MORTALIDADE E ASSISTÊNCIA ONCOLÓGICA NO RIO DE JANEIRO: CÂNCER DE MAMA E COLO UTERINO



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PESQUISA RESEARCH - INVESTIGACIÓN MORTALIDADE E ASSISTÊNCIA ONCOLÓGICA NO RIO DE JANEIRO: CÂNCER DE MAMA E COLO UTERINO Mortality and care oncology in Rio de Janeiro: cancer of the breast and cervix of uterus Mortalidad y asistencia oncología de Rio de Janeiro: cáncer de mama y cuello de útero Raíla de Souza Santos 1 Enirtes Caetano Prates Melo 2 RESUMO O município do Rio de Janeiro apresenta grandes taxas de mortalidade para o câncer de mama e colo uterino. Analisou-se a trajetória dos óbitos por câncer de mama e colo uterino no município do Rio de Janeiro e relacionaram-se a oferta de serviços de saúde e o fluxo de pacientes entre o local de residência e o hospital. Estudo ecológico de base populacional que analisou óbitos por câncer de mama e colo uterino no município do Rio de Janeiro, no período de 2005-2008, mapeando os fluxos de casos da residência para os serviços de saúde. O Sistema de Informação sobre Mortalidade registrou, no período analisado, 3.384 óbitos por câncer de mama e 771 óbitos por câncer do colo de útero. A localização geográfica dos estabelecimentos de saúde define uma distribuição espacial dos óbitos extremamente desigual, alternando padrões de escassez em algumas áreas (periferia da cidade) e excesso em outras (Centro). Pala alavr vras-c as-cha have: e: Neoplasias da Mama. Neoplasias Uterinas. Mortalidade. Acesso aos Serviços de Saúde. Abstract The city of Rio de Janeiro has high rates of mortality for breast cancer and uterine cervix. In this study was analyzed the trajectory of deaths from breast cancer and cervical cancer in Rio de Janeiro and linked the provision of health services and patient flow between the residence and the hospital. Ecological study examined population-based cancer deaths breast and cervical cancer in the city of Rio de Janeiro in 2005-2008. The Information System on Mortality recorded in the period analyzed 3.384 deaths from breast cancer and 771 deaths from cervical cancer. The geographic location of health facilities define a spatial distribution of deaths extremely uneven, alternating patterns of shortages in some areas (outside the city) and excess in others (Central). Keyw ywor ords: Breast neoplasms. Uterine neoplasm. Mortality. Health services accessibility. Resumen La ciudad de Rio de Janeiro tiene altas tasas de mortalidad por cáncer de mama y cuello uterino. Se analizó la trayectoria de las muertes por cáncer de mama y cáncer cervico-uterino en Rio de Janeiro y se vinculó la prestación de servicios de salud y el flujo de pacientes entre la residencia y el hospital. Estudio ecológico basado en la población que examinó las muertes de cáncer de mama y el cáncer cervical en la ciudad de Rio de Janeiro, en el período 2005-2008. El Sistema de Información sobre la mortalidad ha registrado en el período analizado 3.384 muertes por cáncer de mama y 771 muertes por cáncer de cáncer de cuello uterino. La ubicación geográfica de los centros de salud definió una distribución espacial de las muertes extremadamente desigual, alternando los padrones de escasez en algunas zonas (fuera de la ciudad) y el exceso en los demás (Central). Palabras clave: Neoplasias de la mama. Neoplasias uterinas. Mortalidad. Accesibilidad a los servicios de salud. 1 Graduanda de Enfermagem. Aluna de Iniciação Científica PIBIC/CNPq de Epidemiologia Depar tamento de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro RJ. Brasil. E-mail:raila_lila@hotmail.com, 2 Enfermeira Doutora em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública - FIOCRUZ. Professora Adjunta III de Epidemiologia - Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro RJ. Brasil. E-mail: enirtes@globo.com 410

INTRODUÇÃO O câncer é uma das principais causas de morbidade e mortalidade no mundo, registrando anualmente aproximadamente 10 milhões de casos novos e 6 milhões de óbitos. 1 No Brasil, as neoplasias respondem pela terceira causa de morte na população. Entre as mulheres, o câncer da mama é o mais incidente (excluindo tumores de pele) e assume, a partir do final da década de setenta, a posição de principal causa de morte neste grupo específico no Brasil (15,5%). Padrão equivalente é observado no estado do Rio de Janeiro (19,2%), acompanhando o padrão mundial. 2 A estimativa de casos novos de câncer de mama para o ano de 2010 é de aproximadamente 49.240, sendo a região Sudeste a de maior incidência. O câncer do colo do útero é o mais incidente na região Norte; estima-se aproximadamente 18.430 casos novos, sem considerar os tumores de pele não melanoma. 3 Tal como observado nos países desenvolvidos, verifica-se uma inversão no padrão de distribuição dos casos de câncer de mama e do colo do útero entre as regiões mais desenvolvidas do país. A alta incidência e mortalidade de câncer de mama podem ser explicadas em parte pelas diferenças relacionadas à prevenção secundária (a possibilidade de interferência na história natural é maior no câncer cervicouterino), ao acesso a exames diagnósticos e à demora em procurar atendimento. Diferentemente do que ocorre nos países desenvolvidos, a mortalidade por câncer do colo do útero ainda representa uma das principais causas de morte na população feminina entre países mais pobres. 4 No Brasil, esta é a terceira causa de morte por câncer em mulheres. Os principais fatores de risco para o câncer do colo do útero estão associados às baixas condições socioeconômicas, ao início precoce da atividade sexual, à multiplicidade de parceiros sexuais, baixa ingestão de vitaminas, ao tabagismo, à higiene íntima inadequada, ao uso prolongado de contraceptivos orais e ao vírus do papiloma humano (HPV). 5 No Brasil, apenas 30% das mulheres submetem-se ao exame de Papanicolaou pelo menos três vezes na vida. Além disso, grande parte dos exames citopatológicos refere-se às mulheres com menos de 35 anos de idade, sendo que o pico de incidência da doença situa-se entre os 40 e 60 anos. 6 Garantir a organização, a integralidade e a qualidade do programa de rastreamento através do teste de Papanicolaou, bem como o seguimento das pacientes, tem papel de destaque na redução da mortalidade específica. O câncer de mama é provavelmente o mais temido devido a sua alta frequência e, sobretudo, pelos efeitos psicológicos sobre a percepção da sexualidade e imagem pessoal. 7 É relativamente raro antes dos 35 anos de idade, mas, acima desta faixa etária, a incidência cresce rápida e progressivamente. Até o momento não pode ser evitado; todavia, METODOLOGIA algumas das etapas da história natural da doença são conhecidas, bem como seus fatores de risco, entre os quais se destacam: o sexo, o avanço da idade, a menarca precoce, a menopausa tardia, a primeira gestação tardia, a obesidade, a exposição à radiação ionizante em altas doses, o tabagismo, as mutações genéticas (BRCA1 e BRCA2) e a história familiar de câncer de mama. 8 Tanto o câncer de mama quanto o de colo do útero são considerados de bom prognóstico, se diagnosticados e tratados precocemente. O diagnóstico realizado em fase avançada da doença parece ser o maior responsável pela manutenção das taxas de mortalidade elevadas. 9 A disponibilidade e a qualidade dos serviços de saúde influenciam diretamente a sobrevida dos pacientes, diminuindo-a ou aumentando-a, de acordo com o acesso aos serviços de saúde, a existência de programas de prevenção, a eficácia das intervenções e a disponibilidade de meios diagnósticos e de tratamento. A identificação das redes de alerta para problemas de acesso geográfico à assistência oncológica vem sinalizar áreas com poucas opções ou oportunidades de desconcentração e regionalizações alternativas. Este estudo teve como objetivo analisar a trajetória dos óbitos por câncer de mama e colo uterino no município do Rio de Janeiro e relacionar a oferta de serviços de saúde e fluxo de pacientes entre o local de residência e o hospital. Trata-se de um estudo ecológico em que a unidade de análise é a população pertencente a uma área geográfica delimitada. Em termos mais abrangentes, na epidemiologia, é o estudo das relações entre seres vivos e o contexto socioambiental. Esse tipo de estudo pode ser realizado a partir de base de dados populacionais e permite analisar de que forma essa relação pode afetar a saúde de grupos populacionais. 10 Foram analisados os óbitos de mulheres residentes no município do Rio de Janeiro com diagnóstico câncer de mama e cérvico uterino, através do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). Para classificação dos óbitos utilizou-se a Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças CID 10, códigos C50 (câncer de mama) e C53 (câncer cérvico uterino). O georreferenciamento dos óbitos foi feito com base nas variáveis Região Administrativas (RA) de residência e endereço do estabelecimento de saúde onde ocorreu o óbito. Nos mapas de fluxos, a largura de cada flecha é proporcional ao fluxo. O padrão das setas permite verificar as distâncias percorridas em linha reta pela população na busca de assistência, bem como identificar anomalias e particularidades neste fluxo, áreas que concentram os serviços de saúde e áreas com vazios sanitários. Este tipo de mapa permite identificar os deslocamentos, questão importante para a compreensão de padrões de risco para o câncer. 411

No processo de análise dos fluxos, buscou-se identificar as unidades que possuíam maior poder de atração em relação ao atendimento de pacientes com diagnóstico de câncer de mama e colo do útero. Foram identificadas, através do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde CNES, 11 mais de 100 unidades de saúde que registraram casos de óbito dentre os diagnósticos selecionados. Para efeito de mapeamento foram selecionadas apenas unidades localizadas no município do Rio do Janeiro que registraram no período de 2005 a 2008 acima de 50 óbitos por câncer de mama e acima de 15 óbitos por câncer do colo uterino. A partir deste critério, foram mapeados os fluxos de origem e destino das seguintes instituições com registro de óbito por câncer de mama: Hospital Geral de Bonsucesso, Hospital da Lagoa, Hospital Geral de Jacarepaguá, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Hospital Municipal Kroeff e os Hospitais do Câncer I, II e III, estes últimos vinculadas ao Instituto Nacional do Câncer (Inca). As instituições selecionadas para o câncer de colo uterino foram: Hospital Geral de Bonsucesso, Hospital Geral de Jacarepaguá, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Hospital Municipal Kroeff e os Hospitais do Câncer II e III do Inca. O processamento e mapeamento dos dados foram feitos através do programa de código aberto TAB para Windows TabWin, desenvolvido pelo DATASUS. O projeto foi submetido e aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Parecer N : 133/06, CAAE: 0131.0.031.000-06) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (CAAE: 0031.0.313.000-18). RESULTADOS O Sistema de Informação sobre Mortalidade registrou no Rio de Janeiro, entre o período de 2005 a 2008, 3.384 óbitos por câncer de mama e 771 óbitos por câncer do colo de útero. Os óbitos por câncer de mama concentram-se na Zona Norte e Zona Sul do Município. As Regiões Administrativas Copacabana, Botafogo, Tijuca, Méier, Vila Isabel, Ramos e Centro apresentaram a maior mortalidade por câncer de mama. As taxas mais elevadas se mantiveram entre mulheres com 40 anos de idade e mais. Verifica-se uma concentração de óbitos por câncer do colo de útero na Zona Oeste e Centro. As maiores taxas mantêmse nas Regiões Administrativas de São Cristovão, Centro, Portuária, Ramos, Cidade de Deus, Santa Cruz e Vigário Geral. Figura a 1 Fluxo da taxa de mortalidade por câncer, Rio de Janeiro, 2008. 412

As unidades de atendimento oncológico concentramse na região central do município. Unidades como o Hospital Geral de Jacarepaguá, o Hospital Geral de Bonsucesso e o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho agregam um fluxo menor e detêm os casos de internação entre os residentes da própria Região Administrativa. Dois grandes aglomerados com altas taxas de óbito por câncer de mama foram identificados. O primeiro mais disperso localiza-se no Centro, o segundo aglomerado abrange a Zona Sul da cidade, se estendendo até parte da Zona Norte. Figura a 2 Taxa dos óbitos por câncer de mama segundo unidade de saúde, Rio de Janeiro, 2005 a 2008. 413

Padrão diferenciado foi observado para o câncer cérvico uterino, cujas taxa mais altas de óbito concentram-se na Zona Oeste e em parte do subúrbio da Leopoldina. No período analisado observa-se uma flutuação nas taxas de mortalidade na região mais central do município e ascensão em áreas com nítido desfavorecimento socioeconômico. Figura a 3 Taxa dos óbitos por câncer do colo do útero segundo unidade de saúde, Rio de Janeiro, 2005 a 2008. 414

DISCUSSÃO No Brasil, as taxas de incidência e de mortalidade por câncer de mama e colo uterino permaneceram em patamares ainda muito elevados. Além da melhoria do diagnóstico e da qualidade da informação, parte da manutenção das taxas pode estar relacionada à dificuldade de acesso da população feminina aos serviços de saúde; à baixa cobertura populacional; ao baixo percentual do rastreamento da população feminina na faixa etária preconizada e à disponibilidade do serviço de saúde, fatores que influenciam o comportamento preventivo feminino. 12-13 Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio - PNAD, realizada em 2003, a cobertura de mulheres com 50 anos e mais, residentes no estado do Rio de Janeiro, que realizaram mamografia nos dois anos que antecederam a pesquisa, foi de 47%. A cobertura de exame preventivo de câncer de colo de útero no Rio de Janeiro nos três anos anteriores à entrevista em mulheres com 25 anos ou mais foi de 69,1%, 14 não correspondendo, portanto, à cobertura preconizada pelo programa de controle de câncer do colo uterino e de mama que seria de 80% da população feminina na faixa etária de risco. O câncer do colo do útero está relacionado com as condições socioeconômicas da população mantendo-se entre áreas subdesenvolvidas e com acesso restrito aos serviços de saúde; seus fatores de risco estão intimamente relacionados com o cotidiano de mulheres de baixa condição econômica. Já o câncer de mama apresenta suas maiores taxas em áreas com melhores condições socioeconômicas. Apesar disso, a mortalidade permanece elevada nesses locais, o que pode estar relacionado à qualidade do registro do óbito e à detecção tardia do tumor maligno. O risco mais elevado para a mortalidade por câncer de mama mantém-se entre as áreas mais pobres do município, revelando dificuldades específicas dos grupos mais vulneráveis e associadas aos padrões de acesso, nível de escolaridade e conhecimento sobre diagnóstico precoce e tratamento. 9 A distribuição espacial dos serviços de saúde parece condicionar a manutenção das elevadas taxas de mortalidade. O Rio de Janeiro apresenta, assim como o Brasil, um padrão extremamente heterogêneo no que se refere à distribuição geográfica da população e dos estabelecimentos de saúde. No município, a localização geográfica dos estabelecimentos de saúde define uma distribuição desigual dos leitos, alternando padrões de escassez em algumas áreas (periferia da cidade) e excesso em outras (Centro). Este padrão gera um grande fluxo de pacientes em busca de atendimento. Ao percorrer grandes distâncias, torna-se mais difícil o acesso aos serviços e, principalmente, a adequação de suas necessidades aos serviços oferecidos. As áreas de cobertura de uma unidade de saúde, configurada pela origem geográfica das usuárias (RA de residência), podem ser chamadas de mercados. O mercado dessas unidades de saúde dominam mais de 50% do atendimento. Constituem-se a partir de aspectos que englobam a facilidade no acesso por meio de transportes públicos, a vocação da unidade por determinado tipo de atendimento e a atração e reconhecimento da população sobre o trabalho. 10 Os mapas de fluxo mostram as grandes distâncias a serem percorridas em busca de atendimento entre as regiões do município e permitem identificar o volume de tráfico entre local de residência e de assistência. Neste estudo utilizou-se somente origem e destino finais, uma vez que o percurso não está disponível nos Sistemas de Informação em Saúde. O declínio das taxas de mortalidade observado em algumas regiões parece estar relacionado à qualidade do registro e ao potencial de rastreamento. A utilização de dados secundários configura algumas limitações na utilização de estudos ecológicos, considerando a subnotificação dos óbitos e registro incorreto da causa básica da morte. Contudo, a cobertura do Sistema de Informação sobre Mortalidade no município do Rio de Janeiro atinge aproximadamente 100% e, para os casos de câncer, o preenchimento da causa básica da morte mostra-se satisfatório. A produção de mapas temáticos exige extremo cuidado, especialmente nos casos de populações com valores 415

reduzidos nas medidas de interesse. Procedimentos de suavização são recomendados nestes casos, uma vez que reduzem a influência da flutuação aleatória das medidas, permitindo a produção de mapas mais confiáveis e a visualização de áreas que apresentam risco elevado. As dificuldades encontradas pelos clientes no uso dos serviços de saúde, isto é, na atitude de procurá-los, obter acesso e se beneficiar com o atendimento recebido, refletem as características da oferta dos serviços de saúde que cada sociedade disponibiliza para seus membros. O estudo da distribuição da oferta, da distância geográfica e do fluxo dos indivíduos entre o local de residência e o de atendimento fornece informação importante para o monitoramento de ações e para a reorganização da rede de serviços. Analisar os resultados da atenção à saúde em função da distância ao local do atendimento pode fornecer indicação sobre a qualidade da regionalização feita pelos serviços de referência. CONCLUSÃO A análise apresentada pelo estudo evidencia a enorme complexidade da distribuição dos serviços de saúde do município do Rio de Janeiro. É preciso considerar que a utilização dos serviços de saúde está ligada a características da oferta e à conduta das pessoas diante da morbidade e dos serviços. O padrão de utilização pode variar segundo sexo, grupos etários, grupos sociais, problemas de saúde, procedimentos específicos e áreas geográficas. Os mapas de fluxos evidenciaram os trajetos percorridos pelas mulheres em busca de atendimento e alguns dos vazios sanitários, como é o caso da Zona Oeste, retratando o quadro de desigualdade no consumo de serviços de saúde. O contexto social e geográfico reflete e condiciona a estratificação social e os diferenciais de risco. Cabe aos sistemas de saúde promover o acesso, equânime. Diversos fatores podem explicar a variabilidade observada no acesso aos serviços, dentre os quais a disponibilidade de recursos, capacidade de compra de serviços de saúde das populações locais, componentes sociodemográficos e epidemiológicos. O estudo da ocorrência de doenças a partir de sua localização espacial permite explorar possíveis relações causais, sejam estas relacionadas ao ambiente, à utilização de serviços de saúde ou à análise comportamental dos usuários. O câncer de mama e de colo do útero permanecem como um desafio para o setor de saúde em função de lacunas nos programas de rastreamento, detecção precoce e controle da mortalidade que atingem a cada ano uma parcela significativa de mulheres. REFERÊNCIAS 1.World Health Organization- WHO. National Cancer Control Programmes: policies and managerial guidelines. [on- line] Geneva: Health & Development Networks; 2003 [citado 2008 dez 29]. Disponível em: http://www.who.int/ cancer/nccp/nccp/en/ 2.Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer- INCA. Atlas de mortalidade por câncer no Brasil: 1979-1999. Rio de Janeiro; 2002. 3.Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional do Câncer-INCA. Estimativa 2010: incidência do câncer no Brasil. Rio de Janeiro; 2009. 4.Robles SC. Introduction to the special issue: timely detection of cervical cancer. Bull Pan Am Health Org. 1996; 30: 285-89. 5.Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional do Câncer- INCA. Normas e recomendações do INCA: prevenção do câncer do colo do útero. Rev Bras Cancerol. 2003; 49(4): 205. 6.Maeda MYS, et al. Estudo preliminar do SISCOLO: qualidade na rede de saúde pública de São Paulo. J Bras Patol Med Lab. 2004 dez; 40 (6): 425-29. 7.Araújo IMA, Fernandes AFC. O significado do diagnóstico do câncer de mama para a mulher. Esc Anna Nery. 2008 dez; 12 (4): 664-71. 8.Thuler LC. Considerações sobre a prevenção do câncer de mama feminino. Rev Bras Cancerol. 2003; 49(4): 227-38. 9.Trufelli DC, et al. Análise do atraso no diagnóstico e tratamento do câncer de mama em um hospital público. Rev Assoc Med Bras. 2008; 54(1): 72-6. 10.Carvalho MS, Souza-Santos R. Análise de dados espaciais em saúde pública: métodos, problemas, perspectivas. Cad Saude Publica. 2005 mar/abr; 21(2): 361-78. 11.Ministério da Saúde (BR). Departamento de Informática do SUS. Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde-CNES. [citado 2010 set 29]. Disponível em: http://cnes.datasus.gov.br/ 12.Ministério da Saúde (BR). Cadernos de Atenção Básica. Controle dos Cânceres do Colo do Útero e da Mama. Brasília (DF); 2006. Disponível em: http://www.saude.gov.br/ 13.Martins LFL, Thuler LC, Valente JG. Cobertura do exame Papanicolau no Brasil e seus fatores determinantes: uma revisão sistemática da literatura. Rev Bras Ginecol Obstetr. 2005; 27(8): 485-92. 14.Travassos CMR. Acesso e utilização de serviços de saúde, primeiros resultados do Suplemento Saúde da PNAD 2003. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio. Fiocruz. 2005 maio; [citado 2009 out 16]. Disponível em: http://www.fiocruz.br/cict/media/pnad.pdf Recebido em 25/10/2010 Reapresentado em 05/03/2010 Aprovado em 05/05/2011 416