O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA



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Transcrição:

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA Elisandra Aparecida Palaro 1 Neste trabalho analisamos o funcionamento discursivo de documentos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) - Câmpus Erechim/RS, instituição criada pela Lei nº 11.892/2008 e que integra a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Buscamos compreender que sentidos ressoam da história da Educação Profissional e Tecnológica e da história do ensino de Língua Portuguesa nesse discurso e como ele é afetado pelas condições de produção, que configuram as relações entre o sujeito, a língua e a história. A teoria que sustenta nossas análises é a Análise de Discurso de orientação pecheutiana (AD), juntamente com a História das Ideias Linguísticas (HIL), sendo nossa questão de pesquisa compreender quais saberes sobre a língua/linguagem fazem parte (e quais são silenciados) na formação proporcionada pela instituição. Os documentos que formam nosso arquivo são Projetos Pedagógicos de Cursos técnicos e superiores e Planos de Ensino de disciplinas relacionadas à Língua Portuguesa ministradas nesses cursos. Representam o currículo proposto pela instituição. Nosso corpus é constituído por sequências discursivas (SDs) recortadas desses documentos. Consideramos, ao realizar os recortes (ORLANDI, 1984), as regularidades que nos possibilitam compreender os efeitos de sentidos produzidos pelo discurso e o que nos ajuda a formular respostas para nossa questão de pesquisa. O discurso materializado nos documentos do IFRS - Câmpus Erechim é lugar onde se pode observar a relação língua-ideologia, sendo que o consideramos de acordo com a perspectiva discursiva, como efeito de sentidos entre locutores (PÊCHEUX, 2010, p. 81). Dessa forma, não se trata de mera transmissão de informação, na qual um emissor transmite uma mensagem a um receptor que a entende, como se tudo seguisse uma linearidade, mas é significação, sendo chamado de efeito porque o sentido pode ser outro, de acordo com a formação discursiva na qual é produzido. Nessa heterogeneidade, a Análise de Discurso define a materialidade discursiva como linguístico-histórica, compreendendo como a língua e a história encontram-se nessa relação. Dessa forma, na análise, é preciso atenção tanto para o que é diferente, quanto para o que é regular na história, pois novos sentidos vão sendo instaurados a partir dessa diversidade. Dessa forma, observando-se o que é regular e o que é diferente em documentos da Educação Profissional e Tecnológica podemos analisar que discursos outros, que já ditos fazem parte 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (PPGEL), Universidade Federal da Fronteira Sul - Câmpus Chapecó/SC, Técnica em Assuntos Educacionais do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul - Câmpus Erechim/RS, elipalaro@hotmail.com.

do interdiscurso de nosso objeto de pesquisa. É pelo funcionamento da memória discursiva que compreendemos os sentidos que formam esse discurso, ou seja, pelo interdiscurso enquanto espaço heterogêneo, chegamos às formações discursivas (regiões de sentido) nas quais o discurso se inscreve, buscando compreender que saberes da Língua Portuguesa fazem parte desse ensino e se materializam no fio intradiscursivo dos documentos. Consideramos os documentos selecionados, a partir da História das Ideias Linguísticas, como instrumentos linguísticos, objetos vivos, históricos, que proporcionam a relação do sujeito com os sentidos. Para a História das Ideias Linguísticas, as gramáticas e os dicionários são instrumentos linguísticos, analisados em suas discursividades como objetos históricos em relação com a história da ciência e da sociedade (ORLANDI, 2001, p. 17). Nesse sentido, acreditamos que analisando o funcionamento discursivo do currículo dos cursos selecionados, estamos concebendo-o como um instrumento linguístico, pois compreenderemos como se constitui esse ensino, que saberes estão em circulação nessa formação e que saberes são silenciados. Para Orlandi (2001, p. 8), instrumentos linguísticos são objetos vivos, partes de um processo em que os sujeitos se constituem em suas relações e tomam parte na construção histórica das formações sociais com suas instituições, e sua ordem cotidiana. Neste artigo, trazemos as análises de duas SDs recortadas de Projetos Pedagógicos do IFRS - Câmpus Erechim. A primeira SD apresenta marcas linguísticas que relacionam educação-economia. Nela identificamos como regularidade as relações ideológicas que colocam a educação a serviço do capitalismo, sentidos da história da Educação Profissional e Tecnológica que ressoam no discurso dos documentos: SD1 O Curso Técnico em Vendas (em Mecânica) visa preparar profissionais-cidadãos, desenvolvendo competências e habilidades técnicas, além de firmar compromissos éticos, sociais, políticos, econômicos e ambientais, construindo assim, um novo perfil de saber, que atende às demandas do mercado de trabalho local, regional e nacional (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO TÉCNICO EM VENDAS, 2011, p.12 e PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO TÉCNICO EM MECÂNICA, 2011, p.11). O discurso está inscrito em regiões de sentidos, o que chamamos de formações discursivas (FDs) e que representam o lugar onde o sentido se forma e o sujeito se identifica, é onde ocorre a constituição do sujeito. Segundo Pêcheux (2009, p. 147), os indivíduos são interpelados em sujeitos-falantes (em sujeitos de seu discurso) pelas formações discursivas que representam na linguagem as formações ideológicas que lhes são correspondentes. Assim, a interpelação ocorre no interior da formação discursiva, é ela que chama, que toma o indivíduo e o transforma em sujeito do discurso. Compreendemos na SD1 que a discursividade dominante interpela os alunos em sujeitostrabalhadores, reproduzindo o meio de produção que ocupará as vagas que as empresas disponibilizam.

O verbo atender relacionado à marca linguística mercado de trabalho produz o sentido de servir, seguir, acatar (FERREIRA; FERREIRA; ANJOS, 2009, p. 219). Isso nos permite dizer que o discurso materializado nos Projetos Pedagógicos dos Cursos, está inscrito numa formação discursiva do mercado, região de sentidos definida por Amaral (1999 apud MELO, 2007, p.121) como um lugar de encontro entre elementos de saber já sedimentados, ou seja, elementos pré-construídos, produzidos em outros discursos, que são convocados no interior dessa formação discursiva, quer seja para serem confirmados, quer seja para serem negados, mas sempre para organizar os discursos que a representam; [...] Os elementos de saber da Formação Discursiva do Mercado estão ancorados em fundamentos da formação ideológica capitalista que considera que para a felicidade e a liberdade do homem só existe um caminho: seguir as determinações do mercado (AMARAL,1999 apud MELO, 2007, p.121). Segundo a autora, a formação discursiva do mercado está relacionada com a formação ideológica capitalista, isso nos permite compreender como se constituem os sentidos desse dizer. O Projeto Pedagógico do curso é o documento que define como o sujeito-aluno será constituído. Logo, o que temos é a ideologia capitalista convertendo, interpelando indivíduos em sujeitos para o trabalho, para atender aos interesses das empresas da região. Compreendemos nos Projetos Pedagógicos, uma rede de filiações de sentidos e suas relações com a formação ideológica capitalista, o compromisso do que está dito pela instituição nesses documentos com a memória da Educação Profissional e Tecnológica, como um efeito que os próprios locutores podem até mesmo des-conhecer mas que está lá com sua eficácia (Orlandi, 2012, p.67). Ressoando sentidos do discurso político-legislativo que criou os Institutos Federais, Lei nº 11.892/2008, o discurso materializado nos Projetos Pedagógicos projeta o sujeito-aluno como cidadão. Compreendemos isso na SD1, onde encontramos a afirmação de que o curso visa preparar profissionais-cidadãos. Vejamos bem, o sujeito-aluno será preparado, o que nos remete a afirmação de Orlandi (2002) o cidadão brasileiro possui uma forma sempre incompleta, sempre provisioriamente ancorada em algum lugar (ORLANDI, 2002, p.227). Pfeiffer (2000) afirma que a aprendizagem é recoberta de sentidos que colocam o sujeito como desde sempre um embrião de. Este sentido está filiado a uma epistemologia positivista que vê o crescimento do sujeito como sempre linear, cumulativo: evolutivo (PFEIFFER, 2000, p.21, destaque da autora). Para a autora, ao dizer que a escola forma o cidadão, afirma-se que ele não nasce cidadão, é apenas um embrião a ser desenvolvido via escola. Assim, o sujeito-aluno da Educação Profissional e Tecnológica é visto como embrião de cidadão, alguém que não nasceu cidadão, apesar do discurso da igualdade da Constituição Federal. Somente será transformado em cidadão se for merecedor, se obtiver sucesso em sua formação. De acordo com Silva (1998)

Não se vai à escola, aluno e professor, portanto, só para aprender o que não se sabe e para se ensinar uma técnica cultural, uma ferramenta de comunicação, mas, também, para suprir uma falta, mudar um estado, uma condição, para suprir e conter o sentido e o sujeito em sua dispersão. O lugar do aluno e do professor - as suas posições enunciativas - já estão marcados historicamente (Ibid, p.25). O Projeto Pedagógico de um curso projeta um sujeito-aluno nos moldes dos objetivos daquela educação. Na Educação Profissional e Tecnológica temos o objetivo principal que é formar para o trabalho, como nos fala Althusser (1970): reprodução da força de trabalho. Portanto, a formação analisada objetiva preparar o profissional-cidadão, o indivíduo que receberá educação para que fique no padrão, no modelo que as empresas precisam. Dessa forma, compreendemos a partir de Silva (1998) que a Educação Profissional e Tecnológica supre uma falta nesse indivíduo, muda seu estado, sua condição. Transforma o sujeito-aluno em sujeito profissional-cidadão. E qual o lugar da linguagem nesta formação ofertada pela Educação Profissional e Tecnológica? Sabemos que a linguagem é constitutiva do ser humano e, de acordo com Pfeiffer (2000), O sujeito escolar é antes de tudo um sujeito de linguagem (Ibid., 20). Portanto, a escola deve propiciar as condições para que o sujeito-aluno se constitua em um lugar de linguagem. Como afirma a autora, o sujeito deve deixar de ser um embrião, assumindo a posição de sujeito de sua língua (PFEIFFER, 2000, p.21). Dessa forma, analisamos a SD2 a partir de sentidos da memória do ensino de Língua Portuguesa: SD2 O Técnico em Vendas, eixo temático de Gestão e Negócios, de acordo com a resolução CNE/CEB 04/99 e o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos vigente, ao final do curso, deverá ter desenvolvido os seguintes conhecimentos profissionais gerais: Identificar e interpretar a legislação que regula as atividades de comercialização; Conhecer técnicas de tratamento ao público, utilizando técnicas de comunicação pessoal com eficácia; (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO TÉCNICO EM VENDAS, 2010, p.13). A SD2 apresenta como regularidade o desenvolvimento da competência comunicativa. Compreendemos essa regularidade como uma marca linguística pela qual ressoam os sentidos da memória do ensino da Língua Portuguesa no Brasil: nas décadas de 70 e 80 do século XX o ensino de Língua Portuguesa foi marcado pela teoria da comunicação. Para Soares (2004), a Lei nº 5692/71 trouxe radicais mudanças para o ensino, mudanças resultantes da intervenção do governo militar instaurado em 1964, reformulando o ensino e colocando a educação, segundo os objetivos e a ideologia do regime militar, a serviço do desenvolvimento; a língua, no contexto desses objetivos e dessa ideologia, passou a ser considerada instrumento para esse desenvolvimento. A própria denominação da disciplina foi alterada: não mais português, mas comunicação e expressão (SOARES, 2004, p.169).

Concebendo a língua como instrumento de comunicação e relacionando aos ditames do governo militar pelos quais a educação deveria estar voltada para o desenvolvimento do país, temos um ensino de língua voltado para o pragmatismo, para o utilitarismo: o ensino de língua como instrumento para o progresso econômico. Segundo Soares (2004, p.169, grifos da autora) não se trata mais de estudos sobre a língua ou de estudo da língua, mas de desenvolvimento do uso da língua. Assim, pela teoria da comunicação, o aluno é tido como emissor e recebedor de mensagens, codificador e decodificador, utilizando códigos diversos para se comunicar. A SD2 é um recorte de alguns dos conhecimentos profissionais que o sujeito-aluno deve desenvolver até o final do curso. Entre eles está utilizar técnicas de comunicação pessoal com eficácia. A palavra técnica é uma marca linguística que nos remete à teoria da comunicação, demonstra que há uma preocupação tecnicista, a noção de língua como instrumento, com caráter pragmático. Pela expressão interpretar a legislação, compreendemos que a mesma SD filia-se também a sentidos da linguística textual, teoria que, a partir dos anos 1980 trouxe ideias novas para o ensino de Língua Portuguesa, centrando o ensino na formação de leitores/produtores competentes. A partir da análise das SDs que constituem o corpus de nossa pesquisa, compreendemos que no discurso materializado em documentos do IFRS - Câmpus Erechim ressoam sentidos da memória da Educação Profissional e Tecnológica e da memória do ensino de Língua Portuguesa. No cruzamento dessas memórias, tem-se a constituição de um lugar de entremeio (SURDI DA LUZ, 2010), que surge, também, na/pela tentativa de se fundir a formação humana e a formação profissional. Lugar de entremeio, conforme Surdi da Luz (2010, p. 83), é onde os sentidos que se filiam a diferentes domínios de saber se formulam e entram em funcionamento. Isso nos permite compreender que o discurso materializado nos documentos analisados está filiado a saberes dessas duas memórias que são (re)ssignificados pelas atuais condições de produção. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. 3 ed. Lisboa: Editorial Presença, 1970. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda; FERREIRA, Marina Baird; ANJOS, Margarida dos. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 4. ed. Curitiba, PR: Positivo, 2009. IFRS - Câmpus Erechim. Projeto Pedagógico do Curso Técnico em Mecânica. Erechim, RS: IFRS - Câmpus Erechim, 2011.. Projeto Pedagógico do Curso Técnico em Vendas. Erechim, RS: IFRS - Câmpus Erechim, 2011. MELO, Kátia Maria Silva de. Formação e profissionalização docente: o discurso das competências. Maceió: EDUFAL, 2007. ORLANDI, ENI. Segmentar ou recortar? In: Série Estudos. Linguística: questões e controvérsias, n.10. Faculdades Integradas de Uberaba, 1984, p.9-26.. História das ideias linguísticas no Brasil: construção do saber metalinguístico e constituição da língua nacional. Campinas, SP: Pontes, 2001.

. Língua e conhecimento linguístico: para uma história das ideias no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002. PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso (AAD-69). Tradução de Eni P. Orlandi. In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas, SP: Unicamp, 2010, p.59-158. PFEIFFER, Claudia Castellanos. Bem dizer e retórica: um lugar para o sujeito. Tese (Doutorado em Linguística). Instituto de Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, 2000. SILVA, Mariza Vieira da. História da alfabetização no Brasil: constituição de sentidos e do sujeito da escolarização. Tese (Doutorado em Linguística). Instituto de Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, 1998. SOARES, Magda. Português na escola. História de uma disciplina curricular. In: BAGNO, Marcos (Org.). Linguística da norma. São Paulo: Edições Loyola, 2004, p.155-177. SURDI DA LUZ, Mary Neiva. Linguística e ensino: discurso de entremeio na formação de professores de língua portuguesa. Tese (Doutorado em Letras). Programa de pós-graduação em Letras. Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, 2010.