NEUROBIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL EXPOSTO AO ESTRESSE E TRAUMA

Documentos relacionados
Neurobiologia e Comportamento. CÉREBRO E TDAH

Memória. Dr. Fábio Agertt

Residência Médica 2019

Centro Universitário Maurício de Nassau Curso de Psicologia Disciplina de Neurofisiologia

Aspectos Anatômicos: CÉREBRO E TDAH

Neurodesenvolvimento e Ambiente

Sistema Límbico. Prof. Gerardo Cristino. Aula disponível em:

Uso de Substâncias e Dependência: Visão Geral

Farmacodependências 1: Modelo Neurobiológico

Dra Nadia Bossa PALESTRA DISTÚRBIOS DE ATENÇÃO E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

BASES CIENTÍFICAS DE UM NOVO MARCO LEGAL PARA A A PRIMEIRA INFÂNCIA

Nosso objetivo: Exposição de casos clínicos, compartilhar conhecimentos e ampliar as possibilidades de atendimentos no seu dia a dia profissional.

FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO HUMANO

Michael Zanchet Psicólogo Kurotel Centro Médico de Longevidade e Spa

Fisiologia Humana Sistema Nervoso. 3 ano - Biologia I 1 período / 2016 Equipe Biologia

O que é uma lesão neurológica???????

Comunidade Pastoral ADOECIDOS PELA FÉ?

PSICOPATOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

Fracasso Escolar: um olhar psicopedagógico

NEUROCIÊNCIA NA EDUCAÇÃO: Desafios e conhecimentos

DRA NADIA APARECIDA BOSSA PROCESSO DE APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES DAS NEUROCIÊNCIAS

Antipsicóticos 02/02/2016. Tratamento farmacológico. Redução da internação. Convivio na sociedade. Variedade de transtornos mentais

Nosso objetivo: Exposição de casos clínicos, compartilhar conhecimentos e ampliar as possibilidades de atendimentos no seu dia a dia profissional.

Estresse: Teu Gênero é Feminino... Dr. Renato M.E. Sabbatini Faculdade de Ciências Médicas UNICAMP

1 Nesse sentido, um comportamento de esquiva por parte de uma criança a uma pessoa que lhe

Doutora em Psicologia e Educação USP, Mestre em Psicologia da Educação PUC-SP, Neuropsicóloga, Psicopedagoga, Psicóloga, Pedagoga.

Antipsicóticos 27/05/2017. Tratamento farmacológico. Redução da internação. Convivio na sociedade. Variedade de transtornos mentais

21/03/2016. NEURÓGLIA (Células da Glia) arredondadas, possuem mitose e fazem suporte nutricional aos neurônios.

ESTRESSE E OS TRANSTORNOS PSICOSSOMÁTICOS

II curso Transtornos Afetivos ao Longo da Vida GETA TDAH (TRANSTORNO DE DEFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE)

Aprendizado & Memória

Monografía Curso de Inteligencias múltiples, Inteligencia reflexiva y de autorregulación.

Efeitos Neuropsicológicos ao longo da vida. Maria Alice Fontes, Psy. Ph.D.

DOR E CEFALEIA. Profa. Dra. Fabíola Dach. Divisão de Neurologia FMRP-USP

Aprendizagem e Neurodiversidade. Por André Luiz de Sousa

Gestão Emocional Uma abordagem cognitivo comportamental

Aprendizado & Memória

TÁLAMO E HIPOTÁLAMO TÁLAMO 04/11/2010. Características Gerais

BIOQUÍMICA DA DEPRESSÃO

MEDIDAS DE PREVENÇÃO NA SAÚDE MENTAL. Prof. João Gregório Neto

Há 18 anos a Dana Alliance for Brain Initiatives, tem por objetivo ampliar a consciência pública sobre a importância e os avanços das pesquisas sobre

SINAPSE. Sinapse é um tipo de junção especializada, em que um neurônio faz contato com outro neurônio ou tipo celular.

ESTUDANDO A MEDIUNIDADE

Articulações entre Música, Educação e Neurociências: Ideias para o Ensino Superior

Compreensão psicológica da infância e dos fatores de risco para o desenvolvimento

Memória & Atenção. Profa. Norma M.Salgado Franco

DIVISÕES DO SISTEMA NERVOSO ENCÉFALO AUTÔNOMO VOLUNTÁRIO

Nosso objetivo: Exposição de casos clínicos, compartilhar conhecimentos e ampliar as possibilidades de atendimentos no seu dia a dia profissional.

Desenvolvimento Cognitivo na Infância. CRDA Módulo Avaliação Psicopedagógica Anamnese Prof. Ms. Anna Carolina C Barbosa

Qual a relação entre a singularidade e a configuração do sintoma? Qual o lugar destinado ao sintoma escolar no contexto da clínica?

INTERFACE DOS DISTÚRBIOS PSIQUIÁTRICOS COM A NEUROLOGIA

Neurociência NEUROCIÊNCIA: OS TIPOS E AS FUNÇÕES DAS CÉLULAS NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

NEURO UR PLA S ICI C DA D DE cére r bro br é um sis i t s e t ma m ab a e b rto t, o que est s á cons con t s a t n a t n e i t n e t ra r ç a ã ç o

DRA NADIA APARECIDA BOSSA CONGRESSO ABPP 2009 MESA CONTRIBUIÇÃO DAS NEUROCIÊNCIAS PARA A PSICOPEDAGOGIA

Déficit de Atenção Distúrbio de Hiperatividade Deficit di Attenzione com Iperattività DADH? ADHD?

Desafios da inclusão escolar e

Drogas que afetam o sistema nervoso. Disciplina Farmacologia Profª Janaína Santos Valente

Sistemas Humanos. Sistema Nervoso

SISTEMA NEURO-HORMONAL. Ciências Naturais 9º ano Prof. Ana Mafalda Torres

Sistema Nervoso Central Quem é o nosso SNC?

CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DE BRASÍLIA HIPERATIVIDADE, INSUCESSO ESCOLAR E AÇÕES PEDAGÓGICAS. Dra. Nadia Bossa

Memória de Trabalho Manutenção ativa por pouco tempo Ex: empregado de restaurantes Manter a informação durante + tempo <-> criar circuito neuronal no

Faculdades Integradas de Taquara

MÓDULO: A Neurociência e suas contribuições para a intervenção psicopedagógica

Inteligência Computacional

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO E LINHAS DE PESQUISAS ATÉ 2018

Ansiedade Generalizada. Sintomas e Tratamentos

Sistema neuro-hormonal

ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO FUNÇÕES BÁSICAS DAS SINAPSES E DAS SUBSTÂNCIAS TRANSMISSORAS

Vitiligo e psicossomática

Introdução à Neurociência Computacional

NEUROTRANSMISSORES MÓDULO 401/2012. Maria Dilma Teodoro

Fisiologia do sistema nervoso

2. Redes Neurais Artificiais

Anatomia e Fisiologia Sistema Nervoso Profª Andrelisa V. Parra

NEUROCIÊNCIA LIGADA AO PROCESSO DE APRENDIZAGEM

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

16/09/2010 CÓRTEX CEREBRAL

TEA Módulo 2 Aula 5. Transtornos alimentares e de sono

O funcionamento cerebral da criança com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH

Feridas que não cicatrizam: a neurobiologia do abuso infantil. Maus tratos na infância podem ter efeitos negativos duradouros Martin H.

Carla Silva Professora Psicopedagoga

MEMÓRIA. Profa. Dra. Patricia Leila dos Santos. memórias da Riley

Copyright The McGraw-Hill Companies, Inc. Permission required for reproduction or display. Síntese das catecolaminas

CITOARQUITETURA DO CÓRTEX

Sumário. Destaques 17 Aos Estudantes 19 Aos Profissionais 21. Capítulo 1 Questões Básicas no Estudo do Desenvolvimento 25

COMPREENSÃO DAS EMOÇÕES E COMPORTAMENTOS DO SER HUMANO, SOB A ÓTICA DA PSIQUIATRIA. Dr Milton Commazzetto - Médico Psiquiatra

Transtornos do desenvolvimento (comportamento e aprendizagem)

CONSIDERAÇÕES SOBRE POTENCIAIS DE MEMBRANA A DINÂMICA DOS FUNCIONAMENTO DOS CANAIS ATIVADOS POR NEUROTRANSMISSORES

Educador A PROFISSÃO DE TODOS OS FUTUROS. Uma instituição do grupo

ALFABETIZAÇÃO E NEUROCIÊNCIA

Sinapses. Comunicação entre neurônios. Transmissão de sinais no sistema nervoso

BIOLOGIA. Identidade do Seres Vivos. Sistema Nervoso Humano Parte 2. Prof. ª Daniele Duó

Nosso objetivo: Exposição de casos clínicos, compartilhar conhecimentos e ampliar as possibilidades de atendimentos no seu dia a dia profissional.

TECIDO NERVOSO - Neurônios

TRABALHO E SAÚDE MENTAL. Cargas de trabalho e possíveis transtornos

Comunicação entre neurônios. Transmissão de sinais no sistema nervoso

Nosso objetivo: Exposição de casos clínicos, compartilhar conhecimentos e ampliar as possibilidades de atendimentos no seu dia a dia profissional.

CURSO PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA E INSTITUCIONAL

Elementos do córtex cerebral

Transcrição:

NEUROBIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL EXPOSTO AO ESTRESSE E TRAUMA Developmental neurobiology of childhood stress and trauma Martin H. Teicher Susan L. Andersen Ann Polcari Carl M. Anderson Carryl P. Navalta Department of Psychiatry Harvard Medical School Developmental Biopsychiatry Research Program & Brain Image Center Belmont (MA) Psychiatr Clin North Am 2002; 25(2): 397-426.

1. OBJETIVOS Apresentar todas evidências acerca das repercussões do trauma e do estresse na infância sobre o desenvolvimento neurobiológico do sistema nervoso central. A ocorrência crônica do estresse durante a infância, período de intensas modificações cerebrais, pode danificar permanentemente a estrutura e o funcionamento cerebral.

2. METODOLOGIA Revisão sistemática de 242 artigos.

3. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS O cérebro humano possui bilhões de neurônios e trilhões de interconexões sinápticas. A arquitetura geral do cérebro ser geneticamente determinada, mas não há informação genética suficiente para detalhar como será o arranjo específico de tais interconexões. A forma final do cérebro e seus padrões de conexão serão esculpidos pela experiência.

PROCESSO DE ESCULTURA DO CÉREBRO A maioria dos neurônios é formada no final do segundo trimestre de gestação. 1 trilhão de neurônios Após a migração dos mesmos para seus locais geneticamente determinados, 90% são autodestruídos (apoptose). 100 bilhões de neurônios Proliferação de axônios, arborizações dendríticas e conexões sinápticas. O excesso de ramos e conexões será podado pela experiência durante a transição para a idade adulta. Geneticamente prevista. O excesso de sinapses aumenta o repertório de comportamentos que a criança e o adolescente poderão adotar. Quanto mais sinapses, maiores as chances do sistema nervoso funcionar de acordo com as exigências do meio ambiente. Portanto, essa condição se presta à aquisição de novas informações e habilidades sociais.

Esse sistema de informação, capaz de grandes adaptações e plasticidade, funciona de maneira lenta, necessita de considerável aporte energético e de longos períodos de sono. A partir de um certo estágio do desenvolvimento, as conexões excessivas ou redundantes são eliminadas (podadas, esculpidas) para aumentar o desempenho das habilidades adquiridas, reduzir demandas metabólicas e a necessidade excessiva de sono. Isso compromete em algum nível a plasticidade do sistema nervoso central. Como o cérebro é geneticamente programado para se desenvolver dessa maneira, é profundamente moldado pelos efeitos das primeiras experiências. Desse modo, as conseqüências de experiências deletérias ou inadequadas podem ser duradouras ou mesmo irreversíveis.

4. DESENVOLVIMENTO CEREBRAL MEDIANTE O ESTRESSE MODELO DA CASCATA BASEADO EM CINCO PREMISSAS 1. A exposição precoce a eventos estressantes ativa sistemas de resposta ao estresse e altera a organização molecular para modificar sua sensibilidade. 2. A exposição do sistema nervoso em desenvolvimento aos hormônios relacionados à resposta ao estresse afeta a mielinização, morfologia neuronal, neurogênese e a sinaptogênese. 3. As regiões do cérebro diferem em sensibilidade ao efeito do estresse. 4. Há conseqüências duradouras que incluem o desenvolvimento atenuado do hemisfério esquerdo, redução da integração entre os hemisférios cerebrais, aumento da irritabilidade elétrica dentro dos circuitos do sistema límbico (relacionado à emoção) e diminuição da atividade funcional do vermis cerebelar. 5. Há conseqüências neuropsiquiátricas e vulnerabilidades, que levam ao aumento do risco de desenvolver transtorno de estresse pós-traumático, depressão, transtorno de personalidade borderline, transtorno dissociativo e a uso nocivo de substâncias psicoativas.

4. DESENVOLVIMENTO CEREBRAL MEDIANTE O ESTRESSE MODELO DA CASCATA PRIMEIRO ESTÁGIO: ATIVAÇÃO DOS SISTEMAS DE RESPOSTA AO ESTRESSE AUMENTO DOS NÍVEIS DE CORTISOL AUMENTO DA LIBERAÇÃO DE NORADRENALINA REAÇÕES AUTONÔMICAS AUMENTO DA TENSÃO E DA ATENÇÃO

separação materna prolongada e/ou a negligência nos cuidados / maus tratos por terceiros ativam intensamente os sistemas de resposta ao estresse.

Repercussões funcionais do primeiro estágio Mediadas pelo aumento do cortisol Redução de receptores GABA na região da amigdala e locus coeruleus. Redução dos receptores adrenérgicos tipo 2. inibem a secreção de noradrenalina. Aumento do estímulo à liberação de cortisona. Sensação de medo e ansiedade.

4. DESENVOLVIMENTO CEREBRAL MEDIANTE O ESTRESSE MODELO DA CASCATA SEGUNDO ESTÁGIO: REPERCUSSÕES DA ATIVAÇÃO DOS SISTEMAS DE RESPOSTA AO ESTRESSE SOBRE O DESENVOLVIMENTO CEREBRAL Redução do peso cerebral Interferência na mielinização Redução do número de dendritos em neurônios de várias regiões do cérebro Atraso na maturação de potenciais auditivo, visual e somatosensorial-evocados

REGIÕES MAIS ATINGIDAS AMIGDALA & HIPOCAMPO COMPONENTES DO SISTEMA LÍMBICO, SÃO RESPONSÁVEIS PELA MODULAÇÃO DAS REAÇÕES EMOCIONAIS E CONTROLE DOS COMPORTAMENTOS, ALÉM DE INTERFERIREM NO LIMIAR CONVULSIVO. ESTRESSE: IRRITABILIDADE E CONVULSÕES RELACIONADAS AO LOBO TEMPORAL DIREITO.

REGIÕES MAIS ATINGIDAS CORPO CALOSO CORPO CALOSO RESPONSÁVEL PELA COMUNICAÇÃO E INTEGRAÇÃO DOS DOIS HEMISFÉRIOS CEREBRAIS. ESTRESSE: DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM PARA ALGUMAS TAREFAS.

REGIÕES MAIS ATINGIDAS VERMIS CEREBELAR VERMIS CEREBELAR MODULAÇÃO DA IRRITABILIDADE LÍMBICA E DO LIMIAR CONVULSIVO. CAPAZ DE ESTIMULAR O SISTEMA DE RECOMPENSA. ESTRESSE: POTENCIALIZAÇÃO DOS EFEITOS PRODUZIDOS PELA AMIGDALA E HIPOCAMPO.

REGIÕES MAIS ATINGIDAS NEOCÓRTEX NEOCÓRTEX FUNÇÕES PSÍQUICAS SUPERIORES. MATURAÇÃO COMPLETA APENAS NO FINAL DA ADOLESCÊNCIA. ESTRESSE: MATURAÇÃO PRECOCE.

O abuso de substâncias psicoativas 5. ESTRESSE E DEPENDÊNCIA QUÍMICA O estresse e os maus-tratos durante a infância são fatores de risco para o desenvolvimento do abuso de substâncias. Os autores apontam o vermis cerebelar como o elo entre os traumas da infância e o risco elevado de uso nocivo de substâncias. Por meio de projeções para a área tegmental ventral e o locus coeruleus, o vermis desempenha um importante papel na modulação dos efeitos da dopamina no nucleus accumbens (sistema de recompensa). O déficit de atenção e hiperatividade é um sério fator de risco para o desenvolvimento de dependência química. Seu achado neuroanatômico mais consistente é justamente o vermis cerebelar reduzido. A redução do vermis cerebelar também pode deixar o sistema límbico mais irritável, outro fator de risco para o abuso de substâncias.

6. CONCLUSÕES 1. O CÉREBRO SE MOLDA ATIVAMENTE, DE ACORDO COM AS DEMANDAS DO MEIO AMBIENTE. 2. O MODELO DE CASCATA É UM PROCESSO DE ADAPTAÇÃO AMBIENTAL. Essas modificações no desenvolvimento são desenhadas para adaptar o indivíduo para lidar com os autos níveis de estresse ou privação, que ao seu ver lhes acompanharão pelo resto de suas vidas. Sob esse ponto de vista, o cérebro seleciona um modo de desenvolvimento que se adapte a tal situação. 3. O TRATAMENTO DEVE CONSIDERAR O ASPECTO BIOLÓGICO (FARMACOTERAPIA) E PSICOSSOCIAL (PSICOTERAPIA E REABILITAÇÃO).