REINVENTANDO UMA ANTIGA TRADIÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO E TRANSMISSÃO DA PSICANÁLISE EM UM PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA EM PSIQUIATRIA

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Transcrição:

REINVENTANDO UMA ANTIGA TRADIÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO E TRANSMISSÃO DA PSICANÁLISE EM UM PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA EM PSIQUIATRIA Castro, Marcelo José As últimas décadas presenciaram o declínio da influência da Psicanálise no âmbito das publicações, eventos científicos e práticas clínicas em Psiquiatria, bem como de sua participação na formação de novos psiquiatras. Tal exclusão, de certa forma, já constitui tradição no âmbito da Psiquiatria na atualidade (Birman, 1999; Roudinesco, 1999). No Brasil o Programa Mínimo para Residência Médica em Psiquiatria estabelecido pela Associação Brasileira de Psiquiatria não faz qualquer referência específica à Psicanálise, embora o treinamento do residente em práticas psicoterápicas individuais e grupais sejam idealmente estipuladas no Programa como desejável na formação dos Residentes (ABP, s/d). O Programa de Residência Médica em Psiquiatria da Universidade Estadual de Londrina nasce em 2005, com a realização do primeiro concurso com duas vagas para o primeiro ano e com dois anos de duração (posteriormente estendido para três anos). Desde seu primeiro ano de existência, tendo este autor como Docente Convidado pelos Coordenadores e Docentes Titulares, a disciplina Fundamentos da Psicanálise foi instituída com o objetivo de apresentar aos residentes os principais conceitos psicanalíticos a partir da obra de Sigmund Freud e de autores pós-freudianos e contemporâneos. Um plano de estudo através de seminários teóricos e teórico-clínicos semanais foi adotado, tendo como fio condutor temático o desenvolvimento histórico-conceitual apreendido a partir dos avanços teóricos ao longo da própria obra de Freud. Assim, conceitos psicanalíticos centrais ligados à primeira e segunda tópica freudianas, ao desenvolvimento psicossexual, à sexualidade e à psicopatologia psicanalítica constituem o eixo principal desenvolvido nos dois primeiros anos de Residência. No terceiro ano, o conteúdo programático é completado pelo estudo dos fundamentos da teoria da técnica psicanalítica, de pelo menos um dos clássicos casos clínicos freudianos e de algum dos chamados estudos sociológicos de Freud. Os seminários psicanalíticos semanais oferecem também um espaço para a discussão e supervisão de casos clínicos trazidos pelos residentes e por sua vez, o psicanalista docente participa também das reuniões científicas mensais da

Psiquiatria, para cujas discussões teóricas e clínicas concorrem, além dos residentes e dos demais psiquiatras docentes, estudantes de Medicina em internato de Psiquiatria e eventualmente residentes da Neurologia. A estes desenvolvimentos teórico-clínicos agregaram-se reuniões mensais de Cinema e Psicanálise abertas ao público geral e que inseridas regularmente na agenda cultural da Associação Médica de Londrina. Mais recentemente, a partir de solicitação dos Coordenadores do Programa, foi proposto e instituído um Grupo de Reflexão restrito aos residentes e voltado para acolher e elaborar, nos limites de um trabalho operativo-reflexivo grupal, suas vivências institucionais e de relação médico-paciente. Fundamentada a partir da contribuição de autores como Pichon-Rivière (1998), Bleger (1989) e Zimerman (1993), esta atividade se realiza quinzenalmente. Houve, portanto, uma evidente expansão da disciplina (e, portanto, da presença da Psicanálise) neste programa de formação psiquiátrica. Com a introdução de atividades de psicanálise aplicada (Cinema e Psicanálise) e atualmente, com o início também da atividade de Grupo de Reflexão, em cada um de seus três anos de formação os residentes contam com cerca de 90 horas de atividades psicanalíticas. Por que a Psicanálise... na formação de psiquiatras? Um projeto de ensino da Psicanálise para psiquiatras em formação no âmbito de uma Universidade não pode ser confundido com uma formação psicanalítica. Em relação a este princípio Freud (1926) é claro, tanto para não confundir a Psicanálise como uma especialidade médica, como ao privilegiar as Associações Psicanalíticas como o espaço independente e distinto das Universidades para a formação psicanalítica. Para esta exige-se, além do aprendizado teórico do candidato a analista, que esteja apoiada na sua análise pessoal e supervisão didática (Freud, 1919; 1926). Consciente de tais limites, este autor considera que esta experiência de ensino e transmissão da Psicanálise encontra um forte motivador na convicção quanto ao seu potencial de proporcionar ao psiquiatra em formação uma oportunidade de compreensão dinâmica do sujeito humano em sofrimento psíquico.

Recordemos que para Freud (1919) a importância da Psicanálise na formação de psiquiatras reside em sua potencialidade em estabelecer um contraponto epistemologicamente singular, especialmente em relação ao reducionismo biológico ao qual, tradicionalmente, o pensamento médico estaria sujeito: Outra das funções da psicanálise consiste em oferecer uma preparação para o estudo da psiquiatria. Em sua forma atual, esta tem um caráter meramente descritivo, pois só mostra ao estudante uma série de quadros clínicos (...). Sua única relação com os demais ramos do saber médico reside na etiologia orgânica e nas comprovações anatomopatológicas, enquanto não facilita a menor compreensão acerca dos fatos observados. Só a psicologia profunda pode fornecer tal compreensão (p. 170). Sabemos que, com os avanços tecnológicos para investigação das bases neurobiológicas dos processos mentais, a propedêutica médica evoluiu, do nível macro das comprovações anatomopatológicas dos tempos freudianos ao micro e nano das fendas sinápticas e dos neurotransmissores dos tempos atuais. No entanto o pensamento freudiano não caducou. Ao iniciar-se na Psiquiatria, o médico (geralmente jovem e recém-formado) se vê imerso em um universo referencial no qual neurotransmissão e circuitos neuronais, transportadores e receptores, canais iônicos e endofenótipos exemplificam conceitos atuais que se propõem a dissecar biologicamente os sintomas e a balizar as diretrizes para o tratamento, este preeminentemente calcado na psicofarmacologia. Para a formulação de hipóteses diagnósticas, as categorizações nosológicas descritivas de manuais como o Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM) ou a Classificação Internacional de Doenças (CID) são preponderantes, e do Residente exige-se formalmente sua familiaridade e capacidade de estabelecer diagnósticos neles alicerçados (ABP, s/d). A crítica e discussão das consequências teóricas, clínicas, filosóficas e éticas dessa disposição de fatos fogem ao escopo deste trabalho. Por ora assinalaremos que, justamente por não render-se ao fascínio de tais paradigmas, é que a singularidade do pensamento psicanalítico se faz necessária na formação do médico psiquiatra na atualidade. Por mais refinada que seja hoje a percepção, ao

nível da microscopia eletrônica e da neuroimagem, de alterações nos circuitos neuronais observáveis em diversos quadros clínicos, não será esse refinamento que autorizará uma correlação causal de alterações percebidas aos sintomas de um paciente: Assim, temos algumas perguntas intrigantes: ficamos tristes porque há menos serotonina, ou há menos serotonina porque ficamos tristes? O que causa a depressão é a diminuição da recaptação da serotonina no interior dos neurônios, ou essa é apenas uma descrição do processo? (Pereira, 2011 p. 622) Se temos que resumir, nos limites desta contribuição, os objetivos desta experiência de ensino da Psicanálise em um programa de formação de psiquiatras em uma Universidade, o faremos privilegiando indagações dessa natureza. Para o psicanalista é fundamental reconhecer as resistências à Psicanálise latentes nos reducionismos biologicistas. Não menos importante, porém, é que ele reconheça também os riscos onipotentes e narcisistas de uma Psicanálise alienada quanto ao benefício dos psicofármacos para o alívio sintomático do paciente que sofre. Se vivemos de fato dias de consumo indiscriminado e epidêmico de psicofármacos, muitas vezes é este alívio o que tornará mentalmente possível ao sujeito contemporâneo um tratamento psicanalítico e suportar o doloroso caminho da transferência, ao menos inicialmente. Nessa dialética reconhecemos uma fonte genuína de enriquecimento profissional e científico do psicanalista disposto a sustentar, ainda que ao preço de algum mal estar e não poucas inquietações, uma atitude permanente de diálogo com o saber psiquiátrico, sem com este se confundir. A vivência de acolhimento e de verbalização de conteúdos latentes proporcionada nos Grupos de Reflexão permite observar que a realidade de um Residente em Psiquiatria encontra-se de fato muitas vezes distante dos ideais de excelência na aprendizagem e capacitação prática estipulados pelo próprio Programa de Residência. Angústias relacionadas à rotina exaustiva de trabalho e às constantes situações de emergência com pacientes graves, frustrações quanto a expectativas em relação à organização e conteúdos didáticos do Programa de Residência exemplificam emergentes não raros entre os participantes.

No esforço e na responsabilidade de acolher e apontar possibilidades de elaboração das angústias dos jovens médicos residentes através dos grupos de reflexão, no estudo dos conceitos psicanalíticos, no resgate de uma psicopatologia dinâmica e compreensiva, e finalmente na reflexão psicanalítica sobre obras cinematográficas, esta experiência de ensino e transmissão da Psicanálise, mais além de qualquer pretensão quanto a impor verdades próprias e prescrever respostas prontas, procura sustentar a possibilidade de que o sujeito humano, doente ou não, residente ou docente, seja reconhecido em seu valor, sua história e sua incompletude. Resumo Iniciado em 2005, o Programa de Residência Médica em Psiquiatria da Universidade Estadual de Londrina conta desde seu início com a disciplina Fundamentos de Psicanálise, tendo este autor como Docente Convidado. Uma breve descrição dos conteúdos e atividades desenvolvidos através de seminários teóricos, teórico-clínicos, atividades culturais e grupos de reflexão é apresentada. A partir da experiência vivenciada nos seis anos de funcionamento do Programa até o momento, algumas reflexões são propostas acerca dos desafios inerentes ao diálogo entre as Neurociências e a Psicanálise no âmbito da formação médica psiquiátrica. O autor assinala a validade da experiência, tanto do ponto de vista da importância da Psicanálise na formação do médico psiquiatra, como para o enriquecimento profissional e científico do psicanalista disposto a sustentar uma atitude de constante diálogo com o saber médico em geral e o psiquiátrico em particular, especialmente em tempos de hegemonia dos paradigmas das Neurociências. A discussão e aprofundamento do tema também entre psicanalistas envolvidos em atividades semelhantes certamente se faz necessária e enriquecerá esta contribuição. DESCRITORES: Ensino da Psicanálise; Transmissão; Psiquiatria; Medicina. Referências ABP - Associação Brasileira de Psiquiatria (sem data). Programa Mínimo para Residência Médica em Psiquiatria. Acessado em 15 de abril de 2012, a partir de http://www.abp.org.br/residencia/programa_residencia.pdf

Birman, J. (1999). Mal-estar na atualidade a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Bleger, J. (1989). Temas de Psicologia Entrevista e Grupos. São Paulo. Martins Fontes. 4ª. Ed. Freud, S. (1986a). Debe enseñarse el psicoanálisis en la universidad? In J. L. Etcheverry (Trad.), Obras completas: Sigmund Freud, (Vol. 17 pp. 165-171). Buenos Aires, Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1919) (1986b). Pueden los legos ejercer el análisis? In J. L. Etcheverry (Trad.), Obras completas: Sigmund Freud (Vol. 20 pp. 165-244). Buenos Aires, Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1926). (1986c). A propósito de un caso de neurosis obsesiva. In J. L. Etcheverry (Trad.), Obras completas: Sigmund Freud (Vol. 10 p. 119-249). Buenos Aires, Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1909). Pereira, M.E.C. (2011) A crítica psicanalítica do DSM-IV Breve história do casamento psicopatológico entre psicanálise e psiquiatria. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. 14 (4), 611-626. Pichon-Rivière, E. (1998). O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes. Roudinesco, E. (1999) Pourquoi La psychanalyse? Paris: Arthème Fayard Zimerman, D.E. (1993) Grupos operativos. Grupo de reflexão aplicado ao ensino médico. In: Fundamentos Básicos das Grupoterapias (pp. 168-172). Porto Alegre: Artes Médicas.