O NIMBY chegou à agricultura, ou sempre cá esteve

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Transcrição:

17 O NIMBY chegou à agricultura, ou sempre cá esteve Paulo Manuel Pires Águas Escola Superior Agrária, Quinta da Sra. de Mércules, 6001-909 Castelo Branco, Portugal aguas@ipcb.pt Sumário te substanciado tecnicamente pode prevalecer sobre um modelo com su- menta na racionalidade mas muito na emocionalidade. A sua vertente mais mesma forma. No caso apresentado, no sentido de garantir a perenidade da capacidade produtiva dos solos, perante a inexistência dos tradicionais estrumes, propõe-se a agricultores dos Concelhos de Idanha-a-Nova, Fundão e Castelo Branco a disponibilização gratuita e sem custos de aplicação, de resíduos orgânicos tratados oriundos de estações de tratamento de águas sentativa considerada, o que poderá inviabilizar planos de gestão de resídu-

18 os orgânicos que previamente assumem a predisposição dos agricultores Palavras Chave: Correcção orgânica; Nimby; Resíduos orgânicos. Resumo As acções dos agricultores são determinantes em termos de implicações ambientais, podendo estas ser consideradas acções negativas, positivas ou neutras. De entre as actividades que poderão ter maiores implicações ambientais, para além das fronteiras da exploração, a correcção orgânica assume um papel muito importante. Mesmo utilizando os correctivos de forma racional, os custos têm sempre expressão, tanto os ambientais como os económicos. Os custos associados à correcção orgânica dos solos destinados à pro- culturas. Tradicionalmente parte das necessidades da cultura eram supridas graças à adição anual de correctivos orgânicos, oriundos da exploração pecuária como o estrume, que quando incorporados no período correcto viriam a disponibilizar nutrientes para as culturas. Os novos métodos de produção animal, sem cama, bem como uma adopção em determinadas zonas do País de regimes essencialmente extensivos, levam a que a disponibilidade destes resíduos orgânicos seja diminuta. No entanto, as sociedades actuais tornaram-se grandes produtoras de resíduos orgânicos passíveis de substituir os utilizados tradicionalmente, nomeadamente de lamas de ETAR. Somos levados a considerar que implementar programas de valorização agrícola de lamas de ETAR, será atractivo para todas as partes envolvidas, produtores e gestores de lamas, bem como agricultores. Entretanto, todo o processo de licenciamento com vista à valorização das lamas como factor efectiva dos agricultores em se tornar parceiros, de um processo que se considera um dos destinos mais válidos para as lamas de ETAR. A predisposição dos agricultores para a utilização de lamas de ETAR como correctivo orgânico, ou como adubo, não é normalmente um assunto de estudo considerado, especialmente quando esta prática surge como destino ambientalmente correcto, em trabalhos desenvolvidos numa óptica da gestão deste resíduo orgânico, ou da fertilidade dos solos. Este assumir da predisposição dos agricultores, tem sido tácito. Este tipo de sistema parece-nos o melhor para zonas eminentemente agrícolas, de mais bai-

19 xas densidades populacionais, que nos permite uma gestão dos resíduos a nível local, sem grandes custos associados a transporte ou outros meios de reutilização das lamas. Avaliar efectivamente a predisposição dos agricultores deverá ser um passo fundamental para sustentar programas de gestão que visam a reutilização agrícola de lamas de ETAR. Entretanto temos disponível um quadro ju- os procedimentos de licenciamento decorrentes desta prática. A aproximação implementada, no sentido de avaliar o grau de esclarecimento dos potenciais utilizadores de lamas, tem passado invariavelmente por técnicas de inquirição, dirigidas a amostras pré-seleccionadas de agentes de extensão agricultores: dos em Idanha-a-Nova, considerando-se 17 estratos, tantos quanto as freguesias, sendo a amostra dentro de cada estrato aleatória, a amostra O outro grupo, também constituído por estratos, não baseados num uma associação de agricultores sedeada no Fundão, a Apizezere. Neste caso apenas se consideraram fruticultores. Os resultados obtidos, em que todos consideram fundamental o recurso a correctivos orgânicos, foram distintos para diversos tipos de resíduos. A reacção global dos agricultores é não pagar para adquirir resíduos orgânicos e dos 29% predispostos a adquirir, 92% referem unicamente estrume ração por receber resíduos orgânicos, 81% aceita, mas desses 98% refere estrume, 74 % chorume de bovinos e apenas 20% considera também as Figura 10 ber pagando.

20 Figura 11 ber remunerado. Para terminar o inquérito, havia que deixar uma pergunta perfeitamente clara e sem condicionalismos. A questão de fundo sobre predisposição efectiva dos agricultores em usarem lamas de ETAR, em alternativa a outros fertilizantes ou correctivos orgânicos, referindo que a distribuição e aplicação dos bioresíduos seria gratuita. De acordo com muito baixa. Figura 12 custos Esta situação remete-nos novamente para as considerações referidas inicialmente. Como podemos avançar com planos de gestão baseados na reutilização de lamas em solos agrícolas, pressupondo o interesse mútuo de gestores e agricultores, quando relativamente aos dois universos avaliados a predisposição dos agricultores, independentemente das razões, é das nos agricultores e a efectiva preocupação pela elevação da qualidade dos produtos, está a condicionar uma decisão que à partida seria a esperada? Será que existe falta de informação, que tranquilize os agricultores quanto à utilização de lamas de ETAR nos seus solos? Será que existe um - NYMBY que chegou à agricultura. Então teremos que lhe chamar NIMF

21 Águas, P.P. 2009. Sostenibilidad Ambiental y Económica Rural. La Generación y Reutilización de Bioresíduos de Uso Agrícola. Tesis Doctoral. Universidad de Extremadura. Cáceres. Hill, M.M. e Hill, A. 2002. Investigação por Questionário. 2ª ed, Edições Silabo. Krogmann, U. e Gibson V. 2003. Integrating Development of Extension Materials and Formative Informal Evaluation: Land Application of Sewage Sludge as a Case Example. Journal of Extension, February 2003, Vol.41. Number 1. Krogmann, U., Gibson, V. e Chess, C. 2001. Land Application of Sewage Sludge: Perceptions on New Jersey Vegetable Farmers. Waste Management Research, 19:115-125.