Atmosfera controlada durante o transporte e armazenamento de hortofrutícolas frescos Filipa Vinagre* Deve-se aos efeitos benéficos da alteração da atmosfera, o aparecimento de armazenamento/transporte sob atmosfera controlada (AC) (Tabelas 1 e 2). Os frutos e hortícolas frescos são constituídos por tecidos vivos que continuam a respirar após a colheita. O problema da deterioração destes produtos frescos ao longo da cadeia de distribuição é tanto mais grave quanto mais distantes estiverem os mercados finais. A melhor forma para reduzir este problema é refrigerando e mantendo as baixas temperaturas durante o armazenamento/transporte efectuados na distribuição pós-colheita (Figura 1). A atmosfera controlada (AC) é outra tecnologia complementar ao frio que consiste na alteração e controlo da atmosfera em contacto com o produto: o ar ambiente ( 21% O 2 - oxigénio, 0% CO 2 - dióxido de carbono, 79% N 2 - azoto) é substituído por uma nova atmosfera que normalmente tem um nível inferior de oxigénio (O 2 <21%) e um nível superior de dióxido de carbono (CO 2 >0%). Com esta alteração provoca-se uma diminuição da taxa de respiração da maioria dos frutos e hortícolas sendo possível aumentar significativamente o seu tempo de prateleira. Os valores óptimos de O 2 e CO 2 variam de produto para produto. A palavra controlada resulta do controlo e contínua monitorização dos níveis de O 2 e CO 2 da atmosfera dentro das câmaras frigoríficas, que deverão ser mantidos constantes através da injecção de CO 2, N 2 ou ar. i
PRODUTOR LOCAL DE PREPARAÇÃO E ACONDICIONAMENTO GROSSISTA RETALHISTA CONSUMIDOR Figura 1. A cadeia típica de pós-colheita. Utilização de câmaras frigoríficas equipadas com atmosfera controlada Neste contexto, a utilização de câmaras frigoríficas com atmosfera controlada (AC) para o armazenamento e transporte de produtos hortofrutícolas permite assim aumentar o tempo de vida desses produtos. Quanto mais longos forem os armazenamentos ou mais longínquos forem os transportes (por exemplo para outros continentes), mais interessante se pode tornar a utilização da AC. Outras aplicações interessantes são os produtos altamente perecíveis como por exemplo os frescos pré-cortados e descascados (Figura 2), o morango e o figo. ii
Figura 2. Frutos pré-preparados, prontos para consumir. No caso particular do morango os bolores são a maior causa de perdas após a colheita. O apodrecimento causado pelo Botrytis cinerea (bolor cinzento) é comum. Este fungo continua a crescer mesmo a 0 C, apesar de o seu crescimento ser muito lento a esta temperatura. O nível de CO 2 (10 a 15%) utilizado na AC para além dos benefícios já referidos reduz também o crescimento de Botrytis cinerea. Cada produto tem níveis de CO 2, O 2 e temperatura óptimos (Tabelas 1 e 2), existindo também uma tolerância máxima ao CO 2 e mínima ao O 2 a partir da qual o produto sofre lesões irreversíveis e alterações fisiológicas. O benefício potencial da utilização de AC varia conforme o produto. Nas Tabelas 1 e 2 são apresentados alguns dos casos em que a tecnologia AC traz benefícios consideráveis. Por fim, é de realçar que uma vez que os níveis de CO 2 utilizados em AC são tóxicos, é fundamental alertar e formar os operadores, evitando assim acidentes. iii
Tabela 1. Temperatura (T), humidade relativa (HR) e atmosfera (AC) recomendados para o armazenamento e transporte dos frutos. Fruto T ( C) HR (%) O 2 + CO 2 (%) Tempo de vida útil (condições óptimas) Ameixa -0,5 a 0 90 a 95 1 a 2 + 0 a 5 5 semanas, para algumas variedades Banana (estado maturo, cor verde) 13 a 14 90 a 95 2 a 5 + 2 a 5 4 a 6 semanas Cereja -1 a 0 90 a 95 0,5 a 2 + 20 a 25 2 a 3 semanas se a T for 2 C ou menos Figo -0,5 a 0 85 a 90 5 a 10 + 15 a 20 7 a 10 dias Kiwi -0,5 a 0 90 a 95 1 a 2 + 3 a 5 6 a 8 meses Maçã -1 a 4 90 a 95 1 a 3 + 1 a 5 2 a 12 meses Morango -0,5 a 0,5 90 a 95 5 a 10 + 15 a 20 5 a 7 dias com préarrefecimento Pêra -1,5 a -0,5 90 a 95 1 a 3 + 0,5 a 2 2 a 9 meses Pêssego e nectarina -0,5 a 0 90 a 95 1 a 3 + 3 a 5 6 a 9 semanas Tabela 2. Temperatura (T), humidade relativa (HR) e atmosfera (AC) recomendados para o armazenamento e transporte de hortícolas. Hortícola T ( C) HR (%) O 2 + CO 2 (%) Tempo de vida útil (condições óptimas) Alcachofra 0 a 5 95 a 100 2 a 3 + 2 a 3 2 a 3 semanas Alface 0 a 5 98 a 100 1 a 3 + 0 2 a 3 semanas Bróculo 0 a 5 95 a 100 1 a 2 + 5 a 10 10 a 14 dias Couve 0 a 5 98 a 100 2 a 3 + 3 a 6 3 a 6 semanas Couve de Bruxelas 0 a 5 95 a 100 1 a 2 + 5 a 7 3 a 5 semanas Espargo 0 a 5 95 a 100 21 + 5 a 10 2 a 3 semanas Espinafre 0 a 5 95 a 100 21 + 10 a 20 10 a 14 dias Tomate verde 12 a 20 90 a 95 3 a 5 + 0 a 3 1 a 3 semanas Tomate em amadurecimento 8 a 12 90 a 95 3 a 5 + 0 a 5 4 a 7 dias iv
Utilização do etileno em atmosfera controlada A injecção e o controlo do gás etileno (C 2 H 4 ) nas câmaras frigoríficas consiste noutra forma de AC, que se destina a desencadear o amadurecimento de certos frutos climatéricos antes da sua comercialização. Por exemplo no caso da banana, a vida pós-colheita prevista para bananas verdes (estado maturo) é de 2-4 semanas em ar ambiente e 4-6 semanas em AC ambos a 14 o C. Quando exposto a teores inferiores a 1% O 2 e/ou superiores a 7% CO 2, a textura e sabor do fruto podem ser degradados. O uso de AC durante o transporte como meio de atrasar o amadurecimento tem possibilitado a colheita de bananas no estado verde. Por outro lado, se o objectivo for a comercialização de bananas, uma exposição a 100-150 ppm de etileno durante 24-48 horas a 15-20 o C e 90-95% de humidade relativa induz um amadurecimento uniforme das bananas verdes. A concentração de dióxido de carbono deve ser mantida abaixo de 1% para evitar atrasos na acção do etileno. A utilização de sistemas de ar forçado nas câmaras de amadurecimento, assegura uma temperatura e concentração de etileno uniformes em toda câmara durante o amadurecimento. Outra aplicação interessante de atmosfera controlada com etileno é a laranja. É sabido que a exposição das laranjas verdes a 1-10 ppm de etileno durante 1-3 dias a 20-30 C pode ser utilizada para fazer desaparecer a cor verde das laranjas. Este tratamento não altera a qualidade interna nomeadamente a doçura (razão sólidos solúveis/acidez). Bibliografia recomendada R.E. Hardenburg, A.E. Watada, C.Y. Wang. 1986. The commercial storage of fruits, vegetables, and florist and nursery stocks. Agriculture Handbook No. 66. ARS, USDA, Governement Printing Office, Washington, DC. A.A. Kader, A.A. 1992. Postharvest Technology of Horticultural Crops. A.A. Kader (Ed.). Special Publication 3311. University of California, Berkeley. v
J.K. Brecht, K.V. Chau, S.C. Fonseca, F.A.R. Oliveira, F.V.M. Silva, M.C.N. Nunes & R.J. Bender. 2003. Maintaining optimal atmosphere conditions for fruits and vegetables throughout the postharvest handling chain. Postharvest Biology and Technology 27(1):87-101. *Email: filipavinagresilva@gmail.com vi