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Transcrição:

Anais do VI Seminário dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras da UFF Estudos de Linguagem ESSA PARTITURA EU VOU ENTREGAR PRO THAIZINHO PRO FELIPE TER TEMPO DE LER : PRIMEIROS PASSOS DE UMA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO DO DATIVO LIVRE INTRODUZIDO POR PARA NAS VARIEDADES DO PB, PE E GALEGO Melina Célia e Souza Orientadora: Maria Jussara Abraçado de Almeida Doutoranda Introdução: definição do objeto de análise e base teórica O presente trabalho tem como objetivo apresentar pesquisa em desenvolvimento, que se insereem dois projetos maiores (a. Galego e Português Brasileiro: história, variação e mudança e b. Linguagem em uso, cognição e gramática: cooperação acadêmica Brasil- Portugal) e tem como objetivo comparar as variedades faladas do galego, do português europeu (PE) e do português do Brasil (PB) no que diz respeito a contextos em que coocorrem objeto indireto e dativo livre introduzidos por para. Considerando a raiz comum galego-portuguesa, o projeto Galego e Português Brasileiro: história, variação e mudança busca compreender fenômenos linguísticos [414]

observados no Brasil e na Galícia, levando em conta o processo de mudança em cada uma das variedades observadas. Considerando a conjunção com o projetolinguagem em uso, cognição e gramática: cooperação acadêmica Brasil-Portugal, a inserção do galego nesse quadro comparativo até então preferencialmente formado de pesquisas com base na comparação entre PB e PE tem como objetivo ampliar o escopo comparativo até agora utilizado na explicação de traços próprios do PB. Sabemos que a atual fronteira entre Portugal e Galícia é resultado de um longo processo de separação, em que o movimento da Reconquista, iniciado por volta do ano 1000, ao norte da Península Ibérica, tem papel fundamental. À época, como recompensa aos nobres franceses que participaram do movimento, Dom Afonso VI, rei de Leão e Castela, oferece a mão de sua filha Teresa, herdeira do condado Portucalense, a Dom Henrique. Já a mão de Urraca, herdeira do governo da Galícia, é concedida a Dom Raimundo. É também Urraca que, mais tarde, herda os reinos de Leão e Castela. No século seguinte, após a batalha de Ouriques, o filho de dona Teresa, Dom Afonso Henriques, proclama-se rei de Portugal e, separando-se de Leão no processo de independência, separa-se também da Galícia. Nas palavras de Teyssier (2007, p. 20): Separando-se de Leão para se tornar independente, Portugal separava-se também da Galícia, que não mais deixaria de ficar anexada ao país vizinho reino de Leão, reino de Castela e, finalmente, reino de Espanha. A fronteira, que no século XII isolou a Galícia de Portugal, estava destinada a ser definitiva. Durante esse processo, havia grande variedade de usos linguísticos circulando entre as regiões hoje denominadas Portugal e Espanha. À época, ainda não são reconhecidos como línguas o galego, o português ou o espanhol, podendo esses usos serem classificados a partir da noção básica de romance. O processo de estabilização se inicia no século XIV, vindo a se consolidar somente no século XV. Os termos unidade linguística ou mesmo língua não são, portanto, os mais adequados para se referir a esses usos. Apesar de, como assinalado, a língua portuguesa ter sua origem histórica no romance da Gallecia romana, como nos adverte Lagares (2012), há uma espécie de apagamento histórico em relação ao galego. Segundo Lagares (p cit., p. 18 e 19): [415]

(...) é habitual que as histórias do português pretendam dar conta das origens da língua procurando as fontes (...) na própria origem de Portugal como reino independente, argumentando, nesse caso, sobre o que teria sido o processo de separação ou de afastamento entre as variedades galegas e portuguesas. O galego, enfim, não costuma ocupar um lugar claro nas histórias da língua portuguesa, que oscilam entre simplesmente ignorar a sua existência histórica ou bem considerá-la um fardo do qual é preciso se libertar para delimitar as origens puras do português, dentro das fronteiras de Portugal. E, às vezes, ambas as posturas coincidem numa mesma obra. Dessa forma, entendemos que um estudo que leve em conta as três variedades citadas vem trazer contribuições importantes para o quadro comparativo até então utilizado em pesquisas de cunho histórico comparativo. Inserida nesse contexto, nossa pesquisa tem como objetivo específico analisar as motivações semânticas envolvidas na construção do chamado dativo livre introduzido pela preposição para em contextos prototípicos de construções ditransitiva ou seja, OI + dativo livre benefactivo com base no modelo teórico-metodológico da Sociolinguística Cognitiva. Preposições são elementos linguísticos que perfilam relações físicas e simbólicas do mundo de que participamos. No caso das relações de transferência, as preposições a e para perfilam a relação de passagem de um trajector a um marco, sendo que o marco pode-se configurar como meta ou beneficiário, como demonstrado nos esquemas imagéticos a seguir. meta preposição a beneficiário preposição para Figura 2: Esquemas imagéticos representativos das relações de transferência. No PE e no galego, em contextos em que coocorrem construções ditransitivas e dativo livre benefactivo, as preposições a e para marcam papéis temáticos bastante claros, como no exemplo a seguir, da variedade galega: [416]

(1) Atopei á Joanna na rúa e xa lle dei a ela uns libros para os teus filhos (Ros, 14) No PB, no entanto, a preposição para pode ser utilizada como introdutora tanto do OI quanto do dativo livre, o que, a princípio, poderia ser considerado um fator de ambiguidade. Bechara (1999) apresenta-nos os seguintes exemplos de uso do dativo livre no PB: (2) Alguns alunos compraram flores para a professora. (dativo livre benefactivo) (3) Alguns alunos compraram flores ao florista para a professora. (OI + dativo livre benefactivo) Apesar de os exemplos do autor não figurarem usos de verbos de transferência, podemos observar que o uso da preposição a no exemplo (3) não é comum no PB e, nesse caso, há conectores alternativos ( com o, do, no ). O mesmo acontece quando são utilizados verbos de transferência, sendo a preposição para a preferida do falante do PB carioca para introduzir tanto OI quanto dativo livre benefactivo. É o caso dos exemplos a seguir, observados na fala de cariocas: (4) Dei a partitura pro Thaizinho pro Felipe ter tempo de ler. (meta + beneficiário com finalidade embutida) (Br, 15) (5) Mas você acha que é lucro porque eles acabam que eles [os componentes] tão dando algum dinheiro pra escolapra eles desfilarem, mas você acha que não vale a pena porque eles na hora não cantam. (R06 Jup, Peul) Nesses casos, em princípio, o uso duplo da preposição para poderia ser considerado fator de ambiguidade nas três variedades em tela, mas essa ambiguidade não parece ocorrer no PB.Nossa pesquisa propõe analisar se essa ambiguidade poderia ser suplantada por meio da atuação de mecanismos conceptuais como a mesclagem. De acordo com Fauconnier e Turner (apud GEERAERTS, 2006), a mesclagem (blending) é um processo dinâmico que se desenvolve pelas redes de integrações conceptuais. Por meio dessa operação, diferentes espaços mentais fundem-se para que, no espaço mesclado, surjam novas estruturas emergentes que não estão presentes nas entradasespaciais. [417]

Segundo Silva (2006), na rede esquemática que representa a estrutura multidimensional do OI em português, há treze pontos de extensão representativos das componentes conceptuais da categoria sintática de objeto indireto, incluindo-se, por generalização, o dativo benefactivo/malefactivo, como demonstrado a seguir. Figura 2: A estrutura multidimensional do OI em Português (SILVA, 2006). [418]

Ainda segundo o autor, nessa extensão de uso, passa o OI a comportar-se como recipiente passivo, um elemento determinado pela intencionalidade do agente, sendo essa intenção evidenciada pelo uso da preposição para. Conforme Silva (op cit., p. 245), um OI prototípico consiste em um recipiente activo de uma transferência material benefactiva. Sociolinguística Cognitiva: a interação entre os aspectos conceptuais e sociais A Semântica Cognitiva, segundo Langacker (2008), entende o significado como a conceptualização associada a expressões linguísticas. Esse processo de conceptualização, embora se caracterize como fenômeno mental, baseia-se na realidade, ou seja, consiste na atividade do cérebro, que funciona como parte integrante do corpo, que funciona como parte integrante do mundo (op cit., p. 4). Considerando essa relação mente/corpo/mundo, a Linguística Cognitiva entende que os significados são também construídos na interação social, sendo negociados por interlocutores com base na avaliação mútua de seus conhecimentos, pensamentos e intenções (idem). Dessa forma, de acordo com Silva (2009), a LC, como modelo baseado no uso (Langacker, 1991; 1999; 2008), deve considerar a orientação sociolinguística para o estudo da variação da linguagem. No entanto, explica o autor, embora o entendimento da variação seja indispensável para se compreender o modo como, cognitivamente, a linguagem se estrutura, esta tem sido pouco focalizada em linhas de investigação linguístico-cognitivas. Labov, considerado o pai da Sociolinguística, já em 1973, apontava evidências da relação entre os usos e a cognição social, demonstrando, paralelamente, a relação entre a imprecisão das fronteiras categoriais, e os contextos social e linguístico. Em seu estudo, que envolvia a definição da categoria cup (xícara), o autor comprovou que nenhuma categoria pode ser bem caracterizada em termos de condições necessárias e suficientes dependendo do contexto, um objeto não precisa, necessariamente, ter uma alça para ser chamada de xícara por exemplo. Nesse estudo, portanto, Labov já demonstra a importância de se aliar as ferramentas da psicologia à sondagem sistemática de dados. Silva (2014) considera a contribuição da Sociolinguística Cognitiva uma nova e estimulante oportunidade (...), uma extensão emergente da Linguística Cognitiva como [419]

modelo baseado no uso e orientado para o significado. E segue o autor: O novo paradigma explora a interação entre os aspetos conceptuais e os aspectos sociais da variação intralinguística (ou variação letal) e oferece eficientes instrumentos teóricos e metodológicos para investigar as variedades nacionais e outras variedades letais como entidades sociocognitivas (idem, p. 14). Um modelo que se propõe a investigar a língua em uso deve, portanto, levar em consideração a variação e suas causas, que envolvem aspectos socioculturais, históricos e políticos. Para isso, deve utilizar métodos capazes de explorar os aspectos conceptuais e sociais da variação. Considerações finais Considerando o estágio inicial de nossa pesquisa, neste trabalho, apresentamos nosso objeto de investigação e a base teórico-metodológica em que se fundamentam nossos estudos. Intentamos, portanto, com base no exposto, e partindo do protótipo de OI e das extensões apresentadas por Silva: (i) analisar a ocorrência de dativo benefactivo introduzido por para nas três variedades em tela PB, PE e galego; (ii) investigar as motivações semântico-cognitivas envolvidas na construção do dativo livre; (iii) para além do proposto por Silva, analisar contextos em que coocorrem OI e dativo livre, verificando se e como essa coocorrência figuraria na estrutura multidimensional do OI proposta por Silva. REFERÊNCIAS BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. Rio de janeiro: Lucerna, 1999. DIRVEN, René; FRANK, Roslyn M.; ZIEMKE, Tom; BERNÁRDEZ, Enrique (Eds.) Body, language and mind. v. 2. Sociocultural situatedness. Berlin/New York: Mouton de Gruyter, 2008. GEERAERTS, Dirk. Lectal variation and empirical data in Cognitive Linguistics. In: MENDOZA, Francisco J. Ruiz de; CERVEL, Sandra Peña (Eds.) Cognitive Linguistics: internal dynamics and interdisciplinary interactions. Berlin/New York: Mouton de Gruyter, 2005. p. 163-189. [420]

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