ISSN 1517-8595 87 COMBINAÇÕES DE MEL E ACEROLA EM PÓ: AVALIAÇÃO REOLÓGICA Jean Carlos de Oliveira Freitas 1, Alexandre José de Melo Queiroz 2, Rossana Maria Feitosa de Figueirêdo 2, Adriana Evangelista Rodrigues 3 RESUMO Estudou-se o comportamento reológico de composições elaboradas com méis de abelha (Apis mellifera L.) e acerola em pó nas proporções mel/polpa de, 1, 2, 3, 4 e 5% (p/p) e nas temperaturas de 2, 25, 3, 35, 4 e. Os méis utilizados eram provenientes da região do Cariri Paraibano e a acerola em pó foi obtida mediante a secagem da polpa em secador do tipo spray-dryer. A obtenção dos dados reométricos foi realizada utilizando-se um viscosímetro marca Brookfield modelo RVT. Os dados experimentais de tensão de cisalhamento e taxa de deformação foram ajustados pelo modelo de Herschel-Bulkley, resultando em um coeficiente de determinação médio superior a,99. Os índices de consistência diminuíram com o aumento de temperatura e todas as amostras com adição de acerola em pó apresentaram comportamento pseudoplástico. Palavras-chave: reologia, Apis mellifera, Malphighia emarginata MIXTURE OF HONEY WITH ACEROLA POWDER: RHEOLOGICAL EVALUATION ABSTRACT The rheological behavior of the composition which was prepared with the bee (Apis mellifera L.) honey and West Indian cherry powder was studied. The composition was elaborated in proportions honey/powder of, 1, 2, 3, 4 and 5% (p/p) and at the temperatures of 2, 25, 3, 35, 4 and. The used honey was from Cariri Paraibano and the West Indian cherry powder was obtained by the drying of the pulp in a spray-dryer. The rheometric data were obtained through a Brookfield viscometer model RVT. The experimental data of shear stress and deformation rate were fitted through Herschel-Bulkley s model, resulting in a medium determination coefficient bigger than,99. The consistency indexes decreased with the temperature increase and all the samples presented pseudoplastic behavior with the addition of powdered pulp. Keywords: rheology, Apis mellifera, West Indian cherry INTRODUÇÃO De acordo com o Ministério da Agricultura (Brasil, 2) o mel é definido como o produto alimentício produzido pelas abelhas melíferas, a partir do néctar das flores ou das secreções procedentes de partes vivas das plantas ou de excreções de insetos sugadores de plantas que ficam sobre partes vivas de plantas, que as abelhas recolhem, transformam, combinam com substâncias específicas próprias, armazenam e deixam maturar nos favos da colméia. Sendo um produto cuja composição está associada à matriz floral, o mel pode ser classificado de acordo com sua origem botânica, procedimento de obtenção e apresentação. Protocolo 567 de 25 / 9 /24 1 Graduando em Engenharia Agrícola 2 Prof. Adjunto, Doutor, UFCG, Av. Aprígio Veloso, 882 Campina Grande PB, 5819-97, alex@deag.ufcg.edu.br, (83)31-1194. 3 Prof. Adjunto, Doutor, CCA/UFPB
88 Combinações de mel e acerola em pó: Avaliação reológica Balbach & Boarim (1992) afirmam que o mel é composto de enzimas, aminoácidos, ácidos orgânicos, minerais, substâncias aromáticas, pigmentos, cera, vitaminas, pólen e, principalmente, água e açúcares, onde estes são formados, principalmente, por glicose e frutose. Segundo Campos (1987) a glicose e a frutose representam cerca de 7% dos açúcares dos méis. Dentre as propriedades físicas dos méis as características reológicas tem destaque como fator de aceitação por parte do consumidor, que associa o comportamento viscoso do produto com a sua qualidade. Também, no processamento, tais características constituem fator determinante na adequação de equipamentos e demandas energéticas. As propriedades reológicas estão intimamente relacionadas com a composição e estrutura dos alimentos, haja vista que a viscosidade de cada produto está diretamente relacionada com a qualidade de produtos alimentícios que se apresentam na forma fluida, influenciando diretamente na textura e, portanto, na qualidade sensorial. Por outro lado, é de interesse industrial, o conhecimento do comportamento reológico dos alimentos durante os processos de elaboração como concentração, mistura, pasteurização e outras operações unitárias (Duran, 1991). O comportamento reológico é, também, parâmetro que serve para definir o projeto e seleção de equipamentos como bombas, trocadores de calor, evaporadores, esterilizadores, filtros e misturadores, utilizados industrialmente no processamento dos produtos. Diversos elementos exercem influência sobre o comportamento reológico dos fluidos, sendo que nos produtos alimentícios, compostos, em sua maioria, de materiais sólidos e água, o teor e a proporção dos sólidos solúveis e insolúveis são fatores determinantes no caráter viscoso destes materiais. Assim, a elaboração de novos produtos por meio da incorporação de princípios alimentícios ou medicinais ao mel promove uma alteração nas proporções dos constituintes, acarretando mudanças no comportamento reológico. Neste trabalho, foram elaboradas composições visando ao incremento do teor vitamínico de méis de abelha (Apis mellifera L.) por meio da incorporação de polpa de acerola em pó. Estudou-se o comportamento reológico das composições de mel/polpa nas proporções de, 1, 2, 3, 4, 5 e 6% (p/p) e nas temperaturas de 2, 25, 3, 35, 4 e. MATERIAL E MÉTODOS A etapa experimental foi conduzida no Laboratório de Armazenamento e Processamento de Produtos Agrícolas do Departamento de Engenharia Agrícola, no período de agosto de 22 a julho de 23. Elaboração das amostras O mel de abelha Apis mellifera utilizado nesse trabalho foi obtido na região do Cariri Paraibano, o qual foi homogeneizado em recipiente único a fim de se promover uma uniformização do lote. A acerola em pó, obtida por meio de secagem da polpa em spray-dryer, foi adicionada às amostras de mel nas proporções de %, 1%, 2%, 3%, 4%, e 5%, dando origem aos materiais que foram submetidos aos procedimentos experimentais. Reologia As medidas reológicas das amostras foram feitas nas temperaturas de 2, 25, 3, 35, 4 e 45ºC, utilizando um viscosímetro Brookfield modelo RVT, fabricado por Brookfield Engineering Laboratories, E.U.A. Para a obtenção das temperaturas, foi usado um banho termostático com aquecedor e bomba de circulação. Os ensaios foram realizados em triplicata, efetuando-se esse procedimento para todas as amostras. As leituras realizadas no viscosímetro foram transformadas em valores de tensão de cisalhamento e taxa de deformação (medidas reológicas), seguindo a metodologia de Mitschka (1982). A seguir as curvas foram traçadas e feito o ajuste pelo modelo reológico de Herschel-Bulkley (Eq. 1), utilizando-se o programa computacional Statistica 5.. H K H n H (1) em que: - tensão de cisalhamento (Pa) - taxa de deformação (s -1 ) H - tensão de cisalhamento inicial (Pa) K H - índice de consistência (Pa.s n ) n H - índice de comportamento do fluido (adimensional)
Combinações de mel e acerola em pó: Avaliação reológica RESULTADOS E DISCUSSÃO Nas Tabelas 1, 2, 3, 4, 5 e 6 têm-se os valores dos parâmetros para o modelo de Herschel-Bulkley e os coeficientes de determinação (R 2 ) para as diferentes amostras de mel com acerola e temperaturas. Verifica-se, nessas tabelas, a diminuição dos valores do índice de consistência (K H ), com o aumento da temperatura em todas as amostras, exceto para o material com adição de 5% de acerola em pó entre as temperaturas de 25 e 3 o C. Os valores desse parâmetro variaram entre,4 e 31 Pa.s n, e, especificamente, para o mel integral a 3 o C, situou-se em torno de 4 Pa.s n, estando abaixo do valor determinado por Dickie & Kokini citado por Steffe (1996), que foi de 15,39 Pa.s n para mel na mesma temperatura. O índice de comportamento do fluido (n H ) resultou menor que a unidade em todos os casos, exceto no mel integral nas temperaturas de 2 e, denotando pseudoplasticidade nas amostras. Já Pereira et al. (23), ao analisarem o comportamento do mel de abelha de 89 Melipona scutellaris (uruçu), verificaram valores de n H superiores a um, classificando-o como fluido newtoniano a 2 o C e dilatante entre 3 e 5 o C. Embora o índice n H não tenha apresentado uma tendência bem definida de diminuição com a temperatura, observa-se que seus menores valores foram obtidos na temperatura de e, de maneira geral, os valores nas três menores temperaturas superam os obtidos nas três temperaturas mais elevadas. A tensão de cisalhamento inicial ( OH ) apresentou valores inferiores a 3 Pa, sendo que, de acordo com Steffe (1996), esse parâmetro representa uma tensão finita (mínima) necessária para iniciar o escoamento, e é essencial em projetos de sistemas de processamento de alimentos como os equipamentos de processamento térmico tubulares, onde o perfil de velocidade é crítico. Os valores dos coeficientes de determinação (R 2 ), exceto na amostra com 3% de acerola em pó a, foram superiores a,99, inclusive resultando igual à unidade em algumas amostras, confirmando um bom ajuste do modelo aos dados experimentais. Tabela 1 - Parâmetros de ajuste do modelo de Herschel-Bulkley para o mel integral T (ºC) K H (Pa.s n ) n H OH (Pa) R 2 2 9,545 1,594 2,187,9998 25 6,9854 1,262 1,4731,9999 3 4,332,9591 1,6175,9998 35 2,662,9376,3448 1, 4,5555,975,5311,9998 45,445,9386,4921,9996 Tabela 2 - Parâmetros de ajuste do modelo de Herschel-Bulkley para o mel com 1% de acerola em pó T (ºC) K H (Pa.s n ) n H OH (Pa) R 2 2 14,1676,9919 1,1689 1, 25 8,9143,962,9337 1, 3 5,8322,9652 1,667,9991 35 3,65,8565,493,9999 4,896,9645,4956,9998 45,241,9224,3936,9998
9 Combinações de mel e acerola em pó: Avaliação reológica Tabela 3 - Parâmetros de ajuste do modelo de Herschel-Bulkley para o mel com 2% de acerola em pó T (ºC) K H (Pa s n ) n H OH (Pa) R 2 2 14,856,9954,4759 1, 25 8,32,987,6973,9998 3 7,15,9357 1,1157 1, 35 6,6471,7769 -,6139,9999 4 1,126,8886,397,9999 45,7968,8548,448,9995 Tabela 4 - Parâmetros de ajuste do modelo de Herschel-Bulkley para o mel com 3% acerola em pó T (ºC) K H (Pa s n ) n H OH (Pa) R 2 2 25,16,9619,2691 1, 25 13,7195,9353,8526 1, 3 1,5652,8885,5718 1, 35 5,2553,667,1144,952 4 1,4722,9177,634,9998 45 1,349,9497,4462,9999 Tabela 5 - Parâmetros de ajuste do modelo de Herschel-Bulkley para o mel com 4% acerola em pó T (ºC) K H (Pa.s n ) n H OH (Pa) R 2 2 2,261,941 -,349 1, 25 8,9976,9615,9728,9999 3 8,9636,9628 1,4846,9999 35 4,377,7563 -,448,9924 4 2,1675,9419,5333,9999 45 1,5137,982,4397,9999 Tabela 6 - Parâmetros de ajuste do modelo de Herschel-Bulkley para o mel com 5% acerola em pó T (ºC) K H (Pa.s n ) n H OH (Pa) R 2 2 31,2124,9455-1,3583 1, 25 15,1763,9821 1,7555,9999 3 18,1994,8632 -,148,9999 35 6,2631,825 -,1693 1, 4 2,595,8883,2386,9998 45 1,2561,9196,3764,9999
Combinações de mel e acerola em pó: Avaliação reológica A partir dos valores dos índices de consistência das diferentes amostras, foram propostas equações (Tabela 7) para o cálculo desse parâmetro em função da temperatura. 91 Constata-se que os ajustes são satisfatórios, com coeficientes de determinação (R 2 ) acima de,8. Tabela 7 - Equações de regressão linear do índice de consistência (K H ) em função da temperatura e coeficientes de determinação para as diferentes amostras Concentração de acerola adicionada ao mel (%) K H - (Pa.s n ); T ( o C ). Equação R 2 K H 15,8939, 3661T,969 1 K H 23,422, 5479T,944 2 K H 23,391, 5221T,8914 3 K H 39,3826, 9177T,93 4 K H 29,7251, 6793T,8344 5 K H 49,4933 1, 1398T,871 A representação gráfica da tensão de cisalhamento em função da taxa de deformação, ajustados pelo modelo de Herschel-Bulkley, são apresentados nas Figuras 1, 2, 3, 4, 5 e 6. As curvas de viscosidade aparente, representadas como a relação entre esses dois parâmetros, demonstram, pela posição no sistema de eixos, a influência dos aumentos de temperatura, provocando reduções nas viscosidades aparentes na maioria dos casos. Esse comportamento também foi observado por Lazaridou et al. (24) para méis produzidos na Grécia e avaliados nas temperaturas entre 2 e 6 o C. 35 Tensão de Cisalhamento(Pa) 3 25 2 15 1 2 o C 3 o C 4 o C 5 5 1 15 2 25 3 Taxa de Deformação (s -1 ) Figura 1 - Relações entre a tensão de cisalhamento e a taxa de deformação do mel integral ajustadas pelo modelo de Herschel-Bulkley
92 Combinações de mel e acerola em pó: Avaliação reológica 35 3 TensãodeCisalhamento(Pa) 25 2 15 1 2 o C 3 o C 4 o C 5 5 1 15 2 TaxadeDeformação(s -1 ) Figura 2 - Relações entre a tensão de cisalhamento e a taxa de deformação do mel com 1% de acerola em pó ajustadas pelo modelo de Herschel-Bulkley TensãodeCisalhamento(Pa) 18 15 12 9 6 2 o C 3 o C 4 o C 3 2 4 6 8 1 TaxadeDeformação(s -1 ) Figura 3 - Relações entre a tensão de cisalhamento e a taxa de deformação do mel com 2% de acerola em pó ajustadas pelo modelo de Herschel-Bulkley
Combinações de mel e acerola em pó: Avaliação reológica 93 5 TensãodeCisalhamento(Pa) 4 3 2 2 o C 3 o C 4 o C 1 5 1 15 2 25 3 TaxadeDeformação(s -1 ) Figura 4 - Relações entre a tensão de cisalhamento e a taxa de deformação do mel com 3% de acerola em pó ajustadas pelo modelo de Herschel-Bulkley 18 TensãodeCisalhamento(Pa) 15 12 9 6 2 o C 3 o C 4 o C 3 2 4 6 8 1 TaxadeDeformação(s -1 ) Figura 5 - Relações entre a tensão de cisalhamento e a taxa de deformação do mel com 4% de acerola em pó ajustadas pelo modelo de Herschel-Bulkley
94 Combinações de mel e acerola em pó: Avaliação reológica 25 225 2 175 15 125 2 o C 3 o C 4 o C TensãodeCisalhamento(Pa) 1 75 5 25 2 4 6 8 Taxadedeformação(s -1 ) Figura 6 - Relações entre a tensão de cisalhamento e a taxa de deformação do mel com 5% de acerola em pó ajustadas pelo modelo de Herschel-Bulkley CONCLUSÕES O modelo de Herschel-Bulkley utilizado para descrever o comportamento reológico dos compostos de mel resultou em bons ajustes aos dados experimentais, com coeficiente de determinação (R 2 ), atingindo valores acima de,9. Os índices de comportamento de fluido (n) resultaram menores que a unidade na maioria das amostras, indicando um comportamento reológico do tipo pseudoplástico. Verifica-se uma influência inversa da temperatura sobre índice de consistência (K), onde os aumentos de temperatura acarretaram reduções nos índices de consistência. A temperatura influenciou as viscosidades, que diminuíram conforme as amostras foram submetidas ao aquecimento. AGRADECIMENTO Ao CNPq pela concessão da bolsa de iniciação científica (PIBIC/CNPq/UFCG). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Balbach, A.; Boarim, D. As frutas na medicina natural. 1. ed. Itaquaquecetuba: Editora Missionária, 1992. 38p. Brasil. Instrução normativa nº11, de 2 de outubro de 2. Estabelece o regulamento técnico de identidade e qualidade do mel. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 out. Seção 1, p. 16-17. Campos, M.G.R. Contribuição para o estudo do mel, pólen, geléia real e própolis. Bol. Fac. Farmácia de Coimbra, Coimbra, v.11, n.2, p.17-47, 1987. Duran, L. Controle de qualidade de alimentos, In: Seminário de controle de qualidade na indústria de alimentos: Resumos, Campinas, ITAL, 1991, p.1. Lazaridou, A.; Biliaderis, C.G.; Bacandritsos, N.; Sabatini, A.G. Composition, thermal and rheological behaviour of selected Greek
Combinações de mel e acerola em pó: Avaliação reológica honeys. Journal of Food Engineering, v.64, n. 1, p.9-21, 24. Mitschka, P. Simple conversion of brookfield RVT: readings into viscosity functions. Rheologica Acta, Prague, v.21, n.2, p.27-29, 1982. Pereira, E.A.; Queiroz, A.J.M.; Figueirêdo, R.M.F. Comportamento reológico de mel da 95 abelha uruçu (Melipona scutellaris, L.). Revista Ciências Exatas e Naturais, Guarapuava, v.5, n.2, p.179-186, 23. Steffe, J.F. Rheological methods in food process engineering. 2. ed. Michigan: Freeman Press, 1996. 418 p.
96 Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.6, n.1, p.96, 24