. O sobrenadante foi coletado e aplicado ao cromatógrafo equipado com coluna Bondapack C-18. A eluição foi feita em um sistema de gradiente linear de 0-60% (v/v) de acetonitrila (solvente B) em TCA 0,1 % (solvente A), com fluxo de 2,0 ml/min. A eluição foi monitorada por absorbância a 280 nm e as frações protéicas foram coletadas para análise posterior. 2.3.Atividade de Fosfolipase A2 A atividade de fosfolipase A2 (PLA2) foi avaliada segundo descrito por Reynolds e Dennis (1991). O substrato utilizado para o ensaio enzimático foi uma emulsão de gema de ovo na presença de Triton X-100. Os ácidos graxos liberados pela atividade enzimática foram titulados com KOH 5 mm. 2.4.Eletroforese de Proteínas A eletroforese de proteínas do veneno bruto e frações foi feita em gel de poliacrilamida-dodecil sulfato de sódio (SDS), em sistema descontínuo desnaturante (Laemmli,1970). Foi utilizado gel vertical contendo 12% de acrilamida. O veneno seco e frações desse veneno foram dissolvidos em tampão de amostra contendo Tris-HCl 0,625M, ph 6,8, SDS a 2%( p/v), 2-mercaptoetanol a 5%( v/v), glicerol a 15%( v/v) e azul de bromofenol a 0,006%( p/v). A seguir as amostras foram fervidas por 3 minutos e centrifugadas a 1.000x g. O sobrenadante foi utilizado para eletroforese. Antes da aplicação do gel a concentração de proteínas foi determinada. 2.5.Análise da Atividade Miotóxica A fração protéica obtida de veneno total, que apresentou massa molecular de aproximadamente 15.000 Da foi diluída em soro fisiológico e injetada no músculo tibial anterior da pata direita de ratos machos brancos adultos Wistar, obtidos do Biotério Central da UNIFENAS. Decorridas 24 h da injeção da fração protéica os animais foram submetidos à

MÉTODO PARA ISOLAMENTO DA FRAÇÃO MIOTÓXICA DO VENENO DE Bothrops neuwiedi... 65 eutanasia, o músculo foi removido e fixado em formol a 4% (v/v), por 48 h. Animais que receberam apenas injeção de soro fisiológico foram utilizados como controle. 2.6.Análise Histológica do Músculo O músculo foi desidratado, diafanizado e incluído em parafina. Seções musculares de 5 µm de espessura foram coradas com hematoxilina-eosina. O tecido lesado foi analisado em comparação ao tecido controle não tratado com miotoxina. 3.RESULTADOS A análise cromatográfica do veneno de Bothrops neuwiedi demonstrou algumas frações protéicas (Figura 1), na qual duas frações com tempos de retenção de 42,087 e 45,330 min, frações 1 e 2, respectivamente, foram identificadas como frações miotóxicas. Essas frações não apresentaram atividade de PLA2. Através da análise eletroforética (Figura 2) do veneno total e das frações coletadas, após separação por HPLC, foi possível estimar a massa molecular (MM) das frações 1 e 2, que apresentaram 15.750 e 14.000 Da, respectivamente. Essas frações quando injetadas no músculo tibial anterior de rato apresentaram efeito miotóxico severo (Figura 3), induzindo necrose das fibras musculares e desorganização do tecido muscular. Os sinais agudos de lesão do tecido muscular foram identificados pela presença de infiltração celular e fagocitose de fibras musculares do tecido lesado. Figura 2. Eletroforese em gel de poliacrilamidadodecil sulfato de sódio (SDS-PAGE) de veneno de Bothrops neuwiedi, corado com azul de coomassie R-250. A, veneno total, B, frações miotóxicas purificadas por HPLC. A massa molecular está indicada ao lado (Da). 1,4 1,2 1,0 Absorb ancia 280 nm 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 0 20 40 60 80 Tempo (m in) Figura 1. Perfil cromatográfico da eluição do veneno de Bothrops neuwiedi por HPLC em coluna Bondapack C-18. A eluição foi feita com gradiente linear de 0-60% (v/v) de acetonitrila em ácido tricloroacético 0,1 % (p/v), a temperatura ambiente, com fluxo de 2,0 ml/ min. A eluição foi monitorada pela absorbância a 280 nm. As setas indicam as frações miotóxicas. Figura 3. Corte transversal de músculo tibial anterior de rato. A, músculo lesado com fração miotóxica de veneno de Bothrops neuwiedi, purificada por HPLC, B, controle (injetado com soro fisiológico). Observa-se em A ausência de núcleo, desintegração da fibra muscular e infiltração celular inflamatória. Aumento 200 x. 4.DISCUSSÃO O perfil cromatográfico do veneno de Bothrops neuwiedi foi compatível com o perfil obtido

66 V. L. LEITE et al. para outras espécies (Mancuso et al., 1995; Toyama et al., 1995). As miotoxinas ou toxinas mionecróticas constituem um grupo de proteínas do veneno com ação específica no músculo esquelético, afetando as fibras musculares, sem causar lesão importante em outros tecidos como conjuntivo, nervos e vasos. Estas proteínas têm uma estrutura de fosfolipase A2 (PLA2), normalmente contendo de 120-140 aminoácidos e de 6-8 pontes dissulfeto. Embora não necessariamente tenham atividade de PLA2, estes são componentes presentes em venenos botrópicos típicos da América do Sul, além de outros (Fletcher et al., 1997). Através da análise das frações miotóxicas de Bothrops neuwiedi, isoladas no presente trabalho, não foi detectada atividade de PLA2, o que não é surpreendente, pois vários trabalhos relatam a ausência desse tipo de atividade em frações isoladas de outras espécies de Bothrops (Cintra et al., 1993; Díaz et al.; 1995; Toyama et al., 1995; Fletcher e Jiang, 1998). Utilizando a capacidade de alta resolução do sistema de HPLC, duas frações com atividade miotóxicas foram obtidas em uma etapa cromatográfica única. Embora, através deste método apenas alguns mg de veneno possam ser separados, o período de tempo gasto é relativamente curto, possibilitando a repetição do procedimento ou ainda, este pode ser redimensionado utilizando-se colunas maiores, com conseqüente separação de quantidades maiores de veneno. A atividade miotóxica das frações obtidas por HPLC foi avaliada por análise histológica de fragmentos de músculos que receberam injeção dessas proteínas. O tipo de mionecrose observada no presente trabalho corresponde ao padrão descrito para outras miotoxinas de veneno de Bothrops (Gutiérrez et al., 1984; 1991; Mancuso et al., 1995), bem como ao padrão de lesão induzida por venenos de outras espécies de parentesco distante como Agkistrodon contortrix laticinctus (Morini et al., 1998; Salvini et al., 1999). As fibras musculares lesadas foram caracterizadas por agrupamentos densos miofibrilares, desintegração e desorganização das fibras e células fagocitárias, principalmente leucócitos, 24 h após a injeção da miotoxina. A miotoxicidade das frações isoladas é, aparentemente, independente da atividade proteolítica. Isto ocorre também com a miotoxina bothropstoxina- I (Homsi-Bradenburgo et al., 1988), que não apresenta atividade de PLA2. Algumas miotoxinas proteicas de baixa massa molecular (4.000 5.000 Da) como a crotamina (Gonçalves e Polson, 1974; Giglio, 1975), a mitoxina a (Cameron e Tu, 1978) e toxinas homólogas isoladas do veneno de Crotalus viridis concolor (Engle et al., 1983) não apresentam atividade enzimática. Neste contexto a atividade de PLA2 parece não ser um pré-requisito para miotoxicidade, mas não pode ser descartada a possibilidade de que a degradação proteolítica dos fosfolipídeos de membrana podem contribuir para uma maior desorganização e desestruturação das fibras musculares. A resposta inflamatória observada neste estudo é compatível com a resposta descrita após injeção de veneno total de Bothrops asper no músculo esquelético obtida por Lomonte et al. (1994). A seqüência de eventos que leva ao acúmulo local de leucócitos após injeção do veneno, ainda não é completamente conhecida e, devido à natureza complexa do veneno em termos de componentes farmacologicamente ativos, muitas possibilidades podem existir. Tem sido sugerido que as enzims derivadas dos leucócitos possam desempenhar um papel importante na degradação de proteínas miofibrilares após a indução da mionecrose (Gutiérrez et al., 1995). Assim, este estudo sugere que a lesão por miotoxina pode ser considerado um bom modelo para estudos de indução de lesão e reparo muscular e para estudos de reação inflamatória. Utilizando como base esses resultados, estudos estão em progresso para caracterização da lesão muscular causada por veneno total de Bothrops neuwiedi. 5.CONCLUSÃO O presente trabalho permitiu concluir que o método proposto para isolamento da miotoxina do veneno de Bothrops neuwiedi é eficiente e rápido. As frações isoladas apresentaram atividade miotóxica, porém, não apresentaram atividade de PLA2. A lesão muscular induzida pelas frações foi tipicamente mionecrótica, induzindo desorganização do tecido muscular, presença de infiltração celular e fagocitose de fibras musculares. Este mostrou-se um bom modelo para estudos de indução de lesão muscular e de reação inflamatória. AGRADECIMENTOS À Universidade de Alfenas pela concessão da bolsa de iniciação científica de V.L.L. 6.REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS AZEVEDO-MARQUES, M.M.; CUPO, P.; HERING, S.E. Systemic myonecrosis due to poisoning by Crotalus durissus terrificus in humans. Toxicon (abstract), v.34, p.12, 1996.

MÉTODO PARA ISOLAMENTO DA FRAÇÃO MIOTÓXICA DO VENENO DE Bothrops neuwiedi... 67 CAMERON, D.; TU, A.T. Chemical and functional homology of myotoxin a from prairie rattlesnake venom and crotanine from South American rattlesnake venom.. Biochim. Biophys. Acta, v. 532, p. 147-154, 1978. CINTRA, A.C.O.; MARANGONI, S.; OLIVEIRA, B.; GIGLIO, J.R. Bothropstoxin-1: amino acid sequence and function. J. Prot. Chem., v.12, p.57-64, 1993. DÍAZ, C.; LOMONTE, B.; ZAMUDIO, F.; GUTIÉRREZ, J.M. Purification and characterization of myotoxin IV, a phospholipase A 2 variant, from Bothrops asper snake venom. Natural Toxins, v.3, p. 26-31, 1995. ENGLE, C.M.; BECKER, R.R.; BAILEY, T.; BIEBER, A.L. Charcterization of two myotoxic proteins from venom of Crotalus viridis concolor. J. Toxic.-Toxin. Ver., v.2, p. 267-283, 1983. FLETCHER, J.E.; CELISTRE DE ARAÚJO, H.S.; OWNBY, C.L. Molecular events in myotoxic effects of phospholipases. In: KINI, R.M. Venom enzymes: structure, function and mechanism, Chichester: John Wiley and Sons, 1997, p.459-500. FLETCHER, J.E.; JIANG, M.S. LYS49 myotoxins lyse cell cultures by two distinct mechanisms. Toxicon, v. 11, p. 1549-1555, 1998. FUKAGAWA, T.; NOSE, T.; SHIMOHIGASHI, Y.; OGAWA, T.; ODA, N.; NAKASHIMA, K.; SHANG, C.; OHNO, M. Purification, sequencing and characterization of single amino acidsubstituted isozymes from Trimeresurus gramineus (green habu snake) venom. Toxicon, v.31, p.957-967, 1993. GIGLIO, J.R. Analytical studies on crotamine hydrochloride. Analyt. Biochem., v. 69, p. 207-221, 1975. GONÇALVES, J.M.; POLSON, A. The electrophoretic analysis of snake venom. Arch. Biochem., v.13, p. 253-259, 1974. GUTIÉRREZ, J.M.; LOMONTE, B. Phospholipase A 2 myotoxins from Bothrops snake venoms. Toxicon, v.33, p.1405-1424, 1995. GUTIÉRREZ, J.M.; OWNBY, C.L.; ODELL, G.V. Pathogenesis of myonecrosis induced by crude venom and a myotoxin of Bothrops asper. Exp. Mol. Pathol., v.40, p. 367-379, 1984. GUTIÉRREZ, J.M.; NUNEZ, J.; DIAZ, C.; CINTRA, A.C.O.; HOMSI-BRANDEBURGO, M.I.; GIGLIO, J.R. Skeletal muscle degeneration and regeneration after injection of bothropstoxin- II, phospholipase A2 isolated from the venom of the snake Bothrops jararacussu. Exp. Mol. Pathol., v.55, p. 217-229, 1991. GUTIÉRREZ, J.M.; ROMERO, M.; NÚÑEZ, J.; CHAVES, F.; BORKOW, G.; OVADIA, M. Skeletal muscle necrosis and regeneration after injection of BaH1, a hemorrhagic metalloproteinase isolated from the venom of the snake Bothrops asper (Terciopelo). Exp. Mol. Pathol., v. 62, p. 28-41, 1995. HOMSI-BRANDEBURGO, M.I.; QUEIROZ, L.S.; SANTOS-NETO, H.; RODRIGUES- SIMIONI,L.; GIGLIO, J.R. Fractionation of Bothrops jararacussu snake vemon : partial chemical characterization and biological activity of botropstoxin. Toxicon, v. 26, p. 615-627, 1988. LAEMMLI, U.K. Cleavage of structural proteins during the assembly of the head of bacteriophage T4. Nature, v.227, p. 680-685, 1970. LOMONTE, B.; CARMONA, E. Individual expression patterns of myotoxin isoforms in the venom of the snake Bothrops asper. Comp. Biochem. Physiol., v.102b, p.325-329, 1992. LOMONTE, B.; LUNDGREN, J.; JOHANSSON, B.; BAGGE, U. The dynamics of local tissue damage induced by Bothrops asper snake venom and myotoxin II on the mouse cremaster muscle: na intravital and electron microscopy study. Toxicon, v. 32, p.41-55, 1994. MANCUSO, L.C.; CORREA, M.M.; VIEIRA, C.A.; CUNHA, O.A.B.; LACHAT, J.J.; SELISTRE DE ARAÚJO, H.S.; OWNBY, C.L.; GIGLIO, J.R. Fractionation of Bothrops pirajai snake venom: isolation and characterization of piranotoxin-i, a new myotoxic protein. Toxicon, v.33, n. 5, p. 615-626, 1995. MEBS, D.; OWNBY, C.L. Myotoxic components of snake venoms: their biochemical and biological activities. Pharmc. Ther., v.48, p.223-236, 1990.

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