COMPOR E DECOMPOR IMAGENS: POSSÍVEIS INTERAÇÕES NA EDUCAÇÃO INFANTIL COM A GEOMETRIA Enia Figueredo Nunes Escola Despertar eniafignunes@hotmail.com Cristiane Moreira Ribeiro Escola Despertar crism.r@bol.com.br Luciana Souza Sena Escola Despertar lulaiane@hotmail.com Resumo: O presente trabalho pretende partilhar uma sequência de atividades, a qual oportunizou aos alunos interagir com a geometria, por meio da utilização do jogo de quebra cabeça, compondo e decompondo imagens em forma bi e tridimensionais. Este estudo investigativo foi realizado em uma sala de aula com crianças de 3 anos de idade, numa instituição da rede privada de ensino, sediada em Feira de Santana, no interior da Bahia. Com tal proposta de trabalho foi possível validar o papel da geometria, em especial a partir do compor e decompor imagem, enquanto instrumento que pode favorecer as primeiras aproximações de crianças no início da Educação Infantil com o pensamento geométrico a partir da perspectiva de interpretação do mundo que nos rodeia. Palavras-chave: Geometria; Matemática; Educação Infantil. Introdução Neste trabalho apresentaremos reflexões sobre o ensino da geometria em classes de crianças com 3 anos, investigando o papel do jogo de quebra cabeça como elemento didático que promove a interação aluno/aluno, aluno/professor e articula estratégias indispensáveis para a aproximação de conhecimentos geométricos pelas crianças. Fazemos parte de um grupo de professores de uma escola da rede particular de ensino, sediada em Feira de Santana, partilham os desafios de trabalhar matemática com crianças pequenas. A escassez de literatura com estudos específicos envolvendo crianças de 0 (zero) a 3 (três) anos, pode ser considerada uma das principais barreiras que enfrentamos frente à necessidade de organizarmos propostas didáticas que contemplem as competências e habilidades desta área. No entanto, por acreditarmos no processo de formação como veículo propulsor do nosso crescimento profissional e por 1
vivenciarmos tal processo de maneira ativa, no cotidiano docente, temos conquistado saberes que desejamos partilhar com os outros colegas da área de matemática. Tais saberes resultam do trabalho que realizamos na área de Geometria durante estudos no DESPMAT, grupo de estudos em Educação Matemática da escola que atuamos. No Despmat temos a oportunidade de apresentar nossas inquietações e refletir sobre área, tendo em vista a construção de situações de aprendizagem que proporcionem o desenvolvimento de competências, que além de se constituirem pilares para conquistas em outras áreas do conhecimento como língua português, ciências, são necessárias à atuação na sociedade. Isso representa conceber a matemática como um aprender a conhecer, explorar o mundo que nos cerca. Tais ideias se apoiam, inclusive nos Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil (RCNEI, 1998), que destaca o trabalho com noções matemáticas na Educação Infantil na perspectiva de atender, por um lado, às necessidades das próprias crianças de construírem conhecimentos que incidam nos variados domínios do pensamento; por outro, corresponde a uma necessidade social de instrumentalizá-las melhor para viver, participar e compreender um mundo que exige diferentes conhecimentos e habilidades. Conceber a matemática desta maneira evidencia a importância deste processo de formação, nas próprias mudanças sobre os paradigmas da matemática tradicional, do qual muitas vezes nos apropriamos desde o inicio da nossa escolaridade, na escola básica. Ainda hoje nos recordamos que naquele período, a geometria era ensinada de maneira restrita ao reconhecimento de nomes de figuras, de forma descontextualizada e desvinculada dos conhecimentos geométricos presentes no cotidiano, o aprender matemática se traduzia na participação em ambientes que predominavam a rigidez, a disciplina e o silêncio. Assim, fomos motivados a organizarmos uma proposta de atividade vinculada a tais idéias. Neste sentido, a principal proposta do referido trabalho foi organizarmos uma sequência de atividade, sobre Geometria que contemplasse descoberta, observação e conhecimento sobre o espaço que nos rodeia, possibilitando levar as crianças a realizarem variadas experiências geométricas através do jogo de quebra cabeça. Mas por que o quebra cabeça? Uma das justificativas para utilizarmos o quebra cabeça partiu da tentativa de efetivarmos o exercício de visualizar como a geometria se faz presente no 2
nosso cotidiano. Neste sentido, observamos que em meio às brincadeiras realizadas em sala, era forte o interesse e envolvimento das crianças com este tipo de jogo. Era comum observá-las atraídas e entusiasmadas ao construirem diferentes formas, montando e desmontando peças, com legos e blocos de construção, tudo isso em meio muita ludicidade e diversão. O RCNEI (1998) destaca que a natureza lúdica e prazerosa inerente a diferentes tipos de jogos tem servido de argumento para fortalecer a concepção, segundo a qual se aprende matemática brincando. Isso porque, sendo a crianças em sua essência um ser lúdico, a Educação Infantil, historicamente configura-se um espaço natural de brincadeiras e jogos, os quais tem sido abordados por variados pesquisadores, educadores e psicólogos como veículos que promovem o desenvolvimento infantil. Nesta perspectiva, percebemos que através deste simples jogo, o de quebra cabeça, teríamos um leque de possibilidades para explorarmos conhecimentos geométricos como: características e propriedades da formas bi e tridimensionais; representação e transformação compondo e decompondo imagem; linguagem geométrica, no que diz respeito à utilização de terminologia convencional na descrição de formas dentre outros. Desta maneira, possibilitaríamos que as crianças acionassem uma série de conhecimentos matemáticos no campo da geometria, articulando a proposta a elementos como contextualização, estabelecimento de relações, motivação e ludicidade, pilares que derivam do jogo e consideramos fundamentais para aquisição de aprendizagem. Para fundamentar tais ideias nos apoiamos em alguns autores como Kaleff (2005), Luna (2008), Pavanello (2004) entre outros. Segundo Kaleff (2005) o estudo da Geometria, auxilia a organizar o pensamento infantil através do reconhecimento e da análise das propriedades características de modelos geométricos que representam os objetos do mundo à nossa volta. No que diz respeito ao jogo, esta autora define o quebra cabeça como jogo geométrico, com materiais concretos manipulativos. Para eles este tipo de jogo é um importante recurso didático, elemento motivador para estabelecer situações que permitem a criança identificar, diferenciar, reconhecer e comparar formas; comparar distancias; visualizar figuras; analisar características das figuras; conjeturar sobre relações entre figuras; observar movimentos realizados no plano e outras. 3
A partir dos estudos compreendemos que seria interessante investigarmos esta função do Quebra cabeça com figuras bi e tridimensionais. Para organizar melhor as etapas do trabalho procuramos delimitar qual bloco de conteúdo pertenceria. Assim, pesquisamos no RCNEI (1998) e construímos as atividades dentro do bloco de conteúdo Espaço e Forma, a partir de uma seqüência de atividade com graus de dificuldades diferentes. Dando continuidade, apresentaremos a seguir três atividades que foram desenvolvidas com os alunos da primeira autora em sala de aula. Atividade 1: Que jogo esse? Como se joga? Este primeiro momento o objetivo principal era observar quais conhecimentos as crianças tinham a respeito do jogo quebra cabeça. Como eu já sabia que popularmente o tipo de quebra cabeça mais conhecido seria o de figuras bidimensionais, solicitei previamente que os pais enviassem de casa os das crianças. Essa solicitação gerou certa expectativa em torno do assunto e a chegada dos jogos trouxe à sala um clima de curiosidade e entusiasmo. Com os quebra cabeça em mãos, sentamos na roda e solicitei que mostrassem seu jogo. Depois comecei a questionar sobre o que seria um jogo de quebra cabeça. Seguem algumas falas das crianças: [1] Cça 1 :- É um jogo. [2] Cça 2 : - É um jogo de peças. [3] Cça 3 : -Eu acho que é um brinquedo. [4] Cça 1 : - É um jogo de peça de montar. [5] Cça 4 : - É um desenho (apontando para figura da capa) Após ouvir suas respostas, aproveitei a oportunidade para questioná-las sobre o que elas sabiam a respeito de como se joga. Gostaria de verificar se realmente elas conheciam estas regras e como utilizariam a linguagem para expressar tais conhecimentos. Neste momento, surgiram outras falas também interessantes: [6] Cça 1 : - Junta as peças (mostrando com as mãos). [7] Cça 2 :- Tem que olhar a peça igual, encaixar e apertar. [8] Cça 4 : - Tem que olhar o desenho na caixa. 4
Em seguida, deixei que brincassem livremente com o jogo para observar quais estratégias utilizariam. Neste momento, foi que visualizei com maior clareza os conhecimentos geométricos acionados pelas crianças: a maioria reconhecia as peças que poderiam ser usadas para compor a imagem. Mesmo tendo relatado que deveriam utilizar o modelo (imagem da caixa) como suporte para compor poucos fizeram isso, pois montavam as peças se apoiando nas semelhanças entre detalhes das figuras e cores; realizavam a seleção de peças para compor; conseguiam construir figuras planas compondo imagens; além de realizarem movimentos de simetria durante a composição do jogo. Tudo isso acontecia num clima de interação. As crianças ficaram envolvidas com a montagem do quebra cabeça e trocavam informações umas com as outras sobre como encaixariam corretamente as peças. A cada peça a ser montada percebi que se deparavam com uma situação problema a resolver. Tinham que formar as figura encaixando as peças corretamente, selecionar as peças que eram semelhantes dentre outras. A partir destas ações realizadas pelas crianças observei, como afirma Luna (2008) a geometria como elemento que favorece o desenvolvimento de habilidades de pensamento lógico e estratégias de resolução de problema. A medida que as crianças manipulavam o quebra cabeça, percebi que estas tinham oportunidades de comparar, imaginar, criar, e deduzir ao decompor e compor imagens. Desta maneira, pode contribuir para que começassem a descobrir e estabelecer relações entre diferentes conteúdos, bem como elaborar estratégias para resolver situações problemas tanto na escola como nas vivências cotidianas. Atividade 2: Quebra cabeça de GAL Dando continuidade, ainda com a proposta de explorarmos a construção de imagem com figuras bidimensionais, organizei as crianças em roda e informei que teríamos um quebra cabeça diferente e que seria montado de maneira coletiva, todos teriam que ajudar a professora a montar. Era um quebra cabeça gigante da foto de uma funcionaria da escola muito conhecida pelas crianças, responsável pela portaria. Comecei então a mostrar algumas peças deste. A primeira peça apresentada foi a parte 5
da cabeça. Depois de mostrar esta parte questionei quais partes faltavam para montar o corpo e como sabiam isso. Segue respostas destas perguntas: [9]Cça 1 : - Olha a cabeça de Gal; (nome da funcionaria) [10] Cça 2 : - Então Pró, o quebra-cabeça é de Gal; [11] Profª: Quais partes estão faltando? [12]Cça 3 : - A perna. [13]Cça 4 : - Os braços. [14] Cça 5 : - A barriga, o pé. [15]Cça 6 : - A perna está com L. [16] Profª: Mas como montaremos? Depois da cabeça o que vamos colocar? [17]Cça 7 : - É a perna. [18]Cça 8 : - Não é o braço. [19]Cça 9 : - Depois da barriga é a perna. [20] Cça 10: - Agora é o braço. [21]Cça 1 : - Falta o pé. Depois de muita conversa e intervenções concluímos a montagem. Nesta situação observei que as crianças utilizavam o próprio corpo como referencia para montar as peças; estabeleciam ralações dos conhecimentos que tinham sobre as partes do corpo humano para criar estratégias e resolver as situações-problema na composição. Além disso, usavam a linguagem oral para comunicar como montariam o jogo, estabelecendo relações dos conhecimentos já construídos para realizar as novas experiências que estavam vivenciando. Atividade 3: Quebra cabeça tridimensional com cubos Neste momento organizei as crianças em roda e levei outro quebra cabeça diferente, com figuras tridimensionais. Questionei-as sobre o que viam, a seguir apresento algumas falas: [22] Cça 2 : - É uma caixa do grande rabanete. [23]Cça 3 : - É um grande rabanete. [24]Cça 4 : - É uma bola. [25]Cça 5 : - São vários quadrados pró. [26]Cça 2 : - É um dado. 6
[27]Cça 6 : - Tem desenho da história. [28]Cça 3 : - É um desenho do rabanete. [29] Profª: - Algumas crianças disseram que é um quadrado, por que vocês acham que é um quadrado? [30] Cça 5 : - Por que um quadrado é assim pró. ( passa a mão sobre a superfície do cubo mostrando a forma na tentativa de justificar sua resposta.) [31] Profª: - Mas M E acha que é um circulo? Por que você acha que é um circulo? [32] Cça 1 : - Por que sim. Profª: - Mas o que é um círculo? [33] Cça: 1 - É assim pró (Fazendo um círculo no ar tenta mostra o que concebe como círculo) [34]Cça 2 : - É uma bola. [35]Cça 2 : - É assim pró. Pegou um piloto e desenhou no quadro um círculo. [36] Profª: - Ah. Posso te ajudar. Vou desenhar outro aqui do lado do seu. [37] Profª: - Percebi que meu desenho ficou um pouco torto, será que aqui na sala tem algum objeto que parece com um circulo que eu possa usar para desenhá-lo melhor. Não demorou e logo me mostraram a tampa de um brinquedo no formato circular. Peguei a tampa coloquei-a sobre a superfície do quadro e fiz o contorno. Depois retirei o objeto e lá estava a imagem que precisei para ampliar a discussão. Neste momento, notei como a conversa tinha se encaminhado em direção uma fonte de descobertas sobre linguagem geométrica, no que diz respeito a utilização de terminologia convencional nas descrição de forma. Assim, não hesitei em fomentar novos conhecimentos intervindo com outras perguntas que possibilitassem às crianças tais aprendizagens. [38] Profª: - Mas círculo é uma bola? [39]Cça 2 : - É sim. 7
Essa resposta era unânime. Então peguei uma bola que tinha na sala e comecei a levá-los a refletir sobre as diferenças entre o círculo e uma esfera (a bola). [40] Profª: - Olha só crianças será que um círculo e uma bola é a mesma coisa? [41]Cça 4 : - É sim Professora. Conhecendo sobre a fase de desenvolvimento que as crianças desta idade se encontram, percebi a necessidade de permitir que movimentassem a bola (esfera) na tentativa de levá-los a identificar as diferenças entre formas bi e tridimensionais (o círculo e esfera) que é um dos objetivos deste trabalho. Então comecei a fazer vários movimentos com a bola: coloquei na palma da minha mão, tentei equilibrá-la no dedo dizendo que vi um jogador fazendo isso na televisão, joguei-a para cima e para baixo e questionei-os se podíamos fazer isso com o círculo. Depois passei a bola para elas e pedi que experimentassem com diferentes movimentos também. Depois continuei os questionamentos: [42] Profª: Será que podemos fazer tudo isso com o círculo? Surgiu então um silêncio. Olhos curiosos e duvidosos se direcionaram a minha pessoa. Insiste: [43] Profª: Vocês me disseram, que este desenho que fizemos no quadro (apontei para o círculo) é uma bola. Mas será que conseguiremos pegar nela como pegamos na bola que passou na mão de vocês? Olha estou conseguindo pegar em vários lados da bola (enquanto manuseava a bola), mas será que posso fazer isso na bola que esta desenhada no quadro? Vamos ver? Coloquei a mão na superfície, do quadro dentro do círculo e disse: Posso colocar a mão deste lado, mas como farei para pegar do outro? Qual foi minha surpresa quando uma das crianças disse: [44]Cça 5 : - Não pode pró por que esta dentro do quadro. [45] Profª: - Mas o que esta dentro do quadro? [46]Cça 6 : - O outro lado da bola. Achei a resposta interessante e analisei como estava sendo possível evidenciar a elaboração do conhecimento por parte das crianças. Dessa maneira, percebi como é real 8
a possibilidade de trabalharmos a geometria de maneira contextualizada, num ambiente no qual a interação professor/aluno, aluno/aluno se efetive e seja concebido como fonte de aprendizagem. Conclusão No presente trabalho tivemos a oportunidade de analisar o ensino da geometria pautado em elementos fundamentais para o desenvolvimento de competências matemáticas, tais como o papel da interação, contextualização das atividades, a importância da mediação do professor no processo de ensino e aprendizagem, dentre outras. Além disso, validamos o jogo, tendo em vista seu papel na construção de situações problemas, que possibilitam as crianças elaborarem diferentes estratégias de resolução, ampliando seus conhecimentos geométricos. É importante destacar também a necessidade do professor, estar sensível para as distintas possibilidades didáticas frente alguns materiais que comumente são utilizados nas salas de Educação Infantil, a saber: lego, quebra cabeça, os quais favorecem a promoção do desenvolvimento do pensamento matemático pelas crianças. Neste sentido, concluímos que é possível efetivar ações em sala de aula, desde o processo inicial da Educação Infantil, por meio de situações de experimentação, observação e investigação dos espaços em que as crianças vivem, possibilitando a interpretação do mundo que as rodeiam. Referências BRASIL. Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil/ Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. - Brasília: MEC/SEF,1998. KALEFF, M. R. Quebra-cabeça geométricos e formas planas/ Ana Maria M. R. Kaleff, Dulce Monteiro Rei, Simone dos Santos Garcia. -3 ed. Niterói: EdUFF, em convênio com a Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior, 2005. LUNA, A. O processo de ensino e aprendizagem da geometria: uma experiência com o estudo de área e perímetro. In: GUIMARÃES, G.; BORBA, R. Reflexões sobre o ensino da matemática nos anos iniciais de escolaridade. Recife: SBEM, 2009, p. 73-85. PAVANELLO, R.M A Geometria nas séries iniciais do Ensino Fundamental: contribuições da pesquisa para o trabalho escolar. In: Matemática nas séries iniciais do 9
Ensino Fundamental: a pesquisa e a sala de aula. São Paulo: Biblioteca do Educador Matemático, Coleção SBEM, v.2, 2004. PIRES, Célia Maria Carolino. CURI; CAMPOS. Espaço e Forma: a construção de noções geométricas pelas crianças das quatro séries iniciais do ensino fundamental. São Paulo: PROEM, 2000. 10