PARECER CFM 37/2016 INTERESSADO:

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Transcrição:

PARECER CFM nº 37/2016 INTERESSADO: Dr. A.R.A. ASSUNTO: 1. Utilização de ocitocina para indução do trabalho de parto 2. Indicação do procedimento de episiotomia 3. Decisão da via de parto RELATOR: Cons. José Hiran da Silva Gallo EMENTA: I Parto é disciplinado pela Resolução CFM nº 2114/16; II Autonomia do médico está disciplinada no inciso XVI dos princípios fundamentais da Resolução CFM nº 1931/09 (Código de Ética Médica); III A realização de episiotomia deverá ser pautada pela avaliação clínica individualizada. DA CONSULTA O consulente encaminha e solicita manifestação do Conselho Federal de Medicina sobre as questões abaixo: 1. A utilização da ocitocina para indução ou condução do trabalho de parto é prerrogativa do médico-assistente da paciente (gestante ou parturiente)? A concordância após esclarecimento deve ser entre a paciente e o médicoassistente? Alguém mais necessita participar deste entendimento? 2. Pode a administração médica do hospital interferir, seja indicando ou mesmo contraindicando a prescrição desta medicação, quando a gestante está sob cuidados profissionais de seu médico assistente? 3. A indicação do procedimento episiotomia, mesmo nos casos em que hoje se entende como critérios seletivos e não sistemáticos na assistência ao parto, é prerrogativa do médico assistente da parturiente? A concordância após esclarecimento deve ser entre a paciente e o médico-assistente?

4. Pode a administração médica do hospital interferir indicando ou contraindicando este procedimento quando a parturiente está sob cuidados profissionais de seu médico assistente? 5. A opção pela via de parto, seja a vaginal, ou seja, a cesárea, é uma decisão do médico-assistente da gestante (ou da parturiente)? A concordância após esclarecimento deve ser entre a paciente e o médico assistente? 6. Pode a administração médica do hospital interferir na relação médico-paciente, indicando a via de parto, seja a vaginal ou a cesárea, quando a parturiente está sob cuidados profissionais de seu médico assistente? 7. Pode a administração médica do hospital indicar ou contraindicar a via de parto quando em situações controversas ou temerárias (como exemplo mecônio ++/+++ ou ++++) e/ou interferir na conduta do médico assistente? 8. Pode a administração médica do hospital examinar pacientes que serão submetidas à cesárea por indicação de seu obstetra (como exemplo desproporção céfalo-pélvica, distócia funcional, sofrimento fetal, etc.) à revelia da paciente e de seu médico assistente? 9. Às instituições hospitalares, cabe o papel de oferecer condições para a boa prática obstétrica, devendo oferecer ao seu corpo clínico acompanhamento de trabalho de parto com obstetrizes e médicos plantonistas da casa e recursos outros pertinentes. Até que ponto a administração médica dos hospitais pode ou deve interferir na autonomia dos especialistas em obstetrícia cadastrados no seu corpo clínico no que se refere à indicação de indução do trabalho de parto, de condução do trabalho de parto, de optarem por partos vaginais ou cesáreas, de realizarem ou não episiotomias, de conduzirem trabalho de parto com várias cesáreas anteriores, de assistirem partos vaginais em apresentações pélvicas? Com o auxílio da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia deste CFM, respondemos os questionamentos abaixo: 2

RESPOSTA AOS QUESITOS 1. Utilização de ocitocina para indução do trabalho de parto? A indução do parto é a estimulação artificial das contrações uterinas para realizar o parto antes do seu início espontâneo. A resolução da gestão antes do início do trabalho de parto espontâneo é indicada quando há riscos materno/fetais associados a continuidade da gravidez. Quando não há contraindicações para o trabalho de parto e parto vaginal, a indução é geralmente preferida, dado o aumento dos riscos maternos associados à cesariana. As principais contraindicações elencadas pela literatura são: cicatrizes uterinas corporais, rotura uterina prévia, herpes genital ativo, placenta prévia ou vasa prévia, prolapso de cordão umbilical ou apresentação funicular persistente, apresentações anômalas, câncer cervical invasivo, desproporção céfalo-pélvica e traçado de frequência cardíaca fetal categoria III (padrão sinusóide ou ausência de variabilidade da frequência cardíaco fetal basal, e qualquer das seguintes alterações: desacelerações tardias recorrentes, desacelerações variáveis recorrentes ou bradicardia). O status do colo é um dos mais importantes fatores preditivos da probabilidade de sucesso da indução do parto. O índice de Bishop parece ser a melhor forma de avaliar o colo uterino e predizer a probabilidade de a indução resultar em um parto vaginal. O fármaco mais usado com esta indicação é o misoprostol via vaginal, doseado até 50 mg e idealmente 25 mg. Apesar de ter sido demonstrado que o misoprostol é um agente efetivo tanto na indução do trabalho de parto como na maturação do colo uterino desfavorável, estando associado à diminuição de partos por cesariana e aumento de partos vaginais nas primeiras 24 horas, o seu uso ainda é controverso. No caso de amadurecimento cervical, com Índice de Bishop igual ou superior a sete, a administração de perfusão de ocitocina endovenosa é recomendada. A ocitocina sintética é o fármaco mais usado para a indução do trabalho de parto. As suas principais ações periféricas são a estimulação da contratilidade do miométrio durante o parto e a ejeção do leite durante a lactação. O aumento dos receptores de ocitocina no miométrio com o aumento da idade gestacional explica o aumento de sensibilidade para este fármaco à medida que a gravidez avança. 3

As diferenças nos níveis requeridos de ocitocina, para produzir contrações efetivas entre as grávidas, refletem as diferenças de sensibilidade e de função uterina pré-existente. Entretanto as preocupações sobre a segurança e eficácia da administração de doses elevadas de ocitocina são o cerne de vários debates sobre o esquema terapêutico que deve ser instituído na prática clínica. A problemática inerente à definição de um esquema terapêutico consensual de perfusão ocitocina suscita variações no sucesso da indução do trabalho de parto e nos seus efeitos adversos, tanto maternos quanto fetais, bem como dificulta a análise global dos diversos ensaios realizados. A uniformização seria um passo promissor na aprendizagem da atuação na indução do trabalho de parto e na redução da morbimortalidade materna e neonatal. 2. Qual a indicação do procedimento de episotomia? Episotomia é uma incisão cirúrgica na região da vulva, com indicação obstétrica para impedir ou diminuir o trauma dos tecidos do canal do parto, favorecer a liberação do concepto e evitar lesões desnecessárias do pólo cefálico submetido à pressão sofrida de encontro ao períneo. A incisão costuma ser feita quando a cabeça fetal está suficientemente baixa, a ponto de distender o períneo, porém, antes de ocorrer uma distensão exagerada. Na década de 90, peritos em obstetrícia da Organização Mundial da Saúde (OMS) 8 publicaram o Guia Prático para Assistência ao Parto Normal com base em vários estudos, que apontam as melhores evidências científicas, classificaram as práticas relacionadas ao parto normal em quatro categorias: Categoria A: Práticas demonstradamente úteis e que devem ser estimuladas; Categoria B: Práticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas; Categoria C: Práticas em relação às quais não existem evidências suficientes para apoiar uma recomendação clara e que devem ser utilizadas com cautela, até que mais pesquisas esclareçam a questão; Categoria D: Práticas frequentemente utilizadas de modo inadequado. Essa publicação, afirma ainda que não existem evidências confiáveis que o uso liberal ou rotineiro da episotomia tenha um efeito benéfico, mas há evidências claras de que pode causar dano. Num parto, até então normal, pode ocasionalmente haver uma 4

indicação válida para uma episotomia, mas recomenda-se o uso limitado dessa intervenção. A justificativa habitual para o uso da episotomia inclui a prevenção do trauma perineal severo, de danos do assoalho pélvico, de prolapso e de incontinência urinária. No entanto, apesar do uso largamente difundido, não há evidências científicas que suportam esses benefícios. Outro fator que aumenta a taxa de episiotomia é manter a mulher deitada, uma vez que implica no aumento da duração do trabalho de parto e do risco de sofrimento fetal, pela diminuição da intensidade e da eficácia das contrações. Na posição dorsal horizontal, há pressão da veia cava inferior, que diminui o fluxo sanguíneo de oxigênio para o feto. Como é mais desconfortável ficar deitada, a tendência é o aumento da tensão e da dor, o que estimula a solicitação da anestesia. Por fim, a escolha pela episiotomia deverá estar relacionada às práticas já demonstradas úteis por necessidade técnica, após avaliação clínica, aplicadas caso a caso, e não como rotina em partos normais. 3. Decisão da via de parto? A gravidez e o parto são experiências marcantes para a vida reprodutiva da mulher, que enfrenta alterações significativas na vida pessoal e no relacionamento familiar, ou seja, não se tratando de mero acontecimento biológico. Assim, cada gravidez é única e requer atenção especial, acesso à respectiva informação e aos serviços de saúde, visto que a dimensão sociocultural pode interferir na afinidade que a gestante terá pela escolha da vida de nascimento. No final da década de 90, pelo alto índice de partos hospitalares e, como consequência, os altos índices de partos operatórios, elevando os índices de morte materna, surge à discussão em torno da humanização da assistência obstétrica. Muitos estudos têm questionado se o aumento de partos cirúrgicos decorre da preferência das mulheres por este tipo de procedimento. Em consequência disso, há uma tendência crescente na literatura a dar voz às usuárias dos serviços de saúde, visando a identificação dos principais fatores que realmente norteiam a escolha pelo parto cesariano. 5

Existe uma mobilização do resgate ao parto normal como desfecho natural da gravidez, com estatísticas que asseguram ser essa via mais segura para a mãe e para o bebê, passando a ser o parto cesariana na maioria das vezes uma opção com indicação pelo medo da paciente ou pela comodidade do médico assistente. Para o Ministério da Saúde do Brasil, quando perguntado sobre os fatores que levariam as mulheres a optar pelo procedimento cirúrgico, as mesmas referem: medo da dor; comodidade de planejar o parto; afrouxamento da vagina pelo parto vaginal, prejudicando a vida sexual futura (concepção que qualifica de fantasiosa); parto cesariano é menos estressante, exigindo menos preparo emocional e possibilitando um maior controle da situação; parto cesariano é mais seguro e melhor para o bebê. Qual seja a justificativa, dados confiáveis demonstram que cesarianas nos planos de saúde ultrapassam 80%, enquanto que no Sistema Único de Saúde, somam 26% do total de partos. Diferentemente do recomendado pela Organização Mundial da Saúde, as cirurgias cesarianas deveriam corresponder a, no máximo, 15% dos partos. Por se tratar de cirurgia, deveria ser somente indicada para os casos que tragam risco para a mãe ou para o bebê. A realização sem indicação médica precisa aumenta os riscos de complicações e de morte para a mulher e para o recém-nascido Por isso, o parto operatório seria apenas uma alternativa segura a ser utilizada quando ocorrerá complicações durante a gravidez ou o parto. As repercussões do parto cirúrgico são sérias, pois acarretam quatro vezes mais risco de infecção puerperal, três vezes mais risco de morbimortalidade materna, aumento dos riscos de prematuridade e mortalidade neonatal, placenta prévia, recuperação mais difícil da mãe, maior período de separação entre mãe/bebê, com retardo do início da amamentação, e elevação de gastos para o sistema de saúde. O parto normal ocorre de forma fisiológica, não trazendo, habitualmente, complicações nem para a mãe e nem para o bebê, contudo, deve ser realizado em maternidades ou hospitais, em virtude das intercorrências que podem acontecer. No entanto, o que predomina é a conveniência da cesariana programada que é realizada em menor tempo do que o parto vaginal, cuja duração é imprevisível. Outro motivo seria o fato dos partos cesáreos serem considerados mais convenientes pelos médicos que o 6

parto vaginal em virtude de deficiências de treinamento na condução de partos complicados e medo de processo por imperícia. Um aspecto particularmente discutido é a autonomia da paciente na decisão sobre a via de parto, valorizando sua decisão em relação às políticas de saúde e orientação médica. Foi nesse contexto que, o Conselho Federal de Medicina em sua resolução de nº 2.144/2016, entendeu que é ético o médico realizar a cesariana a pedido, e se houver discordância entre a decisão médica e a vontade da gestante, o médico poderá alegar o seu direito de autonomia profissional e, nestes casos, referenciar a gestante a outro profissional. Ressalta-se que, para garantir a segurança do feto, a cesariana a pedido da gestante, nas situações de risco habitual, somente poderá ser realizada a partir da 39ª semana de gestação, devendo haver o registro em prontuário. Portanto, é ético o médico atender à vontade da gestante de realizar parto cesariano, garantida a autonomia do médico, da paciente e a segurança do binômio materno-fetal, após esclarecimento dos riscos, elaborado o consentimento livre e esclarecido e seguindo rigorosamente o disposto na Resolução CFM nº 2144/16. Em relação aos questionamentos 2, 4, 6, 7, 8 e 9, são respondidos nos princípios fundamentais do Código de Ética Médica, no inciso XVI, que dispõe: Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para o estabelecimento do diagnóstico e da execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente. Esse é o parecer, S.M.J. Brasília, 29 de setembro de 2016. JOSÉ HIRAN DA SILVA GALLO Conselheiro Relator 7

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA: 1. American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG Practice Bulletin No. 107: Induction of labor. Obstet Gynecol. 2009;114(2 pt.1):386-397. 2. Montenegro CAB, Rezende J Filho. Contratilidade uterina. Rezende Obstetrícia Fundamental. 13ª ed. Rio de Janeiro: Guanabrara Koogan; 2014. 197 p. 3. Shanches-Ramos I, Delke I. Induction of labor and termination of the previable pregnancy. In: James D, et al. High risk pregnancy: management options. 4th ed. Philadelphia: Saunders; 2011. p. 1145-68. 4. Smith JG, Merrill DC. Oxytocin for Induction of Labor. Clin Obstet Gynecol. 2006;49(3):594-608. 5. Simpsom KR, Knox GE. Oxytocin as a high-alert medication: implications for perinatal patient safety. MCN Am J Matern Child Nurs. 2009;34(1):8-15. 6. Smith JG, Merrill DC. Oxytocin for Induction of Labor. Clin Obstet Gynecol. 2006;49(3):594-608. 7. Rezende J. O Parto: estudo clínico e assistência. In: Rezende J. Obstetrícia. 10ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. p. 336-62. 8. World Health Organization. Classification of practices in normal birth. In: Care in normal birth: a practical guide. Geneva: WHO; 1996. p. 34-7. (WHO Technical Report Series FRH/MSM/96.24). 9. Ecker JL, Tan WM, Bansal RK, Bishop JT, Kilpatrick SJ. Is there a benefit to episotomy at operative vaginal delivery? Am J Obstet Gynecol. 1997;176(2):411-4. 10. Leder R, Belizan J, Carrol G. Is routine use of episotomy justified? Am J Obstet Gynecol. 1996;174(5):1399-402. 11. Diniz SG. O que funciona e o que é justo: notas sobre violência na assistência ao parto. In: Textos de apoio do 2º Seminário sobre Nascimento e Parto no Estado de São Paulo Vitrine da Humanização em São Paulo ; 1999 maio 27-28; São Paulo: Secretaria de Estado de Saúde; Coordenação dos Institutos de Pesquisa; 1999. 12. Dias G, et al. Atuação do profissional enfermeiro: recuperando o parto normal. Governador Valadares: [editora]; 2009. [COMENTÁRIO: incluir nome da editora ou periódico e paginação] 13. Hotimsky SN, Schraiber LB. Humanização no contexto da formação em obstetrícia. Ver Ciência & Saúde Coletiva. 2005;10(3):639-49. 8

14. Brasil. Ministério da Saúde. Temporão: Brasil tem epidemia de cesarianas. Brasília: Ministério da Saúde; 2006 [citado em 2016 jun 29]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/noticias_detalhe.cfm?co_seg_noticia= 46 757 15. Fáúndes A, Pádua KS, Osis MJD, Cecatti JG, Sousa MH. Opinião de mulheres e médicos brasileiros sobre a preferência pela via de parto. Tgxkuvc fg Ucûfg Rûdnkec. 2004;5(4):488-94. 16. Faisal-Cury A, Menezes PR. Fatores associados à preferência por cesariana. Tgxkuvc fg Ucûfg Rûdnkec. 2006;62(2):226-32. 17. Rezende J. A falácia do parto humanizado. Hgokpc. 2004;52(7):481-4. 9