Aula magna: GLOSSECTOMIA



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Transcrição:

Aula magna: GLOSSECTOMIA R3 ORL HAC Mariele B. Lovato INTRODUÇÃO A língua é um órgão predominantemente muscular localizado na cavidade oral, extremamente especializado, responsável pelas mastigação, deglutição, gustação e fonação, funções essas que podem ser prejudicadas em ressecções, sejam elas parciais ou totais. EMBRIOLOGIA A língua inicia sua formação durante a quarta semana do desenvolvimento embrionário, tanto a parte oral quanto a faríngea. A parte oral, que corresponde aos 2/3 distais, inicia com o aparecimento do broto lingual mediano que é coberto por dois brotos laterais derivados do assoalho da faringe, próximo ao primeiro arco branquial, que se fundem na linha mediana formando o sulco mediano (fig01). A parte faríngea, correnpondente ao terço posterior, forma-se através do crescimento da eminência hipobranquial por sobre a cópula, que se fundem com os 2/3 anteriores, formano o V língual (fig 02). Ambos tem origem na parte ventromedial do segundo arco faríngeo e parte cranial do terceiro arco. O epitélio se desenvolve a partir do endoderma. A maioria dos músculos da língua se desenvolvem dos mioblastos que migram dos miótomos occipitais. O tecido conjuntivo, vasos linfáticos e sanguíneos da veia desenvolvem a partir do mesenquima do arco faríngeo. Figura 01 Figura 02

HISTOLOGIA A língua é coberta por epitélio mastigatório escamoso estratificado, cujo grau de queratinização epitelial depende da magnitude das forças físicas atuantes sobre ela. Encontram-se também em sua cobertura as papilas gustativas: filiformes, cincunvalada, foliáceas e fungiformes (fig 03). Figura 03 ANATOMIA De anterior para posterior, a límgua tem três superfícies: ponta, corpo e base.a ponta é a parte de maior mobilidade, na porção mais anterior da língua. Posteriormente à ponta segue o corpo da língua, que tem as superfícies dorsa (superior) e ventral (inferior) (figura 04). Figura 04

Musculatura Há oito músculos na língua, quatro intrínsecos e quatro extrínsecos. Os quatro intrínsecos são (figura 05): Superior longitudinal: estende-se pelo comprimeto da língua e move-a para cima e para baixo; Inferior longitudinal: delineia os lados da língua, move a ponta para cima e para baixo; Verticais: orientação vertical no interior da língua, move a ponta para cima e para baixo; Transverso: une os dois lados da língua, move-a para cima e para baixo. Os quatro músculos extrínsecos são (figura 06): Genioglosso: fixado na mandíbula anteriormente, protrui a língua; Hioglosso: fixado no osso hióideo, eleva e retrai a língua; Estiloglosso: fixado no processo estilóice, deprime a língua; Palatoglosso: fixado na aponeurose palatina, eleva e retrai a língua Figura 05 Figura 06

Vascularização e enervação A língua recebe suprimento sanguíneo primariamente da artéria lingual, um ramo da da artéria carótida externa. O suprimento secundário provém do ramo tonsilar da artéria facial e da artéria faríngea ascendente (fig 07). Nos dois terços anteriores da língua, o paladar decorre do nervo corda do tímpano, ramo do nervo facial, e a sensibilidade do nervo lingual, que é ramo do V3 do trigêmeo. A sensação e paladar do terço posterior da língua vem através do nervo glossofaríngeo. A motricidade de todos os nervos intrínsecos e extrínsecos da língua vem do nervo hipoglosso (XII par craniano), exceto o músculo palatoglosso, que é inervado pelo plexo faríngeo, ramo do X par craniano (fig 08). Figura 07 Figura 08

PATOFISIOLOGIA Carcinoma escamocelular: Corresponde há mais de 95% dos cânceres da língua, podendo haver também adenocarcinomas, carcinoma cístico adenoide e sarcoma. Os princípios estabelecidos para glossectomia parcial ou total para CEC pode ser generalizada para outras malignidades. Geralmente ocorre na quinta ou sexta décadas de vida, mais comum em homens. Tabagismo e etilismo são fortemente associados com o desenvolvimento na língua. Metástase linfonodal: A disseminação metastática linfonodal geralmente ocorre de maneira ordenada, primeiramente envolvendo os andares mais altos (níveis I e II), seguidamente o meio (níveis II III) e finalmente os andares mais baixos do pescoço (nível IV). A drenagem linfática da língua inclui as cadeias jugular interna, subdigástrica, omohioidea, submandibular e submentual. Os anteriores drenam a ponta da língua. Os laterais drenam um terço do dorso e ponta até as papilas circunvaladas para os linfonodos submandibulares e jugulares internos e ocasionalmente para submentual. Os linfonodos mais centrais drenam os dois terços centrais da língua. Lesões linguais que se aproximam da linha média podem metastatizar bilateralmente devido às anastomoses dos vasos na região central lingual. Outra causa indicação para glossectomia é a macroglossia essencial, com o objetivo de redução do tamanho lingual. AVALIAÇÃO DO PACIENTE Todo paciente com queixa de aumento de volume lingual deve ser avaliado inicalmente visando diferenciar se se trata de macroglossia verdadeira ou de uma massa em língua ou assoalho de boca. Iniciase através de anamnese, tendo-se atenção especial em: dor, sangramento, otalgia, odino, disfagia e disartria. O estado geral do paciente deve ser avaliado para programar em conjunto suporte nutricional, caso necessário. No exame físico, importância deve ser dada para avaliar a extensão local da lesão e programar biópsia para diagnóstico, seja ela excicional ou incisional. Associa-se a um exame cervical cuidadoso e complementação radiológica e endoscopia para estadiamento da lesão e definição da melhor estratégia terapêutica (fig 09). Figura 09

Os fatores considerados decisivos para o planejamento do tratamento, em conjunto com o estadiamento, são: Tamanho e espessura do tumor Diâmetro maior que 1,5cm Profundidade maior que 5mm Invasão perineural Risco aumentado de recorrência local e mtx cervical Margens cirúrgicas Mínimo de 1cm de margem à ressecção Metástases cervicais Extensão extracapsular TRATAMENTO A escolha da estratégia terapêutica adotada baseia-se nos fatores acima e no fluxograma terapêutico abaixo, da NCCN (National Comprehensive Cancer Network), tendo como opções a cirugia, radioterapie e quimioterapia, seja de maneira isolada ou combinadas (fig 10). Figura 10

TÉCNICA CIRÚRGICA O tratamento cirúrgico, razão de ser desta aula, consiste nos diversos tipos de glossectomia, sempre objetivando a ressecção do tumor em sua totalidade, de maneira a manter as funções básicas da língua, principalmente para a deglutição e fala. Ao ser planejada a área e a maneira a ser ressecada, levase em conta a área a ser ressecada, o acesso a ser utilizado para ir ao encontro do tumor e a reconstrução que será realizada para manter a funcionalidade do órgão. Com relação ao tipos de ressecção, lembrando-se sempre de estruturas nobres do interior da língua como a artéria língual e o nervo hipoglosso, temos: Glossectomia parcial ( < 1/3 da língua) Hemiglossectomia ( 1/3 ½ da língua) Glossectomia subtotal ( ½ - ¾ da língua) Glossectomia total ( > ¾ da língua) Varios instrumentos de corte podem ser utilizados, sejam eles o bisturi a frio, até o eletrocautério (preferido) e o laser. Abaixo, modelos de ressecções que podem ser realizadas, a depender da localização da lesão e independente do acesso utilizado. Este modelo de classificação é utilizado para programar a reconstrução que será utilizada em sequência: Figura 11 O paciente deve ser intubado preferencialmente via nasotraqueal ou através de cânula de traqueostomia. Um abridor de boca deve ser colocado, e uma sutura na ponta da língua com fio de seda pode ser realizada para ajudar na tração desta durante a ressecção. Uma margem de pelo menos 1cm da lesão deve ser mantida. Quanto mais extensiva a ressecção, menor a possibilidade de um fechamento com sutura primária. Os acessos que podem ser utilizados par a ressecção são escolhidos de acordo com o tamanho, localização, invasão mandibular, necessidade de ressecção cervical. São eles: Transoral: preferido para lesões pequenas até 1,5cm. Ressecção segmentar da mandíbula Glossotomia labiomandibular mediana (fig12) Faringotomia supra ou trans-hióidea ou anterior (fig 13) Faringotomia lateral (fig 14)

Figura 12 Figura 13 Figura 14

Um defeito pequeno de até um terço da línua pode ser fechado primariamente. Caso haja ressecação de mais de metade da língua, ocorrerá contratura com o fechamento primário, além de diminuição do contato da língua com o palato, lábios e dentes, o que prejudicará a articulação e propulsão do bolo alimentar durante a face oral da deglutição. Portanto, ao se escolher a maneira de reconstrução, deve ser escolhido o que propicie a melhor função para mastigação, fala,degltição, e estética. As opções são as seguintes: Sutura primária Fechamento por segunda intenção Retalhos locais Retalhos regionais M. peitoral Latissimu dorsi ECM Trapézio Retalhos microvasculares Os retalhos livres são os preeridos para glossectomia quase total. Como complicação dos procedimentos, temos principalmente: Falha no enxerto: 0-15% Dependência de traqueostomia: 3-17% Aspirações em enxerto livre em 5%, contudo em fechamento primário é de 3% Taxas de sobrevivência em 5 anos para estágio I e II de 82% e 49% para III e IV Recorrência independentemente da terapia utilizada, em 5 anos, de 15 a 35%