NEUROESQUISTOSSOMOSE

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Transcrição:

NEUROESQUISTOSSOMOSE ANDYR NAZARETH ANDRADE * A finalidade do presente estudo não é a de relatar mais dois novos casos de neuroesquistossomose (NE) em sua forma mielorradicular. Não conhecendo a relação direta de causa e efeito, poderíamos estar incorrendo no erro de registrarmos a simples coincidência de uma síndrome neurológica em portador da forma intestinal da helmintíase. Nosso objetivo é o de chamar a atenção para fatores de ordem epidemiológica, imunológica e fisiopatológica, que nos parecem ainda obscuros, e ressaltar a necessidade de investigação de líquido cefalorraqueano (LCR) em pacientes com epidemiologia positiva, provenientes de zonas endêmicas e com doença neurológica de etiologia não esclarecida. A distribuição da esquistossomose mansônica no Brasil e sua incidência têm sido largamente estudadas. A mesma importância não tem sido atribuída à forma nervosa da doença, na presunção de que esta seja rara 1 ' 4-11. Mas, a real frequência com que o parasita compromete o sistema nervoso do homem está longe de ser conhecida, uma vez que apenas três a quatro dezenas de casos foram registrados na literatura brasileira. Dúvidas quanto aos métodos utilizados para o diagnóstico de alguns deles têm sido postas Torna-se 10,19 pois, necessário que se façam novos levantamentos em zonas endêmicas da parasitose e que novos casos de NE, mesmo isolados, sejam trazidos ao conhecimento para que possamos avaliar a extensão do problema. OBSERVAÇÕES Caso 1 J.A.F., 47 anos, baiano, branco, casado, agricultor, examinado pela primeira vez no consultório, no dia 25-11-84. Cinco dias antes começara a sentir sensação parestésica nos membros inferiores (MMII), simétrica, que se estendeu das extremidades distais até a cicatriz umbelical. Logo depois as pernas se tornaram fracas, deambulava com dificuldade e apresentava retenção urinária, além de obstipação intestinal. Dos antecedentes pessoais destacam-se: episódio semelhante, porém de menor intensidade, 5 anos antes; tomava banho de rio, em zona endêmica para S. mansoni; etilista social. O exame mostrou bom estado geral e de nutrição, mucosas coradas, pele com turgor e elasticidade conservados, ganglios impalpáveis, TA 120x80; aparelho cardiocir culatório sem alteração apreciável; pulmões com boa expansibilidade, murmúrio vesicular normal; abdómen plano, sem sinais de ascite e sem visceromegalia. O exame do siste * Professor Adjunto Adi do ICS, Universidade Federal da Bahia; chefe do Departamento de Neurologia do Ambulatório Rafael-Monte Tabor, Salvador-Bahia.

ma nervoso (SN) revelou: paraparesia crural, com hipotonia, reflexos profundos bilateralmente vivos, reflexos cutâneos plantares invertidos, esboyo de clono no pé direito, fibrilação nos músculos das coxas e anestesia superficial e profunda até o nível de IA. Exames complementares Eletromiografia: sinais de desnervação recente, grave e moderada em músculos supridos por fibras originadas em L3-L4-L5-S1 à esquerda e L3-L4 à direita. Mielotomografia não evidenciou processo expansivo no interior do canal raqueano. Dos exames laboratoriais realizados, apenas a coprologia foi positiva para ovos de S. niansoni. LCR obtido por punção lombar e examinado no Laboratório de Neurodiagnóstico Spina França mostrou: 25 células/mm3 (50% de linfócitos, 41% de reticulomonócitos, 3% de plasmócitos, 2% de eosinófilos e 4% de. macrófagos), cloretos 690 mg%, glicose 52 mg%, proteínas totais 72 mg%; reações de globulinas positivas; reações coloidais positivas de tipo misto; gamaglobulina 20,2%; reações de Wassermann e VDRL para sífilis e de Weinberg para cisticercose negativas; reações de imunofluoiescência para sífilis, cisticercose, toxoplasmose, moléstia de Chagas não reagentes; reação de imunofluorescência para esquistossomose reagente. Terapêutica e evolução Iniciamos tratamento com praziquantel, utilizando 1/3 da dose total diária durante três dias, metade por três dias, atingindo no sétimo dia a dose de 0,5g/Kg/dia, dividida em três tomadas e mantendo tal dose pelo período de 14 dias. Associamos metilcortelona na dose de 60mg/dia. Houve melhora acentuada de quadro neurológico com regressão total dos sintomas no fim do terceiro mês. Caso 2 J.B.C., 30 anos, baiano, preto, solteiro, trabalhador rural, examinado pela primeira vez no Hospital Português, Salvador, em 05-06-85. Cerca de uma semana antes fora internado com disuria que evoluiu para retenção urinaria e alguns dias após apresentou sensação parestésica nos MMII e fraqueza nas pernas que progrediu paia dificuldade em deambular e se manter de pé, até a paraplegia. Dos antecedentes pessoais destacam-se: etilismo moderado; passado venéreo tratado com penicilina; hábito de banhar-se em rio e em tanques em zona endêmica para S. mansoni. O estado geral e de nutrição eram precários, com sinais de desidratação, mucosas descoradas, não sendo palpados gânglios; TA 100x60. Aparelho cardiocirculatório sem alterações apreciáveis; pulmões com boa expansibilidade, murmúrio vesicular normal; abdômen plano, sem sinais de ascite; baço impalpável; fígado de bordas lisas, palpáveis a l,5cm da reborda costal, limite superior percutivel no quinto espaço intercostal direito. O exame do SN revelou: paraplegia crural, flácida, com hipotonia, arreflexia superficial e profunda, com anestesia até o nível de L3-L4. Exames complementares glicemia 80mg%; leucócitos 5000, Ht. 28%, Hb 8,9%, uréia 40mg%, creatinina 1,0%; sumário de urina, normal. Parasitológico de fezes: ovos de S. mansoni e Ancilostomídeos. Mielografia: normal. Eletrencefalograma: ondas delta em paroxismos bilaterais e bissíncronos. Líquido cefaloraqueano: 2,3 células/mm3 (52% linfócitos, 40% reticulomonócitos, 2% neutrófilos, 1% eosinófilos, 3% macrófagos); cloretos 697mg%, glicose 51mg%, proteínas 350mg%; reações para globulinas positivas; reações coloidais positivas de tipo misto; gamaglobulina 16,6%; reações de Wassermann e VDRL para sífilis não reagentes e de Weinberg para cisticercose não reagente; reações de imunofluorescência para sífilis, cisticercose, toxoplasmose e moléstia de Chagas não reagentes; reação de imunofluorescência para esquistossomose reagente. Terapêutica e evolução Instituído tratamento com praziquantel em doses progressivas até atingir 0,5g/Kg/dia, divididos em três tomadas, sendo mantida esta dose pelo período de 14 dias, associada a dexametasona (12mg/dia). Evoluiu bem e obteve alta assintomático no 3Q<> dia de internamento.

COMENTÁRIOS A esquistossomose mansônica se encontra largamente distribuída no Brasil, ainda constituindo problema de saúde pública e comprometendo cerca de 12 milhões de brasileiros. Dentre as formas ectópicas de doença a NE constitui uma das mais graves pela alta mortalidade e morbidade. Contudo, o envolvimento do SN pelo parasito é tida como rara 1,10,11.16,17 ) encontrando-se apenas algumas dezenas de casos registrados na literatura. Desde a descrição inicial de Muller & Stender, em 1930, de um caso de neuromielite esquistossomótica levado a autópsia, poucos casos tiveram comprovação anatomopatológica 19. A maioria dos diagnósticos foi baseada em achados coprológicos ou na prova terapêutica, pondo em dúvida a etiologia parasitária das manifestações neurológicas. Meira Lessa 6 chama a atenção para a frequência de manifestações psíquicas em uma população de esquistossomóticos no Hospital Prof. Edgar Santos da UFBa. Mas, a análise crítica de fatores econômicos, sociais, nutricionais ou metabólicos não permite correlacionar tais distúrbios com a parasitose. O estudo necrológico de população semelhante mostra a presença de ovos de S. mansoni em grande número de pacientes assintomáticos 12. As alterações do LCR não eram suficientes, nu passado, para sustentar o diagnóstico de NE 5-17. Só recentemente 7 foi estabelecida uma síndrome do LCR, na NE, semelhante à de outras neuroparasitoses, caracterizada por: discreta ou moderada pleocitose às custas de células linfomononucleares e eosinófilas; hiperproteinorraquia com discreto a moderado aumento de gamaglobulinas; positividade das imunorreações para esquistossomose. A análise de dados de autópsias é realmente surpreendente quando comparada aos achados clínicos. Tais dados têm demonstrado que a presença de ovos de S. mansoni, silentes no sistema nervoso central (SNC) é três a 4 vezes mais frequente que as manifestações clínicas 2,12,13 ; aumentando quando se estudam macerados de tecido nervoso. Seu significado é discutido e inconclusivo até o presente. A existência de granulomas centrados por ovos do parasito e de material proteico AZAM positivo no plexo coróide de esquistossomóticos reforçam a idéia da presença de imunecomplexos circulantes que ao se depositarem em qualquer departamento de economia humana podem determinar lesões dos órgãos, tal como ocorre na glomerulonefrite 9,14 De outro lado, a presença de anticorpos específicos a esquistossomose no LCR leva a acreditar que, em condições imunológicas favoráveis, toxinas contidas no ovo, ou no granuloma, possam ser liberadas sinalizando o LCR e se depositando no SN. Este fato justifica o estudo do LCR em portadores de epidemiologia positiva, provenientes de zonas endêmicas e apresentando síndromes neurológicas variadas mas de etiologia desconhecida. Tais toxinas poderiam se responsabilizar pela agressão à distância ao SN determinando desmielinização ou mesmo degeneração axonal, na exclusiva dependência da intensidade do sofrimento neuronal. Embora não conheçamos o exato mecanismo da NE, sabe-se que o embolismo arterial dos ovos ou a migração

anômala das fêmeas, respectivamente leva à formação de granulomas disseminados mas sem repercussão clínica ou à formação de granulomas isolados e localizados que passariam a se comportar como lesões expansivas, comprimindo o SNC 3. Lesões vasculares levando a comprometimento secundário do SNC têm sido invocadas para explicar casos de hemorragia cerebral na presença de granulomas esquistossomóticos 8,15. Contudo, tais teorias não parecem satisfatórias em certas circunstâncias. O papel do hospedeiro na gênese de tais sintomas continua desconhecido e é aí que fatores especiais poderão estar contribuindo para uma reação imunológica específica. A presença de síndrome do LCR da NE, completa ou não, nos dois casos apresentados, permitiu levantar o diagnóstico de NE. A ausência de sinais clínicos ou radiológicos de compressão mielorradicular deixa a suposição da possibilidade de agressão à distância do SN. Ao relatarmos tais casos pretendemos chamar a atenção para o fato de que a NE é muito mais frequente do que admitimos hoje, devendo ser procurada sistematicamente no nosso meio. Tanto mais que a doença é passível de tratamento com excelentes resultados e que a intensidade da lesão se responsabiliza pela morbidade da doença. Nossa preferência pelo praziquantel, no que pese seu alto custo, se deve a dois fatores comprovados: a ação esquistossomicida da droga e sua penetração através da barreira hêmato-encefálica. Devido à baixa difusibilidade da substância no LCR optamos por esquema de tratamento prolongado, 14 dias. Contudo, a duração ótima do tempo de administração do praziquantel está por ser determinada. Por comparação com a neurocisticercose, achamos conveniente associar corticoterapia para evitar efeitos desagradáveis de produtos liberados durante a desintegração de prováveis granulomas. RESUMO Fatores epidemiológicos, imunológicos e fisiopatológicos são comentados. Dois casos de radiculomielite são apresentados, ambos com epidemiologia, copro logia e síndrome do LCR compatíveis a esquistossomose mansônica. Na ausência de sinais de compressão do SN invoca-se agressão neuronal à distância através de toxinas liberadas, como provável etiologia. Enfatiza-se a necessidade de diagnóstico pelo LCR, bem como seu estudo em pacientes suspeitos, com síndromes neurológicas sem etiologia determinada. Justifica-se o uso de praziquantel e a associação de corticoesteróides. Neuroschistosomiasis. SUMMARY The low incidence of mansonic shistosomiasis involving the nervous system calls our attention in a country where 12 million people carry the intestinal form of the disease. Also, during autopsies the incidence of the parasites eggs occurs three to four times more often than the cases diagnosed in life. Therefore, new investigations become necessary around endemic areas. The cerebrospinal fluid syndrome of the neuroshistosomiasis must be searched among patients from endemic areas who present neurological symptoms and which

cause is unknown. The propable protein liberation giving signs in the CSF and causing the desmielinization or the axonal degeneration at a distance is emphasized among the physiopathological factors. Two cases of neuroradiculo mielitis with positive copro analysis and CSF syndrome for mansonic shisto somiasis are presented and discussed; both were treated with success using praziquantel in association with steroids for a period of fourteen days. REFERÊNCIAS 1. ABATH, G.M. & BARBOSA, A.V. Esquistossomose do SNC: revisão da literatura e relato de um novo caso. Ann. Fac. Med. Univ. Recife 20:401, 1960. 2. ALEMAN, G.C. Localizacion ectópica aparentemente asintomática de huevos de Schistosoma mansoni en el encéfalo: reporte de cuatro casos. Arch. Hosp. Vargas 8:71, 1966. 3. ANDRADE, Z.A. & QUEIROZ, A.C. Esquisotosomiasis del SNC. In G.T. Gonzalez (ed.): Infecciones dei Sistema Nervioso Central. Ed. Fondo Educativo Intera Interamerica, Bogotá, 1978. 4. COHEM, J.: CAPILDEO, R.: CLIFFORD ROSE, F. & PALLIS, G. Shistosomal myelopathy. Brit. med. J. 1:1258, 1977. 5. GALHARDO, I.; GALHARDO, N. & SPINA-FRANÇA, A. Proteinograma do líquido cefaloraqueano na esquistossomose mansônica. Arq. Neuro-Psiquiat. (São Paulo) 30:126, 1972. 6. LESSA, L.M. Contribuição psiquiátrica ao estudo da esquistossomose mansônica. Tese UFBa. Salvador. 1974. 7. LIVRAMENTO, J.A.; MACHADO, L.R.; Da SILVA, L.C. & SPINA-FRANÇA, A. Síndrome do líquido cefalorraqueano na neuroesquistossomose. Arq. Neuro-Psiquiat. (São Paulo) 43:372, 1985. 8. MATTOSINHO-FRANÇA, L.C.; MELARAGNO FILHO, R. & TENUTO, R.A. Comprometimento cerebral na esquistossomose mansônica. Rev. paul. Med. 67:223, 1965. 9. MELBRIN, T. & VAHLQUIST, B. The antibody pattern in representative groups of Ethiopian village children. Acta paed. scand. 57:385, 1968. 10. OLIVEIRA, C. & ALENCAR, A. Esquistossomose da medula: apresentação de um caso, revisão da literatura, fisiologia e clínica. J. bras. Neurol. 16:91, 1964. 11. PERPETUO, F.O.L. & RODRIGUES, P.A. Esquistossomose medular. Rev. Assoc. med. Minas Gerais 24:173, 1973. 12. QUEIROZ, A.C. O envolvimento do sistema nervoso central na esquistossomose mansônica. Rev. Pat. trop. 3:255, 1974. 13. QUEIROZ, A.C. Lesões do plexo coróide na esquistossomose mansônica. Arq. Neuro-Psiquiat. (São Paulo) 39:317, 1981. 14. QUEIROZ, A.C. Estudo do plexo coróide na esquistossomose mansônica: relação dos depósitos proteicos com a presença de glomerulonefrite associada. Acta med. port. 5:219, 1984. 15. RASO, P.; TAFURI, W.L.; ALMEIDA Jr., N.; RODRIGUES, J.A.; SANTIAGO, J.M. & ROCHA, L.F. Hemorragia cerebral maciça devida a Shistosoma mansoni. O Hospital 65:79, 1964. 16. ROSEMBRAM, R.M.; ISHU, N.; TAMOWITZ, H. & WITTNER, M. Schistosomiasis mansoni of the spinal cord: report of a case. Amer. J. trop. Med. Hyg. 21:182, 1971. 17. SCAFF, M.; RIVA, D. & SPINA-FRANÇA, A. Meningomielorradiculopatia esquistossomótica. Arq. Neuro-Psiquiat. (São Paulo) 29:227, 1971. 18. SPINA-FRANÇA, A. & AMATO NETO, V. O líquido cefalorraquidiano na esquistossomose mansônica. Rev. paul. Med. 46:274, 1955. 19. VIEIRA DA SILVA, L.L. Contribuição ao estudo da neuroesquistossomose. Boi. Centro Estudos Hosp. Servidores do Estado (Rio de Janeiro) 15:95, 1963. Caixa Postal 2132 - Rio Vermelho - h0000 40000 - Salvador, BA - Brasil.